Natã entrou na oficina, cambaleando e esbarrando no que lhe aparecia pelo caminho. Ele tentava conter a dor nas costelas, pondo a mão por cima delas. Em vão. Elas trincavam em seu corpo, cansado de seis anos de luta.
- Eu sabia! - exclamou Damião, enxugando a mão suja de graxa e assistindo Natã invadir seu galpão – quando ouvi as notícias no rádio, imaginei que você iria se meter naquele pandemônio!
Despencando sobre um sofá velho, Natã tirou da cabeça a máscara negra, e, do pescoço, o lenço prateado. Tentou inclinar-se para tirar o coturno. A costela não permitiu.
- Não me leve a mal – disse Damião, o mecânico, guardando o pano no bolso de seu macacão sujo de graxa, e pegando de um armário o estojo de primeiros socorros - Seus truques de capoeiragem são impressionantes. Mas já sabia só isso não dava conta.
- Verdade – Natã grunhiu quando Damião anestesiou-lhe, e depois passou a amarrar ataduras em seu dorso – eu devia ter passado aqui antes.
O mecânico levantou-se em seguida, junto à parede da oficina onde estava pendurada a medalha recebida quando era armeiro da Polícia Especial:
- É sério. Ninguém tem suas capacidades de improviso e assalto. E toda a malandragem teme a forma como você adaptou o antigo estilo da Navalha-Guardada para usar bombas pequenas. Mas, depois de tantos anos, você já deveria saber que nem bombas de efeito moral, nem navalhas, vão sempre salvar sua pele!
- Era o que eu tinha. E, como você disse, a vagabundagem treme.
- Mas não é com meliantes que você está lidando hoje.
- O que sugere?
- Vinte dias de férias em Paraty?
Natã voltou os olhos para Damião, mirando-o com os dois olhos, um deles roxo.
- Imaginei que a resposta seria não – concluiu o mecânico – vem comigo.
Ambos caminharam mais para dentro do estabelecimento.
- Qual seu ponto? Um traje específico? – perguntou Natã.
Abrindo o portão de ferro da parte de trás da oficina, Damião chegou à sala com vários uniformes policiais. Eram todos reformulados à mão. O azul, de jaqueta reforçada, para motociclismo. O cáqui, para combates durante dias calorosos. O vermelho, de amianto, para resgate em incêndios. O negro, com bandoleira e metralhadora, para ações táticas.
Natã, que vinha logo atrás, conhecia a todos e já tinha se valido de cada um deles, em sua temerária cruzada de seis anos.
Mas uma coisa ali era nova.
O mecânico puxou uma cortina, que separava aquele setor da oficina. Depois, puxou a que levantava uma lona verde cheia de graxa, a qual cobria algo enorme ali estacionado.
Natã arregalou os olhos:
- Irmão...isso aí...é o...
Damião olhou para seu cansado amigo, e sorriu diante do semblante estupefato dele.
- É. É ele mesmo – respondeu o mecânico, contemplando, cheio de orgulho, o veículo diante deles.
Aproximando-se do automóvel, Natã sequer ligou para o novo traje que ali estava. Apesar de ter, também, notado aquela novidade.
…
O tiro para cima fez um barulho estridente, entre o som das bombas de efeito moral que esfumaçavam a avenida:
- EVACUEM! EVACUEM MISERÁVEIS! – gritava aos cuspes o gordo inspetor de polícia, de face ruborizada e colérica.
A multidão, desesperada, corria pela Avenida Rio Branco. O povo fugia do inspetor e do volumoso batalhão de choque que o acompanhava, deixando para trás de si as bancas de jornal queimadas e o furgão que a própria turba, em protesto, tinha virado ao chão.
Não dispersaram, porém. Pararam assim que perceberam vir a seu encontro o sinistro carro de pacificação urbana, que parecia um caixote retangular e blindado. Todos conheciam aquele modelo: era o temido “Brucutu”. Mas o que fazer naquela situação, encurralados? Fugir pelos becos e travessas da avenida?
Não foi preciso decidir. O Brucutu parou. Sem disparar jatos de água, nem bombas de efeito moral. Como que por instinto, o povo, observado de longe pelo incrédulo inspetor de polícia, também parou, diante do veículo.
- CIDADÃOS! – bradou o autofalante do veículo – chorem o luto de vocês!
A multidão então ouviu, com lágrimas nos olhos, o Brucutu repetir a Carta-Testamento do presidente morto. Pegaram do chão os cartazes e faixas de apoio. O inspetor, que cumpria visceralmente as ordens de não permitir que o povo fosse às ruas chorar, arregalou os olhos.
De dentro do veículo, Natã preparava o espírito junto ao volante. Sob um novo traje, cinza, equipado com escudo, cassetete e lança-granadas, analisava a formação do batalhão de choque, que tomava a avenida.
Não eram meliantes que ele iria enfrentar. Mas, naquele dia, era diferente. Precisava ser diferente. E foi diferente.
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