Rosa mexeu-se debaixo dos cobertores. Manteve a cabeça coberta pois não queria sair para o ar, que sabia estar frio. Ainda estava meio a dormir e deixou-se estar a ouvir os barulhos da casa: conseguia escutar os sons na cozinha: portas dos armários a fechar e talheres e pratos em movimento. A sua mãe deveria estar a preparar o pequeno almoço, bem quentinho, que ela devoraria num ápice. Depois sairia a correr, para ir ter com a sua melhor amiga, despachando um veloz “Até logo, mãe!” Eram eternas brincadeiras e correrias, mesmo quando tinha de ir à fonte buscar a água, nos tempos em que não havia canos que a entregassem em casa. Mas essas eram memórias antigas; o tempo em que vivia com a mãe, o pai, o avô e a avó numa modesta casinha. Já todos partiram, envoltos nas brumas da memória, há muito, muito tempo…
Relutante, espreitou por entre a roupa, enfrentando a luz que inundava o quarto; aquela não era já a pobre habitação dos seus pais, mas a casa que ela e o marido construíram com grande esforço. Agora, que os filhos já tinham seguido cada um o seu próprio rumo, parecia maior que nunca. Recolheu-se de novo para debaixo das mantas e esticou a mão para o outro lado da cama, vazio e frio. “Poderia ser ele quem estava na cozinha.”, pensou, tendo a noção de ainda não ter despertado completamente, “E daqui a pouco vem aí, ver se já acordei.” No sono semiacordado viu-se vestida de noiva, cercada da família de ambos, saindo da igreja num dia de sol… tantos que eles eram… e quase todos já deixaram este mundo. Olhou a sua mão pálida e enrugada e recordou-se de que, também ele, companheiro de uma vida inteira, se fora. Como todos os outros, não passava agora uns quantos fios que as Parcas fiaram e urdiram quando desenharam o seu destino, entrelaçado no dele.
A imagem do seu próprio rosto liso e pele macia, de longos cabelos negros, ainda estava fresca na sua memória, quando a porta do quarto se abriu suavemente deixando espreitar uma sorridente senhora na casa dos cinquenta anos.
— Bom dia dona Rosa. — Saudou melodiosa a recém-chegada. — Então, não queremos acordar hoje? Já cá estou há um pedaço, mas estava a dormir tão bem, que não a quis acordar. Sente-se melhorzinha hoje? Vamos fazer a higiene e tomar o pequeno almoço?
Com esforço, Rosa sentou-se na cama e esfregou os olhos que fitou na imagem do espelho da cómoda, mesmo em frente à cama: uma octogenária, de rosto enrugado e alvos cabelos revoltos, estava sentada numa cama em desalinho e devolvia-lhe o olhar.
— Vem almoçar à cozinha? — A cuidadora insistiu.
— Sim, vamos. — Respondeu com as lágrimas a correr no rosto. — Mas tape-me esses espelhos, que eu não quero ver essa velha!
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