— Eu te amo, mas assim não dá! — podia escutar mais uma briga, eles gritavam palavras com ódio, na época eu tinha 14... 15 anos, ver meus pais brigando era um certo costume.
Essa foi literalmente a última briga...
Após isso, ela foi embora e durante a fuga embriagada o carro bateu... Meu pai tentou alcançá-la, mais uma vez ele havia se arrependido das palavras que dissera, mas não houve tempo para consertar...
...
Vidros quebrados.
Multidão de sentimentos.
Mais uma briga.
Quando isso vai acabar?
— Eu te amo! Mas isso não tem como dar certo! — ele grita com raiva.
Entro em estado de choque, as lembranças de uma infância turbulenta me invadem novamente, nunca quis ser como eles, mas, infelizmente, eu sou.
...
Posso ouvir o som estridente de uma panela caindo no chão, gritos altos e ásperos podem ser ouvidos da cozinha, clima tenso e pesado. Saio da sala e desligo a TV, vou ao encontro de minha fortaleza, estão brigando novamente.
E eu? Escondo-me no meu quarto e com a ajuda do meu fone de ouvido, apago todo o contexto, a canção alta abafa muita coisa, quase não escuto nada além da melodiosa música e a voz da Tarja brilhando na banda Nightwish. Mudo de realidade e imagino meu futuro como uma criança sonhadora.
Quando tinha 7 anos sonhava em ser "Super Heroína" e em casar-me com o Batman. Era isso que me consolava, enquanto a minha mãe bebia para esconder as mágoas e meu pai se viciava no trabalho com a desculpa de sustento, mas era apenas mais uma traição.
Aos 10 anos, sonhava com um príncipe encantado que me salvaria de tudo e de todos, ele me levaria para um mundo mágico e isso me tranquilizava... enquanto minha mãe jogava as coisas do meu pai pela janela e eles brigavam na porta de casa.
Aos 12 anos, sonhava em viajar pelo mundo e conhecer um belo rapaz, que me aceitaria com todas as minhas sardas, quilos a mais e imperfeições. Isso me enchia de esperança, enquanto meus pais brigavam novamente e jogavam um na cara do outro os erros do passado.
Agora, aos 14 anos, sonho com um amor de colegial e já entendendo muito sobre a vida, desejo não ser como eles. Quando soprei as minhas velinhas simples de aniversário, comecei a pedir a não ser como eles, sei que meus pais me amam, mas a relação entre eles não é de se espelhar.
Com a música alta em meus ouvidos, a minha imaginação cria um universo diferente, uma vida diferente, personagens diferentes, uma história louca com final triste e todo o resto não importa, os gritos, as louças sendo derrubadas, panela de pre…
...
— Você não tá me escutando? Você sempre faz isso!
Meus pensamentos acordam para a realidade, não posso mais fugir do real.
— Você nunca está presente, queria o quê? Eu queria chamar a sua atenção, não te tra... — as lágrimas se aventuram por minha face, queria a atenção dele e só consegui uma briga — Vai embora! Vai embora! Eu não quero mais você aqui, se não confia nas minhas palavras... sai desse apartamento idiota! — estou com raiva, só sentirei o peso do que digo mais tarde.
— Vou mesmo, pensei que você era diferente das outras... — ele diz em um sussurro e anda cabisbaixo, segurando as lágrimas, até a porta.
Deixo ele ir, a porta bate com força após sua saída, as lágrimas são como lâminas e cada uma machuca mais. Ser adulto é uma droga! A cada dia que passa, mais me torno eles, o dia que mamãe foi embora ela disse essa mesma frase para meu pai: “Eu te amo, mas isso não tem como dar certo”. Meu aniversário de 15 anos foi um bolo e uma vela que meu progenitor fez com todo o carinho, mas eu sei que naquele dia ele chorou e bebeu até desmaiar no quarto.
Encaro a porta, ele saiu há uns 4 minutos, o dono dos olhos castanhos mais sensíveis que já vi. A nossa história foi normal, nós nos conhecemos na fila do restaurante universitário, saímos e nos aproximamos, sentia uma emoção forte por ele, posso definir como amor, mas era tudo tão complicado, tantas desavenças, tanta teimosia, tanto orgulho, como se estivéssemos fadados a viver bem um dia e discutir em outros seis.
Não era essa imagem de casal que eu queria, mas não consigo amar outra pessoa. Ser "o casal briguento" não é fofo ou engraçado, é dolorido e torturante. E por esse amor que eu irei atrás dele, a gente tenta de novo e podemos fazer diferente. Amor é tentar, não é?
Passaram-se poucos minutos desde que ele saiu, corro para fora do apartamento, pego o elevador o mais rápido possível, tenho que o fazer voltar, podemos salvar essa relação... Eu posso fazer diferente! Eu não sou meus pais! Meu choro é alto, com soluços, rosto vermelho e toda despenteada, mas isso não importa agora.
Térreo, o elevador finalmente para e posso ver a portaria. Ele ainda está saindo, grito seu nome em desespero. Os olhos castanhos me olham com intensidade, seu rosto vermelho denuncia o choro, ele vem em minha direção.
O barulho de um tiro para o alto acerta em cheio os ouvidos das pessoas que estão na recepção do condomínio.
— Todo mundo calado e quieto! Isso é um arrastão! — Um rapaz na porta do local grita com uma arma apontada para o alto. Não é de se espantar acontecer isso em São Paulo, é comum, infelizmente.
Meu amor vira apressado, de uma vez, e o mundo fica em câmera lenta. O bandido assustado, possivelmente inexperiente, aponta a arma e dispara na direção dele, a bala caminha em direção ao peito dele... Observo os segundos, em desespero, é como se eu estivesse em um filme de terror e aquela bala fosse o monstro.
Quando o rapaz de olhos castanhos cai, meu grande amor, ignoro qualquer barulho à minha volta, apenas me jogo no chão e com as minhas mãos tento tapar o ferimento para impedir que saia mais sangue.
— Fica comigo! Te amo... Te amo! Não me deixa, a gente pode fazer diferente... — As lágrimas voltam a andar, e no meu peito se alastra uma dor semelhante a uma faca sendo cravada, retirada e repetindo todo o processo. — Te amo, por favor! Fica aqui e vamos fazer tudo diferente e...
Ele tenta levantar a mão para chegar ao meu rosto, mas não consegue. Os olhos perdem o brilho e não tem mais emoções ou lágrimas. O desespero me toma ainda mais, minhas roupas estão encharcadas de sangue e meu interior é tomado por angústia e vazio. Ele se foi.
E eu não consegui fazer diferente, não tive tempo de fazer diferente, não amei o suficiente. Sinto que a cada momento vou desabar, mais e mais, sinto as mãos de um paramédico me tirando de cima do corpo. Não sei quanto tempo passou ou o que ocorreu após a bala atirada.
Aos 23, não consigo sonhar ou escapar da realidade. Estou velha demais e a minha imaginação parece que não funciona mais, apenas continuo com a dor e o pesar de continuar, com a consciência que eu não fiz a minha história de amor. Deixei o destino levar para onde ele quisesse e acabou que não tive tempo para mudar. Fui igual a eles.
(Revisão concluída em 09/06/2021 às 22:17)
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