rhucaroline Rhu Caroline

É possível fazer do mundo um lugar melhor sendo uma criatura destinada a viver nas trevas? Essa é a questão de Alice abordada neste conto. -------- Cover image: a edition of an art by Juliansch (artstation.com/juliansch) Disclaimeer: Este conto faz parte do universo de Imortais, main história que escrevo desde 2009. Removi o primeiro livro desta plataforma pois estou na etapa de revisão final para uma publicação oficial provavelmente pela Amazon. Ficou curioso? Me siga no Instagram que em alguns meses trarei a novidade! @rhucaroline


Короткий рассказ Всех возростов.

#imortais #vampiros #bullying #superação
Короткий рассказ
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Alice

Esportes em geral são algo que unem os humanos.

Eu estava ali de volta à aquele colégio de ensino médio, durante uma aula de educação física. Uma tentativa de regressar a minha vida humana.

Nós - a turma - estávamos reunidos ao redor do professor enquanto este terminava de explicar o que seria a aula daquele dia, o aquecimento seria treinamento de cesta.

O som de apitos se tornou a melodia do lugar, um por um cada aluno recolhia a bola de basquete, corria do fundo da quadra até o garrafão e executava seu arremesso para a cesta.

Os que acertavam imediatamente saíam vibrando em direção a turma, as vezes trocando um toque de mão com o próximo da fila. Os que erravam soltavam um riso ou um olhar longínquo seguindo a trajetória da bola, mas sem delongas também voltavam para o grupo entrando no fim da fila, para sua segunda oportunidade.

E chegou a vez dela.

Tifanni ou Stefani. Naquela época e lugar saber o seu real nome era algo indiferente. Ninguém sabia ou se dava ao trabalho, nem mesmo os professores. Ela, que ao mesmo tempo não passava despercebida devido ao seu tamanho corporal, era invisível para a maioria do colégio. Uma presença ignorada. Sendo seus cento e vinte quilos provavelmente um dos motivos pelo qual as pessoas mantinham distância, fazendo com que uma parcela a usasse como um brinquedo, para fortalecer seus próprios egos. Afinal diminuir alguém para aumentar a si mesmo é uma façanha bem humana, estou errada?

Quando se agachou para recolher uma das bolas pelo chão da quadra, todos imediatamente a fitaram com olhares pejorativos. Eu não precisei ser o que eu sou para ter o conhecimento que metade ali aguardava ansiosamente que viesse dela alguma ação para deboche. O que não tardou a acontecer.

Sem se mover, picou a bola no chão uma séria de vezes. Olhou para o objetivo, respirou profundamente. E correu. Seus pés se trocando pesadamente, sua respiração por vezes falhando. No peito, seu coração palpitava tão forte chegando a incomodar meus recentes sentidos aguçados, atiçando meu demônio. Não deixando dúvidas para mim que aqueles poucos metros de corrida era um verdadeiro sofrimento para todo seu corpo. Mas eu vi em seus olhos algo. Uma determinação ardente. Ela queria fazer aquilo. Queria provar sua capacidade.

Continuou firme, olhos fixos em seu objetivo, fixos na cesta se aproximando. Chegou a área do garrafão, lhe faltava agora mais dois passos e um arremesso.

Vacilou. Um bague oco foi seguido pelo som da bola, que repicando pesadamente pela quadra, estendia aquele barulho. Em um escorregão, as costas de Ni haviam atingido o chão.

Envergonhada, se colocou de pé o mais rapidamente que conseguiu correndo para a arquibancada. Escondeu seu rosto entre os braços e pernas enquanto uma chuva de risadas preenchia o vazio da quadra, rebatendo nas paredes, se tornando um fundo musical para as frases murmurantes que saiam de outras bocas: "Olha a gordinha" "Acabamos de presenciar uma bola carregando outra" "Ela deveria ter arremessado a si mesma na cesta" (...)

Durante esses segundos de alvoroço, Elisa, a auxiliar do professor foi a primeira e única a tomar uma atitude, indo imediatamente ao encontro de Ni.

O professor sequer mexeu um músculo, sequer olhou para Ni, nem mesmo se deu ao trabalho de repreender as risadas e comentários que se arrastavam. Como se ninguém tivesse sofrido um acidente, pegou seu apito e soprou firmemente, enviando o próximo aluno para o arremesso.

Minha garganta fechou, senti minhas veias dilatarem e minhas presas ameaçarem a escapar pelos meus lábios. Eu deveria ficar ali quieta e calada, assistindo - como fiz tantas outras vezes antes - a mais um episódio de babaca zombando da pobre Ni?

E não me dando conta de meus próprios movimentos, me vi parada ao lado de Ni.

- Não deixe isso te abalar. – Falava a instrutora enquanto Ni continuava de cabeça baixa chorando.

Eu toquei seu braço. Segurei com bastante firmeza, sentindo a textura tão macia de sua pele. O calor da vida escapando pelos seus poros.

Provavelmente meu toque semi gélido a assustou e levantando o rosto ela me encarou - seus olhos vermelhos cobertos por lágrimas.

- Ei, – eu disse – Ignore eles. Você é uma garota linda. Olhe para seu rosto, sua pele, seus olhos, você é perfeita. Sei que o padrão atual da sociedade coloca seus quilos a mais como uma doença, mas...

- Mas eu sou doente, eu tenho deficiência em ferro. E eu sou feia, gorda e negra!

- Não importa. Isso não muda quem você é por dentro. Ni você precisa enxergar a beleza em si mesma, quando fizer isso verá o que eu estou vendo: Uma linda mulher capaz de fazer e ser aquilo que ela quiser. – Eu segurei o rosto de Ni enxugando algumas de suas lágrimas com o meu polegar. – Sabe o que você precisa neste momento? De uma mudança exterior. De roupas decentes, de um visual decente, você precisa deixar florir o que há dentro de ti. As roupas de senhora que você usa não te ajudam. Você está acima do peso, mas não é motivo para não andar na moda. Nós vamos fazer compras, lave o seu rosto e após as aulas me encontre no portão, eu irei contigo.

Neste momento eu vi os olhos de Ni se transformarem e seu rosto se abriu em um largo e puro sorriso. As lágrimas foram completamente embora. Murmurou algo como um 'obrigado' e seguiu para os vestiários.

- Eu não esperava isso vindo de uma aluna. Parece que acabaste de salvar uma alma. – Disse a instrutora para mim enquanto segurava fortemente o crucifixo que usava em seu pescoço.

De igreja, Elisa costumava ser chata com relação a assuntos divinos e satânicos. E apesar de eu sempre ignorar seus ensinamentos sobre o deus humano, aquela sua última frase de algum modo tocou minha essência.

Poderia eu salvar pessoas, sendo o que eu sou? Poderia eu usar a possibilidade da eternidade que ronda em minha porta para ajudar os humanos a se tornarem algo melhor? Mas isso não deveria ser o papel de um anjo? Porque um demônio sugador de sangue como eu faria isso?


...


Inocentemente pensei que encontrar roupas decentes para Ni seria uma tarefa fácil, mas estava completamente enganada. Naquela época para o seu tamanho só existia uma opção: uma boa costureira. Mas Ni não era de uma família dotada, e assim compreendi porque ela usava aqueles vestidos de costura reta, sem detalhes, que mais pareciam ser parte da cortina da sala do que uma roupa – era sua avó quem os costurava.

Mas o fato de termos andado o dia todo por várias lojas desde as mais chiques as mais simples e não ter encontrado nada que servisse em Ni não iria me abalar. E principalmente eu não iria deixar que isso a abalasse novamente. Eu encontraria uma solução, foi minha promessa a Ni naquele cair de noite.

Ao chegar em casa, a primeira coisa que fiz foi procurar por contatos na agenda de meu pai, e para minha felicidade estava ali, o nome de um estilista famoso e cheguei a conclusão que ele também era um servo da noite. Não que isso naquele momento ainda me surpreendesse.

Já fazia um ano que Christopher, o mordomo – que naquele momento, mais que nunca, eu o considerava como meu verdadeiro pai – me revelara o segredo da família e o motivo pelo qual eu estava sendo criada sozinha naquela mansão, apenas com a companhia dele e dos demais empregados. Já fazia um ano que aquele estúpido acidente que eu sofrera despertara a minha metade vampira.

Você não consegue acreditar que um escorregão de um lance de escadas pode matar até ser morta por um. Até se levantar e se deparar com uma enorme poça de sangue no chão e sentir sua cabeça latejar em plena dor enquanto ouve os gritos de pavor e a correria de seis empregados, estes incapazes entender, como você, que segundos antes estava totalmente inerte, agora se mantinha de pé os encarando com olhos sobrenaturalmente vermelhos enquanto um profundo corte na lateral do crânio ainda expelia quantidades exuberantes de sangue.

Você não consegue acreditar no que lhe está acontecendo até o mordomo surgir puxando a suposta espada de decoração da parede e em um piscar de olhos silenciar aquelas vozes e assistir a seis corpos caindo ao chão formando um lago de sangue que se expandia pelo hall de entrada de sua casa. Você não consegue acreditar nas palavras de explicação que saem de sua boca...

- Alice, você é uma dampira. E seu pai, é o rei dos vampiros. E eu sou um bruxo guerreiro devoto de seu pai, atualmente incumbido de ser seu guardião.


A partir daquele dia, levei alguns meses para me acostumar com a ideia, para entender as novas funcionalidades de meu corpo. No início, fiquei trancada em meu quarto, não que isso fosse algo ruim, afinal o que vocês humanos normais da atualidade conhecem como apartamento era o meu quarto naquela época. Eu tinha tudo ali, um banheiro amplo com uma banheira similar a uma piscina, uma mesa redonda para as refeições, uma cama gigante, vários sofás e puffs, o mais moderno televisor a cores da época, incluindo Odyssey 100, o primeiro console de vídeo games criado... Ou seja todo o conforto e comodidade da década de 70 ali ao meu alcance, para quem podia pagar.

Mas mesmo que nossa mansão ficasse afastada daquela pequena cidade do estado de Minnesota, os ruídos vindo dos carros e outras coisas da civilização humana era algo que extremamente me incomodava. Foram cerca de dois meses treinando diariamente com Christopher até ser capaz de controlar o alcance de minha audição. Mas este era o menor dos problemas pois eu havia desenvolvido a fome. A sede por sangue, característica principal de um vampiro. Por conta dela, não pudemos contratar novos empregados para a casa, o que não foi de tanto um problema, pois assim eu tive oportunidade de aprender a fazer algumas coisas por mim mesma, e, enquanto trabalhava em afazeres domésticos, eu esquecia da sede.

Um vampiro jamais irá consumir outra coisa além de sangue – ele pode até o fazer para manter a aparência entre humanos, ou por gostar do sabor de algo, mas irá vomitar tudo na primeira oportunidade que tiver. – porém, como eu era uma vampira em transição, ainda me era permitido comer algumas coisas. Frutas e carnes era o que melhor caía ao meu paladar e digestão. Mas o sangue desde a primeira vez foi algo incomparável. Qual o sabor dele? Mesmo hoje eu não sou apta a responder, porque a experiência vai além de apenas sabor. Enquanto comidas ativam o paladar, o sangue afeta algo mais. Sentimos todo o nosso corpo estremecer a medida que o espesso líquido escorre por nossas gargantas, a sensação em si é similar a de um orgasmo porém com maior intensidade, e é ela que faz com que um vampiro novato sinta dificuldades para se controlar e, muitas vezes, acabada matando sua presa.

Diferente de quando se alimenta de comida, o sangue não para no estômago, você não se sente pesado e lento após a refeição, ao contrário, você se sente forte, vívido, afinal a energia de sua vítima fora transferida para ti. E, quando o sangue é humano, quando se tem a possibilidade da caçada, tudo fica ainda mais intenso. Porém nesta época eu desconhecia o sabor humano, porque no fundo eu sabia que uma vez que experimentasse não haveria mais retorno.

Naquele último ano, estando reclusa em casa, aprendi o básico sobre o que eu estava me tornando, sobre a sociedade que se ocultava nas sombras, sobre inimigos e aliados. Mas tomei a decisão de voltar para o colégio, de cursar o meu último ano da escola média junto da turma, estava decidida a ter uma formatura. Era a minha parte humana que não queria ceder tão facilmente para a nova 'vida' a frente.

De posse de um controle maior sobre mim, descobri uma pequena afinidade com magia, o que logo fez Christopher criar a teoria de que em alguma parte da linhagem da família humana de minha mãe ocorrera uma mistura com bruxos. O que não seria inusual, afinal a Inquisição realizada séculos antes pela Igreja obrigou muitos bruxos a se misturar entre os humanos como forma de sobrevivência.

Mas aquela escapatória de volta ao meu mundo humano, à escola, não mudava o fato que eu tinha uma escolha a fazer. Kyriell, meu pai, já considerava minha aceitação pelo Sangue, e contava os dias para o término de minha transição. Esta que poderia ocorrer de duas formas.

Na mais comum, o Dampiro ingere o sangue de um Vampiro mais velho, geralmente de seu progenitor e, assim como um humano quando é transformado, em poucas horas se torna um vampiro completo.

Na incomum, que era a que eu estava traçando, primeiramente ocorre o despertar por consequência de algum acontecimento marcante - no meu caso abri a cabeça na queda da escada - e após isso deve-se iniciar uma dieta puramente de sangue, principalmente humano. Nesta segunda opção, progressivamente as células do corpo param de produzir a chamada adenosina trifosfato (ATP), uma molécula gerada a partir da digestão de alimentos comuns e responsável pela liberação de calor. Sem essa molécula o corpo esfria, começando a ficar idêntico a de um vampiro. Em seguida as funções digestivas atrofiam e respirar deixa de ser um movimento incontrolável do corpo, pois não há mais necessidade de oxigênio. Por fim a circulação sanguínea se torna extremamente lenta com um coração que palpita tão devagar que é quase impossível de ser ouvido.

Mas independente da forma de transição, o resultado é o mesmo. Uma criatura que a partir daquele ponto não envelhecerá, que herdará completamente as maldições e benevolências de sua linhagem sanguínea e vagará eternamente pela noite em busca de objetivos de vida e sangue.


...


Com o número em mãos eu disquei para aquele estilista.

Do outro lado da linha seu secretário atendeu. Marius Khaliebek era um homem extremamente ocupado e relutante com relação ao uso das tecnologias daquela época, portanto agendei uma visita ao seu ateliê localizado em Nova Iorque e no fim de semana seguinte, Ni e eu embarcamos em um voo sem escala.

Dentro do avião, Ni ficou atônita. Tudo parecia ser mágico ou de outro mundo. Inicialmente ficou encantada com as aeromoças e suas roupas super coloridas, algo que ela jamais poderia ser, pois manequim até tamanho 38 era o primeiro requerimento para se tornar uma, mas logo esqueceu da vontade de ser uma, pois a comida chegou. Seus olhos brilharam ao ver a aquela bandeja com um faisão a sua frente. Ela nunca provara daquela carne. Tudo era novidade para a minha mais nova amiga Tiphanny Baker.

A viagem foi extremamente confortável se comparada aos dias de hoje – exceto quando você tem um jato particular – e por isso passou em um estalar de dedos. Logo nos vimos descendo do táxi na porta do ateliê de Marius que funcionava no mesmo prédio onde ele morava.

Fomos convidadas para entrar por um de seus funcionários, este que nos conduziu até o andar onde Marius residia e nos ofereceu um quarto onde pudemos descansar até o cair da noite, quando Marius nos receberia.


...


Marius entrou na sala vestindo uma camisa preta com estampa florais desabotoada até a metade exibindo seu peito jovial coberto de pelos com um talismã em forma de borboleta reluzente, calça estampada extravagante – até mesmo para o padrão daquela década – e óculos escuros gigantes em sua face. Ele sentou a nossa frente cruzando as pernas, mexendo no seu bigode e perguntando qual seria o assunto que eu queria tratar com ele.

Ele sabia quem eu era – apesar de minha existência ainda estar abafada na sociedade dos vampiros – e por isso todas as suas frases foram proferidas de forma educada e respeitosa, como se eu fosse um membro da realeza – e de fato eu era.

Eu expliquei a situação de Ni, sobre a dificuldade que tivemos para encontrar roupas que se adequassem ao seu manequim. Neste momento Marius se levantou e pediu para Ni ficar de pé. Ele a examinou de alto a baixo, e retirando uma fita métrica do bolso, começou a tirar medidas, algo que visivelmente deixou Ni um pouco constrangida. Logo após, se sentou novamente e ficou pensativo por longos minutos.

- Senhorita Alice, sua visita e de sua amiga acaba de me inspirar a níveis inimagináveis. Nas últimas décadas eu tenho focado tanto na moda atual, nos manequins atuais que me esqueci da época onde a beleza feminina residia na fofura de seus corpos e vivacidade de sua pele. Oh! Meu velho cérebro agora está em curto com tantas ideias de peças que me veem, mas precisarei de um tempo para as executar.

- Não temos pressa Senhor Marius. – Respondi.

- Eu enviarei para vocês todas as peças que aqui forem criadas. Tiphanny você será minha primeiro modelo, a primeira a experimentar a nova coleção. Agora se me derem licença, preciso colocar isso no papel.

Marius saiu da sala quase revelando a velocidade sobrenatural dos vampiros, mas Ni não percebeu. Ela estava muito empolgada com tudo aquilo e todas aquelas roupas que ela via nos diversos manequins, nos desenhos e demais conteúdos sobre moda espalhadas por aquela residência. Algo dentro de si estava despertando.

- Eu quero ser igual a ele. – No quarto, enquanto preparávamos para dormir e assim poder viajar de volta no dia seguinte, ela me revelou. Na hora admito que travei e pensei que ela falava sobre ele ser vampiro, mas além de mim ela não sabia disso e viu todo aquele papo estranho sobre o passado como um devaneio artístico de Marius.

- Trabalhar com moda? – Perguntei já fazendo a associação correta.

- Sim. Isso aqui é incrível. Você viu os desenhos dele nos quadros do corredor? Eu quero ser capaz de fazer isso!

- Então faça! Ni eu já te disse, você pode ser o que você quiser ser.


...


Semanas depois chegaram em minha casa os primeiros pacotes contendo a nova coleção de Marius, que ele denominou de Plus Size. Ni experimentou todas aquelas novas peças e todas ficaram incríveis em seu corpo. Agora só faltava uma coisa para terminamos a transformação de Ni...

- Maquiagem? Eu não sei usar isso. – Rebateu pisando duro desviando o pincel que eu tentava passar em sua face.

- Então irá aprender. – Eu disse lhe entregando o pincel e jogando em seu colo uma parte de minhas maquiagens – Este é meu presente para você. E também teremos que dar um jeito nesse seu cabelo, está na hora de cuidar desses cachos.

- Alice... – Ni segurou firmemente o estojo de maquiagem – Obrigada! O que tem feito por mim, como eu posso te pagar?

- Você quer me pagar? – Ni balançou levemente a cabeça – Então abra esse sorriso e foque em estudar para ser aceita na faculdade de moda.


...


Os meses se passaram e o interesse por moda de Ni fez com que rapidamente se tornasse uma pessoa sociável. Começou a criar e costurar peças únicas que as poucos foram ganhando espaço entre as demais colegiais. Em pouco tempo todas as meninas conheciam Ni, andavam com Ni e vestiam as roupas criadas por Ni. Foi quando eu percebi que ela não precisava mais de mim.


- Você irá sair da escola? Mas a nossa formatura é em poucas semanas. – Ni fechou rapidamente seu caderno de rascunhos e me encarou com olhos choramigantes. – Eu estava aqui desenhando nossos vestidos.

- Como sabe meu pai mora na Europa, e eu decidi ir para perto dele. Existem coisas que eu preciso resolver em minha vida Ni... E bem, até onde sei tem uma fila de rapazes esperando para te levar ao baile.

- É, acho que devo escolher um... E entendo seus motivos, tem relação com o seu segredo certo? Aquele que eu sei que você carrega e te aflige mas você jamais se abrirá comigo.

- Desculpe. Desde o início do ano você se tornou minha única e melhor companhia. Eu nunca cultivei amizades antes, mas você chegou e ganhou espaço em meu coração. Mas é chegada minha hora, assim como você definiu o seu futuro, eu preciso definir o meu.

- Eu vou sentir saudades. – Ni se levantou e me abraçou fortemente.

Eu que sempre corri de abraços, principalmente após o despertar. Ela sabia que eu não gostava, mas aconteceu de forma tão imprevisível e rápida que não pude esquivar. Seu pescoço, sua pele, seu cheiro ali naquele momento tão próximos de mim, fizeram o meu demônio gritar excitadamente. Morda ela, morda. Prove, prove do verdadeiro sabor. Siga o seu destino.

Respirei profundamente, ocultando minhas presas que haviam se exposto e, lentamente a afastei de mim.

- Quero que fique com isso. – Retirei de minha mochila uma pequena caixinha de plástico contendo um pingente de pedra vermelha em seu interior – Se um dia você precisar de mim, se realmente precisar muito de mim, toque nessa pedra e deseje me ver. Eu estarei contigo.

Ni me olhou sem entender. Eu sabia que em sua mente corria a pergunta, é algum tipo de truque ou zoação? Mas, mesmo assim, aceitou a caixinha e nos despedimos.

Foi a última vez que conversamos.


...


- E então foi assim que eu conheci aquela garota de cabelos negros e curtos, pele tão branca como a neve e de toque igualmente frio, mas que de alguma forma esquentou minha alma e me ajudou a alcançar meus sonhos. – Dizia Dona Ni, uma senhora bem vestida de quase setenta anos, sentada ali naquele banco de praça enquanto segurava o braço de dois pré-adolescentes.

Ni agora era Dona de uma marca de roupas especializada em moda Plus Size, mundialmente famosa, porém Ni não era mais obesa como no passado, tratamentos modernos a ajudaram manter seus hoje oitenta e poucos quilos.

Minutos antes eu havia presenciado ali naquela praça, aquilo que hoje chamam de bullying, aquilo que Ni sofreu durante toda sua infância e adolescência e que mesmo neste século de modernidade, continua a afetar crianças e adolescentes os levando a se tornar adultos problemáticos, isso quando não tiram a própria vida e a de outros.

Mas Ni estava ali, segurando aqueles dois firmemente pelo braço, o que executou o bullying e o que sofreu, e através de nossa história tentava os ajudar. Ela, diferente de mim, não queria ajudar apenas o marginalizado, mas também aquele que era a causa do problema. Foi neste momento que percebi mais uma coisa, provavelmente algo que não perceberia facilmente pelo fato de nunca ver o tempo passar em mim, mas estava visível nos castanhos olhos de Ni: A sabedoria que ela adquirira com cada ruga que cobria sua face.

Ni continuou conversando com os garotos, perguntou a eles qual era o sonho de cada um. O valentão disse que queria ser jogador de futebol americano, mas revelou que seu pai era contra o esporte e já havia lhe dado alguns murros quando o pegara jogando escondido com os amigos. Aos poucos aquele garoto abria seu coração para Ni.

- Mas você pode ser o que você quiser meu filho. Seu pai não pode lhe proibir de fazer o que você ama, eu irei te ajudar nisso. Conheço um treinador, vá a minha loja amanhã e eu irei te levar até ele.

- Mas meu pai....

- Deixe ele comigo.

Os olhos do garoto vibraram, aquele mesmo olhar de esperança que eu havia visto em Ni décadas atrás. Imediatamente, pediu desculpas para o outro garoto e erguendo a mão perguntou se podiam ser amigos. O outro precavido pensou um pouco, mas estendeu também a sua mão e ambos saíram do nosso alcance de visão.

Eu me aproximei de Ni e grunhindo esfreguei em suas pernas. Pode parecer estranho, mas naquele momento eu não era eu. Minha mente estava no corpo de um animal, um gato branco que eu havia salvado da morte logo quando retornei a cidade há cerca de uma semana atrás. Essa era uma das habilidades que ganhei quando perdi a capacidade de andar ao sol por mim mesma, quando aceitei o que diziam ser o meu destino, quando me tornei a princesa vampira.

- Olá lindinho, você está perdido? – Ni me pegou nos braços e quando percebi já estava dentro de seu carro a caminho de sua casa.

Quando a porta da casa de abriu, saltou uma mulher super sorridente com idade aproximada a de Ni. Ela lascou um selinho em Ni e ao me ver no colo deu um gritinho.

- Que fofinho! Onde você o arrumou?

- Ele veio até mim quando estava na praça. Acho que está perdido ou não possui dono.

- Vou colocar uma foto dele no Facebook e se não tiver dono podemos ficar com ele. Cleópatra vai adorar uma nova companhia. – A mulher rapidamente tirou uma foto de mim, ou melhor, do gato. E Ni me colocou no chão.

Olhei ao redor, a casa tinha um certo requinte. Um cheiro de lavanda e incenso de canela. Agradável. Andei alguns passos explorando o local, tentando me passar realmente por um gato, mas Cleópatra foi a primeira a perceber a fraude. Ela veio em minha direção rosnando e com o pelo todo eriçado. Ni percebeu e rapidamente me pegou novamente me levando para seu quarto e fechando a porta. A propósito a sensação de ter um humano de pegando rapidamente do chão e te erguendo é muito ruim, você se sente completamente indefeso e o estômago revira parecendo que a ração irá voltar a garganta.

Dentro do quarto, Ni começou a trocar de roupa. Eu subi em sua cama e fiquei observando. Seu corpo havia mudado drasticamente, mas seu sorriso e animação ainda eram da mesma de antes. Quando tirou a camisa eu vi o pingente que eu havia lhe dado preso a uma delicada corrente de prata em volta de seu pescoço, aquele era o sinal definitivo que ela ainda se lembrava de mim.

Miei e ela veio até mim sentando na cama e, como um bom gato, me interessei pelo pingente tentando o agarrar. Ela o segurou firmemente.

- Não xaninho. Isso aqui é importante para mim... Eu desejaria que ela pudesse me ver. Alice onde você está? Você conseguiu o que queria de sua vida? Eu realmente nunca precisei de você novamente, mas queria precisar somente para te ver novamente, e te dizer que fostes meu primeiro amor. Meu anjo...

Meu coração de gato se partiu naquele momento. Por um segundo pensei em me revelar, mas debaixo daquele sol seria um problema. E o que ela iria dizer ao me ver ainda jovem? Afinal o tempo parou para mim quando eu tinha vinte e três anos. Foi então que tomei a decisão de deixar o corpo daquele gato.

Quando abri meus olhos, estava deitada na cama de minha velha mansão.

- Princesa Alice, – Christopher estava do meu lado provavelmente esperando eu voltar – recebemos uma mensagem de Kyriell, ele deseja que você embarque imediatamente para São Paulo e auxilie o grupo de Camila em sua missão.

- Já imaginava. Parece que os outros Dampiros não são capazes de lidar com o tal Escolhido sozinhos. Faça os preparativos de minha viagem, partirei ao cair da noite.


Esse conto é versão alternativa de Imortais: Um livro que publico neste site.

Se você acompanha imortais pode ter descoberto alguns dos muitos segredos que a história abriga, se ainda não, está convidado a ler.

A inspiração para ele veio de um sonho que tive esta noite e ao acordar percebi que seria uma história do mundo de Imortais na década de 70.

Espero que tenha gostado, não se acanhe em deixar seu comentário abaixo, quem sabe eu possa vir a escrever mais sobre o que aconteceu durante o tempo que Alice se afastou de Ni nessa linha temporal alternativa de Imortais.


Link para Imortais:

https://getinkspired.com/pt/story/60000/imortais-sombras-do-destino


Beijocas vampirescas da Rhu



11 апреля 2019 г. 3:29 0 Отчет Добавить Подписаться
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Об авторе

Rhu Caroline Olás pessoal! Eu me chamo Caroline, mas sou mais conhecida pelo nick da minha personagem em World of Wacraft: Rhu. Who? Essa sou eu :D Sou da famosa terra do pão de queijo e aqui entre nós, os meus nunca dão certo :/ Então nos resta escrever! Irei publicar aqui principalmente a história de Imortais, que nasceu em 2009, visto que ela está crescidinha resolvi a apresentar ao mundo. Espero que gostem de vampiros :)

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