limagisa30 Giselle Lima

Uma pequena seleção de contos, escritos a partir de experiência de vida e inspiradas pela leitura de grandes clássicos da literatura contemporânea, como José Saramago, que mostram facetas do ser humano, sua essência e a capacidade de crescer e se reinventar, "Rabiscos ao vento" nos permite vislumbrar o projeto de vida que é o ser humano, além de poder nos identificar com aspectos da vida que normalmente nos esquecemos, na corrida diária e frenética por sobrevivência. Os contos aqui escritos e selecionados permitem nos observar e ver quem somos e vislumbrar aquilo que desejamos em nós e assim construir nossa própria identidade.


Kısa Hikaye Tüm halka açık.

#literatura-brasileira #contos #ficção #título
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O gato

Uma sucessão de paredes descascadas e sem vida, corredores mal iluminados, com uma única janela, cuja fresta de luz era filtrada por uma persiana cor de pêssego, um elevador, dentro do qual a lâmpada interna piscava de tempos em tempos. E, dentro desse cenário deprimente, pessoas, cujas vidas medíocres e vazias por elas deslizavam, feito mortos-vivos, cada uma para seu destino diário, tropeçando em um par de olhos que, constantemente, os torturavam, lembrando-lhes do quanto desejavam estar em qualquer outro lugar que não fosse ali.

Os apartamentos, que mais pareciam caixas de sapato, deixavam pouca margem para a expansão de sua existência. Uma enfermeira que viera do interior, a fim de viver em uma cidade onde pudesse constituir família e para onde, depois de alcançar uma boa situação financeira, traria seus pais, agora bocejava, enquanto olhava com desdém para o elevador que, com um forte solavanco, a levava até o térreo do edifício. Seriam pelos menos duas horas até o hospital universitário onde trabalhava, e cada minuto adiantada era essencial para pudesse chegar o mais descansada que fosse, uma vez que os pacientes culpa alguma tinham de seus percalços individuais.

Um agente imobiliário que perdeu tudo que tinha ao se divorciar, agora fazia o que podia para equilibrar as contas, para o dia em que pudesse respirar, aliviado, dando a si mesmo o conforto de uma casa só sua; e um jovem universitário que, constantemente, tentava contrabandear um fumo particularmente incômodo e conhecido por todos para o aconchego do caixote.

E, sob o seu atento olhar, estava um velho professor que, nos dias de hoje, já não mais ouvia, a não ser que batessem nas paredes, a vibração a indicar-lhe as horas que seus vizinhos começaram sua rotina diária, ou o modo como ela encerrava. Suas atentas mãos traduziam tudo que as paredes lhe contavam: o garoto que fumava seu baseado de todo dia, levando constantes broncas dos vizinhos dos apartamentos próximos, já que o cheiro (que também o incomodava) era demasiado desagradável. A enfermeira, que, sempre irritadiça, batia a própria porta ao adentrar o lar – quando não batia nas portas dos outros, ao menor sinal de barulho, ansiosa por um pouco mais de um gostoso e duradouro sossego. O corretor quase não “falava” com suas paredes, mesmo seus apartamentos sendo tão próximos. O velho professor quase não sabia de sua vida e, caso algo lhe acontecesse, ninguém saberia, uma vez que não mais tinha família e, sendo tão reservado, nunca recebia visitas.

De modo geral, esse simpático catedrático sabia da vida de todos naquele andar em especial (à exceção do vizinho discreto). Raramente alguma coisa escapava de suas mãos, cujas vibrações interpretava de forma ansiosa e voraz. Este também não tinha mais família, uma vez que esta o acompanhara nos tempos de bonança, quando tinha um dos cargos de professor mais respeitáveis, era orador de grandes plateias, repletas de jovens atentos, ansiosos, com sede de conhecimento. Lecionar era o que amava e tudo o que sabia fazer. Com o tempo, seu corpo já não mais acompanhava seu ritmo, ainda que sua mente aguçada estivesse mais afiada que nunca. Contudo, o mercado ansiava por mentes cada vez mais jovens. Com a velhice, inevitável a todos, vieram, junto com a aposentadoria, o abandono, uma vez que não podia mais manter o padrão de vida que tinha antes, e a solidão, fatal a todos que a essa fase chegavam. E, não bastasse tudo isso, sobreveio-lhe a surdez, para lembrá-lo do quão próximo do fundo do poço um homem considerado improdutivo poderia chegar. Sua existência só não era mais infeliz, nos dias de hoje, devido a duas contribuições que não apenas alegravam sua existência, como o faziam sentir-se mais vivo.

Uma bibliotecária que não tinha mais do que jovens 35 anos todos os dias voltava com alguma novidade do trabalho, fosse uma poesia, uma peça teatral (um gênero que ela não apreciava muito), ou um artigo demasiado interessante que havia lido eram partilhados avidamente com esse gentil orador que, muito feliz, conseguia passar novamente todo seu conhecimento acumulado em anos de regência. Ambas as mentes, muito afiadas, constantemente trocavam ideias, sobre Literatura, Filosofia e quaisquer outros assuntos que fossem do seu interesse.

O lanche da tarde era sempre a refeição mais divertida para ambos. Mesmo a barreira da falta de audição não fora um empecilho para esse fascinante intercâmbio cultural. Hábil em superar problemas na seção de Literatura Infanto-juvenil, ela havia conseguido duas lousas mágicas e, toda vez que trocavam ideias, estas eram escritas e degustadas até a exaustão, até que anoitecia e, quando ela não ficava para jantar em sua casa, frequentemente o convidava para comer em sua própria, e assim ambos continuavam a conversa iniciada no fim de tarde.

Além dessa jovem afiada de mente e espírito, os olhos atentos, que agora ronronavam, se enroscando nas pernas da moça, também eram sua companhia constante, principalmente quando ela saía de casa. Assim, passava para ele a tarefa de manter esses olhos de síndico, sempre vigilantes, na linha, para que não fizessem deles um belo tapete persa, deixando sua dona em lágrimas.

Graças a esses dois, seus dias eram os mais felizes, preenchidos de sol e tranquilidade. Quase nada quebrava aquela gostosa rotina. Mesmo os vizinhos mais “barulhentos” não o incomodavam. Um violoncelista que morava em um daqueles caixotes tinha uma rotina de estudos muito rígida, acompanhada de um emprego de meio expediente como garçom no centro da cidade. Cada centavo que guardava tinha um objetivo claro, ajudar nos custos do curso de música que planejava fazer pela universidade. Ele também tocava de forma amadora no mesmo bar. As horas de ensaio eram intensas, fazendo com que sua jovem amiga, sempre que entrava em casa, tivesse um ar enleado e suave, como só proporcionado pela música erudita. As horas de ensaio só não conseguiam superar a emoção levada pelas belas companhias que ele trazia, para irritação da enfermeira ranzinza. As vibrações nas paredes do músico só superavam em potência as dela, resultado de muita raiva. Fora isso, sua rotina era a mais tranquila possível. Até aquele fim de tarde.

Naquele dia em particular, a existência de todos era a mesma: as mesmas pessoas deixavam seus caixotes, se arrastando até o elevador, algumas, mesmo sonolentas, conseguiam se desviar a tempo de topar com o síndico, outras, não tão atentas, nem tão felizes, acabam por desabar no chão, raivosas, até que viam o motivo de terem despencado ao solo com tão pouca elegância, dizendo um rosnado e ao mesmo tempo polido, “Bom dia, Pom-Pom”. Quase sempre, ao topar com ele, ficavam nervosos, um ar de “fiz coisa errada”, e faziam o possível para desviar do síndico. Era assim durante todo dia, enquanto durasse a movimentação daquele andar, até que sua dona chegasse, e este voltasse para o calor do seu lar e, consequentemente, o colo de sua mantenedora.

Tudo corria bem até que as felizes Cinco horas da tarde chegassem, acompanhadas do violoncelista, seu fiel instrumento às costas, junto de um casal que mais parecia não saber o que fazia ali. Os dois pareciam muito constrangidos. Talvez consigo próprios. Aquele ambiente, para ela, era familiar, já que morava no próprio caixote (bem longe dali, claro). Ele, no entanto, criado no luxo, já desfrutara, recentemente, do desprazer de ter sido instalado em outro caixote, um pouco menor aquele (forçosamente, vale ressaltar, seu emprego dependia de aceitar essa instalação), e agora lhe vinha uma sensação incômoda de claustrofobia ao imaginar entrar em um ambiente tão apertado de novo.

O músico, independente dessas reações, ficou felicíssimo em emprestar sua moradia para o casal. Os dois pareciam bem incomodados, mas contentes com o empréstimo. Não sabiam dizer o quanto eram gratos – ou talvez não quisessem. Estavam muito preocupados com o que ele podia pensar deles. Mas o objetivo ali era simples e a estadia, breve. Após concretizar o que vieram fazer ali, iriam embora.

Esse trio por muito pouco não esbarrou em nosso fiel síndico, os pelos eriçados, a juba muito fofa, mas os olhos brilhantes, meio que acusadores. Isso, feliz ou infelizmente, não diminuiu o encanto causado pelo animal. A moça olhou-o por vários minutos antes de agachar-se, literalmente apaixonada, e brincar com o nosso querido síndico. O dito, cuja juba estava mais fofa que nunca, começou a miar, deslizando o próprio corpo peludo nas pernas desta quando levantou. Os outros dois, no entanto, o olhavam, desconfiados. O músico simplesmente tentou enxotá-lo com os pés, arrancando uma careta zangada da moça. Ele apenas deu de ombros.

“Esse é o meu vizinho mais intrometido, ainda que a dona dele não o seja,” ele ria “O Pom-Pom meio que dá uma de síndico e pensa que todo mundo tem medo dele”, ele mudou o tom da voz ao se dirigir ao animal, “só pensa, porque esse aí não mete medo em ninguém, né, bichano?”

O gatinho, ao ver-se agradado por humanos tão gentis, começou a ronronar, exigindo seu respeito de síndico, ganhando mais afagos que antes. O dono do caixote, no entanto, não era fã de gatos, então não participou da demonstração de fofura, limitando-se a ir em direção ao elevador. Sorrindo, ele ainda voltou-se para o casal.

“Apenas tentem não fazer muito barulho, sim?” ele ainda sorria, ao apertar os botões, “os vizinhos daqui não são tão gentis quanto eu”, e, depois dessa recomendação, ele sumiu dentro do elevador, indo para seu destino da tarde. O casal, depois de dispensar nosso astuto síndico, adentrou o caixote para eles cedido, tratando de acomodar-se. O síndico ainda esperou um pouco mais de atenção, e, vendo que a fonte ali secara, voltou-se para o apartamento do professor, que o acolheu, atencioso, até a hora de sua dona chegar, trazendo uma nova enxurrada de afagos, deixando nosso síndico muito mal acostumado.

Tudo corria dentro da normalidade, nossos dois amigos trocando ideias como costumavam fazer todas as tardes, quando um barulho muito forte começou a assustá-los. A jovem começou a apertar em seu colo a massa peluda, que começou a miar, irritadiça. O professor, no entanto, já profundo conhecedor daquelas paredes que tanto conversam com ele, já fazia ideia do conteúdo daqueles sons, uma vez que se já habituara a eles. A enfermeira ranzinza também já havia percebido a natureza dos ruídos, já que ouvia bem ainda, então, mais que depressa, abandonou o conforto do seu caixote, batendo a porta do vizinho, chamando os mais terríveis palavrões já aprendidos em toda uma vida. Os outros, muito assustados saíram de seus caixotes, tentando descobrir a natureza de tamanhos impropérios. Vendo que vinham do apartamento do músico, voltaram para seus lares, já mais que acostumados com aquilo.

Mesmo batendo na porta e apertando a campainha com vigor, despejando uma tonelada de impropérios, ainda assim, o casal dali não saiu. Nem para dar satisfações. Furiosa com tanto desrespeito, ela voltou para dentro de casa, furiosa.

Após essa sessão de impropérios, restou ao professor e a jovem vizinha esperarem, no corredor, os ruídos pararem para que pudessem voltar às suas rotinas. A jovem, que também ouvia ainda, ficava cada vez mais vermelha de vergonha com a natureza dos ruídos. O professor, no entanto, sabia apenas o que as paredes lhe diziam. Ao ver que ele tentava saciar sua curiosidade, a moça deixou-o à vontade, dando de ombros, um simples “para mim já deu” e voltou para sua moradia, levando nosso síndico peludo consigo. As paredes ainda conversavam com nosso simpático professor, até que, em um dado momento, simplesmente emudeceram, dando a entender que os novos ocupantes daquela caixa de sapatos já alcançaram o objetivo pretendido. Sozinho naquele corredor, as paredes em silêncio, nosso simpático catedrático sorriu, admirado. De muito bom humor, ele simplesmente tirou o chapéu e curvou-se na direção da porta do músico, cumprimentando quem quer que estivesse ali, com um único pensamento feliz, antes de refugiar-se em seu próprio caixote.

“Nossa... Ele manda muito bem”!



Fim.

06 Ocak 2022 22:19 0 Rapor Yerleştirmek Hikayeyi takip edin
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Sonraki bölümü okuyun Dia de escola

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