wilherdeoliveira Wilher O.

Ana Luíza é uma bela mulher negra que mora em uma quitinete, dentro de uma comunidade de imigrantes em São Paulo. Muito apaixonada, ela mantém, em segredo, um romance com um rico empresário e pai de família. Mas a chegada do ano novo chinês pode mudar a sua vida para sempre.


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Conto
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Capítulo 1

Ana Luíza chegou cansada naquela madrugada. Subiu, nas pontas dos pés, as escadas que levavam até a sua quitinete, no terceiro andar. Era obrigada a passar, todos os dias, ao lado da porta de entrada da casa da família Chen, que possuía um restaurante de comida chinesa no térreo e morava logo acima. De sua janela, como em um ritual diário, ela observava, pensativa, até o amanhecer, uma das ruas do Bairro da Liberdade em São Paulo, enquanto bebia uma taça de vinho, após um demorado banho quente.

Enrolada em seu robe de cetim branco — que contrastava de forma magnífica com sua pele negra e bem cuidada —, a mulata exibia belíssimas curvas, as quais, muitas vezes de forma incômoda, despertavam olhos desejosos, por onde passava. Não diferente do que fazia em todas as madrugadas, desde que ele foi assassinado, Ana Luíza refletia sobre como havia chegado ali. Apesar de não ser religiosa, às vezes questionava-se sobre talvez possuir algum fardo ou missão espiritual naquele lugar. Sabe lá, ela dizia.

Há cerca de um ano, um pouco antes do homem, o qual havia se apaixonado, presentear-lhe com aquela pequena casa, ― de quarto e sala conjugados, cozinha e banheiro ―, não poderia imaginar o rumo que sua vida tomaria. Teve que sair da casa dos pais, que não aceitaram o envolvimento da filha com um sujeito casado. Mas por amor, tudo vale a pena, repetia a si mesma, sempre que começava a sentir-se arrependida. Viveu meses de sonhos, que nunca imaginou experimentar, mesmo em seus trinta anos de vida. O homem levava-lhe flores, chocolates e lingeries, quase todas as tardes; e faziam sexo por horas, até que ele tivesse de voltar aos braços da família. Algumas vezes, desfrutavam de almoços românticos, mas nunca chegaram a afastar-se do entorno. Ela sabia o porquê. E mesmo sob os olhares contundentes de reprovação das esposas ― antagônicos aos olhares maliciosos dos maridos, que a despiam mentalmente ―, quando estava com ele, conseguia divertir-se, mesmo naquela comunidade.

E assim foi, até o fatídico dia.

A moça aguardava impaciente a ligação, que quase sempre recebia após o horário do almoço, confirmando a visita à tarde. Assim, ela poderia se preparar. Decidir se prenderia os volumosos cabelos encaracolados, em um coque acima da cabeça, ou simplesmente os deixaria soltos, como ele dizia que gostava. Sentia prazer ao escolher a calcinha, enquanto hidratava a pele calmamente, para que ficasse ainda mais macia e cheirosa. Mas já fazia três dias que não se falavam, e isto a estava enlouquecendo. Sabia que não podia ligar ou mandar mensagens, em hipótese alguma, esse era o combinado. E mesmo que quisesse quebrar o acordo, não poderia, pois a chamada sempre era feita de um número não identificado. Ele dizia que era necessário, quando se era um homem importante, mas ela sabia, apesar de ignorar, que não passava de conversa fiada. Não sentia-se preocupada com a saúde do homem — que julgava ser muito viril —, seu medo era o abandono. Temia que houvesse se cansado dela, ou talvez, arrependido, escolhido a devoção ao casamento. Eram fantasmas que a assombravam, mas que agora, diferentemente de antes, poderiam ter se tornado reais.

Então o telefone tocou. Correu da janela até a cama, e pegou o aparelho celular, que recarregava a bateria. Viu o número desconhecido e suspirou aliviada, atendendo logo em seguida.

― Até que enfim, Bem...

Do outro lado, uma voz desconhecida e grave perguntou:

― Senhora... Ana Luíza Costa?

Um silencio permeou o ambiente, enquanto ela processava a situação, e decidia o que faria em seguida. Em um gesto impulsivo, desligou o telefone, soltando-o de volta na cama.

Sete segundos e meio se passaram, e o telefone tocou novamente.

Desta vez, temerosa, acalmou-se, ao ver, no display do aparelho, o nome da amiga que cresceu junto, vizinha do mesmo bairro no Rio de Janeiro, a qual mantinha a amizade até os dias atuais, mesmo agora vivendo em outra cidade.

― Oi, amiga. Que susto...

A voz do outro lado da linha perguntou como ela estava.

― Estou bem, mas aconteceu uma coisa estranha agora há pouco. Tô nervosa...

A amiga, curiosa, perguntou o que havia acontecido.

― O Pedro não me liga há três dias. Já tava bolada. Aí agora, um cara liga, falando meu nome todo e perguntando se sou eu. Pô! Só você e o Pedro que tem esse número...

A amiga, com o tom de voz seguro, pediu que a moça se acalmasse, e disse que provavelmente seria apenas um funcionário da operadora de telefonia tentando oferecer mais algum serviço. Ana Luíza riu, e a tensão em seus ombros se aliviou.

― Verdade, amiga. Mas é estranho o Pedro ficar tanto tempo sem ligar. Ai, nossa! Desculpa, amiga. Tô tão nervosa, que nem te perguntei... Como você tá? Aquela parada com teu pai, já conseguiu superar? Cê tá legal?

Continuaram conversando por alguns minutos, até que a campainha tocou.

― Amiga, alguém tá tocando a campainha. Te ligo depois.

Ana Luíza caminhou até a porta, imaginando que deveria ser novamente o Senhor Lee, dono da barraca de takoyaki, que sempre a visitava, levando alguns dos seus bolinhos de polvo, quando a esposa se ausentava. No início, achava fofo, mesmo não entendendo uma palavra do que o homem dizia, pois ninguém naquela comunidade de imigrantes a olhava com bons olhos, exceto ele, que descobriu depois, de forma nada delicada, possuir interesses que iam além de uma boa relação de amizade.

― Tomara que esse coroa não venha com aquela mão boba de novo... Dessa vez eu dou na cara dele!

Ao abrir parcialmente a porta, apenas os centímetros permitidos pelo fecho de segurança, ela, com o corpo escondido e a cabeça inclinada para o lado, arregalou os olhos, surpreendida com a figura, absolutamente distinta a do velho chinês. Um homem alto e jovem, de barba e cabelos negros, vestindo uma jaqueta de couro preto, aguardava parado.

― Boa tarde. Senhora Ana Luíza Costa?

Após alguns segundos de silêncio, encarando o homem, ela perguntou:

― Quem deseja?

― Meu nome é Diego Souza. Sou investigador do DEIC, polícia civil do estado de São Paulo. Posso fazer algumas perguntas?

― Polícia? Mas do que se trata?

― Gostaria de fazer algumas perguntas a respeito de Pedro Alcântara, antigo proprietário desta residência.

― M...mas o que tem ele? Nunca mais tive contato. ― Ana Luíza já havia sido instruída pelo amante a, caso fosse questionada por alguém, não confirmar qualquer relação posterior a compra do imóvel.

― Eu poderia entrar? Não sei se a senhora tem conhecimento, mas o corpo do Senhor Pedro foi encontrado ontem. Ele foi assassinado.

― O que? ― Ana Luíza sentiu as pernas fraquejarem, e após alguns segundos boquiaberta, ainda olhando fixamente para o homem, fechou bruscamente a porta, em um movimento impensado. Em seguida, virando-se e ainda na porta, apoiou o corpo com as costas, e sentiu seus joelhos se dobrarem vagarosamente, até que, em lágrimas, apoiou os largos quadris no chão.

― Senhora Ana Luiza? ― O homem bateu, com uma das falanges do dedo indicador, três vezes na porta.

As lágrimas escorriam pelo rosto da moça em silêncio. E o homem insistiu:

― Senhora Ana Luíza? Eu vou aguardar alguns minutos aqui fora. Talvez a senhora precise de algum espaço e... eu não quero parecer indelicado, mas é de extrema importância que eu faça algumas perguntas a senhora, que são muito pertinentes.

Ana Luíza permaneceu sentada por vinte minutos, estática. Seus olhos congelados, nem ao menos piscavam, mirando a janela, enquanto lágrimas escorriam incessantemente. Em choque, sua mente tentava lidar com a dor sufocante que estava sentindo.

Repentinamente levantou-se. Caminhou até a geladeira, bem ao lado, e com as mãos trêmulas, pegou a garrafa de água, para em seguida encher um copo que estava na pia e beber. Seus movimentos pareciam o de um corpo sem alma, apenas gestos automáticos. Quando finalmente pareceu retomar a consciência, caminhou até a janela e olhou para a rua, mas o que viu foram diversas lanternas vermelhas ― que estavam sendo penduradas por vários homens, devido a comemoração do ano novo chinês, que ocorreria em breve ―, estas que a impediram de enxergar a rua com clareza. E então, lembrou-se do policial, que lhe disse que esperaria lá fora.

Dirigiu-se a porta, nas pontas dos pés, atravessando o pequeno espaço que delimitava a cozinha do restante da moradia, ao mesmo tempo em que enxugava as lágrimas que ainda repousavam em seu rosto, e encostou o ouvido esquerdo na porta, tentando ouvir alguma pista que pudesse indicar que aquele homem ainda pudesse estar ali. Para sua surpresa ― e infelicidade ―, levou um susto, que acabou por denunciar sua posição, ao ouvi-lo novamente bater à porta.

― Dona Ana Luíza? ― Desta vez o homem parecia impaciente. ― Preciso lhe fazer algumas perguntas. Caso a senhora se negue a falar comigo, voltarei amanhã, e depois, e depois... Então, acho que seria interessante para ambos que a senhora conversasse comigo.

Ana Luíza então, exclamou:

― Não tenho nada pra falar com você! Não sei de nada. Vai embora!

― Ok, Dona. Amanhã eu volto.

A mulher franziu a testa e entortou a boca, achando um ultraje a persistência do sujeito. Então, caminhou cambaleante até a sua cama de casal, ao lado do aconchegante sofá cinza de apenas dois lugares, e deitou-se de lado.

Passou o resto da tarde e toda a noite naquela posição. Não conseguiu dormir, nem por um minuto sequer, chorando e pensando na terrível violência que havia sofrido seu amor, Pedro. De madrugada, enquanto olhava, distante, as luzes que invadiam sua casa pela janela, decidiu procurar na internet, pelo celular, alguma notícia sobre o crime. Encontrou em um site de um famoso jornal, uma pequena nota com o título: “Empresário paulista é encontrado morto a facadas, em seu carro”. A notícia dizia que, pela dinâmica dos fatos, o assassinato poderia ter sido um crime passional, resultante de um envolvimento com uma prostituta ou amante; e que a polícia não trabalhava com a possibilidade de um roubo seguido de morte. Dizia também que a vítima deixava uma esposa e dois filhos. O texto terminava informando que, procurada, a conjugue não quis se manifestar sobre o ocorrido.

Ana Luíza leu incrédula, enojada por insinuarem que Pedro poderia estar com uma prostituta. Imagina! Um homem como ele, pensou. E então, fechou os olhos e tornou a chorar. Seu sofrimento se prorrogou, ininterrupto, até o amanhecer. Apenas ela, suas lágrimas e a luz que vinha daquelas lanternas vermelhas.

As oito da manhã, decidiu levantar-se, Não aguentava mais aquela angustia, todo aquele sofrimento. Sentia-se perdida. O que faria agora? Deixou sua família para trás. Não conhecia ninguém que pudesse realmente confiar, naquela cidade. Não trabalhava. Quem a sustentava era Pedro, não por opção — era inteligente e confiante —, mas resolveu ceder ao capricho do homem que amava.

Foi até a cozinha, preparar um café. Pensou em ligar para a única amiga que possuía, mas lembrou-se que ela deveria estar indo dormir a essa hora, pois trabalhava em um hospital, fazendo plantões noturnos. Enquanto esperava a água ferver, lembrou-se do policial que afirmou voltar no dia seguinte. Sentiu-se aflita. Pensou no que falaria para o homem, pois não poderia evita-lo para sempre. Não fazia ideia do que faria. A sua única certeza, era que, pela notícia que havia lido naquele site, existia a suspeita de uma amante, e que aquele homem estava atrás dela por este motivo.

Desesperou-se.

Caminhou até a janela. Encolheu o corpo, escondendo-o o máximo que pôde, na tentativa de não ser vista, caso alguém a estivesse espreitando da rua. Sentiu-se frustrada ao imediatamente enxergar aquelas lanternas chinesas, recém colocadas, que agora a impediam de ver com exatidão tudo o que se passava lá em baixo. Nervosa, exclamou:

― Malditas lanternas vermelhas!

Assustou-se ao ouvir o barulho do apito da chaleira, avisando que a água estava fervendo. Correu apressada e desligou o fogo. Deixou entornar a água quente, que agora unia-se ao pó escuro, exalando aquele cheiro que Pedro tanto gostava, e apreciavam enquanto conversavam tomando café, depois do sexo. Olhou para o lado, e viu a pequena mesa redonda de madeira, onde sentavam para aqueles momentos, e então, novamente pôs-se a chorar.

Ana Luíza pensava que aquilo não poderia ser real. Que deveria estar sonhando, pois achava que um assassinato não era algo comum na vida de ninguém, e que não poderia ser na dela. Pegou uma caneca para depositar o café, e então, ouviu a campainha tocar.

― Dona Ana Luíza!? ― Exclamou a voz, que ela já reconhecia como sendo a do policial, ao mesmo tempo em que ele novamente batia com um dos dedos dedo, três vezes na porta.

― Já vou! ― exclamou, fechando os olhos e balançando rapidamente a cabeça, de um lado para o outro, em um gesto de irritação.

Ana Luíza soltou a chaleira e pediu ao homem que esperasse alguns minutos, até que ela trocasse a roupa. Logo depois, caminhou até a porta, vestindo um blusão branco e uma calça jeans larga. Abriu novamente a porta, sem retirar o fecho de segurança, e, encarando-o séria, perguntou:

― O que você quer?

― Bom dia, senhora. Posso entrar?

Ela continuou encarando-o por alguns segundos, para, em seguida, quebrar o silêncio:

― Você não vai desistir, né!?

― Prometo não demorar...

Ana Luíza bateu a porta na cara do policial. Em seguida, após serem ouvido ruídos provenientes do fecho de metal, a porta finalmente se abriu. Desta vez por completo.

― Entra... ― Ela disse com os lábios retorcidos. ― Tem café.

― Obrigado.

O homem entrou a passos lentos, girando a cabeça e observando tudo ao redor. Apesar de não haver muito espaço a ser conferido, ele se esforçou para capturar todos os detalhes.

― Senta. Vou pegar uma caneca pra você ― disse a moça, tentando ser educada, enquanto afastava uma das duas cadeiras de madeira, da mesa.

― Obrigado.

O homem sentou, ainda observando tudo de forma atenta.

― Então, Dona Ana Lu... ― ela protestou:

― Só Ana Luíza... Me sinto velha quando me chamam de Dona.

― Ok. Bem... Vou tentar ser o mais objetivo, para não tomar muito do tempo da senhora.

Ela se virou, encarando-o com um olhar de reprovação e tédio, ao mesmo tempo em que colocava o café na caneca.

― Ok, desculpe... Você. Quando foi a última vez que viu o Senhor Pedro Alcântara?

― Tem quase um ano, quando comprei a casa. ― Ana Luíza desviou os olhos para baixo, deixando escapar um tom inseguro e menos empostado na voz.

― Entendo... E como foi a negociação do imóvel? Pagou a vista? Houve algum financiamento?

― À vista ― disse ainda desviando o olhar, enquanto colocava as duas canecas de café na mesa. ― Meus pais me ajudaram a pagar.

― Entendo. E você tem contato frequente com eles?

― Sim, por que?

― Olha, Ana Luíza... Posso te chamar de Luíza? É que eu tenho uma amiga com esse nome...

― Tudo bem ― disse a mulher, antes de assoprar o café, que esfumaçava.

― Bem... Então, Luiza... ― O homem riu, simpático. ― Se você facilitar o meu trabalho, tudo vai acabar mais rápido; e você não precisará mais mentir, coisa que percebo não ser uma grande habilidade sua.

― O que? ― disse a moça, olhando incrédula para o policial.

― Falei com seu pai. Ele me disse que você saiu de casa para viver com um homem mais velho, e que não se falam há cerca de um ano. Além disso, a esposa da vítima desconhecia a existência deste imóvel e tampouco sabia sobre a sua venda.

― Mas isto não quer dizer nada... Eu...

― Não há registros de qualquer transação financeira, o que indica que o pagamento foi em espécie. Mas você não teve renda comprovada e nem a carteira assinada nos últimos cinco anos, então...

― Chega! Nada disso prova que eu... ― O homem a interrompeu novamente.

― Bem... E você também esqueceu de guardar aquela foto ali, de vocês dois juntos, no criado, ao lado da cama. ― O policial apontou e sorriu, enquanto finalmente bebia um gole do seu café.

Ana Luíza olhou para a foto boquiaberta, fechou os olhos e suspirou, vencida.

― Olha, por favor... Eu não tive nada a ver com o que aconteceu, eu... só quero que esse pesadelo termine logo... ― E então começou a chorar, abaixando a cabeça.

― Se acalma. Só me conta tudo, desde o início.

Ana Luíza consentiu, apenas movendo a cabeça; e assim, contou toda a história ao policial, desde o dia em que conheceu Pedro, em uma bela noite, caminhando na praia.

O policial ouviu atentamente, anotando tudo, e após algumas horas, satisfeito com as informações, decidiu ir embora.

― Obrigado, Luíza. Espero que sua tristeza passe logo.

― Você me mantém informada?

― Bem... isso não faz parte dos procedimentos. Você ainda é um dos suspeitos ― disse o homem, levantando uma das sobrancelhas, enquanto exibia um sorriso amarelo no canto da boca. ― Mas talvez eu retorne para um outro café, qualquer dia. Cuide-se.

Naquela noite, Ana Luíza novamente não dormiu. Revirou-se na cama, tentando pensar em algo que não fosse a imagem de Pedro, morto. Tentou assistir a um filme, mas, logo no início, o marido da protagonista morria de uma grave doença. Desistiu.

O dia amanheceu. Ela voltou a janela. Olhou as lanternas penduradas, desta vez faltando apenas um dia para a tão aguardada comemoração. A comunidade estava em polvorosa.

Se olhou no espelho, estava acabada. Aquela mulher tão bela, agora exibia uma aparência apática, melancólica.

― Preciso dormir um pouco ― sussurrou.

Foi até a farmácia. Pediu algum remédio que a ajudasse a dormir. O balconista a indicou um calmante natural. Ao retornar para casa, cruzou com a Senhora Chen, logo na subida da escada. A mulher, olhando-a de cima embaixo, proferiu palavras que para Ana Luíza eram impronunciáveis, mas que podia perfeitamente imaginar ao que se referiam.

Subiu, bebeu um copo de água junto ao comprimido, e foi tomar uma ducha quente, na tentativa de relaxar. Ela vestiu seu confortável robe de cetim branco e se jogou na cama. Para então, depois de muito tempo, finalmente conseguir cair no sono.

Ana Luíza dormiu tão pesado, devido ao fato de seu sono estar atrasado há dois dias, que às três e meia da tarde, não foi capaz de acordar, mesmo com seu aparelho celular tocando escandalosamente, enquanto exibia o nome de sua amiga Helena, no display. Só foi capaz de levantar às seis horas da manhã do dia seguinte, acordada pelas vozes do povo que se preparava para comemorar o tão aguardado dia do ano novo chinês.

Caminhou, com uma das mãos massageando o pescoço ― que reclamava por estar muitas horas na mesma posição ―, e foi até a janela. Observou a decoração da festa, cheia de enormes dragões vermelhos, e reparou que, tão cedo, já haviam dezenas de pessoas nas ruas. Espreguiçou-se e, bocejando, pensou: preciso de um café.

Enquanto colocava água na chaleira, decidiu não chorar naquele dia. Não pensaria em Pedro, ao menos por vinte e quatro horas.

Ao meio dia, enquanto lia um romance que estava guardado na gaveta — apesar de já tê-lo saboreado prazerosamente dezenas de vezes —, sua campainha tocou. Olhou para a porta e correu, abrindo-a como sempre fazia, e surpreendeu-se ao avistar Diego, o policial.

― Boa tarde, Luíza.

― Oi! B...boa tarde. Não esperava você aqui hoje.

― Tenho boas notícias. E más também...

Ana Luíza fechou a porta e destravou o fecho, abrindo-a rapidamente logo em seguida, e então, pulou para fora da casa, ansiosa e curiosa, sem nem se lembrar que vestia apenas o fino robe de cetim branco. O homem a fitou de cima a baixo, não conseguindo esconder a perplexidade no olhar, ao ver, com detalhes, os contornos dos seios, quadris e das coxas volumosas de Ana Luíza. Seu rosto e suas bochechas coraram rapidamente, e ele pigarreou, desorientado.

― Errr... Então, eu vim porque queria te contar como foi concluída a investigação.

Ela continuou olhando atentamente para o homem, com os lábios semiabertos e sem piscar os olhos — apenas gesticulando positivamente com a cabeça, em movimentos curtos —, aguardando impacientemente as informações. Ele então, coçando a cabeça, perguntou:

― Posso entrar?

― Claro! Vou fazer um café ― disse virando-se e entrando, para, em seguida, posicionar-se ao lado da porta, deixando um espaço para que o homem entrasse.

Ele o fez. Ao passar pelo corpo de Ana Luíza, sentiu o perfume que sua pele exalava, esta que, agora, passava a prestar mais atenção.

― Senta. É rapidinho ― disse, apressando-se em preparar a bebida.

Diego sentou e direcionou os olhos para o chão, tentando mantê-los longe do corpo da anfitriã. Porém, não conseguiu contê-los, e, novamente, se viu observando-a. De costas, o tecido, que repousava de forma suave sob seu corpo, mostrava uma cintura fina, como se houvesse sido desenhada, em um estudo milimétrico que buscava compor uma imagem em perfeita harmonia, junto as majestosas curvas de seus quadris e costas.

— Me conta! — suplicou ansiosa, enquanto suas mãos velozes colocavam o pó de café no filtro.

— Ela confessou. Se entregou ontem à tarde.

— Ela? — Ana Luíza parou imediatamente o que estava fazendo e virou-se, olhando para o policial.

— Sim. Uma prostituta local. Bem, na verdade uma assassina. Prostitutas não matam pessoas. Enfim... Ela disse que se encontravam às vezes. E isto acontecia já há algum tempo.

— Meu Deus, Pedro... Por que? — sussurrou a moça, após desviar os olhos para frente.

— Lamento.

— Não vou chorar... Hoje não vou chorar... — Ana Luíza olhou para cima, tentando conter as lágrimas, enquanto repetia as palavras a si mesma, ainda sussurrando.

— Ei, Luíza! Tá com fome? Esse cheiro de comida, da festa lá em baixo, tá muito bom.

— Ela disse o motivo?

— Sim. Parece que estava chantageando ele. Ameaçou procurar a esposa e mostrar umas fotos, que ela conseguiu tirar sem ele perceber. Queria dinheiro. Ele não quis dar e discutiram feio. Então a doida, que já estava com a faca na bolsa, matou o coitado.

Ana Luíza, em silêncio e bastante abalada, derramou lentamente a água fervente no pó de café.

— Você sabe qual é o ano em que eles estão? Ouvi algo a respeito de quatro mil e alguma coisa. Engraçado, não? — Diego tentou distrair a moça.

— Não sei... — Ela pegou as duas canecas cheias de café, e sem olhar para o homem, as colocou na mesa, sentando-se cabisbaixa.

— Ei! Já está na hora do almoço. O que você acha da gente esquecer esse café, e descer para comer algo? Vamo lá! Você não é mais uma suspeita — falou Diego, rindo e ainda tentando animar a moça.

— Não tô com fome.

— Olha... A gente dá uma volta na festa. Vi muita coisa legal enquanto estava vindo para cá. Você sabia que, lá para eles, esse é o ano do porco? Não sei o que isso significa, mas é interessante — falou, novamente rindo.

Ela olhou para o lado pensativa, abaixou a cabeça e disse:

— Tudo bem. Vou trocar de roupa.

Ana Luíza lembrou-se, mais uma vez, que havia prometido a si mesma não chorar naquele dia; então, resolveu dar uma chance ao homem que tentava animá-la.

E os dois desceram as escadas. Caminharam, conversaram, e experimentaram a culinária exótica da comunidade, enquanto se conheciam melhor. Algumas horas depois, ela já sorria e conseguia se divertir, esquecendo momentaneamente toda a tristeza que estava sentindo naqueles dias. Ao fim da noite, já cansados, se despediram após Diego acompanha-la até a longa escada que terminava em sua casa. Ela agradeceu a companhia e subiu, sentindo-se diferente.

Ainda naquela noite, Ana Luíza banhou-se pensativa. Aquela tarde com o policial havia lhe dado um sentimento renovador. Pensou que era jovem, e que muita coisa ainda haveria de ser vivida por ela. Imaginou a infinidade de coisas que poderia fazer. Talvez aquele projeto de mudar a comunidade, tentando quebrar preconceitos e paradigmas — mas política, definitivamente, não era algo em que desejava se aventurar. E pensou nas pessoas. Nas centenas de pessoas que poderia conhecer. Repentinamente, Diego voltou a sua cabeça. Lembrou que talvez nunca mais visse o homem, pois não havia guardado o seu contato. Uma leve aflição fez seu batimento cardíaco acelerar.

Enrolada na tolha, caminhou até a janela e olhou novamente para aquelas lanternas vermelhas. Lembrou-se dos momentos vividos naquela tarde, e sentiu-se levemente culpada, pois desejou que Diego estivesse ali.

E então, a campainha, novamente naquele dia, tocou.

Ana Luíza assustou-se. Sentiu, misturados dentro de si, sentimentos de medo e excitação, pois nunca haviam tocado sua campainha tão tarde como naquela noite. Correu até a porta e, subitamente, uma estrondosa onda de ruídos ensurdecedores inundou o ambiente. O tão aguardado espetáculo de fogos de artifício começava.

Diante da porta, ela gritou, questionando quem seria — mas era inútil falar ou tentar ouvir qualquer palavra —. Arriscou-se e então, abriu a porta. Pela fresta, delimitada pelo fecho de segurança, viu Diego. O homem gesticulava e tentava falar, mas não era possível entender uma só palavra. Ele começou a rir e apontou para o próprio peito, e, em seguida, apontou para Ana Luíza. Ela entendeu e sorriu, desmanchando a careta de quem quase não conseguia suportar todo aquele barulho. Novamente fechou a porta, abrindo-a em seguida.

Os dois ficaram parados por alguns segundos, se olhando e rindo, até que Ana Luíza agarrou com as duas mãos a camisa de Diego, e o puxou para dentro, beijando-o. Fecharam a porta e se jogaram na cama, arrancando vorazmente suas vestes.

E fizeram sexo, de forma intensa, por toda a madrugada.

O romance engatou, e continuaram por meses, encontrando-se todos os dias. Viajavam e saíam para todos os lugares. Ana Luíza não tinha mais que se contentar em viver apenas nos entornos daquela comunidade estrangeira. Seus dias agora eram produtivos e as noites eram sempre quentes.

Até o dia em que Diego não ligou mais. Seu celular estava desligado há três dias. Então, Ana Luíza, sem derramar uma lágrima, pois havia jurado a si mesma que jamais choraria por homem algum novamente, desistiu, e seguiu com a vida.

De volta àquela madrugada, aproximadamente um ano depois, Ana Luíza, distante, segurava delicadamente a taça de vinho, encarando o líquido tinto, que já estava quase no fim. Havia trabalhado muito naquela noite. Começou recentemente, uma nova jornada de trabalho, como gerente de uma badalada boate paulistana; e apesar de ainda não ter se adaptado ao agitado ritmo noturno, seguia firme com o plano, pois estava decidida a estudar durante o dia.

Lembrou-se de Diego. Da última conversa que tiveram na cama, quando ele, preocupado, confidenciou um caso difícil em que estava trabalhando; onde quatro professores universitários haviam desaparecido. Não pôde deixar de lembrar-se daquele ano novo chinês; dos momentos conturbados e também felizes que viveu. Desejou que pudesse novamente olhar nos olhos de Diego; e lá no fundo, mais uma vez, pudesse contemplar, refletidas, as luzes daquelas saudosas lanternas vermelhas...



*** Gostou do conto? Me inspire a continuar escrevendo, deixando uma crítica ou clicando no coração. Obrigado amigos. Abraço! ***

19 de Novembro de 2019 às 18:55 2 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

Wilher O. Amante de café e ficção.

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Gláucio Imada Tamura Gláucio Imada Tamura
Muito bom! Só tome cuidado com o excesso de vírgula, pois acaba cortando a velocidade da narrativa. Abraços!
November 22, 2019, 02:38

  • Wilher O. Wilher O.
    Obrigado pelas palavras. Abraço. November 22, 2019, 04:07
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