ventosdeinverno William de Assis

DESDE AS BOMBAS NUCLEARES O MUNDO SE DIVIDIU EM REINOS E CADA REINO TEM SEUS SUPER SERES. Catherine é de Avalon, o reino governado pela elite e todos seus poderes sobrenaturais que os fazem os novos deuses da Terra. Ela passa quase todo o ano vivendo na igreja do Éden por causa da guerra entre a elite azul de Avalon e os domadores de dragões de Acheron. Entretanto, numa reviravolta do destino, a guerra está prestes a acabar e a única que pode manter os acordos funcionando para ambos os lados é a ELA, a nova princesa azul que se descobre uma manipuladora de gelo Em meio a segredos que os azuis guardam entre si, Catherine terá que ser o elo que mantém os dragões calmos e os deuses em seu trono; uma tarefa difícil que colocará herdeiros um contra o outro e Catherine contra si mesma.


Romance Romance adulto jovem Impróprio para crianças menores de 13 anos.

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1 - CATHERINE

DIFERENTE DOS OUTROS, nunca gostei dos ventos frios do inverno. Tudo bem que a comida demorava mais tempo para estragar e que tínhamos menos horários de trabalho, porém, as estradas ficavam cobertas de gelo mesmo antes da neve começar a cair por completo. Os poços congelavam então precisávamos recorrer a coroa e toda sua benevolência, os navios de transporte também precisam parar durante três longos meses, ou seja, pessoas pobres como e eu e de todo vilarejo do Éden sofrem com a falta de alimentos. A igreja até abre as portas e serve uma sopa de batata para moradores de rua e aqueles que têm fome, mas geralmente, antes que o inverno termine, o número de necessitados é reduzido pela metade. Entretanto, desde que o rei passou a ordenar o retorno dos soldados humanos das linhas de frente antes do oceano congelar, o inverno passou a ser minha estação preferida.

A ordem desse ano já havia sido enviada. A elite, como são chamados os soldados com poderes sobre humanos retornavam primeiro. São chamados de elite, porque antes da quarta guerra mundial, após as bombas deixarem um rastro de radiação por todo o mundo, alguns humanos evoluíram para o próximo estado da raça humana. Seu sangue e seus olhos ficaram azuis brilhantes, sua pele pálida como o gelo e eles pareciam cadáveres ambulantes andando pelo mundo.

Humanos comuns eram os últimos a se retirarem, desde que dezoito voluntários se elegessem para manter a comunicação entre as trincheiras e palácio de segurança nacional. Sei que meu irmão nunca seria voluntário, mas pensar na possibilidade dele retornar num caixão ainda me assustava todas as noites.

Tenha esperança Catherine, Lee vai estar em casa antes que o desfile de inverno comece.

Meus pensamentos era uma das últimas coisas que eu precisava dar ouvido naquele momento, mas ele poderia ter razão. Lembro que há dois anos, Lee não retornou com um sorriso e nem pareceu animado quando lhe abracei. Ele caminhou pesadamente com o rifle ainda nas mãos, o rosto sujo pelo sangue inimigo e uma farda manchada pelo sangue azul. Naquele mesmo dia, um esquadrão foi até a casa ao lado da igreja do padre Phillipe e entregou um caixão vazio para a senhora Brown.

Quando a senhora Brown, viúva de uma mulher e naquele momento sem filho, perguntou onde estava o corpo de seu menino? Meu irmão respondeu simples, alto e claro com a seriedade de um verdadeiro soldado de Avalon.

— Seu filho se perdeu do esquadrão quando o exército de Albim atacou pela noite. Eles vieram montados em dragões, cuspiram fogo sobre todos nós naquela noite e foram poucos os que conseguiram sair com vida.

Provavelmente o garoto tinha se perdido atrás das linhas inimigas. Mas dizer isso para uma senhora em luto pelo filho, era o mesmo que dizer que ele poderia estar vivo, porém, sendo torturado por nossos inimigos. Inconformada, senhora Brown gritou para que os deuses pudessem ouvir:

— Por que trouxeram esses garotos de volta, mas não trouxeram meu filho? — ela cuspiu no rosto do meu irmão e mesmo que com apenas dezessete anos eu tenha dado um soco na cara dela, ela disse para Lee. — Deveria ter sido você, ao invés do meu menino.

E então se foi chorando. Lee, eu e qualquer outro camponês sabíamos que nenhum nobre de sangue azul se arriscaria a andar pelas linhas inimigas atrás de cadáveres ou de possíveis soldados vivos.

Naquele mesmo ano, padre Phillipe disse que a coroa deveria manter os olhos abertos em nós. Mesmo que não sejamos como eles, nossos corpos estão em constante evolução, então a qualquer momento, um vermelho camponês, poderia se transformar num nobre azul com poderes.

Essa história foi contada mais de cinquenta vezes desde que conheci padre Phillipe e nuca vi um vermelho virar azul.

— É mais fácil ver um dragão em Avalon do que um vermelho ficando azul — dizia Caleb, meu colega de quarto há dois anos na igreja. — Acreditem em mim, quando um dragão vai para guerra ele já está na idade adulta. É maior que nossa igreja, cospe um fogo tão quente que faria as batatas da irmã Lily assarem mais rápido do que nesse forno a lenha.

— Não existem dragões em Avalon — eu repetia todas as vezes sorrindo.

— Existem sim — respondia ele colocando as mãos sobre os cabelos negros e crespos. — Acreditem, alguns têm medo da família do rei e seus filhos ergocinéticos, mas dragões são ainda mais assustadores e consequentemente mais fortes.

— Se virem um dragão — começou o padre Phillipe. — Corram imediatamente.

Aquelas palavras eram mais do que suficiente para fazerem Caleb sorrir como nunca antes. Ele até aproveitava para tomar um banho, mesmo com a água fria. Nós riamos como se fossemos uma verdadeira família órfã, mas alguns como eu, só ficavam na igreja até que o inverno chegasse e nossos irmãos ou irmãs, até mesmo pais viessem nos buscar.

Por falar em inverno, está frio.

Eu conseguia ver o vapor gelado a cada respiração que dava dentro da igreja. Cobri meu cabelo castanho avermelhado com o capuz do vestido branco que tinha pego na sala do padre Phillipe. Os órfãos limpavam a igreja de cima a baixo aguardando o retorno dos soldados. Pais e irmãos enfeitavam o éden com caliopes vermelhas. Os troncos da grande fogueira eram reunidos na praça em sinal da grande festa que seria para alguns, enquanto para outros seria mais um dia triste.

A igreja Galapos como sempre deixaria as portas abertas e um longo tapete vermelho estendido para a população. A praça era logo em frente, rodeada de grandes comércios vendedores de peixes, frutas e bebidas. O cemitério ficava logo atrás da igreja, os coveiros deixavam as covas já preparadas para quando os caixões chegassem; eu por outro lado, não tenho planos de ficar no vilarejo depois da festa de amanhã. Lee e eu usamos o dinheiro do exército para garantir um lugar confortável e distante para descansarmos. Nossa casa nas montanhas estava pronta. Teríamos poucos vizinhos e o som dos sinos de Galapos não seriam tão altos para nos incomodarem e qualquer que fosse o problema sempre demoraria mais tempo para chegar a nós.

A casa já está pronta, serão os três meses mais felizes de toda a minha vida, talvez até seja mais, se os deuses forem bondosos o suficiente e mandarem neve o suficiente para atrasar a guerra. Eu penso que não precisarei mais acordar cedo para comprar peixe ou frutas, penso que que não terei que trabalhar na cozinha por um tempo, mas penso que também quase não verei Jin Jeon durante o inverno.

O garoto vinha logo atrás de mim com a bolsa da igreja cheia de batatas para trocar. Irmã Lily trazia junto um saco com poucas moedas de prata da lua que o padre conseguiu juntar desde o ano passado.

Não demorou muito para que nós três entrássemos na feira. Eu tentava a todo custo não sentir náuseas com o cheiro de peixe que vinha das barracas. Diferente de Jeon que conhecia quase todos os tipos de peixe que estavam vendendo, eu reconhecia alguns como bacalhau e atum, mas não tinha dinheiro para comprar nenhum deles. As batatas muito mal dariam para levar um atum inteiro para a igreja e olha que o saco era bem grande.

— O que vamos comprar? — perguntei.

Jeon agarrou o saco de batatas com mais firmeza e deu alguns passos a frente para acompanhar irmã Lily e eu. Seu braço seguiu por cima do meu ombro e pude sentir o forte cheiro da cozinha vindo dele, mas por algum motivo, não me incomodei nem um pouco.

— Padre Phillipe insiste que precisamos de novas baterias para aguentar o aquecedor durante o inverno. — disse ele.

— Eu preciso comprar frutas frescas e pão amanhã — respondeu irmã Lily. — Apesar de não serem baratas, as batatas devem ser o suficiente para comprar três cartuchos de baterias e manter o aquecedor ligado para os novos residentes.

Desviei de algumas pessoas tentando manter o ritmo ao lado deles, mas sempre alerta nas bolsas que eles carregavam.

— Ainda não entendo porque o padre não mantém todos aquecidos com lenha igual ficamos durante as noites comuns — disse.

— Padre Phillipe diz que o salão comunal onde as crianças ficam, iria ficar muito cheio — respondeu irmã Lily. — Eu vou ficando por aqui, Catherine, não deixa o Jeon fazer nenhuma besteira.

Jeon levantou o dedo do meio para irmã, enquanto eu apenas ria. Tudo bem que ele era mais novo, mas entre ele e eu, não era difícil saber quem era o mais responsável.

— Não precisava agir assim com ela — respondi. — Acho que o padre vai ficar sabendo disso.

Jeon riu outra vez, um sorriso sarcástico dada as circunstâncias de que já desfrutamos do corpo um do outro e ninguém nunca soube disso.

— Não brinca com isso Catherine — disse ele tímido, vermelho como um pimentão.

Caminhamos alguns minutos em silêncio. A feira era dívida por categorias começando desde a praça. Primeiro vinham os alimentos frescos, logo depois, virando a primeira a esquerda, vinham temperos e alimentos que ainda precisam ser cozidos, seguindo em frente, o contrabando de especiarias raras como dente de dragão ou escamas começava. Na quarta estrada a direita, vinham as baterias para aquecedores.

— Então... — comecei quebrando o silêncio. — Quer dizer que as economias que o padre fez deram certo?

Não que ele tivesse obrigação de me contar, mas ficar em silêncio era chato demais e o frio apenas aumentava.

— Se pensarmos que no ano passado, alguns tiveram que dividir o pouco que tinham, esse ano vamos comer como os reis no palácio do alvorecer.

Nós rimos juntos apesar de sabermos que nunca comeríamos como os nobres no palácio e suas famílias. A essa hora, seus criados devem estar sofrendo com frio para manter eles com comida e bebidas na mesa. O rei deve estar com a rainha, sorrindo e comemorando que os príncipes voltaram da guerra mais cedo e muito bem cuidados. Eles não se importam de mandar jovens como Lee para as trincheiras quando completam vinte e um e não se importam se todos no Éden vão morrer de fome nesse inverno.

Chega a ser cruel.

— Você já... cumpriu seu dever esse ano? — perguntei.

Jin Jeon que antes sorria, calou-se por um longo minuto. Ele deveria ter feito os exames para completar o alistamento há dois meses, mas todos na igreja sabiam que ele não queria ser escolhido. Lembro que quando Lee decidiu me deixar na igreja, Jeon já estava lá. Os cabelos eram prateados e cumpridos, as orelhas sofreram deformações por causa das bombas e acabaram ficando afiadas como a de um elfo e ele ficava sozinho na cozinha enquanto as crianças corriam do lado de fora.

Demorei mais do que esperava, mas depois de algumas semanas, ele finalmente deixava eu me aproximar e até tocar as orelhas enquanto riamos. Nós crescemos praticamente juntos. Somente nós dois contra tudo e todos.

— Vou fazer meus exames em cima da hora — respondeu ele. — Provavelmente vão me mandar para um esquadrão nas linhas de frente quando fizer vinte e um, então acho que posso escolher entre fazer um exame de sangue agora ou daqui há um ano.

Uma lágrima quis escorrer de meus olhos, mas me contive por causa dele.

Mulheres deveriam continuar a linhagem de Avalon, por isso não eram obrigas a se alistarem no exército, mas homens não. Eram obrigados a se alistar, a servir até os cinquenta anos e se tentassem fugir, eram decapitados.

— Vai ficar tudo bem. Eles vão olhar para você e com certeza vão mandar voltar para igreja. É só apresentar os documentos do padre dizendo que você tem uma função importante cuidando de crianças sem família — disse. — Lee quase pediu uma carta dessas ao padre, mas há dois anos ainda tínhamos nossas diferenças religiosas.

Jeon colocou um curto sorriso no rosto. Aquele sorriso era tão falso quanto as pérolas que enfeitavam minha mão.

— Aprendi que não devo ter muitas esperanças, mas pensei que poderia me tornar um padre e ser expulso por desonra — disse ele sorrindo. — Mas o padre Phillipe não deixou que eu me juntasse a igreja por esse motivo.

— Precisa acreditar nos deuses caídos para ser como o padre. Deuses que não existem e que nunca existiram ou vão existir algum dia.

— Não é preciso acreditar nos deuses, é só observar os demônios de sangue azul que andam nas vilas próximas do castelo — disse Jeon.

Baixei meu semblante, cabisbaixa por não ter uma resposta que pudesse ajudar meu amigo em um momento como esse. Era como se eu fosse uma inútil ou fútil. Uma garota egoísta que não se importava com ninguém ao redor, a não ser com o irmão que todos os anos vai para guerra e não sabe se vai voltar.

— Mas pensa comigo Catherine, se a carta de recomendação de um militar expulso por desonra valer de alguma coisa, então estarei de volta na igreja tão rápido que você nem vai sentir minha falta.

Nós rimos outra vez enquanto caminhávamos entre as mais variadas barracas de baterias. Algumas já estavam bem gastas e eram vendidas pela metade do preço, as mais novas valeriam quase todo o saco de batatas de Jeon e não durariam nem um mês com todos os residentes retornando.

— Por qual bateria estamos procurando? — perguntei.

— Alguma que não esteja arranhada e que seja pequena. Aquela antiga que o padre geralmente coloca na caixinha de força e dura pouco mais de um mês.

— Sabe que não conheço muito bem essas baterias né?

— Conhece sim Catherine. Aquela brilhosa que você colocou na boca e depois agarrou na minha orelha para tomar choque.

— Isso foi há muito tempo — respondi.

— Catherine, isso foi ontem.

Soquei o braço dele e segui um pouco na frente como se estivesse com raiva, mas na verdade estava rindo porque tinha sido engraçado. As crianças riram quando as faíscas saíram do meu cabelo e ele ficou paralisado com medo da corrente aumentar e fritar nós dois.

Jeon vinha um pouco atrás chamando por meu nome, a feira estava bem movimentada, cheia de estrangeiros de todo o reino e bem barulhenta por sinal.

Culpa do último dia de feira.

Alguns sentinelas reais andavam montados a cavalos usando as cores pretas e azuis da família real, os Orins. O estandarte do dragão alçando voo repousava tranquilamente em seu ombro enquanto armas de fogo pendiam em suas cinturas e uma longa espada ficava presa em suas costas impossibilitando que a longa capa se movesse.

Estão patrulhando o lugar errado, o mercado negro é do outro lado.

Sons de briga atraiam a atenção de algumas crianças que insistiam e gritar pelo local e repetir as cenas de lutas que passavam no telão digital que os sentinelas traziam para acompanhar o dia do julgamento. Julgamento, onde guerreiros eram obrigados a lutarem até a morte usando apenas espadas.

Claro que antes da luta, o rei sempre aparecia no telão dizendo:

Na Roma, criminosos lutavam para terem a chance de perdão diante de seu rei, então lutem!

Eram três homens jogados na arena. As espadas estavam distantes, então eles teriam que correr para alcançar. Os mais rápidos provavelmente morreriam primeiro, já que os mais lentos se juntavam para ter o prazer de destruir um corpo menor e frágil e claro que alguns diziam que as lutas eram falsas, mas seria para divertir o povo na grande arena. Qualquer um poderia entrar e assistir ao show. Era brutal e infelizmente real.

Eu deixei de assistir ao telão e voltei a procurar pelas baterias quando um dos guerreiros arrancou o braço do inimigo e deixou o sangue jorrando por todos os lados.

— Vai continuar me ignorando por quanto tempo? — perguntou Jeon.

— Por mais alguns segundos antes de você se oferecer para escolher um peixe gostoso pro Lee — respondi.

Jeon atirou duas batatas por cima de mim acertando um dos cavalos dos sentinelas reais por engano e então para que não precisasse se justificar colou em mim como se fôssemos mais um casal procurando baterias na feira.

Mesmo com vontade de rir, esperei que estivéssemos um pouco mais afastados para finalmente observar os soldados reais procurando por culpados no meio da multidão.

— Eles perceberam que foi você — disse calma, tentando não rir. — Cuidado para não acabar nas arenas junto com os gladiadores.

— Existem muitos outros carregadores de batatas por aqui — sussurrou em meu ouvido. — Além do mais, eu sou muito bonito para acabar nas arenas de guerra divertindo a elite e os pobres coitados do nosso país.

Cutuquei a ponta do nariz dele e girei me soltando do abraço e andando de costas.

— Talvez devesse se achar bem menos. Assim você conseguiria uma namorada antes de marchar na guerra e eu até indicaria uma das garotas que frequenta a igreja com você.

Jeon sorriu pronto para atirar outra batata, mas eu não precisaria desviar dela, apenas agarrar e continuar andando como se nada tivesse acontecido.

— Se estiver falando da Zoe esquece — ele atirou uma batata em cima de mim. — Ela é mais devota que eu e você juntos.

Atirei a batata de volta para ele e me distanciei um pouco mais.

— Qualquer pessoa é mais devota que você e eu juntos — rimos. — Mas estava falando da Zara. Aquela pobre metida a rica que você dormiu há duas semanas porque ela insistiu que queria ver você nu.

Alguns idosos olharam para mim e depois para Jeon como se tivéssemos falando as maiores loucuras do mundo e constrangido, ele atirou mais duas batatas em mim.

— Vai continuar jogando batatas? — perguntei irritada. — Elas machucam sabia?

— Se você me ajudar a carregar enquanto procuramos pelas baterias não vou precisar.

Olhei duas tentas de baterias a procura da especifica que serviria para a igreja e então apontei sorrindo, sinalizando que não estávamos nem perto de encontramos o que queríamos.

— Para de ser irônica! — ordenou, atirando outra batata.

— Sabe que esse é o único meio de troca da igreja né?

Jeon atirou mais duas batatas e correu em minha direção. Corri como se minha vida dependesse desses passos e graças aos deuses não dependia, porque mesmo carregando um saco pesado de batatas, Jeon me alcançou em poucos segundos.

Gritei quando ele me jogou no chão, ele riu alto fazendo cocegas por baixo do casaco e então três sentinelas reais se aproximaram. Trotando rápido em seus cavalos eles sacaram as espadas e apontaram para Jeon como se ele fosse acusado de cometer um crime. As capas se agitaram conforme os cavalos nos rodeavam, as batatas rolaram pela feira e então se foram; camponeses agarravam uma a uma e simplesmente sumiam pelas tendas como se tivessem ganhado a oportunidade de se juntar a nobreza, comerciantes começavam a guardar cada item não vendido como se suas vidas dependessem disso. Chicotes estalaram, as mãos de Jeon foram ao céu e notei o medo em seu olhar. Apesar de um quase adulto, Jeon tinha medo de como as pessoas reagiriam ao vê-lo com orelhas pontudas. Como sempre, seu corpo treme e ele fica imóvel, porém, eu fiquei de pé e rapidamente entrei em sua frente.

Poucos segundos foram necessários para que a feira ficasse quase que vazia. Os cavalos marrons se agitavam a cada movimento que os sentinelas reais faziam. Eram apenas três, as espadas na mão esquerda e o chicote na direita. Fácil de correr se os tirássemos dos cavalos, mas aqueles olhos azuis, tão brilhantes quanto o céu mostrava que eles não eram apenas humanos comuns que serviam aos nobres.

— Vocês são da elite — disse, quase num sussurro.

— Claro, senhorita! — disse um dos sentinelas sorrindo. — Vossa majestade, o rei nos enviou especialmente para que crimes não aconteçam durante um dia movimentado.

Eles não pareciam em nada com os soldados que sempre andavam ao lado do rei. Antes de morrer, meu costumava dizer que os guardas do rei não poderiam ter pelos ao rosto, suas roupas sempre eram azuis e os cabelos tão cumpridos que ficavam presos num longo rabo de cavalo , mas os sentinelas eram bem diferentes, tinham os cabelos negros escuros e cacheados, a barba era longa e escondia algumas cicatrizes no rosto.

Eles eram pálidos como qualquer outro membro da elite, mas eram assustadores.

Me coloquei de pé o mais devagar que conseguiria. Não precisaria de muito para que eles usassem as espadas contra Jeon ou até mesmo contra mim.

— Que crimes? — perguntei.

— Roubo, assassinato, estupro — o mesmo respondeu, olhando de volta para Jeon.

— Vimos quando o rapaz tentou arrancar o vestido e ninguém tentou ajuda-la — disse o outro sentinela. — Pessoas como ele ganham um lugar especial nas arenas. Se o levarmos agora, certamente lutará depois de amanhã.

Eles não precisariam usar nem mesmo suas habilidades para nos atacar, simplesmente precisariam vir para cima com as espadas que Jeon se ajoelharia e beijaria seus pés como se eles fossem a própria sombra do rei.

— Ele não fez nada — respondi. — É meu amigo, crescemos junto da igreja do padre Phillipe.

Eles riram entre si, quase gargalharam.

— Amigos é? — perguntou o sentinela atrás de nós. — Ele é mudo por acaso? Se identifique!

Tremendo, Jeon se agarrou a um de meus braços e então calmamente se colocou de pé e disse a eles:

— Sou... Jin Jeon, órfão desde os dois anos. Atualmente estou residindo na igreja do padre Phillipe — respondeu o garoto.

Os sentinelas riram entre si outra vez. Cheguei a pensar que a grande piada era o padre Phillipe, mas nunca poderia perguntar isso a ele. Um homem que abandonou seus deveres de soldado para viver da sua crença em deuses parece não ter respeito nenhum.

— Jin Jeon — começou o primeiro sentinela, outra vez. — Já completou os exames de alistamento esse ano?

A pergunta ecoou em meus ouvidos como os sinos da igreja e então as coisas aconteceram rápido demais para que eu pudesse tentar ajudar. Em alguns segundos, a mão de Jeon deixou meu corpo e o vento frio passou ao meu lado. Dois cavalos galoparam para longe enquanto seus sentinelas levantavam a espada prontos para acertar Jeon.

Eu gritei pedindo por ajuda, mas senti lágrimas escorrerem de meus olhos quando o chicote estalou em minhas costas, não uma, mas seis vezes.

Imóvel, eu observei enquanto o aço atravessava Jeon e seu corpo caia imóvel na terra. Chorei, como se desejasse chorar sangue enquanto eles olhavam atônitos para o sangue que escorria na terra. Não era vermelho rubro como deveria ser, mas sim um azul intenso. Foi somente neste momento que as chicotadas pararam, eu toquei o sangue em minhas costas sentindo a ardência de cada chicotada e então quando voltei as mãos ao rosto, o que deveria ser vermelho estava azul, exatamente como o de cada sentinela, como dos novos deuses nesse mundo.

— Eles são como nós — sussurrou um dos sentinelas.

Tentei me arrastar para perto de Jeon, porém, as mãos de um deles agarrou meu cabelo puxando-o para cima com toda a força. Uma faca foi posta em meu pescoço, a barba negra roçava próximo ao meu rosto enquanto o sentinela sibilava de raiva.

— Quem são vocês? — perguntou, irritado. — A quais casas pertencem? Responda.

Ele me sacudiu duas ou três vezes, mas eu não disse nada.

— Veros, deixa ela! Vamos embora! — disse outro sentinela. — Se alguém denunciar sabe o que o rei vai fazer conosco!

O sentinela, Veros, jogou meu rosto na areia como se eu fosse um simples saco de batata. Os outros dois sentinelas desceram de seus cavalos e consegui ver quando um deles pisou por cima de Jin Jeon como se não fosse nada. Foi então que asas brancas apareceram em suas costas e como se nunca estivessem ali, os três sentinelas alçaram voo deixando apenas seus cavalos para trás.

— Anjos, Jeon — sussurrei entre lágrimas. — Eles eram como anjos.

Foi sangrando em meio a feira praticamente deserta que descobri que o mundo era governando por coisas piores que os deuses do passado. Pessoas que se diziam deuses por terem habilidades, pessoas que tomaram o país séculos atrás e hoje se dizem reis, pessoas que em breve estariam batendo em minha porta e mudando minha vida de uma vez por todas.

6 de Dezembro de 2019 às 16:48 2 Denunciar Insira Seguir história
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Inativo Inativo
Olá, eu sou Mirz. Venho te parabenizar pela Verificação da história. Foi um primeiro capítulo bem intenso! Gostei muito da sua narrativa e forma como você está desenvolvendo os fatos da história. Está tudo muito interessante e me prendeu bastante, principalmente porque os poderes dos humanos não ficaram como algo extravagante e inexplicável, tendo um desenvolvimento bem coerente e coeso. A escrita está ótima, mas há algumas observações que eu percebi no decorrer do capítulo. Algumas vezes, faltou acentuação na palavra “lágrima”. Não foram em todas as vezes que a palavra apareceu, mas em algumas ficou esse errinho. Também faltou um acento no “tem” quando a frase estava no plural, pois nesse caso o verbo seria “têm” e acredito que a palavra “guerra” foi comida quando você citou a “quarta mundial”. Foram erros bem pequenos que não afetaram o desempenho da história, por isso não houve a necessidade da revisão, mas são dicas que eu percebi e achei que seria legal avisar. Parabéns pela obra, está realmente ótima! :)
December 09, 2019, 17:01

  • William de Assis William de Assis
    Obrigado por me alertar sobre esses errinhos, passaram em branco na revisão que fiz, mas iriei consertar e quem que está gostando da história. Logo terão mais capítulos! December 09, 2019, 18:16
~

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