— E a resposta continua sendo não.
— Mas, Almirante – insistiu um pouco mais.
— Vá imediatamente para a base em Alpha Centauri e aguarde por instruções – e desligou.
Ficou encarando a tela preta que antes a Almirante Sommers, uma mulher de meia idade e cicatriz nos lábios, ocupou por longos e desgastantes minutos pouco produtivos. Admite que não deve ignorar a razão em suas palavras, porém quem cometeu o erro fora ele. Quem carregará a culpa de missão falha e alvo capturado por outro, será unicamente ele. Quantas vidas estão ainda mais em risco graças a sua desatenção? Precisa fazer algo. E rápido.
A campainha da sala tocou. Já sabe quem está pomposamente no corredor à espera de sua resposta. Ele sempre faz isso ao final de toda missão. Parece até que outra habilidade de sua espécie é cronometrar qualquer conversa privada que tem com seus superiores. Não, é apenas algo dele.
— Entre – autorizou.
Um macho alto, de pele bronzeada, cabelos escuros com franja, orelhas pontudas, olhos afilados muito negros e em uniforme preto e azul – sinalizando ser parte da divisão de ciências da nave – adentrou o recinto. Como de costume, seu caminhar é sisudo e sua expressão impassível. É preciso admitir o quão irritante isso pode ser em certos momentos. Parou de frente para a mesa, sem piscar.
— Capitão, estamos em posição suspeita. Aconselho que partamos imediatamente – seu jeito de falar sempre ameniza o real significado das coisas.
— Eu sei, Namjoon. Mas estou enfrentando um conflito interno no momento.
— O que a Almirante disse? – permaneceu na mesma posição.
— Em resumo, não faça mais nenhuma besteira, vá a Alpha Centauri que nós amenizaremos o estrago. – o encarou, franzindo as sobrancelhas.
— Por que isso não o satisfaz, Capitão Kim? – os olhos do Imediato caíram um pouco para retribuir o fitar. Ele só o faz quando estão sozinhos. É o mais próximo de emoção pura que já o viu expressar.
— Eu devia ter pensado na segunda nave. Com tudo que tinha, era impossível ter uma única alternativa de fuga – massageou as temporadas, fechando os olhos.
— Se é assim, então a culpa deve cair sobre toda a equipe envolvida na missão – falou o subordinado, seco.
Taehyung teve de abrir os olhos. Quem comandara a missão fora ele, ficara a frente em boa parte dela. Ordenou e desordenou a todo segundo. Não pode culpar ninguém por seguir o Capitão.
— Namjoon, não pegue leve comigo – passou a mão por seus lisos fios escuros. — Vocês planejaram tudo, eu devia ser a pessoa a observar por outra perspectiva.
— Ainda assim, Capitão, não subestime a missão. Foi mais complexa do que lembramos agora – piscou duas vezes. – Não há culpado, exceto o criminoso.
— Najok, – pronunciou o verdadeiro nome do Oficial — Kornabi está no território romulano com informações cruciais da Frota Estelar. Não só carrega consigo o que pode nos arruinar, como está seguindo para a própria morte. Minha falha o matará e, futuramente, milhares de vidas. A única coisa que a Frota consegue pensar numa hora dessa é se remodelar aos poucos e preparar-se para qualquer investida.
— E o que o senhor planeja fazer para mudar o cenário? – questionou, impassível.
O Capitão o mirou por alguns segundos antes de rir. Esse vulcano é muito observador e perspicaz, não poderia esperar menos. Estão na tripulação dessa nave há anos trabalhando juntos. Um conhece bem o outro, é claro que ele sabe que Taehyung está bolando algo. Se recostou na cadeira e a virou para a janela mostrando o espaço estrelado.
— Usarei o que aprendemos muito bem: diplomacia – explicou. — Vou a Romulo trazer Kornabi de volta.
— Capitão – a voz do Imediato pareceu levemente alarmada.
O superior teve que voltar sua atenção para o outro, arqueando uma sobrancelha. Mas a expressão no rosto do vulcano é indiferente. Esperou que ele continuasse o que tinha a dizer.
— Capitão, – pronunciou mais calmo dessa vez — sei que está ciente de que essa ideia é completamente imprudente e pode ser até pior do que deixar do jeito que está.
— Estou – disse, sem tirar o olhar dele. — Mas também é possível virar o jogo – sorriu de lado.
— As probabilidades são de zero vírgula...
— 'Tá, 'tá. Não precisa dizer, não mudará minha decisão de qualquer modo – Taehyung abanou o punho.
— Senhor... – começou Najok, contudo, seus olhos cresceram e se arredondaram como os de uma criança.
Este é Namjoon.
Toques desesperados na campainha o interrompem.
— Quem é? – perguntou o capitão, enquanto o oficial saia da frente da mesa e parecia querer se esconder em algum canto.
— Quem mais? – o tom raivoso bem costumeiro saiu abafado e mais engraçado do que pessoalmente.
— Pode entrar – cedeu.
Já iria ouvir um sermão do cientista, ouvir do médico junto poupará tempo. E o homem mais baixo que si, de irises ferozes e andar pesado, não demorou a se manifestar antes mesmo que adentrar corretamente a sala.
— Senti lá da ala médica que você poderia estar tramando alguma, então desembucha – exigiu quase batendo o pé.
— Jimin, não fique agindo como se acreditasse no que aquela entidade cósmica disse. Nós não temos uma ligação – e se recostou na cadeira pela segunda vez em minutos.
— Por que você é tão cético? Está falando demais com esse cara aqui – apontou para Namjoon.
— E por que você não é? Que médico mais estranho – o Capitão zombou.
— Você já ouviu sobre aquele médico holograma, não me venha com essa – se irritou mais. — Está tramando algo ou não? Seja direto.
O suspiro foi longo. Não é que Taehyung não acredite na conexão que possa ter com o Doutor Jimin Park, só não quer alimentar mais a cabeça dele com essas ideias que podem prejudicar o comando do outro na nave. É preciso tomar decisões e agir de formas que muitas vezes ele não entenderá por estar numa posição subordinada. Dar a impressão de que a proximidade cósmica entre ambos torna os conselhos dele de maior valor é se bloquear também. E já faz bastante isso quando vai na contramão da pessoa mais lógica da tripulação: Namjoon.
— A Vanguard seguirá para Alpha Centauri – disse, sem encará-lo nos olhos. — Eu vou para Rômulo na nave auxiliar.
Longos segundos de silêncio tomaram conta da sala, enquanto Jimin se direciona ao vulcano.
— Você concorda com isso? – perguntou a ele.
— Certamente que não, doutor Park – respondeu.
— Percebe que concordamos que a ideia é idiota? – voltou-se para Taehyung. — Não brinque com a sorte quando isso acontece.
O Capitão Kim teve de rir novamente. De fato Jimin e Namjoon raramente – para não dizer nunca – concordam em algo. Jimin é muito emotivo e explosivo; Namjoon é calculista e “frio”. Se estão concordando, era para o alerta cerebral de Taehyung berrar loucamente sinalizando perigo, mas ele só está vendo amigos seus se preocupando. Obviamente que o plano é insano, precisa admitir. Porém é o que seu coração o está guiando a fazer.
— Não posso dar as costas ao Kornabi – falou sério. — Ele não merece o tratamento que receberá lá.
— Parou para pensar que ele será bem tratado por ter informações da Frota? E que aproveitará a chance para viver por lá? – argumentou o Park.
— Isso pode até acontecer, mas não acha que seria bom ir lá acreditando na boa fé deles? – o Capitão não quer pensar que romulanos são desonrados, há muitas características de suas doutrinas que se assemelham aos dos Klingons.
— Eles são romulanos, Taehyung. Pelo amor de Deus! – Jimin revirou os olhos.
— E não deixam de ser seres inteligentes – rebateu. — Já devem imaginar que iremos atrás dele. Vão tentar arrancar algo, é claro, mas se nos aproximarmos taticamente, podem devolvê-lo para que não haja problema com a Frota.
— Não me diz que foi isso que a Almirante disse para você fazer, porque é loucura!
— Estou indo por conta própria. Ela não deve saber antes que tudo se resolva – foi incisivo.
— Antes da sua morte, você quer dizer – o médico cruzou os braços.
— Ah, Jimin. Não seja tão pessimista – comentou o capitão. — Isso lhe dará rugas. Não se preocupe, eu vou ficar bem – ergueu a mão, impedindo que os dois subordinados o interrompessem enquanto se levanta da cadeira. — Vanguard precisa sair logo daqui.
— Não 'tô acreditando nisso – Park continuou a se queixar quando Taehyung passou por ele, indo em direção a porta. — Você não vai falar nada? Que droga de Oficial é você?
— Há casos que a insistência contribuí para que o indivíduo permaneça firme com sua decisão – Namjoon respondeu.
— Você é um inútil — foi a última coisa que Kim ouviu na sala.
Atravessou o corredor para o elevador, seus dois fiéis amigos o acompanharam em silêncio. As portas se abriram para a entrada da ponte de comando. Telas brilhantes com informações de funcionamento da nave, situação externa, trabalhos paralelos e o principal: a visão panorâmica magnífica do espaço a frente. Taehyung nunca se cansa dela, ainda mais por ficar na posição mais privilegiada, podendo aproveitar cada detalhe.
Assim que entrou, o piloto o anunciou. Todos os presentes pararam suas atividades para o receber em forma de reverência. Observaram seus passos até a cadeira do Capitão. Namjoon voltou a seu posto ao lado direito, como especialista estratégico. Jimin ficou um pouco afastado por não ter uma parte específica ali para si. É um tanto constrangedor ter os olhos dos tripulantes grudados nele. Estão tão ansiosos para ouvir o que tem a dizer quanto ele mesmo. Geralmente, monta discursos para que não faça feio, entretanto, o momento não é seu aliado para tal capricho. Terá de improvisar.
— Tenente Aruba, – chamou a bajoriana que logo se prontificou – amplifique a comunicação para a nave toda.
— Sim, senhor – apertou alguns botões. — Quando quiser, Capitão.
Mais um longo suspiro. Não é algo que sempre faz ou talvez nunca tenha reparado, contudo, sente que o fará com mais frequência a partir de hoje. Umedeceu os lábios, mirando a luzinha acesa e o botão de ligar o microfone. Isso será bastante difícil.
— Caros tripulantes – fez uma pausa. — Companheiros – outra pausa. — Família. Estamos a tanto tempo juntos que não é estranho usar essa palavra. Aos Alferes que chegaram há poucos meses, vocês são como nossas crianças, não se preocupem – riu. — Quero expressar minha sincera gratidão por tudo que já realizamos até agora. Sem vocês, eu não estaria aqui, sentado nessa cadeira realizando meu sonho e ajudando vocês a realizarem os seus – abaixou o olhar para a mão esquerda sobre o braço metálico. — Como disse antes sobre a missão, não se preocupem. A culpa não foi de ninguém. Tudo será resolvido em breve. Vanguard voltará para Alpha Centauri e muitos poderiam reencontrar seus familiares depois de meses. O Oficial Imediato Najok assumirá o comando a partir de agora – o som de porta abrindo e fechando não o impede de continuar a falar. — Estarei ocupado adentrando na território romulano atrás de nosso alvo. Retornarei em breve, esperem por mim – e desligou o microfone.
Os rostos abismados de todos na ponte o fizerem tremer de leve. Dentre todos os perigos que já se meteu no comando da nave, esse com certeza é o pior. Mas não pode fazer nada, nem contra aquele atrás de si que está pronto para lhe dar mais sermões. Assim que girou a cadeira, a falação começou.
— Eu sabia que seu discurso iria revelar alguma loucura, por isso vim correndo para cá — Tenente Yoongi Min, engenheiro chefe, se aproximou mais, o fitando feio com seus olhos pequenos e brilhantes. — É totalmente incabível sobreviver atravessando a Zona Neutra com uma nave de classe Nebula, que dirá uma nave auxiliar, porque é só ela que resta para você usar e se levar a morte sozinho para aqueles ditadores de orelhas pontudas. Não terá armas, nem velocidade o suficiente para fugir, não terá proteção, nem apoio. Pensou direito nisso, Capitão?
— Sim, tudo foi bem registrado e avaliado aqui — apontou para a têmpora. — E o plano seguirá.
— Que plano? – Yoongi e Jimin acabaram por falar ao mesmo tempo.
— Senhor Jeon, – ignorou os dois, indo falar com o piloto — trave uma rota segura para Alpha Centauri em dobra quatro ponto sete e parta assim que eu sair com a nave auxiliar.
— S-sim, Capitão – o rapaz hesitou pouco.
É apenas sua terceira vez nessa posição. Foi promovido há pouco tempo e já se depara com o risco de seguir ordens de outra pessoa na próxima vez e talvez pelo resto de sua vida na Frota Estelar.
— Capitão, Oficial Najok e doutor Park concordam em não aceitar essa ideia – disse Min Yoongi e ambos acenam com a cabeça. – Por favor, senhor, não me faça escrever absurdos no relatório.
— Senhor Min, – Taehyung se levantou e pôs a mão no ombro do tenente — não tenha medo de se aventurar em outro tipo de escrita – sorriu e saiu da ponte, deixando a todos sem ter como reagir.
A caminho de seu alojamento, foi parado diversas vezes pelos tripulantes implorando que volte com eles. Alguns foram bem convincentes, mas não deve dar as costas para seus princípios. É tentador fechar os olhos, seguir em frente e não achar que a vida daquele andoriano valha a pena. Porém, como todos abordo, ao se formar na Academia da Frota e a cada promoção que recebera, prometeu diante de seus familiares, amigos, colegas, instrutores, superiores e a insígnia da Federação Unida de Planetas que salvará toda e qualquer forma de vida que estiver a seu alcance.
Quando as portas de seu quarto fecharam, pôde respirar fundo e se jogar em sua poltrona de leitura com uma mesa simples de apoio. Não tem tempo a perder, só que se não parar, entrará em colapso durante a viagem. Tomou repentinamente a decisão de deixar a Vanguard e se lançar no penhasco com hienas no fundo para comer seus restos. Acredita que a nave ficará bem, o que o inquieta é ter dito a Capitã anterior que iria até o limite com ela assim que assumiu o posto. Almirante Sommers irá amaldiçoá-lo pela irresponsabilidade para com a Frota e sua antiga nave.
Por mais incerto que seja o que o aguarda, não está temeroso. Lutou por anos para controlar sua ansiedade. Se abatia fácil ao deparar-se com situações desvantajosas e até becos sem saída. Agora, está até se lançando a morte de bom grado imaginando que é imortal. Bom, precisa acreditar que sim, é imortal. Seu corpo pode se desfazer, mas seu espírito e coragem permanecerão simbolicamente.
Parou de enrolar e começou a fazer suas malas que consistiam em força e destreza. Sabe que não irá ficar lá só por três dias e voltar, mas deve dar a impressão que é o que pensou que seria. Não poderá ir armado, apenas com algemas. Sem tricorder, no máximo o comunicador e tradutor universal em forma de broche da Frota Estelar em seu peito. Deve ir o mais inofensivo possível. Talvez tenha de fazer algo antes de ir, entretanto, não lembra o que é. Não deve ser importante.
A campainha tocou para o despertar do transe. Permitiu que entrasse. É Park Jimin.
— Não mede esforços para agradar, não é? – parou diante dele.
— Do que está falando? – o comandante semicerrou os olhos, confuso.
— Acha que a Almirante Sommers está decepcionada e quer resolver para se mostrar competente aos olhos de sua querida mentora – fez um bico, com o olhar sugestivo.
— Claro que não. Não tenho sete anos de idade, Jimin – bufou.
— Admitir não vai te fazer mal.
— Não mentir também – retrucou, já impaciente. Se pôs de pé. — Tenho que ir.
— Realmente tem um plano? – o doutor segurou seu braço antes que saísse do cômodo.
— Sim – sorriu, o outro não pareceu muito convencido. — Vamos, não temos tempo.
Park teve de concordar e o soltou. No fim, sabe que não conseguirá convencê-lo do contrário. O jeito é torcer pelo melhor resultado. Além do que, Najok que ouvirá poucas e boas da Almirante, não o médico.
Desceram para o hangar enfrentando mais lamentos da tripulação amorosa. Ao chegarem, a equipe de operações dava os últimos retoques na pequena nave. O Oficial Imediato conversava com um dos Alferes, antes de notar a aproximação do Capitão. Seus olhos abaixaram por reflexo, como se tivesse sido pego desprevenido, mas logo os ergueu pomposo e mirando firme as irises curiosas do Kim.
— Espero que não os tenha obrigado a colocar um escudo de última hora – brincou, sorrindo de lado.
— Essa é uma boa ideia, Capitão. Irei providenciar imediatamente – fez uma reverência com a cabeça, mas continuou no mesmo lugar.
— Espera, isso foi uma piada? – Jimin se admirou com a graça do vulcano. — Você fez uma piada? Sério?
— Okay – Taehyung soprou uma risada. — Vocês terão bastante tempo para discutir sobre isso – tocou o ombro de ambos. — Se cuidem na volta.
O doutor não quis apenas este contado e abraçou forte o velho amigo, fungando abafado.
— Eu acho bom você voltar vivo e inteiro. Que se dane aquele andoriano babaca – a voz chorosa quase fazendo o Capitão também chorar.
— Só voltarei se for com ele – declarou.
— Que seja – soou irritado.
Se afastaram. Os olhos do mais baixo estão marejados, enquanto Namjoon está inabalável. Taehyung limitou-se a dar-lhe tapinhas no peito como provocação de despedida. Todos os Alferes se posicionaram formalmente; acenou para eles e entrou na nave.
Sentar-se na cadeira de pilotagem não é tão estranho, pois já o fez em algumas missões não muitos distantes. E pilotagem é uma de suas especialidades, antes da antropologia. Foi recrutado para uma nave estelar na primeira vez graças a esta habilidade. Sabe manobras e artimanhas de sobra. Não que sejam úteis nessa missão, mas quem sabe?
Ativou os propulsores, no entanto, tem algo errado. Uma luz no painel indica que a porta está aberta. O estranho é que lembra de tê-la visto fechar. Apertou o botão ao lado e ouviu a placa metálica se movendo. Provavelmente a intenção era parecer que está em mal funcionamento para o manter na Vanguard. Hoje não, pensou Taehyung, rumando para fora.
Tomou bastante distância, entrando em dobra um ponto cinco, perto do máximo que a nave suporta. Não pôde evitar de olhar para trás e ver o cruzador exploratório sumir de vista. Seu coração apertou ao pensar que esta pode ser sua última visão dele.
— Ah, Namjoon – suspirou. — Queria que estivesse aqui para me dizer que vai dar certo segundo seus cálculos mirabolantes.
— Não posso dizer isso, Capitão, mas posso tentar diminuir os danos.
— Sei que estou fazendo uma loucura, mas ouvir a voz dele tão nítida é digno de hospício – comentou para si, virando a cadeira.
Saindo de trás da porta de um armário ao lado do sintetizador básico, o Primeiro Oficial vulcano, com seu uniforme azul e preto e expressão nula o cumprimenta e se aproxima da cadeira de copiloto para se sentar.
— Outra possibilidade que eu devia ter previsto, não? – disse Taehyung.
— Suponho que sim, Senhor – respondeu Najok.
— Eu te pergunto: por quê? – o comandante ainda não acreditava que ele estava mesmo ali.
— Tenho treze anos a mais de experiência que o senhor. Também prometi a Almirante Sommers, quando saiu do posto de Capitã, que o acompanharia sempre e evitaria que, segundo palavras dela, "bancasse o herói querendo salvar a todos" – falou sem pestanejar.
— Jogando a desculpinha da experiência para cima de mim — resmungou o superior. — Você vai e deve viver mais do que eu, um mero humano. Tem suas responsabilidades para com seu povo, não pode estar aqui.
Namjoon desviou o olhar para o painel. Algo próximo de tristeza dominou seu rosto. Só que ele não deve expressar nada...
— O senhor sabe que por ser filho de duas espécies, isto se torna pouco provável dada as diversas rejeições que meu pai evita que eu saiba – ele ergueu a cabeça, indiferente. — Por esses motivos é justificável a razão de minha mãe me enviar a Terra após minha formação na Academia Vulcana de Ciências – voltou-se para o Capitão. — Sou leal a meu planeta, no entanto, jurei servir e proteger todos sob as diretrizes da Federação.
— Que antipatriótico – zombou Taehyung. O outro arqueou a sobrancelha, o arrancando risadas. — Eu te entendo. Estamos no mesmo barco, não é? Bom, quase literalmente – Namjoon comprimiu os lábios. — Prepare-se para entrarmos em contato com nossos queridos... Anfitriões, assim espero.
A Zona Neutra é a linha limítrofe que divide os territórios da Federação e o romulano. Antes dela, há postos que monitoram a movimentação de ambos os lados. Uma pequena aproximação que não seja para os postos, já chama a atenção do encouraçado camuflado. Como o Capitão Kim não quer o envolvimento da Frota ou de qualquer um, espera se deparar com a nave espiã. Contudo, tentará entrar em contato antecipadamente.
Por não existir familiaridade, tampouco parceria entre as potências, não há código salvo para facilitar a comunicação. É preciso procurar a frequência certa para enviar mensagens, porém a tecnologia de camuflagem impede recepção ou envio de qualquer coisa. Logo, o que conseguirá é chamar ainda mais a atenção deles. Namjoon cuidou disso para que Taehyung continuasse a observar os radares. Estão há poucos anos luz da Zona Neutra, a qualquer momento aparecerão.
E não tardou. Um cruzador monumental se materializou a frente. Sua abertura parecia querer os engolir. A luz no radar pisca desesperadamente, até a pequena nave auxiliar está intimidada com a imponente engenharia dos nativos de Rômulo. Uma voz surgiu no interior da cabine.
— Nave da Frota, está muito perto da Zona Neutra – cada sílaba soa como uma ameaça.
— Estou ciente disso, Capitão... – Taehyung fez uma pausa para que o outro dissesse seu nome.
— Saia antes que nossa generosidade acabe – foi direto.
— Desculpe, senhor. Não fui claro em meu motivo – tentou contornar. — Sou o Capitão Taehyung Kim da nave USS Vanguard. Vim aqui justamente falar com alguma autoridade de seu povo. Um criminoso da Federação fugiu mais cedo para seu território. Tenho certeza de que o pegaram sob custódia e gostaria de me desculpar novamente por esse inconveniente. Não queremos que vocês fiquem com esse peso. Podem nos entregá-lo e sequer estenderemos mais essa conversa.
Silêncio.
Najok desligou o microfone.
— Capitão, temo que nos farão entrar na nave – comentou, sério.
— Para o bem de todos nós, é exatamente isso o que não espero, mas sei que será assim – a pausa está deixando Taehyung mais apreensivo.
Em seus três anos como Capitão, nunca falou com um romulano. Só escuta histórias e lê registros sobre quem já os viu pessoalmente. Ter de lidar com isso de primeira na situação em que está, é exigir demais da sorte. Tem que manter a calma.
— O fugitivo é um andoriano de nome Kornabi? – questionou o capitão da outra nave, desinteressado.
— Sim. Ele está com o senhor? – cautela é fundamental, ainda mais com Namjoon franzindo as sobrancelhas ao seu lado.
— Não, o andoriano foi pego mais cedo e está a caminho de seu julgamento.
— Pode informars que iremos levá-lo conosco? – indagou e não teve resposta.
— Capitão – a voz de Namjoon ganhou um tom pouco neutro.
Preocupação?
— Se prepare, Senhor Najok. Nossa aventura está apenas começando – o comandante tentou descontrair, mas também está tenso.
— Se houvesse a possibilidade de enviar mensagens para meu arquivo pessoal, acrescentaria os detalhes atuais em meu diário de bordo – disse, pensativo.
Taehyung se sobressaltou com o estalo cerebral que teve. Virou para o Oficial arregalando os olhos para o olhar estranho que recebeu.
— Esqueci de fazer meu diário de bordo! – exaltou-se, tocando o braço do vulcano. — Eu devia ter registrado algo antes de vir.
Namjoon não conseguiu responder, pois o romulano finalmente voltou a falar.
— Terá que discutir isso com os Generais. O julgamento continuará – proferiu, firme.
— E os Generais estão...? – sabe a resposta, mas quer parecer desinformado.
— Rômulo, obviamente – respondeu impaciente.
— Então tenho permissão para adentrar no território? – mesmo sendo uma nave auxiliar, é ingênuo de sua parte achar que será tão fácil.
— Sendo escoltado por mim – acrescentou o outro.
— Entendo, só tenho está opção ao que parece – afirmou o Kim.
— Sim – o romulano confirmou.
— Tudo bem, iremos a bordo – e desligou.
— Capitão – Najok o chamou.
— Eles querem algo de nós também e que revelemos sem a necessidade de nós interrogar diretamente – adivinhou parte do que se passava na mente do subordinado.
— Na viagem para Rômulo, devem ter arrancado alguma informação de Kornabi – supôs, respirando devagar.
— E nós vamos nos deixar cair nessa armadilha – disse o Capitão e o outro assentiu.
Taehyung guiou a nave para dentro do cruzador esverdeado. O painel deu uma leve falha e logo retornou ao normal, indicando que checaram o sistema para garantir que nada suspeito os prejudique. Ao saírem, guardas os esperaram para revistar e fazerem mais cara feia com suas expressões carrancudas naturais. Portas se abrem e uma figura de roupas acinzentadas mais rígidas e ombreiras caminhou até eles. Cabelos escuros simétricos, testa protuberante marcada em "v", sobrancelhas a acompanhando e orelhas pontudas. O comandante do cruzador.
— Capitão Kim – cumprimentou. Seu olhar foi para Namjoon e sua feição se transformou em enorme desgosto.
— Este é meu Oficial Imediato, Najok – não perdeu mais tempo em apresentá-lo.
Romulanos desprezam toda e qualquer raça que não seja a deles, porém com vulcanos isto se intensifica. Existem diversas razões para tanto ódio e duas delas são as comparações por terem fisionomias parecidas e a possível relação de origem das espécies ser a mesma e a evolução ter gerado algo ligeiramente diferente. Ainda pouco se sabe sobre isso, mas as pesquisas seguem mesmo com falta de informações sobre os romulanos.
— Sigam-me até seus alojamentos – indicou com a mão o elevador a frente.
Taehyung teve um conflito interno entre ser chato e ficar perguntando tudo que vier a mente ou se comportar, como Namjoon. Chegou à conclusão de que a segunda opção é a melhor. Tudo que perguntasse seria por capricho. Outros capitãs e oficiais já entraram em naves romulanas, até foram ao planeta deles e registraram boa parte do que o Kim sabe que os anfitriões se limitariam a responder. Deixará as perguntas para os Generais.
Saíram do elevador e seguiram por um corredor pouco iluminado. A visão de romulanos deve ser como a vulcana. Oops, não devo comparar – se condenou mentalmente e sentiu alguém o fitar. Provavelmente é o Imediato com sua habilidade apurada. Pararam em frente a uma porta que revelou ser um quarto simples.
— Ficará aqui até chegarmos a Rômulo – pontuou o comandante.
— Hum... – o Kim entrou e analisou melhor o cômodo. — Parece decente.
— É claro que é. Não precisará de nada além do que tem aí para sobreviver por algumas horas – respondeu ríspido.
— Não pode ter certeza disso, eu sou humano – quis rebater, porém a porta se fechou antes que terminasse.
Namjoon!
Ficarão em quartos separados, mas e se...? Não pode pensar isso. Eles não seriam tão baixos ao ponto de fazerem algo com o vulcano. Metade vulcano, para ser mais exato. Espero que não nos vasculhem no banco de dados e descubram a outra metade dele, pensou um tanto preocupado.
Precisa se concentrar. Virou-se para o lado da janela, mas logo retornou, andando em círculos. No momento, o maior problema é o andoriano. Vivo ou morto, ele é um perigo. Espera que tenha sido tão espertinho quanto foi durante a emboscada falha. Se contou sobre as informações sigilosas que tem, que não tenha falado nada do chip. Ou que tenha blefado sobre algo, mesmo desconhecendo o resgate que terá.
Isto porque Taehyung quer pensar na hipótese positiva. No pior dos casos, Kornabi já está morto, eles pegaram o chip e estão levando a si e a Najok como reféns ou para coisas piores que sequer quer imaginar o imediato passando. É muito mais sensível do que qualquer um imagina.
Em meio a tantas incertezas, o que o Capitão da Vanguard deveria fazer é elaborar o que fará quando se deparar com os Generais. Independente do plano Romulano, os superiores aparecerão, pois a espécie é orgulhosa, jamais perderia a oportunidade de cuspir na cara de alguém da Federação.
Parou no meio do quarto. É inútil matutar tanto sem ter Namjoon ao seu lado para segurar as rédeas. Desde o início nunca houve um plano, é tudo improviso. E é a isto que se agarrará até alguma ideia iluminar sua mente ou a do Oficial.
Andou até a parede esquerda e metálica. De alguma forma, sente que o outro lado é onde Namjoon está. Talvez ele esteja lhe proporcionando tal sensação para saber que não estão longe um do outro. Tão doce... Esboçou um sorriso aliviado. Foi até a cama pequena e se jogou no colchão semiduro.
É melhor dormir do que continuar a pensar no que não o leva a nada.
——————
— Capitão Kim, me acompanhe – a voz do comandante romulano é o pior despertador do Quadrante Alpha. E ver que ele e dois de seus guardas o estão fitando numa posição constrangedora de quem acabou de acordar, parece um pesadelo de estudante na Academia da Frota.
Certamente, seus cabelos estão bagunçados e o hálito pouco tolerável; talvez tenha babado no travesseiro, seus olhos estão com remela e as faces com marcas de lençol.
Que ótima forma de se encontrar com os Generais — ironizou mentalmente. Contudo, conseguiu permissão de, ao menos, lavar o rosto antes de irem. Andaram um pouco pelo corredor de pouca luz e Taehyung deve de perguntar sobre o Imediato. Foi-lhe respondido que está na sala de transporte. Não demoraram em logo chegarem a ela e o vulcano estar lá com guardas a sua volta. Cumprimentando-o como o costume que o Kim lhe ensinou, ele ser curvou levemente ao vê-lo entrar.
— Bom dia, Capitão – disse, cordial.
— Bom dia – retribuiu, depois se virou para o Oficial romulano. — É dia em seu planeta?
Não foi respondido. Indicaram que ele e Najok fossem para as bases de transporte em cima das placas de metal e luz. É um tipo de transporte mais arcaico que o da Frota, entretanto, tendo em vista do quanto tem aprimorado cada vez mais a camuflagem tão desejada por diversos povos, isso nem é tão relevante. Sem mais delongas, a desmaterialização foi feita e as figuras na sala foram sumindo para que outras em maior quantidade aparecessem ao redor de um salão. Entre elas está outra autoridade nítida.
— Capitão Taehyung Kim, Primeiro Oficial Najok – disse o romulano em destaque. — Sou o General de Defesa Hosok – apresentou-se.
Seus cabelos não são tão escuros quanto os demais e seu rosto é mais suave, até expressa diversão. A grossa faixa preta atravessando o uniforme acinzentado é o que o difere dos guardas.
— Sigam-me – pediu aos convidados.
Enquanto andavam por um corredor em concreto e metal, Taehyung sentiu seu estômago revirar. Olhou para o lado e viu a veia no pescoço de Namjoon pulsando feroz sob a pele. Queria poder acalmá-lo, então desviou seu foco para notar que faltava alguém, apesar da quantidade absurda de guardas na sua cola.
— Nos foi informado que nos encontraríamos com “Generais”. Onde está o outro?
— Ele tem outros assuntos para lidar. Estou cuidando desse sozinho agora – respondeu, brando. Mas há algo errado.
Chegaram a uma sala e somente os três entraram. Os demais ficaram no corredor de prontidão. Hosok foi para trás de sua enorme mesa bem organizada e com uma placa escrito seu nome na língua romulana se sentar, apontou para que Kim e Najok fizessem o mesmo com as duas cadeiras a sua frente.
— Bem nobre de sua parte vir até nós sem armas ou uma equipe grande. Aceitar vir de bom grado, ainda mais pensar em nos poupar de cuidar de um problema de vocês – fez uma pausa analítica. — Nunca vi nada parecido antes.
— É a primeira vez que algo do tipo acontece, então não há um parâmetro comparativo. Por isso sua surpresa, General – comentou Taehyung, mantendo o tom calmo. O incomodo está passando, mas seus músculos começaram a enrijecer.
— Muito pelo contrário, Capitão Kim – ele bateu dois dedos na mesa, o encarando. — Há algumas décadas, todas as vezes que nós nos encontramos com vocês, foram para assuntos complexos como política e inimigos em comum. O mais próximo da situação atual foi o caso do diplomata vulcano em nosso planeta. O senhor é jovem, deve ter estudado ou ao menos escutado as histórias. – Hosok esboçou um leve sorriso, de certo modo, perverso. — Não é a primeira vez que um criminoso da Federação adentra nosso espaço, mas ninguém jamais ousou vir atrás deles. És o primeiro, Capitão.
No canto de sua visão, Kim viu Namjoon trincar seu maxilar. Está tão apreensivo e ansioso quando o superior e o transferindo mais disso. Logo de cara, não estão indo para um bom caminho.
— Certamente, General, o senhor sabe que há normas e diretrizes que todo integrante da Frota deve seguir – gesticulou com a mão para descontrair o ambiente e a si. — Kornabi é de uma espécie que se juntou a Federação em seu início, é preciso que não somente preste conta a nós, como ao próprio planeta que está de acordo com nossas diretrizes. Posso parecer ingênuo por ser um Capitão jovem e de pouca experiência, mas quero me manter fiel ao que acredito. Se outros não cumprem este mínimo e abandonam criminosos para deixar a encargo de vocês, precisarão reaprender tudo ensinado na Academia e na vida. O medo é tão grande que devem pensar que vocês são bárbaros. Isto porque já lidamos com Klingons.
Hosok riu com gosto, balançando a cabeça.
— Que audácia dizer tal coisa de um aliado. Não gosta de Klingons, Capitão?
— Na verdade, gosto. É bom olhar para a natureza selvagem e como nada em seu comportamento aparentemente grotesco não os impediu de se desenvolverem – respondeu, simplista.
— Ah, Capitão Taehyung Kim. Você é uma das pessoas mais interessantes que conheci nos últimos anos. É bastante virtuoso e corajoso – o General semicerrou os olhos.
— Acha que estar aqui conversando com você é corajoso de minha parte? – questionou, pouco confuso com o ponto de vista do outro.
— Qualquer simples ato contra a massa é corajoso – sorriu mais. — Se os Capitãs da nova geração forem como você, a Frota Estelar terá futuro.
Estou justamente indo contra ela, realmente é preciso coragem – se avaliou e sentiu uma pontada interna estranha. Namjoon está muito inquieto.
— Vou encarar isso como um elogio. Mas agora podemos voltar ao assunto de antes? – Taehyung se ajeitou na cadeira com certa dificuldade.
— Claro, precisamos nos ajudar agora – Hosok se afastou da mesa para recostar em sua cadeira. — Que tipo de crime o andoriano cometeu? Conversamos um pouco e ele não parece disposto a voltar para lá.
Então ele não quer se arriscar aqui também. Pode ser uma vantagem que ainda não saibam do chip, uma vantagem muito frágil. Qualquer deslize em sua resposta e o Capitão entrega tudo. Além do mais, se Kornabi contasse, estaria dissecado a esta hora. Quer acreditar que não está mesmo. No entanto, se vasculharam o banco de dados do mercado ilegal intergaláctico, encontrarão a oferta dele.
— Cometeu diversos, a lista é longa e a história também. Vamos poupar nossos tempos e irmos direto ao ponto – tentou soar firme.
— Você não está entendendo, Capitão – o General umedeceu seus lábios. — Não importa quantos crimes graves o andoriano cometeu para a Federação, ele cometeu um crime entrando aqui. O Senado não está contente com isso, mas ficaram curiosos sobre sua busca. Sabe que não apreciamos os métodos levianos de vocês, então, caso não tenha um bom motivo para o querer de volta, é melhor se preparar para sair daqui de mãos vazias.
Merda.
Que merda.
Chamou mais atenção do que gostaria, agora é tudo questão de tempo. Bem como Namjoon dissera: piorar a situação se envolvendo. Nenhuma desculpa ajudará a ganhar mais alguns minutos. Mas dizer a verdade, é desastre iminente e meia verdade é atiçar a fera. Precisa de um plano imediatamente. Improvisar não basta mais.
— General – Najok se manifestou depois de tanto silencio desde que se teletransportaram. — Se não achar nosso motivo bom o bastante, o que poderemos fazer?
Os olhos de Hosok se direcionaram para ele, preguiçosamente.
— A opção que posso oferecer a vocês é comportar a pena dele de acordo com o que vocês considerarem aceitável. Ainda assim não será muito.
— Posso ter uma conversa com o Senado? – talvez o Capitão consiga algo dissertando com os principais no comando.
— Você ainda não entendeu – o General balançou a cabeça novamente. — Estou aqui justamente para que não fale com o eles. Se não me contar aqui, não poderá contar a mais ninguém acima de mim – e sorriu.
É um beco sem saída definitivo. O que faz agora? Hosok provavelmente é o romulano mais simpático que encontrará. Pode não estar sendo totalmente sincero, mas Taehyung também não está e nem planeja até...
— Certo, – passou a mão pela a própria mandíbula — mas teremos a chance de ver Kornabi?
— Posso providenciar isso – o General piscou carismático.
— Bom, já é um passo para que prossigamos com nossa conversa – Kim juntou as mãos sobre o colo, fingindo estar disposto a se abrir.
O incomodo voltou. Namjoon não está contente com a fala do superior, porém não precisa torturá-lo com essa náusea maldita. Vomitará a qualquer momento e não saberá explicar para o anfitrião. A campainha tocou para o salvar como um gongo. Hosok permitiu que entrasse, só de olhar para o indivíduo entendeu que era algo importante, fechando a feição.
— Continuaremos nossa conversa depois – falou, se levantando. — Os guardas os levarão para seus quartos.
Ambos foram para fora da sala. Taehyung estava um pouco tonto, contudo, andou de cabeça erguida por mais corredores monótonos. Notou os olhares que recebeu do Imediato, deve estar se sentindo culpado. Entrou no quarto e nem viu onde fica. Correu para o divã perto da janela que não mostra a cidade. Bebeu um copo de água na garrafa da mesa ao lado para se acalmar.
Não é a primeira vez que isso acontece e nem será a última. Desde que conheceu Namjoon melhor, tudo tem balançado dentro de si. Não é ansioso como antes, mas enfrenta diversos sentimentos avassaladores que lhe dão mais forças para prosseguir, por isso jamais repreendeu o Oficial por lhe causar isso. Até prefere sentir esse calor que um vulcano puro em hipótese alguma o mostraria.
É curioso como na primeira vez que o viu quando estava na Academia, não imaginou a pessoa sensível que é. Em encontros esporádicos ou em cerimônias, sua figura era sisuda. Quando se formou e foi chamado para fazer parte de uma nave da Frota – a USS Vitale –, Taehyung conviveu com um Tenente vulcano da área de engenharia. Ele reforçou mais toda a ideia que tinha sobre a espécie e o que estudou sobre.
Após a ameaça dos Borgs, Kim chegou a ficar mais um tempo na Vitale, dando suporte operacional na reparação dos danos gerados pelo confronto. Porém quando a Frota se normalizou, recebeu uma promoção e transferência para a recém reconstruída USS Vanguard. Esta fora completamente destruída, tendo perda completa da tripulação. Em homenagem aos falecidos, criaram uma nave com o mesmo nome e convocaram os sobreviventes condecorados da guerra em outros setores. E lá estava Najok, um Oficial de Ciências já em posição de Imediato da Capitã Erika Sommers. Taehyung era Tenente e pilotava a Vanguard sempre sendo observado pelo lógico vulcano e seus cálculos de trajetória. Meses depois, quando promovido a Tenente Comandante, sua aproximação com o Oficial começou. Fizeram mais missões juntos e trabalhos, a amizade surgiu magicamente. Outros nuances de Najok transpareceram e a intimidade cresceu.
Uma das primeiras coisas que deixam claro a relação única deles é a forma como passou a chamá-lo. Najok sempre o lembrou do nome “Namjoon” de seu país natal. Assim que teve permissão, começou a usar. O significado agradou o vulcano – “talento do sul” –, pois nascera ao sul do país central de Vulcano. Outro agrado foi a compreensão por parte de Taehyung quando descobriu a verdade sobre suas habilidades.
É de conhecimento geral que Namjoon é metade vulcano e betazoide. Seus pais são um casal bem improvável e polêmico no meio vulcano, onde sua mãe teve a “infelicidade” – dita por ela mesma – de dar à luz em seu planeta origem e consequentemente o filho nascer com características vulcanas mais proeminentes, porém somente em aparência. Seu físico é como o da mãe – as orelhas pontudas, as sobrancelhas retas e o cabelo simétrico –, já suas habilidades alienígenas são mais próximas do pai.
Namjoon cresceu em Vulcano mais por pressão dos avós maternos do que por vontade dos pais. A rebeldia de sua mãe não era bem vista e isto se refletiu na tradição matrimonial da qual o Imediato ainda não recebeu uma proposta de alguma família vulcana. O acordo é feito ainda jovem, mas até agora nenhum sinal de interesse e seu pai vem mascarando isso inutilmente. Não conhece o próprio filho.
Só Taehyung sabe o outro lado de Namjoon.
Por ser birracial, guarda consigo as habilidades mais fortes de vulcanos e betazoides. Conhece as artes e técnicas de Vulcano, mas também possui a ampla capacidade psíquica de Betazed. O tão famoso Elo Mental vulcano dele ganha proporções além do toque. As meditações o fazem conter as leituras mentais e empáticas, entretanto, se deixar de fazê-lo por dias, elas voltam com força. E quando está na fase do Pon Farr – condição de feromônio excessivo no corpo –, Namjoon beira a insanidade. Kim teve de lidar com isso em seu primeiro ano como Capitão e somente observar seu amigo sofrer sozinho.
Nessa época, ainda não tinham feito um Elo Mental, mas Taehyung já se sentia ligado ao outro. Na perigosa missão em que se encontraram com a entidade cósmica, Namjoon o fez para despertá-lo do coma. Não foi apenas enviar mensagens, ocorreu mais do que isso. Alma e espírito se entrelaçaram. Esta é uma das consequências, os indivíduos se conectam podendo durar dias a influência gerada, por isso a prática é restrita a familiares e cônjuges. No entanto, quando em situações de risco, vulcanos fizeram uso dela para salvar vidas de centenas de pessoas ao longo das décadas, principalmente quando sendo parte da Frota Estelar. E foi o caso de Namjoon. Desde então o compartilhamento de sentimentos tem sido mais forte, só que Taehyung suspeita que a habilidade betazoide do Imediato já o tenha influenciado antes fazendo um Elo Mental involuntário a distância e mais fraco.
Para a maioria das pessoas, Najok é um vulcano padrão. Aos olhos do Capitão da Vanguard, ele quebra toda a casca de gelo da espécie. Os detalhes em suas falas, mínimas ações e olhares mostram que há mais sangue vermelho em si do que verde. E que sua mãe estava certa em não o deixar em Vulcano. Namjoon não é como eles e nunca será. O lado betazoide muitas vezes o domina, permitindo que a impetuosidade Vulcana adormecida sopre em seu ouvido, lhe dando um charme único.
Taehyung não segurou o riso ao lembrar quando terminaram a missão da entidade cósmica. O Primeiro Oficial veio a seu quarto a noite dizendo que não conseguia meditar no próprio e queria companhia para se concentrar ou socaria a primeira pessoa que passasse perto do aposento. Foi um momento delicado em que ambos sentiram que deviam ficar perto um do outro nas coisas mais bobas. A abstinência do Elo não durou mais de uma semana, mas tudo que fizeram nela fora significativo.
O som das portas se abrindo o desperta dos devaneios. Em nada se surpreendeu ao ver que é Namjoon. Pôs-se a sentar. Os passos do outro foram como marteladas em seus ombros, aumentando a tensão neles.
— Capitão – parou a sua frente e abaixou o olhar.
De todas as formas que o vulcano já demonstrou não ter um coração de pedra, essa é a que Taehyung mais gosta. Não há superioridade ou submissão. Suas grandes irises pretas brilham como estrelas explodindo, é delicado e intenso ao mesmo tempo. Cada brilho representa uma emoção diferente dentro de si, nunca sabe exatamente quais são, mas as sente também.
O gesto se tornou muito íntimo para Taehyung, único deles. Namjoon começou a fazê-lo após o Elo, a relação num todo entrou em outro nível. Pois o olhar singelo acaba com as barreiras hierárquicas e raciais de ambos. Ali são apenas seres dentro do universo, apreciando a existência um do outro e nada ao redor importa mais que esse momento.
Kim bateu a palma da mão ao seu lado no divã indicando que o Imediato se sente. Ele hesitou, mas o fez. Fitou seu rosto de pele oliva ganhando tons mais escuros de sangue se acumulando em constrangimento. Então ela surgiu, a covinha mais adorável da galáxia. Taehyung sorriu, contendo a vontade de tocá-la.
— Capitão – a voz de Namjoon tremeu, seu rosto não parou de pigmentar.
— Sei que está lendo minha mente desde que pisamos aqui e veio se desculpar por isso – pontuou. — Já sabe a resposta.
— Não estou lendo, senhor – garantiu, sério. — Mas estou te causando algum mal. Me desculpe.
— Está tudo bem. Já estou me acostumando mesmo – fez pouco caso.
— Mas não deve, Capitão – sua voz abaixou e sua mão por um momento quase o tocou, porém recuou.
— Muito gentil se preocupar, mas está tudo bem. Aceito carregar as suas emoções comigo também – Kim alisou o braço alheio.
As irises negras como obsidianas tremeram, Taehyung sentiu a insegurança tomando Namjoon e o fortalecendo a fazer algo.
— Capitão, não tenho sido totalmente sincero com o senhor – começou. Há hesitação em seu olhar infantil.
As portas do quarto se abriram. General Hosok entrou afoito com as mãos para trás do corpo e a testa franzida.
— Que bom que estão os dois aqui. Poderão falar com Kornabi agora.
— O senhor é rápido, General – comentou Taehyung, enquanto se levanta.
— Ocorreram mais algumas mudanças e o julgamento será em poucos minutos – disse pouco contente também.
— Pensei que teríamos mais tempo para discutir. Isso significa que nos restou a opção de dosar a pena dele? – Kim realmente não esperava por essa.
— O Senado tem pressa, então sim – estendeu a mãos para a porta. — Acompanhem-me, senhores.
Os Oficiais da Frota obedeceram. O cérebro de Taehyung começou a matutar o cenário que evitou pensar todo esse tempo, porém não pode mais ignorar. Acelerar a resolução do caso que a Base de Defesa está cuidando é a tática mais antiga de desviar encargos. Já vira algo assim na Frota, pessoas de preto circulando com insígnias diferentes e discutindo com o alto escalão. Também há algo assim aqui em Rômulo.
Desceram alguns níveis, as luzes foram diminuindo, a quantidade de seguranças e tamanho das armas aumentando. Mais tensão nos ombros do Capitão, exigirá que o vulcano os massageie depois. Pararam em uma cela que se abriu, revelando o alienígena azul de cabelos brancos e antenas, algemado em uma cadeira arregalando os olhos abismado.
— Capitão Taehyung Kim – disse, entre risos. — Eu sabia que não conseguiria me tirar da sua cabeça tão fácil.
— Podemos ter uma conversa privada com ele? – perguntou ao General.
— Sua tamanha cordialidade me convence a ceder – sorriu e fechou a porta.
— Medo de que eu entregue as informações? – zombou o andoriano.
— Acho que é você que está com medo. Não disse nada a eles ainda. Imaginou que seria diferente, não é? – Taehyung mirou nos olhos esverdeados do prisioneiro.
— Está enganado, Capitão. É bem melhor – gargalhou. — Já fiz um acordo com o Major J'Sok. Assim que terminar o julgamento, irei extrair o chip e ser liberado.
— Você fez um acordo com um Major? Tem noção do que fez? – teve de sibilar para não gritar.
— Consegui minha liberdade vendendo vocês, Federação. Nunca mais pisarei naquele lugar – respondeu, cheio de si.
— General Hosok que está cuidando de seu caso. Se alguém acima dele veio te ver, não faz parte dessa Base e tampouco segue as mesmas regras – Kim começou a exasperar de nervosismo. O pior já está acontecendo.
— E daí? Eles vão me liberar no final. O julgamento é uma farsa – Kornabi permaneceu confiante e o outro só queria socá-lo para voltar a si.
— Claro que não! Você fez um acordo com a Agência de Inteligência deles! É um criminoso que roubou informações sigilosas de uma das maiores forças militares da galáxia e ainda as vendeu facilmente. Acha mesmo que pessoas treinadas para enganar e espiar te deixarão ir?
Tanto o andoriano quanto Namjoon se espantaram com sua fala. Está confirmado, vieram a Rômulo em vão. A solução seria cometer uma loucura para salvar a Frota.
A porta se abriu e Hosok sorriu ao lado de quatro guardas.
— Tempo esgotado. Hora do julgamento.
O Capitão saiu da cela com o Imediato em seu encalço. Kornabi foi arrastado para fora gritando.
— Capitão, por favor, você não pode me deixar aqui. Você veio me buscar. Eu sou seu prisioneiro. Me tira daqui! – sua voz foi sumindo junto com sua imagem.
— Tortura psicológica? – indagou o General. — Tem certeza de que seu lugar é na Frota Estelar espalhando a mensagem da paz? Ou você é o carrasco que esconderam por anos?
— Jamais – retrucou, sério. — Podemos, ao menos, ver o julgamento?
— Sinto muito – lamentou, mesmo não parecendo. — Dado o estado do andoriano, sua presença lá atrapalharia. Retornem a seus aposentos que eu os atualizarei mais tarde.
Eles voltaram para o quarto de Taehyung. O superior foi direto para o divã soltar um longo suspiro. Faz um tempo da última vez que o fez, então não é uma mania nova nem antiga.
— Tal Shiar, Capitão? – Namjoon finalmente falou.
— Infelizmente, sim. Este era meu medo desde o início – suspirou de novo. — De certo modo, tira a culpa de meus ombros saber que Kornabi conversou com eles antes de chegarmos. Tal Shiar já saberia sobre ele, mesmo que não estivéssemos aqui. Só precisaram de tempo para organizar uma forma de não deixar a Base de Defesa se sentir inútil. Estamos ajudando-os involuntariamente, que irônico.
— Vamos deixar do jeito que está?
— E fazer o quê? – girou a cabeça para o vulcano. — A solução seria desabilitar o chip. A única forma disso seria um feizer. Teria de ser tomado de um guarda e atirar na área onde o chip está no corpo de Kornabi, consequentemente, a potência da rajada para destruí-lo, o mataria.
— E é essa a sua solução? – o Oficial parecia não acreditar.
— Se eu estivesse sozinho, teria feito isso antes de o levarem a julgamento. Mas você está aqui, não posso te condenar comigo – desviou a atenção para a falsa janela. — Acabou.
— Capitão, está se ouvindo? – a indignação está nítida em seu tom. — Matar não é a solução.
— Ah, não me diga que não seria lógico? – teve de se pôr de pé e o encarar. — Olhe nos meus olhos, leia a minha mente, faça seus cálculos e me diga todas as possibilidades de resolver isso.
— Não – Namjoon se afastou com se o repudiasse. — Não é lógico para você. Não é a forma que lidera, não é o jeito que se conforma com a situação. É melhor do que isso.
— Eu não sou! Pare de amenizar tudo para mim – sua voz se elevou. — Com esse falso Elo que temos, era para perceber que sou apenas um humano frágil. Não está sentindo a frustração e mediocridade vindo de mim? – as palavras amargas saíram cortando sua garganta e arderam seu estômago. — Não é para continuar a me tratar como antes do “Elo”, é para ser realista e ver que não dá para me considerar um pacifista extremo quando temos o destino de boa parte do Quadrante Alpha e Beta em jogo. Não seria um sacrifício para bancar o herói, mas para fazer o certo.
Os grandes olhos de Namjoon, o jovem metade vulcano e metade betazoide, lacrimejaram. Ele está triste e irritado, está desapontado e envergonhado. Taehyung sente o mesmo de si. Não devia despejar tudo encima dele.
— Me desculpe. Não sei por que estamos discutindo isso, eu não vou matar Kornabi – voltou a se sentar no divã. Cansaço lhe abateu. — Estou me sentindo o velho Piccoli com seus sermões. Que descanse em paz – suspirou. — Sabe o que é engraçado? – tornou a fitar o Imediato. — Se Jimin estivesse aqui, diria “nem toda conexão cósmica é capaz de me fazer te perdoar por isso”. Vocês concordariam de novo, para o meu pesadelo – riu sem graça.
— Capitão, – Namjoon está choroso, o que quebra mais o coração de Taehyung — não é hora para isso, mas eu sinto muito por ter mentido todo esse tempo.
— Com o que exatamente você mentiu para estar assim? – Kim o puxou para se sentar.
— Fiz a entidade mentir na explicação do paradoxo – fungou, tentando conter as lágrimas. — Eu estava com medo da sua reação, não queria que se afastasse de mim.
— Por quê? Em que ponto ela mentiu? – o Capitão sentia, mas não sabia traduzir a sensação.
— A conexão é entre você e eu – confessou, abaixando a cabeça.
Kim ficou em silêncio por longos segundos, sem saber o que dizer. Já suspeitava dessa ligação, mas nunca imaginou uma explicação lógica. Talvez um Elo à distância ou os princípios básicos de matéria que se transforma e origina do mesmo. Só que a grande pergunta é: por que Namjoon não queria que ele soubesse? O que há de errado nisso? Por que poderia reagir mal?
— Namjoon, não vejo problema algum nisso. Por que mentiu?
— É uma coisa betazoide e eu a tornei vulcana depois – quis esconder seu rosto, mas Taehyung o impediu, segurando seus pulsos.
— O que quer dizer? – buscou os orbes escuros marejados.
— O senhor é o primeiro. Meu imzadi – o Capitão piscou sem entender. Já ouviu a palavra, porém não se lembra onde ou o que significa. — Meu primeiro amor...
Ah...
O que...?
— Quando ficamos presos em planos diferentes para resolver o paradoxo, a entidade quis que eu cumprisse meu papel de ao menos te dizer isso, mas me recusei. Por isso você e o doutor entraram em coma após responder corretamente ao enigma – continuou a esclarecer. — Eu precisava aceitar meu lado betazoide que tanto ignorei por anos. Ela disse que eu devia viver seguindo meu coração e não as tradições de uma raça da qual faz parte de apenas metade de mim. E, ao te ver naquele estado, não pude ficar parado. Fiz o Elo Mental, no entanto, não bastou. Tinha que ir mais fundo e te trazer de volta, então compartilhei meu katra com o senhor.
Katra é uma espécie de espírito existente em cada vulcano. Sua essência de vida, a companheira da alma, a precursora do legado do ser a qual pertence. Compartilhá-lo é dar metade de si, é confiar sua existência a outro ser e se conectar a ele até no pós vida – Taehyung se lembra de ter lido sobre e de se impressionar com o nível de intimidade que alienígenas são capazes de ter com quem amam. Pensar que não só é o imzadi de Namjoon como carrega parte de seu katra, explica tudo que tem passado no último ano.
Ser filho de duas espécies fortes psiquicamente torna qualquer peculiaridade “mística” mais intensa. Sua empatia transcende o Elo e este, por sua vez, descontrola a telepatia betazoide por ser mais visceral. A natureza libertina de um e a brutalidade contida de outro competem para tomar dominar. O Primeiro Oficial é uma bomba psiônica tendendo a se autodestruir, mas por estar ligado a ele, Kim vai junto. Até o influencia com seus sentimentos humanos volúveis.
A entidade cósmica que ainda vaga por aí sem um propósito aparente, obrigou Najok a transformá-los na ruína um do outro. Condenou ambos a uma vida da qual abriram mão. E não há mais volta sem que um deles se machuque no final.
Taehyung sentiu sua coxa molhar. Está chorando. Não sabe se está chorando por si ou pelo outro. Não sabe se este sentimento de culpa e dor são seus ou de Namjoon. Não sabe o que está acontecendo consigo. O que sabe é que precisa abraçá-lo. Precisa confortar seu coração. Precisa trazer o sério Imediato de volta.
Não.
Deve deixá-lo ser quem é. Deve aceitar o que ele quer ser, pois sabe que isso jamais mudará seu conceito sobre o ele. Namjoon é seu amigo, fiel companheiro, a pessoa mais próxima a depositar total confiança como lhe foi depositada.
O Capitão Taehyung Kim aceita ser o imzadi a carregar o legado do Primeiro Oficial Najok.
Seu ato de envolvê-lo foi interrompido pela entrada repentina de Hosok no recinto. Não fez cerimônias para o puxar pela gola do uniforme e esbravejar.
— Por que não me disse que o andoriano tem informações sigilosas da Frota?
Kim demorou a entender, piscou várias vezes para desembaçar a vista e responder.
— Não queria que chegasse a eles.
— Sabia sobre o Tal Shiar e falou para o andoriano, por isso ele quer voltar – suas sobrancelhas retas estão sacolejando.
— E notou tarde demais – Taehyung se soltou. — Veio aqui nos prender também, General?
Hosok o fitou indignado. Olhou para Najok e voltou ao Capitão. Arrumou a postura e suavizou a feição. Soltou um pigarro curto.
— Devo dizer que é o primeiro não romulano ter minha admiração, Capitão – proferiu, descontraído. — O senhor é honrado e condescendente. Há tempos que não encontro pessoas assim nem aqui em Rômulo. Principalmente os agentes do Tal Shiar que sempre interferem nos bons costumes de executar a justiça. Não tolero que tiremos vantagem da Frota através de meios tão baixos – ele respirou fundo. — Vou ajudá-los a sair daqui com Kornabi.
— General, está falando sério ou querendo algo a mais de nós? – é repentina sua vontade de colaborar.
— Estou totalmente sério, Capitão – seus olhos brilharam obstinados. — O Senado tem se preocupado mais com as coisas de fora do planeta do que com nosso povo. Ver algo do tipo acontecer diante de mim e ignorar, é negligenciar os princípios básicos de ser um nativo de Rômulo. Aceitem minha ajuda ou ficarão presos aqui.
— Tudo bem, aceitamos – Taehyung não quis mais perder tempo. — Como vamos sair daqui com nosso prisioneiro?
— Temos que roubar o veículo do Tal Shiar com o andoriano e pegar uma nave espacial – contou, despreocupado.
— Hã... Isso não é demais? Causará muito problema. Não quero sair daqui como um estopim de uma guerra – Não é um bom plano.
— É preciso agir rápido. Assumirei toda a culpa – agarrou-lhe pelo braço em direção a porta.
— Ei – Taehyung tentou resistir, mas um romulano é bem mais forte que um humano.
Foi solto quando entraram no elevador. O General tinha um sorriso malicioso nos lábios, a cor de seus olhos mudava como uma nebulosa. Tem algo de muito errado com ele. O Capitão mirou Namjoon, porém ele negou com a cabeça. Não está sentindo nada. E se isso também for uma emboscada?
— Temos trinta segundos humanos para pegar o veículo antes que partam e dez minutos para roubar uma nave – Hosok avisou com divertimento. É tudo uma brincadeira para ele? — Não durmam no ponto, Oficiais da Frota – riu quando as portas se abriram.
Certo, esse não é o mesmo romulano que conversamos antes. Não pôde perguntar, ele começou a correr para atrás de uma pilastra de pedra do salão onde foram transportados e sinalizou para os dois irem para atrás das outras. Mesmo contrariados, obedeceram. O estranho é que não há guardas em todos os lugares como antes. O que ‘tá acontecendo?
— Major J'Sok, por favor, diga alguma coisa. Vocês não vão me matar, não é? – a voz de Kornabi se aproximava junto a passos diversos.
— Claro que não. Temos um acordo, Senhor Kornabi – respondeu o Major que entrou no campo de visão de Taehyung. Suas vestes são completamente pretas, sua postura ereta ao andar e tem lábios carnudos avermelhados que não combinam com a testa característica da espécie. Não parece romulano.
Hosok foi até ele e mais quatro seguranças escoltando o alienígena azul. Pararam impacientes. Kornabi gritou desesperado.
— General, onde está o Capitão Kim? Preciso falar com ele – tentou avançar, mas foi contido.
— Major, — o General o ignorou — por que tanta pressa?
— Por que está interessado em minha pressa? – indagou, desconfiado.
— Ora, vamos brincar mais – Hosok segredou alto o bastante para todos ali escutarem.
— Você...
Major J’Sok se afastou em vão. Foi atacado no pescoço e derrubado. Os guardas avançaram, apontando seus feizers. O General conseguiu golpear um e chamar toda a atenção dos outros para si. Hora de Taehyung e Najok agirem. O primeiro chamou Kornabi que correu exclamando “Capitão Kim” tão entusiasmado que o citado esqueceu por breves segundos que ele é um criminoso de alto risco.
O metade vulcano foi a frente segurar o elevador. Atrás deles veio Hosok segurando uma arma e antes que as portas se fechassem, atirou em um dos perseguidores.
— Capitão Kim, eu ouvi um senador falando com o Major. O senhor tinha razão – disparou o andoriano. — Me leva logo para fora daqui.
— Nós já vamos sair – falou Taehyung. Inacreditável esse ser, pensou. — Para onde estamos indo? – perguntou ao General.
— Estamos indo para o hangar – as portas se abriram novamente. — Fiquem atrás de mim.
O hangar está cheio de romulanos. Caminharam calmamente por ele até serem parados por alguém. Ela segurava uma prancheta eletrônica e os encarou feio.
— Prisioneiro Kornabi, certo, General? – Hosok assentiu. — Está o levando a prisão?
— Obviamente, Cabo – respondeu autoritário.
— Aqui não consta, senhor, mas está autorizado a passar – ela fez uma reverência, abrindo espaço.
Os quatro seguiram para o veículo a postos. Estão indo bem demais. Até para um General. Não estão estranhando que há dois Oficiais da Frota com ele?
— O que, senhor? Traidor? – escutaram atrás deles a Cabo falar com alguém no comunicador.
— Corram – avisou Hosok, se virando com o feizer pronto para atirar.
— Proteja ele – Taehyung falou com Namjoon, se referindo a Kornabi.
O Imediato o segurou pelo braço, apressando seus passos. Kim foi enfrentar um romulano muito maior que si perto da nave. O estilo de luta dele é muito feroz, mesmo desviando do primeiro golpe, sentiu a pressão que o impacto teria. Chutou a perna alheia e socou seu coração que fica na altura do fígado humano. O adversário cambaleou, mas logo segurou as roupas do Capitão e o lançou contra a parte exterior do veículo. O metal grosso fez seus ossos estalarem e, provavelmente, racharem. Já quebrou alguns ossos, a dor é bem parecida.
Rajadas vieram em sua direção, enquanto caia no chão. Não terá tempo de prolongar a luta, tem que escapar. Viu Hosok se aproximando. Foi pego pelo pescoço pelo romulano que enfrenta, seus polegares estão apertando certeiros sua traqueia. Mal consegue respirar, no entanto, seu instinto o fez segurar os ombros alheios e dar uma joelhada, atingindo novamente o coração. Foi largado e aproveitou para usar uma técnica de krav maga, agarrando o braço musculoso e o desequilibrando em uma das pernas. Bastou para correr a tempo para dentro, mas não sem antes ser atingido na perna por um feizer e cair de cara no chão de metal.
— Capitão – Namjoon abaixou ao seu lado e o ergueu.
— Estou bem – segurou a mão do Oficial, mirou seus olhos preocupados.
— Não estamos num filme de romance para flertarem uma hora dessas – Hosok fechou a porta e foi para a cabine de pilotagem.
Começaram a se mover, os barulhos externos deixam claro a tentativa da Base de impedi-los de fugir. Estouros soaram, o veículo ficou mais leve e menos desengonçado. O General chegou a praguejar algo sobre ainda não ter se adaptado a dirigir.
Namjoon ajudou Taehyung a se sentar nos bancos paralelos, em frente ao andoriano que parecia fazer uma prece sussurrada. O Imediato foi ver o ferimento de seu superior. É uma queimadura feia, mas vai sobreviver, talvez sem a perna.
— Atiraram para matar – comentou o metade vulcano. — Ainda bem que não acertaram um ponto vital.
— Foi por pouco, né? – disse Hosok, virando a cadeira para eles.
— Foi uma completa insanidade! – bradou o Kim. — Como vamos sair daqui sem abalar a estrutura entre Federação e Rômulo? Me diga!
— Sim, diga o que está planejando – proferiu uma voz que não saiu da boca de nenhum dos quatro no veículo.
Kornabi soltou um grito agudo e pulou do banco assustado com a figura que surgiu ao seu lado. É o Major J'Sok. Não... Suas roupas são diferentes e seu rosto está liso e... Humano? Parece até que nasceu no mesmo país que Taehyung ou próximo disso. Parece desgostoso, suas sobrancelhas estão juntas e olhar tedioso direcionado ao General.
— Estou me divertindo, Q – respondeu, sorrindo largo e redondo. — Também não está?
— Claro que não, Q – rebateu J'Sok, esfregando o pescoço que fora atingido pelo outro minutos atrás.
— Não leve para o lado pessoal, Q – piscou, travesso.
— Vocês são Q? – Taehyung se manifestou, de olhos arregalados em receio.
Tudo que se sabe sobre a espécie é que são extremamente poderosos, controlam tempo e espaço, matéria, energia e que não possuem nome próprio, todos se chamam Q. Não existe localização sobre onde vivem e estão, muito menos sobre suas origens. Alguns os consideram “Deus”. O que leu em registros de Capitãs que os conheceram pessoalmente foram experiências nada agradáveis, sempre encaradas como jogos. Um Q que quase levou os Quadrantes Alpha e Beta a destruição, atraindo os Borgs.
Como não se abalar diante de duas entidades mais fortes que a única que havia enfrentado na vida?
— Somos, alguma pergunta? – os olhos do não General, cintilaram e mudaram de cor.
— O que estão fazendo em Rômulo? – Najok que perguntou, agarrando firme o braço do Kim.
— Que pergunta idiota – J'Sok que não é J'Sok falou, mais entediado.
— Dá um desconto, eles não sabem, Q. Muito menos os romulanos – Hosok pontuou e se voltou para os dois. — Assim como já tiveram Q que brincaram com a Frota, nós estamos brincando aqui, além da Zona Neutra.
— Até no Tal Shiar? – Taehyung não queria acreditar que estão usando uma agência para o bel prazer.
— Se vocês tivessem ideia do que realmente é a civilização romulana e seu destino, não se atentariam a esses detalhes — ele desdenhou.
— Por que fazem isso?
— É bom dar um empurrãozinho, observar a tamanha ignorância de vocês e coisas do tipo – deu de ombros. — Hoje foi particularmente interessante. Gostei de conhecer vocês – sorriu para os Oficiais da Frota.
— Se apegou muito rápido em poucas horas, Q – J’Sok falou. — Eles ainda são humanos medíocres.
— Ah, mas a história de amor deles é bem diferente – pontuou, fazendo bico.
— Aquela coisa deformada acha que é uma de nós, não tolero nada que tenha o dedo invisível dela – o não Major fez careta.
— Não se sinta ofendido por algo tão pequeno, Q – Hosok o censurou. — Vamos voltar e apagar os rastros.
— Você o fará sozinho – revirou os olhos.
— Fala sério!
J'Sok sumiu.
— Ah, que seja – exaltou-se. — Nos vemos por aí, Capitão Kim, Primeiro Oficial Najok, hã... Andoriano.
Num picar de olhos, sem ter a chance de falar algo, os três apareceram na nave auxiliar da Vanguard e fora da Zona Neutra. Nenhum deles conseguiu processar direito o que aconteceu, porém não tem bons pressentimentos pelo o que está por vir.
——————
Mais da metade da tripulação da USS Vanguard está circulando pela Base Estelar de Alpha Centauri. Amigos e familiares vivem, trabalham, ou simplesmente decidiram dar uma passada sabendo que a nave iria ficar um tempo aqui.
Dentre os que preferiam ter um momento para si, está o Capitão Taehyung Kim. A volta fora tranquila e a recepção das grandes, dois Almirantes a espera, um deles era Erika Sommers, sua antiga mentora. Longas conversas – também conhecidas como interrogatório – e um período na enfermaria – onde recuperou totalmente sua perna queimada – resultaram em um Taehyung mais retraído. Refletiu bastante sobre tudo que aconteceu, tempos difíceis virão e dessa vez ele será um dos que tomará decisões.
As portas da sala se abriram, não girou para ver quem é, permaneceu contemplando as estrelas. Os passos quase silenciosos chegaram até ele, parando ao lado.
— Como está, Capitão? – Namjoon perguntou neutro.
— Melhor agora – sorriu.
Os dois haviam se separado assim que pisaram na Base. Não soube o que houve com o Imediato nesses dias, somente murmúrios sobre o pesquisador betazoide Makular estar vindo, mas está contente em tê-lo por perto no momento.
— Seu pai está vindo, não é? – aproveitou para perguntar algo fora do que está passando na cabeça do metade vulcano.
— Sim. Minha mãe também virá – fez uma pausa. — Se me permite, senhor, irei contar para eles.
— Isso tem mais a ver com você do que comigo – falou o Kim, despretensiosamente.
— Apesar de tudo, minha mãe continua sendo Vulcana. Não gostará disso – sua voz soou cabisbaixa.
— Mas ela se casou com um betazoide, Namjoon. Não a subestime – finalmente virou a cadeira para vê-lo.
O rosto está entristecido, os olhos negros brilham pouco, parte de sua pele está refletindo a constelação do lado de fora. Lindo.
— O senhor está arrependido?
— Não – foi seco. — Dizer que há Q entre os romulanos é o mesmo que dizer que há lava ativa num vulcão. Temerão a iminente erupção – suspirou. — O que realmente me irrita é o “Tal Shiar” da Frota andando pelos corredores da Base.
— Também sabe sobre a Sessão 31, senhor?
— Então esse é o nome? Bom saber... – disse, pensativo.
— Já estamos numa Guerra Secreta, Capitão. Não há muito o que fazer para impedir.
— É, mas nesse caso, prefiro mentir ao invés de participar disso – passou a mão por seus fios escuros. — Quando eles chegam? – retomou o assunto anterior.
— Amanhã.
— Então vamos aproveitar o resto do dia juntos – entrelaçou os dedos nos do Oficial, se levantando. — Que tal irmos ao holodeck visitar o Louvre?
— Podemos jantar no restaurante perto da Torre Eiffel – Namjoon sorriu aberto e suas covinhas apareceram.
— Com toda certeza – e o puxou para fora da sala.
Não conversaram sobre a confissão que Namjoon fizera em Rômulo. A relação deles já era próxima, só perceberam que ambos estão dispostos a dar mais um passo. Além do mais, o que são palavras comparadas aos sentimentos que compartilham e transmitem um ao outro. Jimin não vai gostar de saber a verdade, porém a relevará por não ser o imzadi de Taehyung.
Quanto a Hosok, o Q, espera que nunca mais o veja. Espera que o universo permita mais anos de paz para a galáxia e que Taehyung e Najok tenham uma vida longa e próspera juntos.
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