Estou trancada em meu próprio corpo. Uma prisão eterna, sem centelhas de fuga ou rebelião. É o pior que poderia ter acontecido comigo.
Eu deveria estar acostumada a isso, estou aqui a tanto tempo. Acho que esse sempre foi o plano dela, não é? Ela planejava isso, desde o começo.
A cela criada por minha mente é escura. Não há janelas, paredes cinzas, uma cama pequena com um colchão velho e duro, o chão frio de concreto.
A vista por fora da grade é um breu arrepiante, e às vezes sinto como se alguém estivesse ali, me observando. A sensação era diária, mas ainda gelava minha espinha dorsal.
Não havia noção de tempo ali, afinal, era minha própria psique. Eu passava meus dias, ou como quer que eu pudesse chamar, sentada no frio chão, debruçada em minhas pernas.
Barulhos de corrente ecoavam sem parar, como se alguém estivesse acorrentado e tentando andar; a atmosfera pesada dificultava a respiração. Eu estava constantemente me afogando no seco, congelando no quente, me queimando onde não havia fogo; e eu não podia fazer nada sobre isso.
Algumas pessoas chamariam de ansiedade, pânico, fobia, psicose. Para mim, era apenas eu e minha mente, mesmo um tanto quanto duvidosa.
Eu já havia estado lá fora antes, nem sempre estive trancada nesse amargo inconsciente. Eu me divertia, sorria, brincava… Entretanto, as pessoas ao nosso redor não pareciam gostar de mim. Talvez eu fosse diferente demais.
Então, ela me trancou.
E, das primeiras vezes, eu ainda conseguia escapar e sentir o mínimo gosto da liberdade. Logo, era trancada novamente.
Grades mais grossas.
Fechaduras mais resistentes.
A cada fuga se tornava mais difícil de sair.
Ainda sonhava com o momento em que eu e ela viveríamos em juntas, em harmonia.
Acreditava que ainda pudesse acontecer, mas nunca acontecia.
As lágrimas desciam pelo meu rosto sem cessar. Eu gritava, mas eu sabia que ninguém me ouviria… A não ser ela.
Ela sempre aparecia, sempre com o mesmo vestido preto, se misturando com escuridão do ambiente. Carregava uma bandeja prata, que parecia ter sido tirada do mais fino jogo de jantar de uma família do século XIII, e nela sempre o mesmo conteúdo: remédios.
Era um ritual. Ela destrancava minha cela, eu levantava e ia até o portão, recebendo um copo de água e outro com incontáveis pílulas. Eu as tomava e podia senti-las rasgarem minha garganta.
Eu devolvia os copos vazios. Ela sorria — um sorriso que eu conhecia.
O meu sorriso.
Ela também era eu.
Eu mesma era minha própria carcereira dentro de uma prisão que eu criei.
Ela acariciava meus cabelos e sussurrava aos meus ouvidos que ficaria bem, que tudo se resolveria. Eu não entendia, mas aceitava. Era o único momento em que eu me sentia amada.
Ninguém me amara desde meu primeiro sopro.
Me questionava sobre tudo aquilo. "Por que não posso ser livre?", "Por que você não me deixa sair?"
"É melhor assim." A voz em minha cabeça me respondia.
"Eu quero sair!" Eu gritava, sacudindo as grades.
"As pessoas não nos entendem!" ela dizia.
Silêncio.
"Eu estou morrendo…"
"É melhor assim."
Quem deixaria a si mesmo morrer? Quem deixaria sua essência definhar em troca da apatia social?
Eu, eu deixaria.
Eu era meu pior demônio, e me odiava por saber disso.
A cada momento que olhava para minhas mãos elas estavam menores, mais finas, e mais ossudas.
Enquanto os dias passavam lá fora, minha cela diminuía, o ar ficava mais pesado.
Havia mais pílulas.
Os sorrisos eram maiores.
Até que em um momento, um fatídico momento, aconteceu.
Ela apareceu, como de costume. O vestido voando no negro da cena, a bandeja brilhando e os copos de vidro.
A cela foi aberta, eu não consegui ficar de pé àquela altura. Andei com passos lentos e pesados, com as mãos trêmulas apanhei o copo de pílulas.
Virei-o em minha boca, esperando a sensação costumeira e dolorosa em minha garganta, mas a dor foi outra.
Uma faca. Em meu estômago.
Ela sorria enquanto acariciava meus cabelos.
"É melhor assim".
Minha visão escureceu até o momento em que não pude ver mais nada.
"É por meio deste documento que afirmo que a paciente está com sua condição psicopatológica controlada e está apta para continuar seu tratamento medicamentoso em sua residência, assim como voltar a exercer suas atividades de costume."
Eu segurava a folha branca com uma assinatura mal feita enquanto o médico me dizia coisas que eu sequer podia ouvir.
Eu havia conseguido.
Eu havia matado minha essência.
Obrigado pela leitura!
Leitura interessa, nos leva por várias hipóteses, algumas até mesmo sombrias. E surpreende no final. Destaque para o ótimo português da autora. Recomendo a todos.
Eu gosto dessa transformação da realidade para um conto afim de sintetizar o contexto confuso da nossa existência. Ótimo texto.
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