abysswalker Cícero Souza

Duas figuras furtivas invadem um cemitério de uma cidade afastada e fazem seu caminho através de uma passagem secreta em um mausoléu. Os invasores descendem para o ventre da terra, adentrando em um domínio onde os vivos não são bem-vindos...


Fantasia Medieval Impróprio para crianças menores de 13 anos.

#morto-vivo #túmulo #cripta #espada #picareta #ladrão-de-túmulo #loucura
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Rosa de Aço

Sob uma lua pálida e moribunda, duas figuras em trajes soturnos deslisavam por sobre as ruas de pedra, quase como dois fantasmas. Eles se esgueiravam por entre as casas de alvenaria levemente afastadas umas das outras, se aproximando cada vez mais de uma pequena igreja, na parte mais alta da cidade. Devido a hora, quase todas as residências já estavam silenciosas, com poucos feixes de luz saindo por uma fresta ou outra. Os mestres dos cães faziam sua ronda em ruas adjacentes, mas parecia que nem mesmo aqueles animais grandes e de focinhos apurados conseguiam farejar a dupla, que segue pelas sombras.

De repente param, de frente para a igreja. Um deles, um homem alto e esguio, com um sobretudo escuro e uma pequena capa por sobre os ombros, respira fundo. Ele ajeita o chapéu de abas largas e amarrotadas por sobre a cabeça, além de afrouxar um pouco a máscara de couro fino e macio que cobria seu nariz e boca.

– Deve ser por ali. – Sussurra, apontando com a mão esquerda, única livre, uma vez que trazia em sua destra algo estranho, com um longo cabo metálico de arestas hexagonais e uma longa cabeça reta e pontiaguda, quase tão comprida quanto seu braço. Era uma picareta modificada, aparentemente feita de aço, com a outra parte de sua cabeça achatada, feito uma marreta.

– Tudo indica que sim. Claro, se o estalajadeiro disse a verdade sobre a direção que deveríamos tomar. – A segunda figura era uma mulher, quase tão alta quanto seu companheiro, e igualmente esguia. Ela usava um chapéu tricórnio com os cabelos dourados escuros presos sob ele, além de um tecido macio e amarronzado cobrindo seu nariz e boca, deixando apenas seus olhos verdes e felinos amostra.

– Não acho que aquele velho gordo e fedorento mentiria. Gastamos uma boa quantia naquela espelunca, e ele estava muito feliz mostrando aquela boca banguela quando subimos para o quarto. Vamos em frente.

Ela dá de ombros, balançando a pequena capa de couro marrom que cobria apenas seu ombro esquerdo, seguindo o homem que já se colocara em movimento. Eles seguem por uma rua mais estreita, que serpenteava ao lado da igreja, agora já não havendo mais tantas casas por perto, apenas um longo muro de blocos irregulares até onde podiam ver. Depois de cerca de um minuto, avistam seu objetivo. Logo a frente, há poucos metros, jazia um grande portão de ferro chumbado, com uma grande cruz fundida a seu umbral e outras decorações semelhantes a arabescos percorrendo as grades. Junto ao portão, havia uma muralha de pedra, alta, com cerca de três metros, além de grandes pontiagudas por toda sua parte superior. Por trás das grades, podia-se ver uma infinidade de lápides e sepulcros, dispostos em seu início de forma bem articulada, porém mais adiantes se sobrepunham um sobre as outras e logo pareciam estar amontoadas. Ao centro havia uma estrutura de pedra maciça, sem grandes decorações em suas paredes altas, exceto pela porta de ferro, que trazia o entralhe de uma dama ajoelhada chorando, passando por cima de seus ombros duas pesadas correntes unidades por um já enferrujado cadeado.

– Vamos lá. Tomara que não escutem há esta distância. – Diz o homem se ajeitando, segurando o longo cabo de metal com ambas as mãos e girando a cabeça da picareta um pouco, apenas para logo em seguida erguê-la e derrubá-la sobre um grande cadeado a sua frente com tamanha velocidade que olhos destreinados poderiam sequer terem percebido o acontecido. Junto do impacto do bico de aço sobre a superfície enferrujada, veio um estrondo, que para a sorte deles não reverberou para muito além daquela alameda. Orgulhoso, o homem gira a sua arma e apoia em seu ombro esquerdo, agarrando o cadeado partido e suas correntes, puxando-o para longe do portão.

– Nada mal. – Diz a mulher com sua voz suave, porém sem entoar tão bem o elogio – Sabe mesmo como invadir cemitérios. Estou impressionada.

– E eu estou impressionado por alguém da sua estirpe me seguir em tal empreitada. Não achei que as mulheres da Ordem de Kvinde se sujeitassem a este tipo de trabalho que a sociedade marginaliza de tal maneira. – A voz grave do homem quase fazia sua zombaria perder o efeito.

– Até nós precisamos sujar nossas mãos de vez em quando. Nossos sabres vão onde o dinheiro de nossos contratantes nos mandam. – Ela firma a mão direita sobre o punho entalhado de um sabre longo e curvado, preso à sua cintura – Espero que não se esqueça do combinado assim que encontrarmos o que viemos buscar.

– Não me esquecerei. – O homem adentra o cemitério, seguido pela mulher. Em seguida passa as correntes novamente em volta do portão, de modo a emular uma falsa incolumidade em sua poderosa tranca.

Eles seguem por entre as lápides, sem reparar em nomes ou epitáfios. Apenas se movem em direção ao mausoléu ao centro daquele local de descanso eterno. Ela sentia um incômodo costumeiro, afinal apenas cogitar o que fariam em seguida ia contra seus princípios. Era uma esgrimista, treinada desde a tenra idade para servir, vendendo suas habilidades em troca de ouro e prata, o preço que normalmente custava a vida de muitos homens. Não lhe agradava profanar o descanso dos mortos, mas não por uma questão religiosa, uma vez que o único deus que adorava era o aço de sua lâmina, mas sim por um estranho sentimento, que vinha de seu âmago, que dizia que aquilo não lhe renderia bons frutos. Ele, por sua vez, sentia-se a vontade. Sua pistola longa e sem muitos entalhes pendia ao lado esquerdo de sua cintura e sua espada curta e reta, de lâmina larga e pontiaguda, pendia do lado oposto. Aquele era seu terreno e havia passado a maior parte de sua em meio a túmulos e criptas, revirando e saqueando mortos, tirando-lhes o que segundo ele mesmo dia, não lhe faria falta no céu ou no inferno.

Param diante da construção, que agora de perto parecia ainda mais imponente, com seus blocos de pedra a sustentando e ao seu lado um grande salgueiro-branco, cujas folhas brilhavam prateadas sob a luz languida da lua cheia, que agora pairava ao centro do seu estrelado. O homem toma a frente, com os olhos esverdeados de Meredith cravados em suas costas, enquanto examinava a tranca.

– É de qualidade superior à do próprio portão, o que indica que o jaz aqui dentro é mais valioso que o resto destes buracos de vermes. – Ele soa quase entusiasmado, como uma criança que estaria prestes a abrir uma caixa com um presente dentro – Contudo, não é nada que minha querida Rose não possa abrir.

– Rose? Você deu um nome a esta picareta? – A mulher se esforça para não gargalhar – É a primeira vez que vejo uma picareta de guerra com um nome.

– Ela é minha companheira fiel. Eu precisava que ela tivesse um nome, não poderia me dirigir a ela de forma indefinida. – O homem ri, mas tinha um pequeno amargor em sua voz, se sentindo tanto ofendido quanto idiota pela frase da mulher – Se afaste um pouco, para ver a magia acontecer.

– Magia? – A mulher move as finas e delineadas sobrancelhas, curiosa – Arrombar um cadeado com uma picareta é magia agora? Até mesmo os ciganos conseguem algo melhor que isso.

– A porta das riquezas se abre a nossa frente. – Ele ergue e desce a picareta, estilhaçando o cadeado, claramente tendo aplicado muito mais força do que quanto arrombou o portão – Acenda sua tocha e mantenha a mão pronta junto à sua espada. Está prestes a entrar no meu mundo, senhorita Meredith.

A mulher retira a bolsa grande que trazia pendurada as costas por uma alça, puxando um bastão com um tecido bem enrolado em sua ponta. Em seguida pega um pequeno frasco, derramando um pouco de seu líquido sobre a tocha. Olha para o homem, que apoiara sua picareta ao lado da porta de ferro, ainda fechada, o que dava para compreender melhor o tamanho da arma/ferramenta, que tinha quase a sua altura da cabeça a ponta do cabo, terminado em um pomo quadrado para contrabalancear seu peso. Ele abre seu sobretudo e após revirar um bolso interno, puxa um longo fósforo. O risca sobre a pedra áspera a sua frente, acendendo-o. Se volta para a mulher acende sua tocha, em seguida olhando para a própria cintura, onde trazia uma pequena lanterna a óleo, abrindo-a e acendendo-a.

Meredith chega mais perto da porta, ajudando o homem a empurrá-la, devido ao seu peso descomunal. Em poucos segundos terminam de abri-la, podendo fitar seu interior cavernoso, negro como um céu sem estrelas e sem lua. Quase hesita em dar um passo a frente, como se um pressentimento martelasse em sua cabeça, ou apenas o cheiro do interior daquele mausoléu, que embora não emanasse podridão, certamente cheirava a morte.

– Albert. – Meredith para, observando o companheiro pegar sua picareta e apoiá-la no ombro esquerdo, sacando sua longa pistola com a destra e começar a caminhar para dentro da construção – Pegamos o ídolo e voltamos. Sei que tem o aval do Sr Grey para pegar o que quiser, só que o fará em outra ocasião. Apenas pegaremos o maldito ídolo e voltaremos.

– Fique tranquila. Não demoraremos muito até que possa voltar para o seu mundo, cara Meredith.

Os dois adentram a boca de escuridão do mausoléu, sumindo para o mundo exterior, deixando apenas um rastro de luz avermelhada para trás.

17 de Janeiro de 2020 às 01:46 2 Denunciar Insira Seguir história
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Pâmela  Mithrandir Pâmela Mithrandir
MUITO BOM!
May 19, 2020, 13:32

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