Espen Holte estava quase morrendo durante aqueles 25min restantes de aula de geografia. Em algum momento, o professor parecia ter começado a falar tailandês e o quadro parecia um grande jogo da velha. Estava ferrado, aquele bimestre iria para o ralo. E pensar que depois de aguentar aquela tortura, ainda teria que ir trabalhar.
Regina deu uma cutucada para chamar sua atenção, mas ele fingiu que nem sentiu. Ela se irritou e tacou a borracha na cara dele, que gritou, fazendo todos da sala olharem em sua direção.
Que ótimo! Adicione humilhação pública no cardápio do dia!
Morrendo de vergonha, Espen foi expulso da sala. Bem, não faria muita diferença.
[...]
Já devidamente uniformizado, Espen estava com o tablet na mão, pronto para servir os clientes. O restaurante era do tio dele, um agradável estabelecimento de comida caseira. As opções eram motoboy ou garçom, mas por ser menor de idade — mesmo que soubesse pilotar uma moto —, seu tio não permitiria que cuidasse das entregas.
Espen era um rapaz bem comum, que não costumava chamar a atenção e nem gostava. Então, no começo, lidar com os clientes era uma luta diária contra sua timidez. Entretanto, agora, já havia se habituado.
Mas... nada é perfeito, sempre havia um cliente insuportável. E havia um em especial que considerava pior que o professor de geografia.
Lucio Agrenev. Riquinho metido a besta. Sempre reclamava da comida, sempre reclamava do serviço e sempre, sempre, sentava na área que Espen atendia.
Parecia um inferninho personalizado.
Quando pensou que estaria livre da criatura naquela tarde de terça-feira, o bendito entrou pela porta. Vestindo seu uniforme caro de uma escola de elite e acompanhado de seu fiel cãozinho, Alberto Varejão. Espen suspeitava que Varejão só saía com Lucio para pegar mulher, porque não tinha como alguém aturar aquele demônio por livre e espontânea vontade.
— O que deseja, senhor? — Espen forçou o sorriso mais falso que tinha.
— Água mineral, por favor. — Espen segurou a careta perante aquela expressão esnobe enquanto anotava o pedido. — Ah, e traga no copo dessa vez, não bebo água nessas garrafas plásticas imundas.
Sim, Espen sabia. Havia cometido esse erro uma vez, e agora o imbecil fazia questão de lembrá-lo toda vez.
Alberto Varejão era muito diferente de Lucio. Comia de tudo e era muito sorridente. Na verdade, Espen pensava que ele comia demais enquanto anotava o pedido quilométrico em comparação com a água metida a besta.
— Mais alguma coisa?
Lucio virou a cara para a janela, como se só olhar para Espen fosse um incômodo.
Ai que vontade de socar aquele rosto de filhinho de papai dele!
— Ah, você poderia trazer um acompanhamento leve? Minha namorada já está chegando.
Sim, a namorada que mudava toda semana. Um ruído de irritação escapou pelos lábios de Lucio e Espen se pegou encarando.
O problema é que Lucio também o pegou encarando.
— O que foi? Já pode ir, não ouviu?
Espen desculpou-se e saiu tão rápido quanto se a mesa estivesse pegando fogo.
Enquanto atendia outros clientes, Espen se pegou pensando: talvez haja uma razão para Alberto Varejão usar o amigo para conseguir garotas, talvez ele seja... Espera! Iria mesmo pensar que aquele coiso do inferno era bonito? Impossível. Devia estar louco. Devia ser o mesmo problema que fez o professor falar japonês na aula de geografia.
Espen esvaziou a mente e se fez de tonto enquanto levava os vinte quilos de comida que Alberto Varejão havia pedido. Se não olhasse para cara de Lucio, estaria tudo bem.
Ou será que não...
— O que é isso?
Espen olhou para o copo de água, procurando qualquer defeito.
— A água, senhor.
— Eu pedi água mineral e não com gás!
Espen gelou. Se fosse qualquer cliente, não seria problema, era só um copo d’água, mas... estamos falando de Lucio Agrenev. Estamos falando de alguém que não perdoa nem a formiga que subir em seus sapatos de grife.
— Sinto muito, irei trazer o pedido correto imediata... — Espen estava retirando o copo da mesa quando foi interrompido.
— Não! — A mão de Lucio segurou o pulso de Espen, impedindo-o. Espen ficou encarando aquele contato incomum com os olhos bem abertos. — Quero falar com o gerente!
Lucio finalmente o soltou. Virando novamente para a janela, com um leve rubor sobre as bochechas.
Neste momento, uma beldade de saltos entrou no restaurante. E só aí, Alberto Varejão desviou sua atenção da comida. Entretanto a jovem loira estonteante foi direto em direção a Lucio.
— Oi Lucio, vai com a gente hoje?
Lucio apertou a mandíbula, irritado. Espen nunca o tinha visto com aquela expressão, mas a garota não parecia se importar.
— Kristin, seu namorado está ali. — Lucio apontou para o sorridente Alberto Varejão.
— Oi, amor <3! — Kristin deu um beijo na bochecha do namorado, de repente, toda melosa e sentou-se ao lado dele. — Olá, você é amigo do Lucio?
E, mais de repente ainda, a garota estava falando com Espen, que — por estar surpreso ou por burrice — não havia se aproveitado para fugir da situação louca que se metera.
— Eu?
— Lucio, ele pode vir conosco! Vai ser tããããão legal! Não é Bebeto? — Varejão parecia nas nuvens.
— É Lucio, você precisa mesmo dar uma saída, seu antissocial.
— Se o Espen for, pode ser.
Dizer que Espen estava chocado era pouco naquele momento. Ele provavelmente precisaria de um desfibrilador para voltar ao mundo real.
— Como... como é?
Lucio ficou de pé e chegou bem perto para falar:
— Se não for, te faço perder o emprego. — E o riquinho metido a besta foi embora do restaurante, deixando Alberto Varejão com cara de pamonha na mesa e um garçom sem entender nada.
— Mas... hã... Onde vamos? — Espen perguntou a Alberto Varejão.
— Ah, você vai amar! — A garota parecia irradiar felicidade enquanto o namorado estava preocupado em terminar de comer.
[...]
Ele estava odiando.
Sério. Que merda é essa?
Por que estava sentado em uma poltrona de boate, em frente a Lucio — em frente ao ser que considerava mais insuportável na Terra? Era óbvio que os dois namoradinhos iam sumir pra curtir em algum lugar. ERA ÓBVIO!
Entretanto, Lucio parecia querer morrer quase tanto quanto Espen.
— Me esclareça uma coisa, sem grosseria, o que estamos fazendo aqui?
Lucio soltou o ar pela boca. Apoiando a mão no rosto, como se estivesse fazendo um esforço enorme.
— Alberto é um cara legal, apesar de tudo. Ele leva os relacionamentos a sério, as garotas é que estão mais interessadas em outras coisas. Ajudá-lo é um tormento, mas é algo que não posso negar.
Espen não esperava por aquela resposta. Aquele imbecil parecia... fofo?
FOFO?
ELE HAVIA PENSADO FOFO, NÃO?
M E U D E U S.
Deve ter alguma droga no ar, não é possível. Espen nem havia bebido nada, como podia estar pensando algo tão estúpido?
— Ei, não ria de mim! — Lucio juntou as sobrancelhas com raivinha.
Fofo.
M E U D E U S.
Deja vu.
Não, não!
— Olha, já deu minha hora, tenho que ir pra casa. Espero ter sido de alguma ajuda e espero não perder o meu emprego. — Isso! Esse era o motivo de estar ali e nada mais!
Nada mais!
É!
— Ótimo. Preciso ir embora também, vamos juntos.
Claro que ele não se livraria do entojo assim tão fácil.
Lucio e Espen caminhavam lado a lado na calçada. Era da preferência do rico pegar um táxi, mas Espen não tinha dinheiro pra isso e não queria dever nada ao outro. Então estavam a pé, sorte que não moravam tão longe assim.
Algumas quadras depois, Lucio estava morrendo de cansado e Espen teve que ceder pararem um pouco para descansar.
— Vai descansar em pé? — Espen perguntou, sentando no meio-fio. Mesmo que fosse terça, a rua estava cheia de carros.
Provavelmente ricos sem o que fazer como o imbecil plantado de pé ao lado.
— Hã? Faz ideia quanto custa essa calça? Eu não vou sentar no chão.
— Faça como quiser.
Alguns minutos depois, Lucio não aguentou a dor nas pernas e sentou ao lado de Espen, que deu um sorrisinho convencido.
— Para de rir, seu idiota!
— Se você parar de ser fofo, talvez eu pare.
Lucio ficou sentado de olhos arregalados, enquanto Espen levantava.
— Vem, falta só mais algumas quadras.
Lucio bufou, mas o seguiu.
Pouco tempo e muitas reclamações depois, estavam em frente a casa simples de Espen.
O quê? Lógico que Lucio iria pegar um táxi depois de deixar Espen em casa, dã? Ele tem dinheiro pra isso e mora longe.
— Ei, se quiser sair com a gente mais vezes...
Espen levantou as sobrancelhas ao ouvir a frase de Lucio.
— Pensei que me odiasse?
— Não te odeio, se trabalhasse direito...
— Nem comece. — E já ia se virando para entrar em casa.
Foi quando Lucio o puxou para perto. Ficaram encarando um ao outro, com certa vergonha, antes dos lábios se tocarem pela primeira vez e, à partir daí foi uma loucura.
Espen só recorda de ver Lucio se afastar na noite enquanto pensava:
Talvez aquele cliente chato não seja tão ruim assim.
Спасибо за чтение!
Мы можем поддерживать Inkspired бесплатно, показывая рекламу нашим посетителям.. Пожалуйста, поддержите нас, добавив в белый список или отключив AdBlocker.
После этого перезагрузите веб-сайт, чтобы продолжить использовать Inkspired в обычном режиме.