Eu estava no meio da fase do boss, quase o derrotando com um super soco fatal, quando senti um calor repentino no quarto, como se a lareira tivesse sido acesa no meio do cômodo. Mas eu nunca tive uma lareira.
Dei um pause no jogo bem no momento que o lagartão gigante rodava no lugar para me derrubar com sua cauda quilométrica e uso a cadeira para virar para o resto do meu quarto. Em cima do tapete felpudo que minha mãe havia comprado em uma liquidação de móveis e decorações horrorosas – e que eu somente concordava em deixa-lo ali porque, dã, tapete felpudo – estava o motivo daquele calor repentino. Um homem... não, demônio, no mais autêntico sentido da palavra, me encarava com seus olhos frios e vermelhos. Tipo quando tiramos foto com flash.
Ele não estava feliz, isso era bem claro.
– Leonardo Felipe da Silva.
Entortei o nariz para o demônio com chifres de bode e coxas maiores do que um bombadão-com-whey-da-academia.
– Tem mesmo que falar meu nome inteiro? Credo. Nem mesmo minha mãe me chama assim. – Como ele continuou me encarando daquele jeito meio maligno eu suspirei, entediado – Não me diga que veio me oferecer mais um pacto? Sem querer soar grosseiro, mas eu já me formei na escola, não preciso mais de ajuda para passar na prova do Cleiton.
Um nove na prova de física em troca da minha alma? Pff, eu nem podia usar a alma pra comprar pão na esquina, pelo menos assim ela havia servido um propósito maior; me formar na escola e impedir que eu fosse deserdado caso reprovasse com as piores notas da história da escola. E, olha só, eu estava me virando muito bem sem ela.
– Não. – Ele disse e sua voz rouca e demoníaca reverberou pelo meu quarto.
– Então se não veio por mais um pedaço da minha alma, a que devo sua ilustre visita, Belzebu?
O homem demônio contraiu seus olhos para mim e tive certeza que se ele pudesse me fritar com o olhar, teria o feito naquele instante.
– Não me chamo Belzebu.
– Está bem – falei com calma, entrelaçando os dedos da mão sobre o colo, como faria com uma criança pequena – Qual é o seu nome?
– A simples pronuncia do meu nome traria essa pequena casa sua às ruínas.
Olhei para ele por uns segundos. Ele não piscou.
Certo.
– Hã, ok. Sem nomes então.
Falando em demônio temperamental...
Jesus, isso é o que se ganha tentando ser educado.
– Eu vim para lhe devolver a sua alma.
– Devolver? – Repeti, incrédulo – Calma aí, parça, você não vai retirar meu nove em física. Achei que esse tipo de pacto não tivesse abertura para devolução.
E se ele pudesse mesmo fazer isso? Isso significava que eu estaria reprovado e deserdado? Dona Cristina não me deixaria nem mesmo ficar com o tapete quando me chutasse para fora de casa.
– Nada na vida ou na morte é eterno. – Foi a resposta dele.
– Bom, e você não pensou em passar comigo as cláusulas desse contrato, não é? – Levanto da cadeira e fico na frente dele, com meus quase cinquenta centímetros a menos. O cara faria sucesso com as mulheres, com aquele físico e os olhos penetrantes. Tirando, claro, os chifres bizarros e o mau-humor – Adivinha só, amigo, eu não vou aceitar isso. Estou bem feliz com minha escolha. Lide com a sua.
O porte de machão dos infernos decaiu um pouco quando seus ombros perderam a firmeza. Ele pareceu até... vulnerável.
Hmm.
– Não tenho intenção nenhuma de pegar a sua nota de volta, meu único propósito é devolver a parte de sua alma que levei comigo.
De repente me vi sentindo um misto de alívio e indignação.
– Minha alma não é boa o suficiente pra você, por acaso?
– Ela me deixa – ele fez uma pausa e desviou os olhos vermelhos dos meus, o que o desmascarou completamente – melancólico.
Eu tive que rir.
– Ah, não diga. Tive que conviver com a digníssima desde, deixe-me ver... Desde que eu nasci. – Cruzei os braços, erguendo as sobrancelhas – Não me diga que não consegue aguentar um pouco de tristeza no seu coração.
Ele ficou em silêncio e ri mais ainda.
– Pelo amor de Deus, não se fazem mais demônios como antigamente.
Isso finalmente o fez voltar a sua ira inicial.
– Se eu soubesse que você era tão quebrado por dentro eu nunca teria feito a proposta. Não sou obrigado a carregar a alma de um depressivo maldito para toda a eternidade em troca de uma nota. Não a quero mais.
– Ué, não foi você que acabou de falar que nada é eterno?
O demônio parecia prestes a me esganar.
– Não consigo mais obter felicidade ao escutar os gritos dos recém-mortos ou o gosto de sangue fresco na ponta da língua. Eu só sinto... o vazio e o frio, em tudo que faço.
– Sinto muito mesmo! – Digo com afetação, colocando uma mão sobre o peito – Caramba, não sentir prazer com o gosto do sangue, isso deve ser realmente uma punição.
Fico bastante orgulhoso do meu trocadilho, ao contrário do outro.
– Você não entende.
– Pode crer, eu entendo sim. Você está só com um pedaço dela e só se passaram três meses. Eu estou dezessete anos com ela inteira. Acredite, eu entendo bem.
– E se acostume – acrescento, vendo-o fazer uma careta – Hoje em dia, todo mundo está assim. Muitos ainda piores que eu. Achar uma alma limpa e alegre, saltitando pelos campos floridos como Perséfone vai ser como achar uma pérola em uma concha. Boa sorte.
Acho que o que falei o afeta ainda mais, porque em um conjunto de raiva e medo bastante palpável no ar, o demônio esticou sua mão aberta em minha direção e a alma voltando para meu corpo teve um impacto de um tiro de espingarda, me derrubando de volta na cadeira gamer. Minha cabeça girou e senti uma forte ânsia de vômito. Quando aos poucos minha visão foi voltando ao normal e o demônio deixou de ser dois para voltar à unidade, fui capaz de sorrir e balançar a cabeça.
– Todos são fracos como você?
– Para o bem de todo mundo – ele disse, sério e triunfante – nunca mais troque sua alma com ninguém.
E evaporou em uma nuvem de fumaça vermelha, quente como o próprio inferno.
Novatos, penso e reviro os olhos.
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