hocksthot Afogata

❝Ele parou ao meio, levando as mãos em direção a boca e gritou o nome de Evan o mais alto que suas cordas vocais poderiam suportar, em seguida, abaixou as mãos e esperou por uma resposta, contudo, nenhum barulho sequer foi escutado por nós.❞ Livis Adkins, para escapar de um casamento arranjado pelo próprio pai, planeja fugir de seu possível destino na companhia de seus dois amigos, Evan Richardson e Roody Willmore. O acampamento em que o grupo se encontra mostra-se o início da coragem para perpetuar seu plano, entretanto, devido ao repentino desaparecimento de Evan no centro da mata que os cerca, sua fuga terá que esperar. Em meio a busca do amigo embriagado e adentrando cada vez mais o breu que adorna os arredores do acampamento, o futuro de Livis muda drasticamente.


Suspense/Mistério Para maiores de 18 apenas.

#crime #horror #terror #afogata #lendas-urbanas #ben-drowned #creepypasta
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A correnteza de azares de Livis Adkins.

Os troncos de madeira desordenados naquela pilha de folhas secas estalavam conforme o fogo se espalhava, liberando aquele calor acolhedor que parecia combinar bem com o fim de tarde gélido e monótono. Do outro lado da fogueira estava Roody com seu típico violão vermelho, repleto de figurinhas dos Avengers que foram roubadas do caderno de Evan. Com seus dedos sobre as cordas do instrumento, movendo-os perfeitamente a cada nota, permaneci em silêncio, tentando adivinhar que melodia ele estava tocando. Seus olhos cor de mel se encontraram com os meus brevemente e um sorriso travesso surgiu em seus lábios, destacando as covinhas em suas bochechas.


— Que tanto me olha? — Ele perguntou provocativo. Seus dedos ainda tocavam as cordas de forma ágil e organizada, sem se atrapalhar ou deixar alguma nota musical passar.


Sempre admirei como Roody não errava uma nota sequer em suas composições. Era como se ele fosse um Deus inabalável enquanto tocava e ninguém conseguia pará-lo. Lembro-me das várias vezes em que ele já usou essa técnica para tentar encantar as garotas no colégio, principalmente nos seus primeiros dias de aula. Devo admitir que até mesmo eu ficava encantada algumas vezes.


— Só pensando. — Respondi de forma simples, relaxando os ombros.


Ouvi Roody dar uma risada anasalada e parou com sua música, deixando o instrumento escorado no tronco de árvore caído que ele estava sentado. Apoiou as mãos sobre os joelhos e, em um impulso, se pôs de pé a frente da fogueira, dando a volta na mesma sem a mínima pressa e sentando-se ao meu lado. Sem tirar meus olhos da fogueira, senti que Roody encaixou sua cabeça calmamente na curvatura de meu pescoço, relaxando a mesma e soltando um leve suspiro. Eu sabia que ele queria falar alguma coisa.


— O que foi? — Perguntei com uma voz baixa, tentando fazê-lo ir direto ao assunto.


— Não é nada.


— Tudo bem.


— É só que… — Ele disse, desencostando a cabeça. Eu sabia que ele iria morder a isca. Roody sempre detesta quando não insistem ou não dão importância a ele. — Você quer mesmo fazer isso? — Sua pergunta perfurou minha garganta e eu hesitei alguns segundos antes de dar a resposta, me questionando mentalmente que ele talvez poderia estar certo e que eu deveria esquecer essa situação toda. Mas não demorou muito para que meus pensamentos voltassem à realidade e me trouxessem as dolorosas memórias da briga que tive anteontem com meus pais, fazendo-me balançar a cabeça levemente.


— Claro que sim, não era necessário perguntar. — Levantei-me rapidamente e soltei um profundo suspiro, olhando para Roody em seguida e lançando-lhe um pequeno sorriso para que ele não se preocupasse. — Vamos procurar pelo Evan. Ele provavelmente deve ter bebido o suficiente para se perder no meio do acampamento. — Falei alto.


A contra gosto, ele se levantou colocando as mãos dentro do bolso da jaqueta esverdeada. Eu o observei olhar ao redor e fiz o mesmo em seguida. Já fazia um tempo em que Evan havia sumido alertando que iria vomitar em algum canto e provavelmente ainda está fazendo isso.


Roody se afastou, caminhando em direção a duas árvores pequenas cobertas por arbustos e frutinhas que eu não sabia identificar se eram boas para comer ou possuíam algum veneno que, eventualmente, me deixariam com dores no estômago a semana inteira caso eu provasse. Ele parou ao meio, levando as mãos em direção a boca e gritou o nome de Evan o mais alto que suas cordas vocais poderiam suportar, em seguida, abaixou as mãos e esperou por uma resposta, contudo nenhum barulho sequer foi escutado por nós.


O sentimento de preocupação preencheu todo o meu peito. Evan podia ser 4 anos mais velho do que eu, mas certamente não sabia se cuidar direito e o seu problema com bebidas deixava isso mais do que claro. Eu pretendia convencê-lo a entrar nos alcoólicos anônimos no fim do outono, afinal ele estaria mais disposto a ouvir já que as festas costumam diminuir com a chegada do frio.


— Será que ele está bem? — Perguntei com preocupação, logo observando Roody virar o rosto para me encarar.


— Sim, claro. Ele não é doido o suficiente para ir tão longe assim. — Ele disse visando me acalmar e embora não tenha funcionado muito, eu sorri levemente para o mesmo.


O céu já não possuía mais aquela coloração avermelhada costumeira do fim da tarde, agora o escuro começava a tomar conta daquela imensidão infinita. Eu conseguia ver melhor as estrelas que iam surgindo conforme ficava mais escuro. Sempre apreciei a noite, mas agora tudo o que eu conseguia sentir era uma grande preocupação. Logo voltei minha atenção para Roody novamente, ele havia voltado a observar a mata, procurando por alguma movimentação.


— Roody. — Eu o chamei, porém, ele ainda estava em silêncio olhando. — Roody! — E novamente nenhuma resposta. — Rodward!


Somente assim obtive alguma resposta dele. Um pulo involuntário ao ouvir seu nome ao invés do apelido. Dei alguns passos em sua direção, apoiando a mão direita em seu ombro com um olhar de preocupação.


— Temos que achar Evan logo.


Ele virou sua cabeça em direção a mim, assentindo.


— Sim, concordo. — Ele disse, sua expressão estava um pouco diferente de antes. Ele estava alarmado.


— Você está bem? — Perguntei.


— Sim, sim. Não se preocupe comigo. — Respondeu, sorrindo para mim. Eu sabia que havia algo de errado com ele, imaginava que tinha algo o preocupando, contudo, não me atrevi a perguntar sobre isso no momento.


Roody virou suas costas para mim, indo em direção a mochila velha e rasgada que deixamos no chão. Eu o observei se agachar e abri-la, procurando por algo e logo ele retirou uma lanterna de dentro dela. Ao se levantar, ele voltou a me olhar e sorriu balançando o objeto em suas mãos.


— Vamos? — Ele perguntou caminhando em minha direção, passando por mim.


Me virei para ele começando a acompanhá-lo por entre a trilha de terra. Roody iluminava o caminho enquanto mantinha os olhos e ouvidos atentos. A floresta era muito diferente durante a noite, não parecia o mesmo lugar por onde corremos e rimos quando chegamos ao acampamento. As árvores pareciam formar caretas deformadas, seus troncos repletos de aranhas subindo e entrando nos buracos dessas deformidades, insetos de todo o tipo se alimentando do musgo das pedras. Nada de corujas, cigarras, lobos, ursos… só o som de nossos passos sobre as folhas alaranjadas caídas sobre o solo, e de vez em quando, o barulho do vento correndo pelas árvores.


Talvez fosse o sumiço de Evan que estava me fazendo pensar o pior sobre aquele lugar. Eu não sei e jamais irei entender. Gostaria de saber o que Roody estava pensando agora, provavelmente em Evan ou… novamente eu não sei. Seus ombros estavam duros, parecia suar e seus lábios comprimidos em uma expressão que não consegui identificar corretamente o que seria, conclui que ele estava tenso.


Já fazia alguns minutos que estávamos andando pela trilha, vez ou outra gritando o nome de Evan e esperando por respostas que nunca chegavam. Foi então que o silêncio deu lugar ao som das corredeiras que levavam ao Rio Iowa, águas agressivas e turbulentas que arrastavam qualquer coisa em seu caminho. Evan poderia estar por ali.


Roody e eu nos entreolhamos brevemente antes de apressar os passos em direção as corredeiras. Havíamos passado por ali mais cedo, tirado algumas fotos e depois seguido para o acampamento, me lembro bem de Evan ter comentado que achava aquele lugar “uma pintura de Deus” segundo suas próprias palavras. À medida que nos aproximávamos mais o som das águas se chocando contra as pedras ficavam audível e se Evan realmente estivesse por ali, não me surpreendia que ele não nos escutava chamá-lo com todo aquele barulho em seus ouvidos para atrapalhar.


Não demorou mais do que alguns minutos para que chegássemos no lugar. Tudo estava escuro ao redor, mas ainda era possível ver poucas coisas pela iluminação da lua, que não era muita, porém o suficiente para localizar a ponte sustentada por cordas e madeiras que levavam ao outro lado e logo abaixo da ponte estavam as corredeiras. Olhando melhor para o outro lado, conseguimos ver o que parecia ser um corpo deitado ao chão.


Me assustei com aquilo e Roody compartilhou do mesmo sentimento.


— Evan! — Ambos gritamos ao mesmo tempo.


Evan demorou a se mexer e tudo que fez foi levantar um dos braços mostrando a garrafa da bebida em sua mão. De forma desajeitada ele se esforçou para se sentar na grama e olhar para nós, era difícil imaginar isso da distância em que estávamos, mas ele pareceu ficar feliz em nos ver. Evan aparentava estar bem, apenas bêbado e eu Roody suspiramos aliviados.


— Você consegue sair daí sozinho? — Roody gritou com as mãos a frente da boca para tentar deixar o som da voz mais alto que o da água.


— Eu não sei… ah? Eu acho que não! — Evan gritou de volta.


— Tá. Fica aí, vou te buscar!


Dito isso, Roody me entregou a lanterna e correu em direção a pequena ponte, segurando nas cordas que serviam de apoio e então começou a atravessá-la com cuidado para não pisar em falso e quebrar uma das madeiras. Felizmente Roody conseguiu chegar ao outro lado sem nenhum incômodo e então era a minha vez de atravessar.


Eu já havia passado por ali com eles antes, portanto eu não precisava sentir medo. Era seguro. Era seguro. Era seguro. Repeti isso mentalmente por longos segundos enquanto dava os primeiros passos na ponte, com todo o cuidado que eu poderia ter. Conseguia ouvir Roody falando com Evan, chamando-o de maluco por atravessar uma ponte estreita estando embriagado e eu ri baixo com isso.


— Você é completamente sem noção. Se você veio aqui para ver como ficava a noite, por que simplesmente não ficou do outro lado? Qual a necessidade de ter que atravessar a merda da ponte? — Ele perguntou, apoiando o braço de Evan em seu ombro, ajudando-o a se levantar.


— Eu vi alguém, cara. — Evan respondeu com a voz confusa e eu não consegui ouvir direito o que ele disse depois.


— Tudo bem aí? — Perguntei. Faltava pouco para chegar ao fim da ponte.

Meu coração parou quando escutei um som de crack vindo abaixo do meu pé e em menos de um segundo minha perna se foi para baixo, consequentemente derrubei a lanterna, que logo foi arrastada pela força da água. Aquela parte da madeira havia quebrado por estar podre e não demorou para que o resto dela quebrasse e meu corpo inteiro fosse para baixo.


— Roody! — Gritei por ajuda, me agarrando ao pedaço de madeira a frente, tentando impulsionar meu corpo para cima novamente.


Roody virou sua cabeça para me olhar e arregalou completamente os olhos ao ver como eu estava. No mesmo segundo ele deixou Evan no chão novamente, correu em minha direção e, por um segundo, pensei que ficaria segura, me agarrando com força aquela sensação de esperança que foi brutalmente arrancada de meus braços quando o resto daquelas madeiras não aguentaram meu peso e caíram de encontro a água, assim como meu corpo também.


A correnteza turbulenta insistia em me arrastar para longe dos meus amigos e por mais que eu tentasse com toda força me agarrar a uma pedra e cortar aquele ciclo, sempre era derrubada pela natureza violenta. Eu via Roody ficar cada mais longe, até que eu não pudesse mais enxergá-lo e eu quis chorar. O medo já dominava todo o meu ser e estava difícil respirar, difícil me manter na superfície quando as corredeiras me empurravam para baixo, difícil lutar contra a morte.


Tudo acontecendo em ultra velocidade, batendo minha cabeça nas pedras que estavam no caminho e rasgando boa parte da minha pele, a água invadindo meus pulmões e os borrões escuros que gradualmente tomava conta da minha visão. Meu corpo já não respondia mais meus comandos e quando me dei conta já estava afundando. Pensei em Roody, em Evan, no meu cachorro e por incrível que pareça pensei em meus pais e no que eles poderiam pensar quando meu corpo fosse encontrado.


E então, vazio.

4 de Dezembro de 2019 às 22:52 0 Denunciar Insira Seguir história
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Afogata Eu escrevo pecados, não tragédias.

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