Insistir no erro nunca foi de seu feitio, mas Dio Brando tinha convicção de que enxergava além daquela temporária situação estagnada.
Sentia em sua pele tatuada, em seu ouvido aguçado e orelha cheia de brincos, além de seu coração gelado, que a sua banda incrível de rock progressivo tinha potencial, de som viceral que enlouquecia a plateia por onde quer que se apresentasse, embora faltasse apenas o ou a guitarrista para a banda ser, finalmente, impulsionada ao estrelado. Assim acreditava.
Em parte, a culpa pela banda continuar no anonimato era de Dio e de seu temperamento difícil e comportamento, dito por muitos, como cruel e intolerável.
Kars, o último guitarrista, deixara a banda na mão numa apresentação importante por conta dessas desavenças onde Dio ordenara que ele seguisse à risca suas melodias, que Kars insistira em dizer que não passavam de “punhetagem instrumental”, se recusando veementemente de tocá-las, principalmente após as humilhações que recebera no lugar de argumentos coerentes.
Meses depois dessa tragédia pública, Speedwagon foi o primeiro a tocar no assunto.
— Ninguém parece ser bom o suficiente pra você, Dio. O que pretende fazer agora? – Vocalista e guitarrista-base do The Phantom Blood desde o começo, há dois anos, Speedwagon temia que a raiva dominante em Dio pudesse resultar na sua expulsão apenas por começar aquela conversa. Ainda assim, sentia que precisava abrir os olhos do baterista sobre o tempo que a banda teve para ser famosa que, talvez, este já tenha passado e restado aos integrantes seguir cada um o seu caminho, com ou sem um novo guitarrista.
Claro que Dio não via dessa forma.
— Continuar procurando alguém à altura – respondeu ao empilhar uns panfletos de “à procura de guitarrista que atenda aos critérios citados, do contrário, foda-se você”, acrescentando sua rispidez tão típica para com Speedy. — A não ser que esteja tentando me dizer que tem coisa melhor pra fazer e pretende me deixar na mão como aquele headbanger filho da puta!
Speedwagon suspirou resignado, massageando as têmporas. Não havia outra maneira de dizer o que pretendia sem que Dio iniciasse uma discussão acalorada, pelo jeito.
— Há meses que sequer praticamos, estou só me questionando se vale mesmo a pena passar esse tempo ocioso enquanto você fica obcecado em encontrar alguém que pode nem existir.
Dio parecia escandalizado, mas de maneira irônica. Era sua maneira de fugir pela tangente, ele mesmo já ponderou sobre acabar com a banda e seguir a carreia de Direito, contudo, nunca admitiria tal fracasso tão precocemente.
— Oh-ho. Quer dizer então que vocês não estão praticando?! – Com o silêncio do outro, Dio ergueu a sobrancelha numa postura intimidadora. — Trate de ensaiar, invés de encher a porra do meu saco e reclamar de tempo ocioso.
Speedwagon foi deixado sozinho no pátio onde estavam, Dio seguiu o seu caminho aos dormitórios da universidade, sempre pregando com alfinetes alheios os seus panfletos nos murais.
Resmungava sozinho sobre o destino da banda, que era uma idealização sua, que trazia verdadeiras emoções quando subia aos palcos como há muito não sentia. Fossem apresentações clandestinas ou em pubs com direito a cachê de 25 à 50 libras para banda dividir entre si, de Londres à Berlim, eram sensações únicas.
O problema maior sempre era a falta de grana, até a chegada de Erina Pendleton, a nova baixista, que possuía uma van e levava a banda para tudo que era buraco onde eles se apresentavam. Óbvio que a promessa de reembolsar a baixista pelos gastos em gasolina ou eventuais consertos era sempre postergada por Dio, mas a ideia de que tudo mudaria – para melhor – parecia crescer em todos os integrantes como uma doença contagiosa.
Alguns se curaram dessa ilusão depois de um tempo, menos Dio.
Fosse qual fosse o motivo de sua insistência, no final do dia, com a cabeça descansada no travesseiro, ele se visualizava no topo com o público gritando o seu nome em plenos pulmões, cantando as suas músicas com adoração.
No final, tudo valeria a pena.
Então, um estímulo musical o arrebatou de imediato. No meio do corredor, Dio procurava a origem do som que chegou aos seus ouvidos de maneira convidativa. Uma melodia dramática e poderosa no tempo certo vinda de um violão, no fundo do corredor. No último quarto.
As notas pareciam dançar antes de agraciar seus tímpanos como um beijo cálido.
Caminhou a passos lentos, seu coração retumbou acelerado quando a ideia de ter encontrado alguém que pudesse completar a banda passou a ser uma realidade viável. Viável e revigorante, o que a banda precisava urgentemente. Além do mais, calaria a boca de todos aqueles malditos desistentes e massacraria a nova banda fuleira de Kars, The Pillar Men.
A porta do quarto estava entreaberta e antes que pudesse espiar, de repente, Dio precisou ser amparado pela parede. Uma onda surpreendentemente forte e vibrante explodiu no centro de seu corpo sem qualquer aviso, então, sentiu um cheiro quase opressor saindo daquele dormitório, de onde as cordas do violão eram dedilhadas com tanta precisão que Dio pôde sentir como se os dedos perpassassem sobre a sua pele, agora febril.
O quê?! Puta merda! Não! Por favor... não... agora, não!
Não podia confiar em sua voz enquanto sentia seu interior se encharcar por conta daquele feromônio poderoso.
Será que toda a preocupação em encontrar alguém para a banda fez com que negligenciasse as malditas pílulas inibidoras ou, como eram chamadas pelos jovens universitários, os blocks? Sentia-se um completo imbecil por não se lembrar de um ato tão simples e corriqueiro de sua rotina.
Seus joelhos falharam na hora em que se virava para longe do quarto, sua intimidade o irritou pelo inchaço evidente por dentro da calça e das sensações prazeirosas estranguladas que o arrebatavam, deixando-no zonzo. Deixou cair um punhado de panfletos no chão e a música que tocava ao fundo, de repente, parou.
Apenas nesse momento que Dio enxergou uma placa enorme no topo do corredor, com letras garrafais e em vermelho luminoso, dizendo-lhe as únicas palavras que poderiam fazê-lo tremer de verdade em pleno verão.
“Dormitório Alfa — Ala B”
Dormitório Alfa!?!
O pavor tomou conta de seu ser. Não queria ser o banquete para as feras. A sua respiração ficou entrecortada com o medo real de ser marcado por um alfa maluco, apenas por estar ali, no lugar errado e na hora errada.
Chegava a se perguntar por que não havia prestado atenção para onde estava indo, mas nada disso o ajudaria. Era, agora, um ômega em pleno cio no meio de dezenas de alfas que sentiriam o seu cheiro à distância.
Haviam leis que amparavam omegas marcados sem o devido consentimento por alfas não escolhidos, o que diminuiu casos de estupros coletivos e que ficavam sem punição, principalmente dentro das universidades, um território muito perigoso para quem não segue as regras. Mas o processo era longo demais e a vítima sempre passava por procedimentos constrangedores, revivendo aquela situação absurda apenas para provar a sua inocência. E, na situação que se encontrava, Dio passaria tempo demais tentando provar que só estava ali para deixar panfletos e que tomava com regularidade os blocks e que, estranhamente, se esqueceu de tomar justamente naquele dia. O que por si só lhe acarretaria numa punição extrema: a expulsão da instituição, acusado de incitar a promiscuidade.
Se esperava também que os alfas tomassem os seus calmantes e outros tipos de inibidores mais potentes para que a convivência fosse pacífica entre os alunos, mas aquele feromônio que invadiu as narinas de Dio e que serviu de gatilho para o seu próprio cio, era a comprovação de que, para os alfas, havia condescendência por parte não só da administração da universidade, mas por parte da sociedade como um todo. Porque não havia um inspetor questionando se os alfas tomaram os seus remedinhos, como os omegas eram constantemente cobrados.
Não esperou que algo acontecesse para tomar uma atitude e salvar a própria pele, os passos vindo do quarto se aproximavam da porta. E, se fosse perguntado, não saberia de onde tirou forças, mas quando se deu conta, Dio estava no lado de fora dos dormitórios, correndo afobado para o dormitório designado para os omegas, do outro lado do campus e de onde não deveria ter saído, longe o bastante de qualquer alfa desgraçado que ousasse lhe marcar.
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