Короткий рассказ
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Farfalhar

Era mais uma madrugada fria do fim de julho. O mundo estava imerso na mais sufocante quietude. Não havia vento, ou chuva, nem mesmo vizinhos barulhentos para acomodar sua mente turbulenta. Havia apenas um farfalhar. Aquele farfalhar agudo que a assombrava. Recusou-se a abrir os olhos. Se ela apenas ficasse quieta, se pudesse ignorar, como sempre fez, iria embora. Apenas finja que não ouviu, finja que está dormindo e logo isso se fará verdade. Mais um farfalhar. Mesmo debaixo das pesadas cobertas sentia frio. Uma sensação congelante atrás do pescoço, como uma mira mortal. Amaldiçoou sua habilidade de mover-se. Por que sempre acaba virando de frente para a parede? De costas para o breu vazio do quarto. Estava ali, ela sabia! Conseguia ouvir aquele farfalhar… o lábio inferior tremia e a sensação desesperadora de estar sendo observada a perfurava como agulhas congeladas.

Quando viu o primeiro raio de sol irromper pela cortina, seu coração enfim começou a desacelerar… não estava calma, contudo podia permitir-se relaxar os músculos. Sentia seu rosto molhado. Não sabia se chorava de medo, raiva, frustração, ou os três. Os olhos ardiam e aquela pressão terrível esmagava suas têmporas. Deveriam ser quase seis da manhã.

Despertou, assustada com o pesado som da papelada sendo jogada sobre sua mesa. Não estava em condições de trabalhar. Já havia tomado todos os remédios possíveis, contudo a dor persistia em flagelá-la. Qualquer canto que se atrevesse a olhar era doloroso, era como encarar o sol, ou melhor, como ser encarada por ele. No canto da mesa, ao lado dos papéis, estava sua pequena torre de copos de café vazios. Era mais um dia de trabalho, mais um dia de tormento que era obrigada a viver. Ao menos, mesmo que exausta, o trabalho era como um bálsamo. Enquanto estivesse lá, sentia-se segura. Sabia que não precisava temer muito mais do que aquelas papeladas intermináveis - no fundo, era grata por serem intermináveis - mas o seu pequeno latíbulo apenas existia por meras seis horas. Algo chamou sua atenção, uma pequena sombra no canto de sua visão. Pensou ter escutado um bater de asas. Olhou em volta. Não era possível haver pássaros no escritório. Tão logo começou, já era tempo de encerrar o expediente e retornar para casa.

Suas noites eram todas marcadas por uma terrível ansiedade. Sentia-se perdida no meio do oceano. Deveria escolher entre deixar-se afogar ou ser carregada pelas ondas apenas para quebrar-se contra algum rochedo. Perdida na imensidão do mar aberto, sem ter para onde correr, e ali ela estaria em uma queda sem fim, pois não havia como ser salva, sem ter o que fazer. E ainda não se afogaria nesse primeiro momento de pânico, apenas continuaria afundando, até atingir o mais profundo de um abismo, no ventre de uma fenda tão, tão escura que a devoraria, devoraria sua carne, seus ossos, consumiria seus tecidos e apenas sua mente restaria, para sempre vagando na escuridão do desespero. Entretanto, agora, não mais sozinha. Pois, aquilo estaria lá.

Abriu a segunda lata de energético enquanto deixava que a luz da TV torturasse seus olhos. Mas não importava o quão fosse terrível, não seria pior que vivenciar aquilo por mais uma noite. Contudo, se tornava cada dia mais apática, mesmo aquele filme de comédia não lhe arrancava a menor reação. Sua mente então começou a devanear… odiava quando isso acontecia. “Mas, quando foi mesmo que isso começou?”

Sempre esteve lá, parado, no canto do quarto. Ela podia ver pelas barras do berço. Mas ainda não era capaz de compreender o que via. Naquela época, parecia haver apenas um farfalhar. Sentia-se segura em seu pequeno berço, fora seu primeiro latíbulo. Mas o medo foi crescendo. Encarar aquilo era paralisante, mas mesmo assim o choro não vinha. E ela ainda não sabia como contar aos seus pais, e mesmo quando criou coragem para compartilhar de suas angústias com eles, eles não acreditavam. “Coisa de criança”, “É só sua imaginação”, “Reza que passa”, “Isso é falta de Deus”, e tantas outras baboseiras que cuspiam em seus temores.

Em uma noite, convidou algumas amigas para uma festa do pijama. Apenas risadas preenchiam o quarto. Brincaram de fantasia, bonecas, diversos jogos, e adormeceram sobre penas, legados de sua lendária batalha de travesseiros. Cada uma adormecida em um canto do quarto, sobre um colchão. A cortina ficou aberta, e então ela viu. Acordou com o farfalhar… seus olhares se cruzaram e sentiu o coração parar pela primeira vez. Foi como se seu sangue tivesse sido reduzido a uma mera tinta vermelha, fria e sem vida. Aquele olho que a encarava, ele podia atravessar seus olhos, sua pele, todo músculo ou pedaço de si que estivesse no caminho, pois aquele olho era como uma lança de ponta fria, perfurando diretamente sua alma. Aquela noite foi a primeira vez que se sentiu perdida no oceano. Puxada pela correnteza para ser esmagada pela pressão desoladora do abismo.

Seu corpo estava imóvel, preso em um bloco de puro terror. Até mesmo os movimentos de sua respiração vacilavam. Abriu a boca, queria gritar, mas até um resquício de som era inexistente. E estava cada vez mais perto de si. O som do farfalhar ia aumentando, era um som arrastado e, ainda que agudo, pesado. O olho não piscava, era impossível desfazer o contato visual. Ela apenas podia ser distinguida de uma estátua sem vida, pois seus dedos, por fim, começaram a tremer. Tentou fechar os olhos, mas era como se não tivesse mais olhos para piscar - eles foram devorados.

Foi salva por uma de suas amigas chamando por seu nome com uma voz sonolenta. Enfim ela sentiu o ar voltar aos pulmões, enfim sentiu que retomou seu corpo, enfim pôde falar. Mas nada disse, apenas chorou e, com medo, encolheu-se. As amigas não entendiam porque ele chorava, pois, elas nada haviam visto e, os pais, como sempre, não se importaram. “É apenas coisa de criança”, “Foi só um pesadelo”, mas aquele olho… ela jamais iria esquecê-lo.

“Você não deveria ir ver um médico, não?”, perguntou seu namorado. Ela já pensou sobre isso, dezenas de vezes, mas os médicos apenas a poriam em uma camisa de forças e a trancariam em algum lugar. Ninguém nunca o via. As amigas nas noites do pijama, os pais ou mesmo o namorado. Apenas ela conseguia ver. Havia apenas um modo de lidar com isso, com café, energético e filmes infinitos na TV - deixar-se ser carregada pelas ondas e chocar-se contra as rochas - ou dopar-se com tantos remédios para dormir o máximo que pudesse - afogar-se no oceano. Afogar-se ou quebrar-se por completo, qualquer uma dessas mortes era melhor que acordar na madrugada e ter que encarar aquilo; e sentir-se observada, machucada, congelada, presa por um olhar tão cruel quanto frio ou vazio. Contudo, era expressivo! Assustadoramente expressivo. Nenhum som era emitido além do farfalhar, além de alguns uivos quebrados, como gemidos - ou tentativas de gemidos. Agudos, e roucos. Como se alguém sem boca ou cordas vocais tentasse falar. Ela não podia entender o que eram aqueles sons, e não precisava, e não queria. “Você precisa lutar contra isso. Encarar seu medo! Quando eu era pequeno, morria de medo de altura, então um dia eu decidi! Decidi que iria dar um fim a tudo isso. Passei a subir em todos os lugares altos que conseguia. Era difícil no começo, mas agora? Superei esse medo. Vamo fazer assim, eu durmo com você essa noite e quando esse… isso aparecer, você me chama, então enfrentamos juntos”. Ela sabia que de nada iria adiantar. Ela era sempre a única capaz de ver. Pois, afinal, isso apenas estava em sua mente. Levantou-se então da mesa, outro farfalhar lhe atingiu e imediatamente virou a cabeça em sua direção. Pensou tê-lo visto! Mas era apenas um casaco de peles pendurado em um canto do café.

Era mais uma madrugada fria do fim de julho. Acordou. Mas não havia farfalhar ou qualquer olhar desmembrando sua alma. Havia apenas o silêncio e um sussurrar fraco do vento. Ela respirou fundo - isso era alívio que sentia? - e sorriu, sentindo uma tremenda paz abraçar seu corpo. Acomodou-se na cama e esticou o braço para abraçar seu namorado. Contudo, encontrou apenas um espaço vazio e gelado. Nada para se preocupar nessa noite tão pacífica. Ele apenas havia ido ao banheiro, claro. Nada mais poderia ser. Porém, os minutos se seguiram, e nada. Teria ele perdido o sono e ido assistir algo na sala?
Ela então levantou-se e foi até a sala. Seus passos eram lentos, apreensivos, como se caminhasse por um chão de espinhos. Ou como se tivesse retornado à época de criança, quando tinha de se mover lentamente para que as sombras não pudessem percebê-la. Ela chamou por seu nome, porém resposta alguma lhe veio. Parou no final do corredor. Não era capaz de dar nem mais um passo, sequer. Não conseguiu entrar na sala, pois uma visão paralisante invadiu seus olhos, não queria acreditar no que estava vendo.
O corpo de seu namorado, caído no chão, bem abaixo daquilo… daquele monstro! Aquele grande olho a encarava, como sempre. Um olhar vazio, contudo tão expressivo. O terror a ia consumindo. Um pânico paralisante; daquele olho saiam seis pares de asas grandes, porém sempre encolhidas, lhe dando uma forma cilíndrica, como se as asas fossem o escudo daquele olho afiado. As penas, que pareciam tão afiadas, tão pontiagudas como espinhos, tocavam o corpo caído abaixo de si. Com o menor dos movimentos, vinham aqueles farfalhares juntamente aos gemidos mudos e roucos. Pequenos grunhidos agudos e sem sentido preencheram a sala. Seus movimentos não faziam sentido, ela não era capaz de processar o que via, mesmo vendo isso quase todas as noites desde a infância. Pela primeira vez ela conseguiu ter uma reação ante aquele monstro. Irrompeu pelo corredor, o mais rápido que pôde.

Uma respiração cortante escondia-se atrás das cortinas, um pequeno olho projetava-se para fora, incrustado à escuridão, fitando o nada e apenas o vazio existia. Um palpitar. A falta de ar. Aproximando-se. Esconde-se: apruma o frágil corpo. Mais perto. A ansiedade subia conforme aquele farfalhar ia se aproximando. Teria te escutado? Mais, e mais próximo. Levou a mão à boca. Não produza nenhum som. Não pisque. Não consegue desviar o olhar. Ondas de choque lhe percorrem o corpo. A paralisia. O silêncio que te devora por dentro, deixando apenas uma casca oca para ser admirada. Nada, não há mais nada. Não adianta lutar, não há como correr. Desesperança bate às portas da realidade e o silêncio é tudo que a acompanha. O farfalhar novamente. Inútil resistir. Está atrás de você! Dentre todos os sons emanados pela condenação, um grito irrompeu o silêncio!

Um grito embebido em raiva. Estava cansada de tudo isso! Passou a vida inteira sendo assombrada por esse monstro maldito, já era hora de pôr um fim nisso tudo! Saltou detrás das cortinas com uma faca em mãos. Sua única certeza era que terminaria naquela noite. Ainda que tremendo, avançou em sua direção, o medo, por tantos anos colecionado, transformou-se em sua força. Com a faca em mãos, estava pronta para atacar. As asas envolveram seu corpo em um abraço final.

29 июля 2021 г. 15:29 0 Отчет Добавить Подписаться
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Об авторе

Pandora Noir Olá! O meu nome é Pandora, sou uma aspirante a escritora. Minha obra é "Prólogo do Céu", e ficaria muito feliz se você pudesse ler! Um pouco sobre mim... Eu amo desenhar e pintar tanto quanto amo escrever. Minha técnica é aquarela. Não sou capaz de apontar um escritor favorito, mas adoro histórias góticas, sobrenaturais e/ou celestes. Acredito que meu poeta favorito é o Augusto dos Anjos, mas no momento estou apaixonada pelo Jonh Milton. Também adoro debater sobre mitologia.

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