koushirou Yoshi Koushirou

Queda. Ato de cair, ocupar-se da gravidade, desfalecer em direção ao solo. Deixar de existir em plano superior, desapegar-se de status social e hierarquia soberana. Neste mundo criado por um Deus egoísta e ausente, tudo é passível da queda. Coletânea de contos, relacionados ou não, diretamente, entre si.


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#romance #yaoi #conto #fantasia #gay #drama #tragedia #não-fantasia #original
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Abaddon

Inexpressivo, observava o próprio reflexo na água translúcida e calma. O lago, de aparência etérea e quase ilusória, guardava sobre sua superfície espécimes distintos de protótipos de animais cujas penas tom carmim reluziam na luz do sol eterno. Os anjos sempre ficavam com as criaturas mais bonitas perto de si, e aos homens restaria o que, um dia, chamariam de cisne ou ganso.

Quis encontrar o Criador e desejou encontrar, egoísta, uma imagem para si. Os humanos, criados por um Deus criativo, se assemelhavam ao físico cintilante dos anjos do Senhor. Os verdadeiros filhos de Deus, cujas asas eram suas maiores particularidades e não havia sequer uma igual a outra em todo o Reino do Senhor, eram o retrato inicial e base dos homens e mulheres que residiam na Terra. Engraçado pensar que aquelas criaturas desengonçadas e desajeitadas, peculiares e tão iguais, eram forjadas à semelhança dos guerreiros divinos...

Abaddon, então, tocou a água, quebrando a tensão superficial daquela tigela entediante e, por fim, apreciou as linhas distorcendo sua face sem rosto. Agraciado com inteligência e conhecimento infinitos, nunca pôde pôr os olhos por sobre qualquer coisa que pudesse chamar, um dia, de seu. Grande seria a valia de algo que não conhecesse.

Queria encontrar Deus para ver os homens em Seus olhos. Ali poderia ver o relance de todo o universo inacreditável e belíssimo que seu Pai havia, num piscar de olhos, criado. Seu maior projeto, maior até mesmo que cada um de seus filhos anjos, guardava os humanos naquela redoma verde e azul, cheia de água, fogo e natureza, como uma criança guarda seus brinquedos mais preciosos dentro de um baú, debaixo da cama.

Abaddon desejava que esses humanos, tão preciosos, também soubessem do que ele sabia. Desejava, toda vez em que pendia o rosto para o lado e os olhos para baixo, que aquelas criaturinhas tão pequenas e engraçadinhas soubessem sobre a física e a engenharia. Que escrevessem e desenhassem, que descobrissem que eram insignificantes em relação ao universo, mas gigantes em relação à Terra e, por que não, aos anjos também. Eram os favoritos, afinal.

“Lhes dei asas, sabedoria e poder”, o Pai dizia, em suas raríssimas comunicações com seus filhos. “E, aos humanos, unicamente dei a natureza”. Esse discurso, Abaddon sabia, muitas vezes era sigilosamente dirigido a si. “Portanto, eles têm a bênção da ignorância”.

Ouviu Miguel, certa vez, dizer que o conhecimento era doloroso. O saber, nas mãos de criaturas primitivas e frágeis como os habitantes do novo mundo Terra, seria destrutivo e os mataria. Injusto, pois bem, tratar as criações do próprio pai com tamanho desdém. Se houvessem de matar, entre si, que o fizessem. Hipócrita dizer que não havia guerra entre os seres divinos e profanos, os representantes dos dois lados de uma equação desbalanceada.

Seu único objetivo, quando não estava ocupado entediado, observando os afazeres de anjos soldados ou de pequenos querubins mensageiros, era descobrir como a vida podia ser tão rápida e inconvenientemente vazia no mundo degraus abaixo do Céu. Ansiava pelas criações que essas criaturas trariam, sabia muitíssimo bem do que seriam capazes se tivessem apenas um vislumbre de somente um pouquinho do que conhecia. Já sabia, inclusive, o nome que dariam a cada pequena coisa, um hábito engraçado esse, dos humanos.

Assim, munido de coragem e insensata ânsia, Abaddon ergueu-se de seu observar apático do lago dos anjos, assustando a um dos gansos vermelhos que cuspia água cristalina na própria penugem. Caminhou sabendo que se pensasse demais seria descoberto, e despiu-se de todos os receios que, talvez, um dia, teve. Atravessou o Céu com passos lentos, guardando as asas o mais rente possível do próprio corpo, irradiando leve luz de santidade, e desejou ardentemente que a queda não fosse tão dolorosa quanto diziam ser.

Ouviu sobre Lúcifer durante toda a sua existência, o conheceu pessoalmente. Eram irmãos, nasceram juntos, e entendia seus motivos. Se ele pôde buscar um caminho distinto, também o faria. Anjos treinados para batalhas, anjos treinados para enviar recados, dar exemplos, assassinar, assustar criaturas irracionais e insignificantes. Asas brilhantes, seres que vertiam luz e fediam à santidade nada mais eram do que seres patéticos, programados para um único propósito: o egoísmo. A matança, afinal, era necessária?

Quando atravessou o Céu, vislumbrou o Paraíso e, então, quis sorrir. Nunca mais veria aquela cena, aquele projeto de Terra perfeito e inabalável era vazio e, por fim, continuaria assim. Nunca existiu serpente no paraíso, Adão e Eva não passariam de um conto bobo contado por mercenários aos iludidos crentes e tementes, temerosos à própria natureza pecaminosa. Mas, então, por que havia se criado o pecado e este era tão tentador, se não deveria acontecer? O sadismo santo, afinal, também deveria ser pecaminoso.

Na borda dos portões dos Céus, deixou a cabeça descansar no próprio ombro. Por um instante, soube que os humanos, assim que soubessem sobre os anjos, os estereotipariam com armaduras, lanças e elmos dourados, da cor do sol, e contariam histórias mil sobre seus feitos, bravuras e guerras. Decerto, estariam apontando para a realidade, mas os trajes de guerra dos angelicais não eram feitos de ouro e, tampouco, tinham peso. Forjados de luz e divindade, tinham o peso das penas das asas do mais adorável querubim e a beleza do sorriso do mais certeiro cupido. A coroa divina, decerto, pesa muito mais.

Dali, Abaddon deleitou-se com as nuvens e a atmosfera que a Terra demonstrava, de longe, deixando claro seu próprio ecossistema. A forma como girava, tão lentamente, a fazia parecer com um terrário cheio de formigas e, dali, sentia-se um observador onipresente, um leitor curioso. De suas mãos, que tentava não encarar, sem exata forma e constituídas por uma energia grosseira e pura, não soube que formato dar ao conhecimento. Não soube, pela primeira vez, a resposta de absoluta e qualquer pergunta.

Seria pego no flagra, caso se demorasse apenas mais um instante. Rafael já demonstrava desconfiança sobre suas atitudes e personalidade, não seria surpresa alguma se fosse seguido até ali. Miguel soube bem quais irmãos reunir para seu próprio exército particular.

Num rompante, Abaddon abriu os braços e deixou-se cair da massa dourada e fofa que sustentava a borda do Céu. Em sua queda, permitiu-se olhar para seu antigo lar e, num meio sorriso, entendeu que os humanos colocariam anjos em nuvens graças ao formato daquela plataforma disforme e nebulosa.

Ouviu, sentiu, e sequer precisaria ver, a chegada de Miguel e mais alguns de seus fiéis seguidores. Quis, debochado, acenar para todos eles, em sua queda livre, de costas para a Terra, mas não se importava mais. Nunca se importou com sequer um deles, e sua missão era muito maior. Num suspiro quase doloroso, abriu suas asas e deixou que, delas, penas desprendessem e caíssem sobre aquela camada que, posteriormente, os humanos chamariam de Exosfera. Suas penas, cinzentas e donas de relance prateado, chumbado, caíram como pequenos meteoros. Anjos de todos os tipos e patentes voavam, em sua direção, na caçada às pequenas crias de Abaddon, munidas do conhecimento que Deus havia se negado a presentear os humanos.

Seria esse o plano divino?

Deus havia o criado para que se rebelasse?

Odiava a forma como tudo ocorria em entrelinhas.

A queda, refletiu, não é como dizem as lendas. Cada parte de seu ser doía ensandecidamente, das articulações das asas e a pele da nuca e costas queimando exatamente como deveriam queimar: como se estivesse abdicando de sua santidade e fundamento, exonerando-se de sua primordial função. Renegando ao Deus que havia lhe criado, desrespeitando o Pai que havia lhe dado a vida e o saber.

Não se arrependeu.

Conforme cada parte de si latejava e destruía, cada vez mais perto da Terra, vislumbrou satisfeito todas as conquistas dos humanos pelos quais se sacrificava naquele momento. A cura, a arte, a ciência, e nem mesmo pôde se entristecer pelas guerras e crueldades. Se esta era a natureza deles, independentemente do sacrifício de Abaddon, uns matariam aos outros.

Vislumbrou construções, ensinamentos, almas salvas. As histórias, a escrita, o folclore, a cultura. Cada povoado que, lentamente, se transformaria em cidade e, então, país. A divisão do mundo, a globalização, a informatização. Todos os avanços, simultaneamente, existindo em todas as linhas temporais e multiversos disponíveis na Terra.

Soube, neste instante, que em seu sacrifício, havia se realizado.

Abaddon havia feito mais do que qualquer outro anjo.

Abaddon havia feito mais do que Deus.

Abaddon amava os humanos muito mais do que qualquer um.

Muito mais do que o Criador.

Num último observar, percebeu que a Terra era majoritariamente azul.

Azul...

04 Şubat 2022 17:20 0 Rapor Yerleştirmek Hikayeyi takip edin
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Sonraki bölümü okuyun Abaddon

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