ventoepoesia Rafael Ferreira

Aparentemente um despretencioso passeio em família no parque, mas com alguns lagartos no meio. Uma história baseada em fatos reais, de como uma família normal e estranha vence os desafios e perigos de Lagartópolis e retorna à mais pura normalidade do cotidiano.


Fantasia Todo o público.

#ventoepoesia
2
5.1mil VISUALIZAÇÕES
Em progresso - Novo capítulo Todas as Segundas-feiras
tempo de leitura
AA Compartilhar

De casa para o Parque

Era véspera de feriado nacional, as crianças estavam agitadas e foram dormir com um nível elevado de ansiedade e entusiasmo. Os Pais, Daniel e Sara, também não conseguiam esconder das crianças o aumento progressivo de curiosidade e alívio, só de pensar no passeio em família. Durante o dia Sara foi ao mercado e comprou uma boa quantidade de comida, frutas, legumes e alguns carboidratos pré-fabricados, que não faziam parte da dieta da família, mas como era feriado nacional com direito a passeio no campo, exceção fora feita. Além de que Sara sabia que as crianças pulariam de surpresa ao saberem que teriam coxinha de almoço. Coxinha era a comida proibida preferida de todos da casa, sempre que os pais, contrariados, abriam exceções alimentares, todos escolhiam coxinha! (inclusive os próprios pais)

Daniel era nutricionista, se formara numa das principais universidades do país, sendo, destacadamente, o melhor aluno da turma. Durante a graduação se aproximou de um professor muito renomado no curso e iniciou um estranho projeto de pesquisa numa área pouco explorada pelos nutricionistas, algo como "mulheres que durante a gravidez deixaram de cumprir um desejo e tiveram seus filhos com cara de comida". Sara sempre questionava a veracidade dessa pesquisa, o que gerava uma bela "DR" para o casal, mas Daniel podia oferecer mil argumentos da importância científica desta pesquisa, além de usar termos e mais termos técnicos, que ninguém, além dele e seu professor, entendia completamente. Consequência desses estudos Daniel era extremamente rigoroso com a dieta da família, legumes e verduras, grãos e frutas, água, água e mais água! As crianças morriam de medo de fazer aventuras em alimentos proibidos, como Daniel gostava de chamar, porque ouviam desde pequenos que "você se torna parecido com o que come", e que os alimentos mais saudáveis eram bonitos e bem humorados. Daniel enrolou Sara longos oito anos com o casamento, porque estava numa missão secreta (que todos sabiam), de mudar seus hábitos alimentares, para que depois do casamento, durante as possíveis gravidezes, ela não sentisse desejo de alimentos proibidos, o que seria um grande problema segundo as pesquisas realizadas no tempo de faculdade. E se isso acontecesse, infelizmente, a medida mais razoável a se tomar, segundo dados científicos, era cumprir o desejo da grávida, com o ônus de Sara ficar feia e mal humorada, mas essa é uma história para outro conto!

Como estava dizendo, Sara fez as compras e voltou para casa às 18 horas em ponto, como havia combinado com as crianças. Sara era extremamente pontual e organizada, exatamente nunca perdia um horário, um compromisso, ou dava, sequer, a aparência de desorganização. Sara não fez um curso de faculdade, dizia que ia enlouquecer se tivesse que ser quem era num ambiente acadêmico e chato como a universidade. Sua escolha foi se tornar "personal organizer", simplesmente porque não precisaria estudar nada para tal profissão. Mas, mesmo assim, Sara foi ao curso técnico profissionalizante de "PO" e passou cerca de 12 meses lá, o conteúdo não era nada de mais, mas o diploma era importante, segundo os planos de Sara. Possivelmente a melhor descrição para o tempo de estudos de Sara seja: constrangimento!!! Nunca houve uma turma tão descontente como aquela, nunca houve uma diretora tão descontente com uma aluna e nunca houve (e talvez não haverá) uma aluna como Sara. Sara pesquisou o conteúdo programático do curso e o estudou inteiro antes mesmo da primeira aula. Não sendo suficiente pesquisou cada um dos professores, desde a formação até comportamento nas redes sociais e relacionamentos. Sara sabia com profundidade o conteúdo do curso e o perfil, costumes e trejeitos de cada professor. Resultado dessa paranóia é que Sara corrigia os professores de cinco em cinco minutos, o que os deixavam literalmente irados, mas as correções de Sara eram perfeitas, e não havia como refutá-las. Alguns professores faziam pausas estratégicas para que Sara completasse um pensamento ou acrescentasse algo muito necessário, que possivelmente nem soubessem que exista. Por fim, Sara se tornou professora do curso assim que conseguiu seu diploma e um ano depois galgou o cargo de diretora, aclamada publicamente pelos alunos, mas odiada pela ex-diretora, que teve de passar por um tratamento de desintoxicação de ódio, devido à usurpadora, como gostava de se referir àquela que não podia ser citada na sua frente. Devido a esse hábito de Sara, se é assim que deve ser chamado, todos na casa aprenderam a duras penas a disciplina da organização e dos horários. As crianças podiam dizer que horas eram sem ao menos olhar no relógio, no meio da madrugada. Sara era a personificação ideal de uma personal organizer, mas essa é uma história para outro conto.

Sara voltou para casa às 18h, ao mesmo tempo que Daniel estacionava seu Passat 83 na garagem, as crianças esperavam ansiosamente na porta de entrada com um grande sorriso no rosto. Julia, Maria e Antonio, quatorze, onze e sete anos, respectivamente. Maria era a mais animada dos três porque gostava muito de cozinhar e sabia que teria algum trabalho para fazer. Julia, uma "chatadolescente" como foi nomeada, unanimemente por todos na casa, estava com seu livro na mão, "vinte mil léguas submarinas", lendo normalmente como se nada estivesse acontecendo. Antonio apresentava um leve sorriso falso no rosto, pois quebrara um pequeno gatinho de porcelana que sua mãe adquiriu em embu das artes, o que lhe causaria alguns danos físicos. Pode-se dizer que essa era uma família considerada normal, a não ser pelas centenas de estranhezas que carregavam visceralmente em seu comportamento diário.


Todos se reuniram na cozinha e mãos à obra!

Corta, separa, tempera

É hora de por na panela

Alface, tomate, pepino

Com gosto de molho fino


Raio de sol na janela

Bisnaguinha de berinjela

Raio de lua na porta

Com frutas se faz uma torta


Couve flor bonita na mesa

Brócolis com toda certeza

Alho poró e mandioca

Com carne mais uma torta


Abobrinha com requeijão

Maçã, pêssego e mamão

Surpresa melhor não viria

De todos os gostos, coxinha!


Em poucos instantes tudo estava feito, cortado, cozido e embalado, malas e acessórios todos no carro. Às nove horas da noite todos estavam na cama procurando o sono. Nesse dia em especial foram dormir uma hora mais cedo que o costumeiro pois sairiam de madrugada no dia seguinte. As horas se arrastaram pelo chão, com uma tonelada de despertadores nas costas, nunca houve noite tão longa quanto aquela. Mas enfim e gloriosamente eram quatro horas da manhã e todos levantaram! Juntos no banheiro os cinco escovavam os dentes, exatamente sete minutos de escovação, com direito a inspeção bucal de Sara. Todos se trocaram e às quatro e trinta e cinco o carro saia da garagem. O tempo de viagem era cerca de uma hora e meia, o que parecia bem tranquilo para todos. O café da manhã foi no carro, bolachas, tomate e suco de açaí, um café reforçado para aproveitarem o dia inteiro no parque nacional, um lugar maravilhoso onde muitos animais ficavam livres e podia-se ter contato com a natureza no seu estado mais puro. A viagem foi redondamente planejada e estavam chegando mais rápido do que imaginavam. Nas proximidades do parque havia uma viatura da guarda florestal fazendo segurança da via de entrada, e quando o carro se aproximou o guarda pediu que parassem. Educadamente Daniel deu seta, abaixou o vidro, acendeu a luz interna e parou próximo ao guarda. O guarda não tinha identificação e seu uniforme estava todo amassado e mal vestido, usava óculos escuros, antes mesmo do sol nascer, e seus sapatos pareciam estar arrebentados na parte da frente. O guarda se aproximou e Daniel tomou a palavra - bom dia meu caro senhor, como vai?, como posso ajudar? - O guarda colocou o antebraço no capo do Passat, abaixou um pouco os óculos e examinou o rosto de cada uma das pessoas dentro do carro. Depois de alguns segundos misteriosos, perguntou - vocês são do mesmo sangue? - Todos se entreolharam, não entendendo bem a pergunta, mas Sara tomou a palavra e organizadamente indagou - o senhor quer dizer se todos temos o mesmo sangue, ou se todos pertencemos ao mesmo tipo sanguíneo, ou se todos temos algo em comum no sangue, ou, até, se com a palavra sangue quer dizer que somos familiares? - Mais uma vez todos se olharam e fizeram um aceno de aprovação às indagações de Sara, que agora sorria para o guarda esperando uma resposta. O guarda deu um passo para trás, cruzou os braços e com um tom de quem havia recebido uma boa notícia disse - pois bem, devem servir! Podem entrar, mas... tenham cuidado, há lagartos na pista!

20 de Abril de 2020 às 17:26 0 Denunciar Insira Seguir história
2
Leia o próximo capítulo Baby Baby Baby

Comente algo

Publique!
Nenhum comentário ainda. Seja o primeiro a dizer alguma coisa!
~

Você está gostando da leitura?

Ei! Ainda faltam 5 capítulos restantes nesta história.
Para continuar lendo, por favor, faça login ou cadastre-se. É grátis!