Ciclo 69 - 10:38 p.m.
A sensação hoje é diferente. Estranho, não sei explicar bem, mas vou novamente relatar a sequência dos fatos anteriormente gravados. Quem sabe isso possa trazer alguma luz ao pavor em que estou imerso, caso os arquivos originais sejam deletados. Não estou em condições de continuar falando. Permaneço em quase total vigília há 15 dias. Os geradores de oxigênio estão no seu limite e os níveis de metano alarmantes. Tenho pouco mais de 49 minutos. Passo a digitar, enquanto ainda tenho alguma visão...
No primeiro dia do despertar de número 69, uma quinzena atrás, o ritmo de deslumbramento e apreensão das primeiras vezes havia se transformado em enfadonho. Logo que recobrei a consciência, ao sentir o calor sob minhas veias, tive novamente os calafrios e espasmos musculares de sempre. A voz eletrônica de timbre feminino e macio me soou então monótona.
Ciclo 69 - dia 1
— Olá, Dr. Pontes; seu turno; fluido resfriado em troca; conteúdo sanguíneo original ; choques térmicos registrados; temperatura oscilando: 34 a 36,4 º C.
— Computador, me passe nossa posição e data atual.
— Respondo pela denominação Mag; posição atual 2,2 anos luz da Terra; data terrestre vigente: dezembro / 3019.
— Então estamos viajando há 20 anos! Mag, previsão para órbita de Proxima Centauri b?
— 18 anos, 4 meses, 6 dias e 5 horas terrestres.
— A cabine de hibernação número 3 já foi lacrada?
— Sim, Dr. Pontes; temperatura corporal 34,2 º C.
— Mag, desconecte minha sonda alimentar. Abra a escotilha. Confira meus dados vitais.
— Controles efetivados, Dr. Pontes; a seu comando agora.
Novo turno. Rodízio crescente. Sou o número 4. Astrofísico e administrador de sistemas operacionais do Consórcio Espacial Interamericano (CEIA). Sempre acho divertido sair da cabine pressurizada e flutuar pelos compartimentos desertos da espaçonave. Mas desta vez, ao checar os monitores da tripulação e conferir que tudo está de acordo, surpreendentemente me sinto entediado.
Sem poder contemplar a imensidão espacial no interior deste caixão cinzento e quase sem visores, sou tomado pela monotonia das paredes metálicas e pela profusão de monitores e componentes eletrônicos.
O espelho em meu quarto revela o ser esquálido e barbado que nunca deixa de me assustar. Acho que o tempo passou um pouco mais devagar, porém. Nossa trajetória subluminal — 10% da velocidade da luz — talvez possa ter contribuído para isso. Mas é só especulação, sem base científica.
Me pergunto se chegaremos ao destino programado e me dirijo ao centro de comando, mas não sem antes perceber uma tênue e fugaz cintilação no reflexo espelhado: “ilusão, penso comigo".
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