lara-one Lara One

Um vilarejo no México e um mistério envolvendo um menino. Fé versus razão. Mulder versus Scully. Em situações opostas...


Fanfiction Seriados/Doramas/Novelas Para maiores de 18 apenas.

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S06#04 - O CAMPO DE TRIGO

Dedicado a Mãe de todas as mães. Dedicado a todas as mães, de todas as cores, de todos os nomes, de todos os credos, de todas as raças.



INTRODUÇÃO AO EPISÓDIO:

Fade in.

[Som: Trio Los Panchos - Cielito Lindo]

Província de San Paolo - Mexico – 6:21 P.M.

Abre foco nas mãos de Lola, que lava roupa num barril. Cabelos negros, presos, fios caindo pelo rosto. Escorre o suor da testa. Sem água encanada, ela pega água do barril ao lado com uma panela amassada de alumínio. Joga a água sobre a roupa. Passa o sabão em barra. Continua esfregando a roupa, mãos calejadas.

A bebezinha de uns 10 meses, sentada dentro de um cesto, brinca com uma boneca de pano feita a mão. Começa a chorar. Lola seca as mãos no avental. Pega a filha nos braços e a embala.

Plano aberto do vilarejo: Campos de trigo cortados pela estrada principal de terra que dá acesso à ruazinha única, que corta o vilarejo. Homens trabalhando. Velhos, mulheres e crianças também.

Casas de madeira, bem pobres, divididas por cercas. Tapumes. Mulheres carregando água em vasos pela rua. Crianças pequenas mal vestidas brincando entre porcos, galinhas e cabras.

Senhoras mais velhas tecem cestos e conversam. Uma delas abre um sorriso, revelando não ter dentes.

Pobreza e miséria humana.

A carroça passa pela ruazinha central, carregando feno em blocos, puxada por um burrico. Toma a estrada de chão passando por entre algumas crianças maiores que trazem frutas em cestos. As crianças fazem festa.

Pablito, um menino de 9 anos, aparência de uns 6, magrelo e franzino, cabelos pretos e um rostinho meigo, vem bem atrás das outras. A carroça passa por ele. As crianças se olham e olham para Pablito. Então começam a correr em direção ao vilarejo. Pablito cerra o cenho.

PABLITO: - Yo no puedo correr!!! ¡Espere por mí!

Eles, aos risos altos e folias infantis, deixam o outro para trás. Pablito ajeita o cesto, maior do que ele, em seu ombro. Caminha triste.

As crianças chegam no vilarejo correndo entre os animais e fazendo festa com as frutas. Lola ao vê-los correr, vem em direção a eles, com a filha nos braços.

LOLA: - Donde estas Pablito?

PEDRO: - Está vindo lá atrás.

LOLA: - Por que o deixam sempre pra trás? Sabem que ele não pode correr!

Lola move a cabeça, tentando avistar Pablito. Então sorri aliviada e volta para o casebre.

[Som: Brian Eno – Prophecy Theme – Instrumental]

Close no imenso campo de trigo. O vento começa a soprar com força, fazendo os ramos inclinarem-se para o lado.

Pablito olha para o campo. Respira fundo. Fecha os olhos. Dá um sorriso meigo.

Close no campo de trigo: Aos poucos o trigo vai se abrindo, formando um caminho para dentro da lavoura.

Pablito olha curioso. Larga o cesto no chão. Aproxima-se da cerca de arame farpado, olhando para o caminho que se abriu. Atravessa a cerca e segue pelo caminho que se formou. Olha curioso para o trigo que parece ter sido dobrado para fazer uma passagem. Ergue o rosto e segue caminhando campo à dentro.

Repentinamente Pablito para. Olha pra frente, olhos espantados e um sorriso.

ELA: - Olá Pablito. Está ajudando sua mãe?

Pablito afirma com a cabeça, dando um sorriso. Leva o dedo indicador à boca, timidamente.

ELA: - (SORRI) Não tenha medo. Você sabe falar não é?

PABLITO: - (SORRI/ AFIRMANDO COM A CABEÇA) Sim!

ELA: - Preciso de um favor, você poderia fazer pra mim?

PABLITO: - (AFIRMA COM A CABEÇA, CHUPANDO O DEDO)

ELA: - Pegue um dos ramos de trigo. Quero que você leve ao senhorio do vilarejo, o Sr. Hernandez.

Pablito leva a mãozinha e apanha um trigo. Uma brisa sopra por seus cabelos. Ele fecha os olhos, parece aspirar algum perfume suave.

ELA: - Diga-lhe que eu mandei este trigo. Que peço que ele reparta a colheita com o vilarejo e não use as crianças e velhos para trabalhar, e nem explore mais a sua gente.

Pablito afirma com a cabeça.

ELA: - Diga-lhe que estou triste. Meu coração fica entristecido com o que meus olhos estão vendo. Eu voltarei se o senhorio não fizer o que lhe peço, para relembrar a todos o sangue que meu Filho derramou em nome de seu amor pelo mundo. Agora vá. Você sabe quem sou, não é, Pablito?

PABLITO: - (AFIRMA COM A CABEÇA, SORRINDO MEIGO) Sim! Você é a mamãe do menino Jesus!

Pablito sai correndo pelo caminho aberto na lavoura, segurando o trigo. Atravessa a cerca. Olha para trás.

O caminho entre o trigo vai se fechando lentamente até a lavoura voltar ao estado normal. Os trigos balançam suavemente ao vento.

VINHETA DE ABERTURA: A VERDADE ESTÁ LÁ FORA



BLOCO 1:

Arquivos X – 7:37 A.M.

Mulder abre a porta. Acende a luz. Fisionomia séria. Scully entra com Victoria nos braços. Victoria olhando pra Mulder assustada. Scully fecha a porta rapidamente.

SCULLY: - Não sei até quando vamos conseguir chegar cedo e trazer Victoria sem que ninguém veja... Segura ela pra mim?

MULDER: - (SÉRIO/OLHANDO RUDE PRA FILHA) Não. Não quero papo com você hoje. Você desobedeceu as ordens que eu dei.

Victoria olha pra ele, com medo.

MULDER: - O que eu pedi pra você, hein? Eu não disse pra ficar longe das minhas coisas? E o que você fez? Pois foi justamente mexer nas minhas coisas até conseguir estragar o meu aparelho de som, empurrando os botões todos pra dentro.

VICTORIA: - (OLHAR PIDÃO) ...

MULDER: - Por que me desobedece? Não pense que essa carinha pidona vai fazer eu mudar de ideia com você. Não tem negociação, Pinguinho. Vai ficar de castigo pra aprender a não me desrespeitar. E me ignore. Estou irritado e furioso com você.

VICTORIA: - (PIDONA/ BEIÇO) Mama!

SCULLY: - (OLHA PRA VICTORIA) Tá vendo? Não era você a puxa saco do seu pai?

Victoria esconde o rosto contra o ombro de Scully.

SCULLY: - Ah... Na hora do aperto você sabe vir pra sua mãe pedindo ajuda né? O que quer que eu faça? Seu pai tem razão. Você desobedeceu. Não pode mais fazer isso, tá bom?

VICTORIA: - (IMPLORANDO) Mama!

Mulder continua sério. Scully olha pra ele com ternura.

SCULLY: - Mulder... É sua filhinha. Ela não fez por mal. Sei que desobedeceu, mas ela vai se comportar agora. Perdoa ela, Mulder... Por favor. Foi só uma travessura. Ela te ama tanto.

MULDER: - (OLHANDO IRRITADO PRA VICTORIA) Se me amasse não fazia isso comigo.

SCULLY: - (TERNURA) Ela só quer chamar atenção do pai que ela ama tanto. Né, filhinha? Ah papai, perdoa, vai. Ela não vai mais fazer isso. É uma boa menina.

Mulder olha pra Victoria. Ela olha pra ele com medo. Mulder dá um sorriso.

MULDER: - Tá certo. Dessa vez passa. E agradeça a sua mãe por interceder por você com a santa paciência dela, porque senão eu tinha dado um castigo bem grande.

Mulder toma Victoria nos braços. Victoria se abraça nele. Scully senta-se à mesa de Mulder. Olha pro jornal sobre a mesa.

SCULLY: - O que é isso?

Mulder entrega Victoria pra Scully. Pega o jornal desconfiado e o abre.

MULDER: - Recado de um roedor. Página 9.

Mulder abre o jornal. Scully se aproxima pra ler, enquanto Victoria faz carinhos nos cabelos dela, com a chupeta na boca.

MULDER: - Trabalho e exploração infantil em províncias mexicanas.

SCULLY: - O que isso tem a ver com os Arquivos X? Nem temos jurisdição no México.

MULDER: - ... Que tal comer tortillas fresquinhas?

SCULLY: - Mulder... Não está pensando... Estamos sob vigilância constante, como vai justificar uma ida ao México?

MULDER: - Também sei burlar dados contábeis, Scully. Gastamos esse dinheiro com papel pra impressora, cartuchos e...

SCULLY: - Papel? Por favor Mulder! Não podemos mais nos dar ao luxo de arriscar tudo e sair dos Arquivos X! (PREOCUPADA) O que será de dois policiais desempregados? Você já sabe bem, será um inferno e...

MULDER: - (DEBOCHADO) Arriba, Dana Scully! Se não quer ir, segure as pontas por aqui que estou indo ao México. Detalhe: levarei minha roupa de El Zorro. Aliás, las chicanas são muy lindas. As latinas são muy calientes... E você adora quando eu falo espanhol...

Scully olha pra ele franzindo o cenho.

SCULLY: - Sério? Pois eu adoro qualquer coisa que fale espanhol. Principalmente o Antônio Banderas. E ele fica melhor de 'El Zorro'.

Mulder cerra a fisionomia.

SCULLY: - Já lhe falei sobre aquele filme maravilhoso chamado Pecado Original, onde ele nuzinho transa enlouquecido com a...

MULDER: - (ENCIUMADO) Poupe-me dos detalhes sórdidos. E me lembre de verificar as porcarias que você anda pegando na locadora sem que eu saiba!

Scully segura o riso. Mulder abre a porta.

MULDER: - Vou falar com o chefão. E esqueça do Banderas, Scully. Ele é espanhol, não é mexicano. E gosta de loiras.

Mulder sai batendo a porta. Scully olha pra Victoria.

SCULLY: - Aprenda, filha. Homens são tão bestas que sentem ciúmes de artistas de cinema! Mesmo que a probabilidade de encontrar um astro de cinema seja de 1% em toda a sua vida, e mesmo que a probabilidade de você conseguir dormir com ele chegue a 0,5 %, os homens sentem-se inseguros. Agora, no quesito 'revista pornô masculina', eles podem desejar aquelas coisas siliconadas e pendurar na parede para idolatrar. Mas você não pode ter um autógrafo do seu ídolo ou isso é traição.


Gabinete do Diretor – 8:36 A.M.

[Som: Trio Los Panchos – La Cucaracha]

Carter abre a porta, olhar desconfiado. Olha pra Mulder sentado no banco da ante-sala. Mulder abre um sorriso de quem tenta conquistar.

CARTER: - Entre, agente Mulder.

Mulder se levanta e entra. Carter fecha a porta. Pega o taco de golfe e ajeita a bolinha no carpete. Mulder o observa.

CARTER: - O que quer dessa vez?

MULDER: - O diretor-assistente Skinner disse que era melhor falar com o senhor e... Duas passagens para o México.

CARTER: - México? Pra quê? O que tem no México? Não é jurisdição nossa.

MULDER: - Cucarachas. E é um Arquivo X.

CARTER: - Ahn? (ERRANDO A TACADA)

MULDER: - Tem um caso interessante sobre baratas assassinas, vulgarmente conhecidas como cucarachas.

CARTER: - (NOJO) Baratas?

MULDER: - (DEBOCHADO) Não vai conseguir acertar a jogada, diretor. Precisa ter um taco maior. Esse seu taco não me parece muito firme.

CARTER: - Deixe meu taco em paz! Você disse baratas?

MULDER: - Sim. Do gênero 'barateas cucarachis mexicanis marihuanis'.

CARTER: - E são perigosas?

MULDER: - (DEBOCHADO) Por que não pega o taco do Skinner? Ahn? Ouvi dizer que o taco do diretor assistente é muito grande, coisa de profissional.

CARTER: - Tamanho não importa, importa a funcionalidade. Skinner tem um taco grande?

MULDER: - Um belo taco. Dizem, não sei, eu não jogo golfe... Diretor, temo que se não verificarmos a procedência dessas baratas, elas podem acabar atravessando a fronteira e... O senhor sabe. O Texas será o primeiro. E conhece os texanos, não brinque com o Texas... Viva Zapata!

CARTER: - (AJEITA A BOLINHA NO CARPETE) Alguma teoria sobre o caso?

MULDER: - Sabe que baratas se alimentam de lixo. Jogam-se muitas coisas no lixo. Principalmente frutas. E frutas são oferendas especiais para... Buda!

Carter fica tão nervoso que erra a tacada, quebrando a janela.

CARTER: - (FURIOSO) Malditos indianos! Eles novamente? Sabe que odeio indianos! Odeio qualquer coisa relativa a templos budistas! Olha os pecados que eu estou pagando! Nunca se manda uma mulher ir buscar sua verdade em templos budistas!

MULDER: - É... Nunca se sabe. A conspiração dos indianos aumenta a cada dia e são mais perigosos que Bin Laden.

CARTER: - Sei, sei... Pegue a ordem com a secretária. E descubra que baratas são estas. E saia agora daqui, agente Mulder. Você me desconcentra e me faz errar as tacadas!

Mulder sai de fininho, segurando o riso, fechando a porta atrás de si. Olha pra secretária.

MULDER: - O diretor me autorizou a pegar uma ordem de duas passagens aéreas pro México.

SECRETÁRIA: - Vou verificar...

A secretária se levanta.

MULDER: - Se eu fosse você não atrapalharia o diretor 'Ligeirinho'. Andale andale andale! Ele está tentando mirar o taco pequeno dele na bolinha e acredite, ele é muito mal de mira. E tá muito mal de taco.


México – 3:17 P.M.

[Som: Trio Los Panchos – Cucurucucucucu Paloma]

Close no fusca branco, ano 1969, que passa pela estrada cheia de buracos. Mulder comprimido na direção. O banco afastado do volante ao máximo, deixando o volante quase entre as pernas dele. Scully no banco de trás, segura Victoria nos braços.

SCULLY: - Sabia que deveria ter locado aquele outro carro no aeroporto. Você e suas manias de carros grandes e rápidos. Viu no que deu! Quebrou!

MULDER: - Eu não ia adivinhar que o carro ia estragar num povoado! Agradeça que aquele homem, com cara de Pancho Villa, nos alugou esse aqui!

SCULLY: - (DEBOCHADA) Podia pelo menos nos ter alugado aquele Lada 91.

MULDER: - Não chegaríamos a lugar nenhum com aquilo, confio mais nesse. Um fusca é um fusca, Scully. Duro na queda sempre. Ah Scully, relaxa! Não é todo o dia que eu dirijo o Herbie! Quer dirigir? Nesse você alcança os pedais.

SCULLY: - (OLHA PRA ELE FURIOSA)

Victoria boceja, fechando os olhos.

SCULLY: - Você está hilário sabia? Acho que você não cabe nesse carro.

MULDER: - (DEBOCHADO) Você sempre achou que eu não cabia em outros lugares também.

Scully dá um tapinha no ombro dele.

MULDER: - Au!

O carro para. Mulder tenta ligar, mas o carro não pega. Mulder faz cara de pânico.

MULDER: - Se essa coisa estragou, Scully, você vai puxar ela até sei lá onde, porque nem tenho mais ideia de onde estamos!

SCULLY: - (DEBOCHADA) Estamos no México.

Mulder vira-se pra ela.

MULDER: - Como você é engraçadinha.

SCULLY: - (DEBOCHADA) Não. Você que é engraçadinho tentando se fazer entender em espanhol, 'El Zorro'. Aviso Mulder: quando ouvir 'gringo de mierda' não pense que é elogio.

Mulder olha irritado pelo retrovisor. Liga o carro, que agora funciona.

MULDER: - Morei tempos na Venezuela. Acho que aprendi a hablar. Mejor que tú.

SCULLY: - (DEBOCHADA/ RINDO) Você parece um gigante dirigindo o carro da Barbie!

MULDER: - (BEIÇO) ...

SCULLY: - (RINDO) Mulder, você não alcança os pedais!

MULDER: - (DEBOCHADO) Quer dirigir? Só que você não é a Barbie. Tá bem longe disso.

Scully faz um beiço.

Um grupo de homens portando foices passa pelo carro aos gritos. As foices sujas de sangue. Mulder para o carro. Scully olha assustada. Mulder coloca a cabeça pra fora do carro.

MULDER: - (GRITA) Ei, hombre! Qué pasa?

Um dos homens olha pra ele assustado.

MEXICANO: - El diablo, señor! El diablo! El diablo! No prosiga, el diablo está nos campos!

Eles continuam correndo apavorados. Scully olha pra Mulder.

SCULLY: - 'El diablo'?

MULDER: - O demônio.

Mulder olha pra ela, nervoso. Scully retribui um olhar, incrédula. Leva a mão ao pescoço, suspirando por ter perdido sua correntinha.


Província de San Paolo - 3:38 P.M.

Mulder dirige lentamente, Scully no banco do carona. Os dois olham apavorados para os campos de trigo. Nas partes ceifadas, sangue que se estende por quilômetros. Eles param perto do vilarejo. Descem do carro.

MULDER: - Scully, acho que estamos no meio de uma chacina.

SCULLY: - (AFLITA) ... É uma área de conflitos de posse de terra, Mulder.

MULDER: - Isso é uma coisa que eu não entendo sinceramente. Se você habita nesse planeta é mais do que óbvio que precisa e tem direito a um pedaço de terra pra morar. Ou vai ficar flutuando no espaço por acaso?

SCULLY: - Não vamos nos meter com política. Não temos jurisdição aqui, você sabe disso.

Mulder atravessa a cerca de arame farpado. Scully o segue. Mulder olha a colheitadeira ao horizonte.

MULDER: - Se é uma chacina, onde estão os corpos?

Scully agacha-se, olhando para o chão.

SCULLY: - Mulder...

Mulder olha pra ela. Scully leva a mão até um ramo de trigo. O quebra. O sangue escorre de dentro do trigo. Mulder arregala os olhos olhando para os trigos deitados, cobertos de sangue.

MULDER: - Trigo que jorra sangue? Essa é nova pra mim.

Scully levanta-se. Pega um saco plástico do bolso. Coloca o trigo dentro. Olha para o campo. Mulder olha para o povoado.

MULDER: - Vamos encontrar alguém que possa nos dizer o que...

Mulder olha pra Scully que faz o sinal da cruz, olhando para o campo.

MULDER: - (SORRI) Não... Não está pensando...

SCULLY: - Vamos sair daqui, Mulder. Não vai encontrar explicações. É um milagre.

MULDER: - Milagre? Tá bom, Scully. Vamos conversar com algumas pessoas e depois você volta pra cá e reza até os seus joelhos calejarem.

Mulder dá as costas, caminhando em direção ao vilarejo. Scully observa o campo, num olhar de contemplação.


3:44 P.M.

Mulder anda pela rua. Scully ao lado dele, com Victoria nos braços, de chupeta na boca, recostada no ombro de Scully, quase dormindo.

MULDER: - Essa gente vive aqui?

SCULLY: - Mulder, ao contrário do que você pensa, grande parte da população mundial vive em condições sub-humanas como estas. Me sinto culpada quando reclamo das coisas. Olha pra um lugar desses. Olha pra miséria dessa gente. Fico com vergonha de mim mesma quando vejo isto.

Várias mulheres conversam na frente da casa de Lola, assustadas, segurando rosários.

MULDER: - Fala você.

SCULLY: - Eu? Eu mal entendo! Tudo que sei de espanhol são as músicas do Julio Iglesias!

MULDER: - (INCRÉDULO) Julio Iglesias?

SCULLY: - (IRRITADA) E daí? Eu gosto! Ele é romântico e tem uma voz incrível. Você que já viveu na Venezuela, 'professor de inglês', é que sabe se virar melhor.

Mulder e Scully se aproximam.

MULDER: - Buenos dias, senõras. Que pasó aquí?

Uma delas aponta pra casa de Lola, em lágrimas. Mulder olha pra Scully. Os dois aproximam-se da casa. Mulder bate à porta.

MULDER: - (SÉRIO) Sabe guardar segredo?

SCULLY: - (INCRÉDULA) Mas... Que tipo de pergunta é essa depois desses anos todos dividindo um porão e uma cama?

MULDER: - (SÉRIO) Eu... Também tenho um lado que gosta de Julio Iglesias. Mas se sair por aí contando, eu brigo com você.

Scully olha pra ele, espantada. Lola abre a porta, olhando assustada pra eles.

LOLA: - (IRRITADA) Qué usted quieres? Yo no hablo con periódicos!

MULDER: - Yo no soy un reportero, senõra. Soy un agente del FBI, pero yo no soy ahora activo, ok? Mi esposa y Yo tenemos interés sobre esto las cosas. Por favor, hable conmigo sobre esto.

Victoria volta a atenção pra Mulder, estranhando aquela língua.

LOLA: - (NERVOSA) Americano?

MULDER: - Sí. Mi español no es bueno, yo lo siento.

LOLA: - Eu falo sua língua. Tem certeza de que não veio em nome do FBI?

MULDER: - Absoluta.

LOLA: - Não quero mais confusão. Por favor.

MULDER: - Sem confusão. Como eu disse temos interesse e não estamos a trabalho.

LOLA: - Entrem.

Os dois entram na casa, Mulder abaixa-se pra passar na porta. Uma casa de uma peça conjugada em quarto e cozinha, com poucos móveis, grande parte deles muito velhos. Lola puxa uma cadeira. Aproxima-se do fogão.

LOLA: - Sentem-se.

Scully senta-se. Victoria se recosta nela pra dormir. Mulder senta-se.

LOLA: - (SORRI/ SECANDO AS MÃOS NO AVENTAL) Desculpem. Sou Lola.

Lola cumprimenta Mulder e Scully.

MULDER: - Sou Mulder e esta é Scully.

LOLA: - Me desculpem, sei que pareci grosseira, mas repórteres estiveram aqui e eu estou com muito medo do que possa acontecer.

Scully olha pra cama e percebe a bebê que dorme. Abre um sorriso.

SCULLY: - Sua filha?

LOLA: - Sim. Que idade tem a sua?

SCULLY: - Está com 8 meses.

LOLA: - Minha filha tem 10 meses. A sua deve ter cansado da viagem.

SCULLY: - Na verdade ela está meio abatida. São os dentes.

Lola serve café nas xícaras. Entrega pra eles. Senta-se.

SCULLY: - O que houve exatamente?

Pablito entra correndo pela porta dos fundos, todo machucado. Ao ver as visitas, perde a graça, fica tímido. Se encosta na mãe. Lola envolve o braço nele.

SCULLY: - Seu filho?

LOLA: - (SORRI) Sim. O homenzinho da mamãe, né Pablito?

Scully sorri. Pablito recosta a cabeça na mãe, envergonhado.

MULDER: - O que houve no campo de trigo?

LOLA: - ... Acreditam em milagres?

SCULLY: - (SORRI) Claro que acredito.

Mulder olha atravessado pra Scully.

LOLA: - Meu filho diz que viu Nossa Senhora. E desde então, as coisas se complicaram. Ela pediu que ele levasse um dos ramos de trigo ao senhorio e que ele dividisse a colheita conosco. Logicamente ele não o fez e bateu no meu menino. Ontem começou a colheita. E ele pagou o preço pela sua ganância. Não há trigo algum nesse vilarejo que não tenha sido afetado. O senhorio culpa ao povo e principalmente ao meu filho. Disse que vamos pagar todos os prejuízos, nem que seja com nossas vidas.

SCULLY: - (HORRORIZADA) Ele bateu no seu filho?

LOLA: - Ele faz o que quer por aqui. (AJEITA O CABELO DE PABLITO) Sabe que meu filho não pode se defender, nem correr...

SCULLY: - Seu marido...

LOLA: - Sou viúva há um ano. Meu marido foi assassinado.

MULDER: - Terras?

LOLA: - Sim. Não temos onde viver e plantar, então invadimos este espaço, criamos o povoado e quando este senhorio arrendou as terras nos permitiu ficar em troca de trabalho.

Scully olha pra Pablito.

SCULLY: - Sou médica. Gostaria de cuidar dele.

Scully entrega Victoria pra Mulder. Olha sorrindo para Pablito, que abre um sorriso.

SCULLY: - Vou até o carro buscar minha maleta. Quer vir comigo?

Scully sai com Pablito. Ele dá a mão pra ela. Mulder olha pra Lola.

MULDER: - Quem é esse tal senhorio?

LOLA: - Mario Hernandez. Mora na fazenda há uns dois quilômetros daqui. Por favor... Não diga que falamos. Eu tenho medo dele. Estou seriamente pensando em sair daqui. Não sei pra onde vou, mas preciso ir embora pela segurança dos meus filhos.

MULDER: - Acredita mesmo que seu filho viu a Virgem Maria?

LOLA: - Meu menino não mente.

MULDER: - Não é isso... É que... Ele pode ter visto outra coisa.

Scully entra com Pablito.

LOLA: - Você não acredita, não é mesmo? Mas senhor Mulder, algumas coisas estão acima do nosso entendimento. Não tente entendê-las. Não é a primeira vez.

MULDER: - Como assim?

LOLA: - Quando meu filho nasceu, foi dado como perdido. Nenhum médico acreditou que Pablito ficaria vivo por mais de algumas horas. Ele nasceu com um problema no coração. Até hoje ele não pode correr e cansar como as outras crianças, preciso sempre estar atenta a ele.

SCULLY: - Sopro no coração?

LOLA: - Sim. Eu rezei e fiz uma promessa que se Ela que é mãe ajudasse outra mãe desesperada, eu esculpiria uma imagem Dela e a colocaria na igreja do povoado. E poria o nome da minha primeira filha de Maria. E Ela me devolveu meu filho. Se veio até ele é porque o conhece. Desde o berço Ela zela por ele. (OLHA PRA CAMA) Como sei que zela por Maria.


5:11 P.M.

Mulder intrigado, apoiado na cerca, observa o campo de trigo, comendo sementes de girassol. Scully se aproxima com Victoria, tristinha, abraçada nela.

SCULLY: - Victoria não está bem. Prefiro quando está fazendo bagunça, falando feito papagaio e esperneando pra ir pro chão.

Mulder olha pra filha. Faz carinhos nela. Victoria fecha os olhos.

MULDER: - Não dá. Vamos ter que arrumar alguém de confiança e parar de sacrificar a menina.

SCULLY: - Prefiro sacrificá-la, pelo menos está do meu lado e não fico preocupada que alguém possa levá-la.

MULDER: - (OLHANDO PRO CAMPO) São pessoas humildes. Pessoas que acreditam sem questionar nada, pela fé cega, atreladas a uma religiosidade peculiar, característica do medo. Vivem em tamanha miséria sem solução que necessitam acreditar em milagres, que tudo isso está nas mãos de Deus e que um dia eles receberão o que merecem. Muito fácil e cômodo pensar assim. Esperar por Deus. Pela salvação.

SCULLY: - Mulder, você fala como um norte americano ou um europeu que desconhece a pobreza do resto do mundo. Não brinque com a única esperança dessa gente.

MULDER: - Mas ainda estamos na América do Norte, Scully. Entendeu? Não diga que eu desconheço. Não eu. Eu sou crítico.

SCULLY: -Sabe que geograficamente sim, mas não na prática. E sabe que os latino-americanos têm muita fé. Principalmente em Maria. Tanto que vários dos milagres e aparições Dela são pela América Latina: a Virgem de Guadalupe, no México, Nossa Senhora Aparecida, no Brasil, Nossa Senhora de Lujan, na Argentina, Nossa Senhora do Rosário da Guatemala, Nossa Senhora dos 33, no Uruguai, Nossa Senhora de Las Lajas, na Colômbia, Nossa Senhora da Conceição da Nicarágua...

MULDER: -Nossa! Não sabia que você tinha todo esse conhecimento. Contudo, aparições da Virgem Maria são constantemente associadas a aparições ufológicas, sabia?

SCULLY: - Eu não acredito! Mulder, se você não crê, não critique os outros.

MULDER: - Não estou criticando. Como uma virgem engravida?

SCULLY: - É um mistério. Um mistério divino. Pronto.

Mulder olha pra ela.

MULDER: - Hoje. Hoje em dia, como engravidar uma virgem, cientificamente falando?

SCULLY: - Inseminação artificial e...

Mulder ergue os ombros.

SCULLY: - Não! Há dois mil anos atrás os homens desconheciam a inseminação artificial!

MULDER: - Os homens... Ou você ainda acredita em estrela de Belém que andava pelo céu guiando os reis magos? Que estrela anda, Scully? Hein? Anda e depois fica parada no alto, indicando um lugar? Que virgem que pode engravidar? Ahn? Anunciação de um anjo...

SCULLY: - ... Respeite, por favor.

MULDER: - Estou respeitando, mas vamos ser coerentes. Não há milagre algum nisso! Eles a escolheram talvez pela bondade dela, pelo lado humano sentimental que tinha, o que a faria uma boa mãe, por seus genes, sei lá. Ela foi escolhida por eles pra ser a mãe de um messias. Inseminaram nela algo alienígena.

SCULLY: - (IRRITADA) Tá certo, Mulder. Jesus era alienígena, Elvis Presley era alienígena e até acho que Michael Jackson e David Lettermann também são.

MULDER: - Por que não pode se abrir pra essas possibilidades, Scully?

SCULLY: - Porque elas estragam a minha fé! Mulder, fé é fé, não se questiona. É melhor se acreditar em seres etéreos do que na possibilidade de seres extraterrestres iguais ou superiores a nós.

MULDER: - A ascensão... Maria ascendeu aos céus. Ela não morreu, foi levada em corpo. Isso te diz algo?

SCULLY: - ... Não, nem quero saber!

MULDER: - Como alguém vai pro céu sem morrer, Scully? Tomando um avião, um foguete ou sendo abduzido. Acho que duas primeiras opções não existiam há mais de dois mil anos atrás.

SCULLY: - Fique com suas teorias, Mulder. Vamos encontrar um hotel antes que anoiteça e esse carro não é confiável. Não quero ter que dormir no meio da estrada com a pobrezinha desse jeito.

Scully dá as costas. Mulder olha pra plantação. Olha pro céu.


Hospedaje Rayo de Luna – 7:29 P.M.

Scully sentada na cama chacoalha o termômetro com a mão. Victoria dormindo.

SCULLY: - Está com febre de novo, Mulder.

MULDER: - Quer que eu busque alguma coisa?

SCULLY: - Não, tenho os remédios dela... Ai, me dói vê-la assim.

MULDER: - Devia ter vindo sozinho pra cá e deixado você lá. Não sei se encontraremos recursos por aqui caso ela piore.

SCULLY: - Mulder, estou com fome. Não quer buscar algo pra gente? Não quero sair de perto dela.

MULDER: - ... (DEBOCHADO) Hum... Que tal marihuana? Eu e você muy locos? Depois bate aquele apetite...

SCULLY: - Sai daqui, seu abusado! Estou falando de comida!

Mulder sai do quarto. Scully observa Victoria, empurrando a parca franjinha dela pra cima.

SCULLY: - Filhinha, melhora logo. Mamãe fica tão tristinha quando você tá doente.

Scully suspira angustiada. Olha pra mesa. Sobre ela o saco plástico. Scully levanta-se. Observa o trigo e o sangue espalhado.

SCULLY: - (FECHA OS OLHOS) Desculpe... Mas preciso fazer isto.

Scully pega o celular.

SCULLY: - ... Aqui é a agente Dana Scully. Preciso falar com alguém do laboratório de análises químicas... Sim, aguardo.

Scully olha preocupada pra Victoria.

FORREST (OFF): - Agente Forrest.

SCULLY: - ... Aqui é agente Scully. Preciso enviar uma amostra de sangue e preciso de urgência na análise.

FORREST (OFF): - Sem problemas, agente Scully.

SCULLY: - Estou no México numa cidade sem recursos. Enviarei as amostras o mais rápido possível pela manhã. Preciso do resultado por e-mail...


8:39 P.M.

Pablito sai da casa carregando a enorme trouxa de roupa, todo torto. Pés descalços, calças cortadas acima dos tornozelos, maiores que ele. Pepe vem em sua direção e pega a trouxa, colocando-a na carroça. Acende um cigarro de palha, subindo na carroça.

PABLITO: - Mamãe disse que é tudo. Depois ela acerta com o senhor... Posso ir até a saída da vila com você?

PEPE: - (SORRI) Suba aí, Pablito.

[Som: Schubert – Ave Maria]

Pablito sobe na carroça. Pepe atiça o burrico e parte. Pablito olha pro céu já enegrecido. Olha para o campo de trigo. Algumas nuvens se formam sobre o campo. Pablito sorri. Pepe para a carroça e olha pra ele. Pablito desce, olhando pro campo. Pepe segue viagem.

Pablito entra no campo. No meio do campo, pés descalços sobre o trigo coberto de sangue, ele olha pra cima.

Foco no menino. A luz azul o recobre por inteiro. Pablito se ajoelha, cabisbaixo.

Close da mão feminina resplandecente e branca que pousa sobre os cabelos negros de Pablito, os afagando com ternura.

Close das pétalas de rosas vermelhas que caem aos poucos por sobre o menino. Um laço dourado e tênue se forma de luzes que brincam ao redor de Pablito, por entre as rosas que caem.



BLOCO 2:

Hospedaje Rayo de Luna - 8:43 P.M.

Mulder deitado na cama, comendo salgadinhos, assistindo TV. Victoria ao lado dele, olhos abertos e tristes, caladinha. Mulder põe a mão na testa dela. Olha pra ela apiedado.

MULDER: - Ei, parceira? Não vai pedir salgadinho? Batatinha que você adora? Ahn?

VICTORIA: - (OLHA PRA ELE TRISTONHA)

MULDER: - Quem sabe a gente brinca de cavalinho, hein?

Victoria fecha os olhinhos num suspiro. Mulder larga o salgadinho e se vira pra ela, a abraçando.

MULDER: - Ah, Pinguinho de Gente... Eu tô ficando triste. Não gosto de ver você assim. Prefiro você reinando pra não dormir, querendo folia... Papai tá aqui, tá? Logo isso vai passar e a gente vai fazer bagunça, tá bom? Encare assim, logo você vai poder comer sem ter que se babar. Hum? Que tal? Vai poder mastigar... Vai comer hambúrguer...

Mulder pega o celular. Aperta uma tecla.

MULDER: - ... Deixa eu falar com o tio Frohike... (AGUARDA) Estão monitorando o espaço que pedi? Certo, manterei contato. Quero que me informem qualquer movimento de ÓVNIS nessa região... Nenhum até agora? ... Bem, mas fiquem de olho.


Iglesia de San Paolo - 8:44 P.M.

[Som: Schubert – Ave Maria]

Scully entra na rústica igreja. Bancos envelhecidos e imagens talhadas em madeira. Scully olha para a imagem de Cristo crucificado no altar. Olha para o outro lado e percebe uma imagem de Nossa Senhora. Scully se aproxima da imagem. Faz o sinal da cruz. Fecha os olhos, se embalando na música. Aspira o ar. Não percebe o frei negro, em trajes franciscanos, já bem surrados, que sai por uma porta.

FREI JOSÉ: - Nada como aspirar o ar da graça de Deus. Ele é extensivo a todos os povos, senhora americana.

Scully abre os olhos. Olha para o padre a seu lado. Sorri.

SCULLY: - Como sabia?

FREI JOSÉ: - Deve concordar comigo que não se vê pessoas de pele, olhos e cabelos claros por aqui.... (SORRI) Na verdade vos conto uma mentira. Fui missionário em Nova Iorque, há 4 anos atrás, bairro de mexicanos e porto-riquenhos. E confesso, o povoado só fala nos 'gringos' que vieram pra ver o milagre.

SCULLY: - Scully. Dana Scully.

FREI JOSÉ: - Irmão José. Ou Frei José, tanto faz.

Os dois trocam um aperto de mão.

SCULLY: - (ADMIRADA) Nunca estive numa igreja com música fora do horário de missa.

Scully percebe os pés descalços do frei.

FREI JOSÉ: - Gosto de música. Música alegra o espírito e espírito alegre significa estar repleto do Espírito Santo. São pessoas humildes que habitam aqui, Scully, se posso chamá-la assim.

SCULLY: - Claro.

FREI JOSÉ: - Muitos nem conhecem Schubert, nunca saíram desse povoado. Eles nem sabem do resto do mundo. Trabalham dias e noites para comerem o suado pão da terra.

SCULLY: - (OLHA PRA IMAGEM) A Virgem de Guadalupe... Não conheço bem sua história, apenas os reflexos científicos dela.

FREI JOSÉ: - Era uma vez um índio, chamado Juan Diego. Ele se encaminhava para as aulas de catequese no convento dos franciscanos, quando viu uma Jovem Rainha, de uns 15 anos, resplandecente, revestida pelo sol, com estrelas no manto e com a lua sob seus pés. Ela disse a ele ser a Mãe do verdadeiro Deus e que muito desejava que ali fosse construído um templo, para que pudesse ajudar os que a invocassem. E pediu ao índio que fosse transmitir esse desejo ao bispo da cidade.

SCULLY: - (OLHANDO PRA IMAGEM)

FREI JOSÉ: - O bispo não acreditou em Juan Diego, pensou que fosse mais uma astúcia, coisa típica dos índios, para que conseguissem uma igreja mais próxima do povoado. No segundo dia, ela torna a aparecer, e Juan Diego explica que o bispo não lhe dera crédito. Ela pediu que ele voltasse ao bispo e insistisse. O bispo continuou a não acreditar e dizia que Juan Diego tivera uma alucinação, pois estava estudando na catequese, e por ser muito devoto, pensando na Mãe de Jesus, misturou a imagem dela descrita no Apocalipse com a tradicional veste da rainha dos astecas. E ainda disse que queria uma prova.

SCULLY: - (OLHA PARA O FREI)

FREI JOSÉ: - No outro dia, Juan Diego não foi ao encontro da Virgem, pois seu tio estava à beira da morte, com varíola. No dia posterior, muito cedo, Juan Diego foi chamar um sacerdote para ministrar os últimos sacramentos ao tio, prestes a morrer. A toda pressa, ao passar pelo monte Tepeyac, quis desviar para não se encontrar com a Senhora e não chegar tarde até um sacerdote, mas Ela lhe barrou o caminho. Ele, apressadamente, contou a Ela sobre a doença de seu tio e a busca por um sacerdote. Ela respondeu-lhe: "Não estou aqui? Eu que sou tua Mãe? Não te aflija a doença de teu tio, pois ele já sarou". Juan Diego, alegre pela cura do tio, narrou a Ela a exigência do bispo. Repentinamente, no gelo do inverno Mexicano, no monte Tepeyac onde nenhuma flor nascia, diante de Juan Diego, surgem maravilhosas rosas. Ele as colhe e as acomoda no poncho, que fica amarrado ao pescoço, saindo em direção à casa do bispo.

SCULLY: - (SORRI) Que coisa mais bela...

FREI JOSÉ: - Quando o bispo o recebe, ele abre o poncho e deixa cair ao chão as rosas. Rosas da região espanhola de Toledo. Rosas de Toledo no México, Scully... No inverno... No monte Tepeyac??? De repente, no humilde e grosseiro poncho, perante as testemunhas, outro milagre acontece... Lá estava o quadro pintado da Virgem que até hoje ninguém conseguiu provar como isso aconteceu. Nossa Senhora disse ao índio que se chamava Tequatlaxopeuh, cuja pronúncia é quatlasupe. E que significa em asteca: aquela que esmaga a serpente.

SCULLY: -(EMOCIONADA) Através de fotos tiradas com técnicas de infravermelho, pode-se analisar minuciosamente cada fio de cabelo e suas ondulações, detalhes nos cílios e sobrancelhas, que são impossíveis de se pintar. A cor dourada dos raios de sol ao redor da imagem, não é ouro. O branco transparente e reluzente da lua sob os pés da imagem, não é prata... Contudo, nenhum pintor, nenhuma técnica, nenhum elemento conhecido em nosso planeta, poderiam reproduzir o efeito de cor, profundidade, luminosidade, que se observa. E sucessivamente, ampliação após ampliação, os cientistas foram descobrindo mais imagens nos olhos da Virgem. Aparece Juan Diego, o poncho de 1,65 m ainda amarrado ao seu pescoço, o braço direito sobre a lateral do poncho, e nos olhos de Juan Diego... Ampliou-se e mais imagens: A cabeça de um ancião de barbas e de nariz pronunciado, típico dos bascos, que era o bispo, que estava na sua frente. Todos as privilegiadas pessoas estavam em ambos os olhos da imagem pintada, diferindo apenas em tamanho, ângulo e luminosidade, conforme a visão humana de um olho vivo... Como concordaram todos os oftalmologistas que estudaram a imagem.

FREI JOSÉ: - Como se ela houvesse pintado cada cena que viu com seus olhos.

SCULLY: - Cientistas analisaram com equipamentos especiais os olhos da imagem no poncho e ficaram estarrecidos. São como os olhos de uma pessoa viva. Coloca-se mais luz e as pupilas se contraem, menos luz e elas se dilatam... Há ciência, Frei, que possa explicar? Não há. (EMOCIONADA) Não acha que há uma bela lição nisso tudo? Olhe pra ela. Apareceu em todas as formas, em todos os nomes, com todos os rostos... No meio dos índios, no meio dos latinos, dos anglo-saxônicos, europeus... Ninguém entendeu que ela quis dizer com isso que todos nós somos iguais? Que ninguém difere do outro pelo dinheiro, poder, cor, raça?

FREI JOSÉ: - Muita gente não entende, Scully. Infelizmente nem todos acham que são feitos da mesma carne, do mesmo Verbo Divino.

SCULLY: - (SEGURA AS LÁGRIMAS) Eu... Eu ando muito revoltada com as coisas que tenho visto e que não dependem de mim para mudar... Certezas que tinha que se foram, fatos que eu não consigo assimilar, coisas que minto pra mim mesmo que não estão acontecendo... Frei... Sinto uma dor por dentro, uma tristeza, uma angústia... Eu não sei de onde vêm estas coisas.

FREI JOSÉ: - Quer conversar sobre isso?

SCULLY: - Acho que preciso me confessar. Há tanta angústia, tanto questionamento dentro de mim. Estou sofrendo sozinha, fingindo estar tudo bem, mas... Não está bem... Mas não vim aqui pra isto. Vim pra rezar pela minha filhinha que está sofrendo.

FREI JOSÉ: - Vou deixá-la conversar de mãe para mãe. Uma mãe pode entender a outra.

Scully sorri. O Frei vai para a sacristia. Scully ajoelha-se.


Hospedaje Rayo de Luna – 9:56 P.M.

[Som: Como un Perro – Libido]

Mulder, de um lado pra outro pelo quarto, nervoso e irritado. Scully entra. Mulder olha pra ela.

MULDER: - Já estava imaginando se devia chamar a polícia local! Onde estava?

SCULLY: - Na igreja.

MULDER: - Igreja? Você não disse que ia caminhar um pouco?

SCULLY: - Sim e então encontrei uma igreja...

MULDER: - Até agora beijando bunda de padre e nossa filha aí desse jeito!

SCULLY: - ... (INCRÉDULA) Quando você quer ser estúpido, você o faz muito bem... Fui rezar por Victoria.

MULDER: - Rezar? Ela precisa de anti-térmicos e não de reza!

SCULLY: - Por que está tão agressivo?

Scully olha pra ele, chateada.

SCULLY: - Mulder, desde quando devo satisfações do que faço pra você? Ahn? Nunca vi você agir assim comigo. Ultimamente tem me cobrado as coisas, fica do meu lado pra onde eu vá, nem no banheiro eu tenho paz. O que está havendo com você?

MULDER: - ... Eu me preocupo...

SCULLY: - Não. São ciúmes obsessivos, parece que não sou mais dona da minha própria vida. Você pode fazer o que quer, mas eu tenho que estar do seu lado ou socada dentro de casa.

MULDER: - ... Eu... Eu me sinto inseguro sem você por perto. A verdade é essa.

SCULLY: - Inseguro por quê? Não confia em mim?

MULDER: - Claro que eu confio em você. A questão não é essa, é que...

SCULLY: - ...

MULDER: - ...

SCULLY: - (ESPERANDO A RESPOSTA)

MULDER: - ... Eu... Eu tenho tido pesadelos que não gostaria de contar por ser supersticioso. Mas em todos eles você está longe de mim. E eu tenho medo. Muito medo.

SCULLY: - Não seria uma projeção inconsciente de que você se sente longe de mim?

MULDER: - Não... Scully, estou tendo pressentimentos não muito bons e eu não sei o que pensar disso. Portanto quero você perto de mim, segura entre meus braços. Eu... Eu não posso nem sequer pensar num relance de segundo em perder você. Eu morreria. Sabe que eu morreria. (CABISBAIXO) Me desculpe... Eu... Fui estúpido. É sua fé, não tenho direito de criticá-la e... Sua fé já me salvou muitas vezes e você me fez acreditar em coisas que eu não acreditava... Ambos acreditamos em forças superiores, mas de forma diferente. Se não fosse por você... Eu jamais teria superado a perda de nosso filho.

Scully o abraça. Mulder se abraça forte a ela, fechando os olhos, feito criança.

SCULLY: - Mulder... Isso é uma maneira de dizer que se preocupa comigo?

MULDER: - Eu me preocupo com você, Scully. E me preocupo comigo, sou egoísta. Sei que minha vida terminará no dia em que perder você.

SCULLY: - Não vai me perder Mulder. Deixa de ser bobo.

Mulder sorri. Abraçado nela, a embalando.

MULDER: - Eu te amo... Acho que tô fazendo feio. Tô pior que Victoria que exige sua atenção constante. Ela ainda é criança, tem desculpas. Mas eu sou um adulto, sem vergonha na cara.

SCULLY: - Vamos deitar? Eu quero ficar quietinha naquela cama, cuidando da nossa filha e olhando pra você, porque o silêncio diz muito mais do que as palavras. Conhecemos uma forma melhor de dizer 'eu te amo'.

MULDER: - Não quero ser chato. Mas... Mandou aquele trigo para análise?

Scully olha pra ele.

MULDER: - É que... Como você vive me pedindo provas das coisas em que acredito... Que tal me dar uma prova científica do que você acredita? Ahn?

Scully sorri. Aperta a bochecha dele.

SCULLY: - Coisa feia, Mulder... Amanhã irei até a cidade e enviarei por encomenda expressa.


2:23 A.M.

O quarto na penumbra. Victoria dorme entre Mulder e Scully.

VICTORIA: - Mama!

Scully se acorda rapidamente e acende o abajur. Olha pra Victoria.

SCULLY: - O que foi, neném?

VICTORIA: - (ESFREGANDO O ROSTINHO NO PEITO DELA/ PROCURANDO SEU SEIO)

SCULLY: - (SORRI) Tá com fome?

Scully abre a camisola. Deita-se, ajeitando Victoria contra o peito. Coloca a mão na testa dela.

SCULLY: - Hum... Agora estamos geladinha. Passou a febre, neném? Não tá mais doendo? ... É... E seu pai ainda diz que rezar é perda de tempo...


Estancia de Los Hernandez - 8:09 A.M.

Mulder caminha pela estrada de terra. Aproxima-se do portão da fazenda. Um capataz armado, o barra.

ALVAREZ: - Que quieres?

MULDER: - Yo necesito la charla a Sr. Hernandez.

ALVAREZ: - Quién usted es?

MULDER: - Mulder. American.

ALVAREZ: - No le gusta periódicos, gringo.

MULDER: - No soy um reportero.

ALVAREZ: - Don Hernandez no estas aquí.

Mulder puxa a identificação.

MULDER: - Dígale eso: Yo necesito algúnas respuestas. Y yo no me voy si yo no las tengo. Usted entiende?

ALVAREZ: - No entiendo suya lengua.

O capataz dá um sorriso. Engatilha a espingarda.

ALVAREZ: - Pero entiendo la mía...

Mulder puxa a arma do paletó, sério.

MULDER: - Yo también entiendo su lengua. Es la misma que la mía.

Os dois se olham sérios. O capataz sorri cínico, abaixando a arma.


8:18 A.M.

Pablito caminha pela estrada, pés no chão, um caderno debaixo do braço e um lápis na mão. Olha para a plantação de trigo e não percebe o filho de Hernandez, Domingos, que se aproxima num cavalo. Ele desce do cavalo e o vem puxando pelo arreio. Pablito olha pra ele. Para estático com medo.

DOMINGOS: - Hey, ninõ. No me gusta ninõs mentirosos.

PABLITO: - Eu não menti.

DOMINGOS: - Você é igualzinho ao seu pai, aquele encrenqueiro! Quem anda enfiando essas ideias de dividir em sua cabeça? Ahn?

Domingos olha pro caderno.

DOMINGOS: - A vaca daquela professora? É? Ela tá querendo morrer? Diga a ela que se tem amor à vida que pare com isso. Ela não devia ensinar nada sobre divisão e soma. Devia ensinar pra vocês apenas multiplicação de miséria e subtração de recursos.

PABLITO: - Não.

DOMINGOS: - Não o quê, menino?

PABLITO: - N-não f-foi a professora...

DOMINGOS: - Além de aleijadinho é gago?

PABLITO: - Eu não sou aleijadinho.

DOMINGOS: - Está me chamando de mentiroso? É moleque? Sua mãe, aquela bruxa vagabunda anda colocando coisas em sua cabeça?

PABLITO: - ...

DOMINGOS: - Sabia que seu pai gritou muito quando morreu?

O menino enche os olhinhos de lágrimas.

DOMINGOS: - É. Gritou feito um porco. Um porco fedido. Como ele era. Não pense que você vai atiçar essa gente contra eu e meu pai, como seu pai fez! O lugar de vocês é na lavoura. Vocês não têm direito a nada por aqui, tá me entendendo? Se você continuar a dizer essas besteiras de Virgem Maria pra levantar a rebeldia desse povo, eu vou te dar uma lição que nunca mais vai esquecer. Se algum desses fedidos aqui começar alguma revolta por terras, é em você que vou descontar minha ira.

Domingos o puxa pela camiseta.

DOMINGOS: - Entendeu?

PABLITO: - ...

DOMINGOS: - Responde quando falo com você!

PABLITO: - S-sim...

Domingos o empurra no chão. Sobe no cavalo e parte. Pablito começa a ofegar, com falta de ar, de nervosismo.


Estancia de Los Hernandez - 8:34 A.M.

Mulder anda pela varanda do casarão antigo, paredes de azulejos. Uma rede, uma mesa com algumas cadeiras. Um baralho espalhado sobre a mesa e uma garrafa de Tequila já vazia. Mulder observa o horizonte. Vê as plantações. Crianças, velhos e mulheres trabalhando.

O velho Hernandez de longos bigodes, barba mal feita, se aproxima, ajeitando as calças que lhe caem da barriga enorme. Um chapéu mexicano, botas de canos longos, um colete colorido. Atrás dele dois capatazes sérios e armados "até os dentes".

HERNANDEZ: - Agente Mulder?

Mulder vira-se rapidamente. Hernandez estende a mão.

HERNANDEZ: - Preciso de sua arma. Espero que entenda o motivo de tanta segurança.

MULDER: - Me faça entender. Sou meio burro.

Hernandez dá um sorriso mostrando os dentes de ouro.

HERNANDEZ: - Não costumo conversar com ninguém armado.

MULDER: - Não faço isso também. Principalmente com dois Panchos Villa olhando pra mim.

HERNANDEZ: - (SORRI) Usted es cómico... Sente-se. Me faça companhia para o café da manhã.

Os dois sentam-se. Os capatazes ficam por ali.

HERNANDEZ: - (GRITA) JUANITA!!!!!!! Limpie esta mesa, mujer!

A mulher grávida sai rapidamente de dentro de casa com um pano, limpando tudo. Mulder olha pra ela. Levanta-se. Pega o pano de suas mãos e começa a limpar a mesa. Hernandez puxa o pano da mão de Mulder. Olha-o com ameaça.

HERNANDEZ: - Isto não é dever de homem. Isto é coisa de mulher. Não olho com bons olhos homens que agem como mulheres... Ou não tem certeza se é homem, gringo?

Mulder olha pra ele sério.

MULDER: - Em respeito a sua senhora, aqui presente, eu não vou lhe dar a devida resposta com o devido vocabulário masculino que sua pergunta ignorante me pede. Contudo, acho que limpar uma mesa com suas mãos não vai afetar a quantidade de testosterona que você tem. (DEBOCHADO) Se é que você tem.

Juanita olha pra Mulder. Olha pra Hernandez que parece estar irritado. Com medo pega o pano e limpa a mesa.

HERNANDEZ: - (GRITA FURIOSO) Haga el desayuno a mí y a agente Mulder. Rápidamente! Andale!

Juanita afirma com a cabeça e sai às pressas. Hernandez olha pra Mulder, enquanto enrola a ponta do bigode com os dedos, num ar de superioridade.

HERNANDEZ: - Sabia que os gringos gostam de se meter em qualquer guerra e conflito alheio. Mas não sabia que se interessavam por lavouras de trigo.

MULDER: - (DEBOCHADO) Não sou republicano. Mas adoro uma boa guerra e um bom uísque.

HERNANDEZ: - Não sabia que o FBI tinha jurisdição por aqui, gringo. Mas como eu disse, vocês adoram meter o nariz onde não são chamados.

MULDER: - Na verdade eu que sou curioso. O que aconteceu aqui? Talvez possa ajudar.

HERNANDEZ: - Se for bom pistoleiro pode começar eliminando metade dessa gentinha maldita. Foram eles. Largaram alguma feitiçaria nos meus campos.

MULDER: - Por que diz isso?

HERNANDEZ: - Gente muito mística. Já encontrei alguns amuletos de coisas bizarras por aqui na fazenda.

MULDER: - Acredita nisso? Acha que um amuleto poderia fazer uma coisa assim?

HERNANDEZ: - Gringo, não brinque com o mundo oculto. Poderá ter surpresas desagradáveis.


11:24 A.M.

Scully aproxima-se da casa de Lola, com Victoria no carrinho. Pablito sentado na frente da casa, brinca com a irmã. Observa os meninos correndo e fazendo festa, jogando futebol, com os olhinhos de quem adoraria estar ali. Lola sai pra fora da casa, ajeitando os cabelos.

LOLA: - Cuide de sua irmã, tenho muita roupa pra lavar, Pepe vem pegá-la à tarde.

PABLITO: - Posso brincar com eles?

LOLA: - Meu filho, você vai começar a correr e nós dois sabemos o que acontece depois.

Lola percebe Scully que se aproxima.

LOLA: - Hola, agente Scully.

SCULLY: - Estou procurando por Mulder.

Victoria ao ver Maria bate palmas. Maria olha pra ela num sorriso. As duas ficam se olhando, falando em linguagem de bebê. Scully olha pra Victoria.

SCULLY: - Encontrou uma amiguinha, filha?

Victoria vira a cabeça e olha pra Scully num sorriso, mostrando a pontinha de dois dentes que nascem na gengiva inferior.

VICTORIA: - (APONTA PRA MARIA/ SORRINDO) Nenê!

SCULLY: - Ela não tem crianças da idade dela pra brincar. Quando vê alguma faz uma festa...

Victoria começa a pular irrequieta. Estende as mãos pra Scully, reinando pra sair do carrinho. Scully a coloca sentada ao lado de Maria. As duas se olham, se estudando.

Mulder se aproxima. Sorri pra Lola e puxa Scully pelo braço, pra mais longe.

MULDER: - Enviou as amostras?

SCULLY: - Sim. O que descobriu?

MULDER: - Falei com Hernandez. Acredite, não é o tipo de sujeito que você gostaria de conhecer. O cara é um verdadeiro pistoleiro sanguinário e ainda por cima fede a tequila. Confesso que não sei de onde tirei coragem de andar com ele pelas plantações com dois macacos fedidos e armados atrás de mim. A impressão que tinha era de estar num daqueles velhos filmes de faroeste à italiana com o Bud Spencer e o Terence Hill. Só que sem graça alguma.

SCULLY: - Mulder, não vai encontrar nada. Ambos sabemos o que houve. Não há nada que a ciência possa explicar por aqui.

MULDER: - Tem certeza? Nem mesmo o fato de que o Sr. Hernandez tem um curtume e as águas do curtume desprendem uma substância vermelha e é essa mesma água que rega o trigo?

SCULLY: - (INCRÉDULA) ... Mas isso é proibido por lei e...

MULDER: - Scully, esqueça a lei. Estamos numa terra de ninguém. Quem faz a lei aqui é ele.

Mulder retira um tubo do bolso, com água vermelha. Olha pidão pra Scully.

MULDER: - Que tal pegar o carro e voltar a cidade?

SCULLY: - (OLHANDO SÉRIA PRO TUBO) ... Que tal você ir dar uma volta pela cidade, ahn?

MULDER: - (DEBOCHADO) Chata.

Mulder se afasta, volta.

MULDER: - Podia pelo menos fazer a gentileza de conversar com algumas pessoas por aqui e obter outra versão.

SCULLY: - Acha que estou passeando com Victoria à toa?

MULDER: - Ah, vamos juntos.

SCULLY: - Mulder! Já vai começar?

MULDER: - (PIDÃO) Ah, vamos sim.

Scully e Mulder olham pra Victoria que brinca com Maria. As duas se divertem. Scully olha pra Mulder.

SCULLY: - Lamento. Agora é tarde. Quem vai tirá-la dali?

Mulder dá as costas e sai. Scully aproxima-se de Lola que lava a roupa.

LOLA: - Eles não dão um passo sem estarmos atrás deles.

SCULLY: - Não entendo, ele não era assim... Pensando bem, ele era. Se eu ficava até tarde acordada, ele ficava em roda, dizia que estava sem sono, que não conseguia dormir. Se duvidar, era capaz de dormir no chão feito um cachorro pra ficar perto.

LOLA: - Não repare, eu faço isso pra ganhar um dinheiro extra. Tenho algumas clientes na cidade.

SCULLY: - E como faz pra levar isso tudo? É muito longe.

LOLA: - Tem um senhor que sai daqui pela tarde, sempre vai levar mercadorias pra cidade. Dou uns tostões e ele leva pra mim.

SCULLY: - ... Gostaria muito de levar Pablito à cidade para fazer alguns exames.

LOLA: - Eu não tenho como pagar, agente Scully.

SCULLY: - Não estou falando de dinheiro. Estou apenas querendo levá-lo pra fazer alguns exames. Pode ir comigo.

LOLA: - Confio meu filho em suas mãos. Você é mãe.

Scully olha pra Victoria. Sorri. Olha para Pablito. Percebe que o menino observa o campo. Scully olha em direção ao que ele vê. Olha pro menino.

SCULLY: - Consegue Vê-la?

PABLITO: - Não está lá agora.

SCULLY: - Pablito entende o que eu falo?

LOLA: - Entende. Meu marido tinha muito contato com americanos do Texas. Ele gostava de música texana.

Scully apoia as mãos nas coxas e se inclina à frente de Pablito, olhando pra ele, sorrindo.

SCULLY: - Que tal eu e você tomarmos um sorvete? Ahn?

Pablito pula rapidamente. Puxa Lola pelo vestido.

PABLITO: - Mamacita! Mamacita! Dígame sí!

LOLA: - (SORRI) Pode sim. Se quiser eu fico com sua filha. Acho que ela e Maria não pretendem parar de brincar tão cedo.


2:33 P.M.

[Som: Trio Los Panchos – Cielito Lindo]

Sentados na lanchonete, Pablito arregala os olhos ao ver a enorme taça de sorvete em sua frente. Scully sorri, levando o copo de suco à boca.

PABLITO: - Tudo isso é meu?

SCULLY: - (SORRI) Tudo.

Pablito começa a comer o sorvete. Scully olha pra ele.

SCULLY: - Como Ela é?

PABLITO: - Bonita. Muito bonita! Ela brilha. Parece o sol.

SCULLY: - (SORRI) ...

PABLITO: - (BOCA CHEIA) Tem cabelos longos e os olhos iguais aos seus... Ela fala como você.

SCULLY: - (SORRI) E como eu falo?

PABLITO: - Com a voz do coração.

SCULLY: - (INTRIGADA) ... Como assim?

PABLITO: - Doce. Verdadeiro. Você não mente. Você fala com amor tudo o que diz.

SCULLY: - (CONSTRANGIDA) ...

PABLITO: - Ela disse que é a mãe dos humildes da Terra. Que sempre acalenta com sua mão a quem lhe recorrer. Pediu que as pessoas rezassem mais e não esperassem pela paz dos homens, mas que confiassem na paz que semeiam porque seu Filho vê todos os homens de bem. E muitas vezes é ela quem segura a ira da mão de Deus Pai contra seus filhos.

SCULLY: - (ENCANTADA)

PABLITO: - Você não tem nenhum menino?

SCULLY: - (SEM ENTENDER) Como?

PABLITO: - Um filho.

SCULLY: - ... Eu tive. Ele morreu.

PABLITO: - Ele era bonito?

SCULLY: - ... (TRISTE/ PENSATIVA) Eu... Eu não sei... Nunca olhei pra ele... Nunca... (SEGURA AS LÁGRIMAS) Nunca o senti nos meus braços.

PABLITO: - Don Hernandez roubou ele?

SCULLY: - (SORRI DA INOCÊNCIA) Não... Não há Don Hernandez onde eu moro.

PABLITO: - Sorte sua! Ele é muito malvado.

SCULLY: - (SORRI OLHANDO PRA ELE MATERNALMENTE) ...

PABLITO: - Você só não se parece com Ela numa coisa.

SCULLY: - (CURIOSA) Que coisa?

PABLITO: - Ela tem cheiro de rosas. Você tem cheiro de canela.

Scully franze as sobrancelhas incrédula, olhando pra ele. Pablito continua empolgado com o sorvete.



BLOCO 3:

3:14 P.M.

Victoria, de chupeta na boca, brinca com Maria, as duas sentadas na cama. Brincam com bonecas de pano e outras feitas com espigas de milho, algumas panelas, objetos... Nenhum brinquedo realmente. Victoria olha pra Lola e percebe que Lola está compenetrada ajeitando a casa, que nem olha pra elas. Victoria então estende a mãozinha em direção a seu carrinho. O urso de pelúcia vem flutuando pra ela. Maria começa a rir, olhando pro urso, num contentamento enorme. Victoria pega o urso com as mãozinhas. Os olhos de Maria brilham diante de um brinquedo de verdade. Victoria deixa a chupeta cair num sorriso e estende o urso pra Maria.

VICTORIA: - Tó!

Maria abraça o urso, feliz. Victoria sorri. Maria pega a boneca de pano e entrega pra Victoria. Victoria abraça a boneca. As duas riem.

Lola termina de varrer a casa. Solta os cabelos. Enrola-os novamente e os prende.

Victoria para de brincar. Vira-se pra Lola, agitando-se na cama, balbuciando sons desconexos. Lola olha pra ela sem entender. Victoria parece aflita.

Batidas na porta.

LOLA: - Deve ser sua mãe, Victoria.

VICTORIA: - (AFLITA) Nah!

Lola abre a porta da casa. Domingos está parado ali. Lola recua.

DOMINGOS: - Não precisa ter medo de mim. Posso entrar?

LOLA: - O que quer aqui? Perturbar meu filho? Perturbar minha vida?

Domingos entra sem esperar resposta. Victoria olha pra ele, emburrada. Então volta a brincar com Maria.

DOMINGOS: - Vim oferecer ajuda. Sei a miséria em que vive.

LOLA: - ... (DESCONFIADA)

Domingos se aproxima dela. Passa a mão em seu rosto.

DOMINGOS: - Sempre achei você muito bonita. É a mulher mais bela desse povoado. E acho que de todo o México.

Lola se afasta com medo. Pega uma faca.

LOLA: - Vá embora daqui! Se ousar tocar um dedo em mim como sei que tem feito com estas mulheres da vila, eu juro que eu mato você!

DOMINGOS: - (SORRI CÍNICO) ... Não... Eu não tomaria você, mesmo sabendo que tudo que lhe pertence, até mesmo a terra em que mora é minha. Mas você é especial.

LOLA: - (ASSUSTADA)

DOMINGOS: - A mais bela sempre é especial... Eu não quero tomar nada de você, já que sempre acusou a mim e meu pai por tomarmos tudo do seu povo... Eu quero pagar. Me diga seu preço.

Lola enche os olhos de lágrimas, incrédula.

LOLA: - Sai daqui seu desgraçado! Sai daqui! Eu não sou uma prostituta!!!! Eu sou uma mulher de respeito!

DOMINGOS: - ... (SORRI) Eu vou embora. Mas se mudar de ideia, sabe aonde me encontrar. E eu sei que vai mudar de ideia. Mais rápido do que pensa.

Domingos sai. Lola corre e tranca a porta. Se escora na porta chorando. Victoria e Maria olham pra ela.


Hospedaje Rayo de Luna – 5:18 P.M.

Mulder sentado sobre a cama de frente pro laptop. Morde o polegar, tenso, enquanto olha pra tela.

MULDER: - Não entendo. Me explica como se eu tivesse 10 anos.

Scully sai do banheiro, com Victoria enrolada na toalha.

SCULLY: - As amostras retiradas do trigo continham células vegetais e sangue humano do tipo 'O positivo'. Sangue normalmente coagula. Mas este continua vivo. As células sanguíneas não morrem, continuam se reproduzindo.

MULDER: - (PASMO) ... Isso é... cientificamente possível?

SCULLY: - Não.

MULDER: - Então... Isso é um Arquivo X?

SCULLY: - Não. Isso é um milagre.

VICTORIA: - Mama!

SCULLY: - (SORRI) Isso. Um milagre da Mamãe do Céu.

Victoria solta um 'oh' de surpresa, olhando pro alto, como se procurasse alguém. Aponta pro alto. Scully sorri olhando pra filha.

VICTORIA: - éu... mama...

SCULLY: - (SORRI) Isso. Mamãe do Céu. Ela é a mamãe do menino Jesus.

VICTORIA: - (ADMIRADA/ OLHANDO PRA SCULLY) Uis...

MULDER: - Ei, não enfie suas crenças religiosas na cabeça da minha filha. O que combinamos, hein? Ela vai decidir no que quer acreditar.

SCULLY: - Eu sei. (DEBOCHADA) Se ela vai preferir igrejas ou sinagogas, não me importa. Contanto que acredite em alguma coisa com exceção de ET's, coisas que o pai dela enfia na cabeça dela descumprindo o combinado.

Mulder coça a cabeça olhando pro laptop, incrédulo.

MULDER: - Mas como pode ser milagre?

SCULLY: - Como seus vampiros... seus fantasmas... seus monstros... não há explicação científica. Caso encerrado.

Mulder continua olhando pro laptop. Scully deita Victoria na cama e começa a vesti-la.


5:23 P.M.

Pablito sentado na porta da casa, triste, olha pros meninos que jogam bola. Então ergue a cabeça. Fecha os olhos, aspirando o ar. Levanta-se e sai pela rua como se seguisse algum perfume, de olhos fechados, cabeça erguida, sorrindo.

Close nos pés descalços de Pablito que caminham pela rua sem tropeçar em nada.

O menino para em frente à igreja. Abre os olhos.

Corte.


Pablito entra na igreja vazia. Caminha até a imagem da Virgem Maria. Ajoelha-se. Faz o sinal da cruz. Olha pra imagem em silêncio.

PABLITO: - ... Quer falar comigo, Senhora?

Uma luz azulada cobre o menino. Pequenas centelhas douradas flutuam nos fachos de luz. Silêncio.

PABLITO: - ... Sim...

Silêncio.

PABLITO: - (AFIRMA COM A CABEÇA)

Silêncio.

PABLITO: - Sim... Mas eu não posso correr. Eu tenho um problema de coração, se eu correr eu posso até morrer.

Silêncio.

PABLITO: - (SORRI) ... Eu sou tonto, mesmo! É claro que a Senhora sabe.

Silêncio.

PABLITO: - (SÉRIO) Sim...

Silêncio.

PABLITO: - Sim... Eu não vou contar não. Prometo.

Silêncio.

Pablito abre os olhos. Olha pra imagem.

Close na imagem de madeira. Dos olhos correm lágrimas de sangue.

PABLITO: - (DERRUBANDO LÁGRIMAS) Não chora não, Senhora... Não fica assim triste... As pessoas vão se tornar boas...

Silêncio. Pablito observa a imagem, afirmando com a cabeça.

PABLITO: - (DERRUBANDO LÁGRIMAS) Tá... Eu direi pra ela, Senhora.


Hospedaje Rayo de Luna – 5:33 P.M.

Scully coloca Victoria no carrinho. Senta-se na cama, ao lado de Mulder que ainda mexe no laptop.

MULDER: - Eu não entendo vocês católicos. Sinceramente. Se ela é apenas uma mulher, porque adoram algo humano? Só por que foi mãe de Jesus? Isso não vai contra as crenças de adorar somente a Deus?

SCULLY: - Adoramos somente a Deus, Mulder. Nós veneramos Maria, ela é nossa intercessora. Ela acalma a ira de Cristo contra nós. Tudo que nos pede é para rezarmos, para nos precavermos do dia final.

MULDER: - (DEBOCHADO) Acha que o mundo vai acabar, Dana Scully?

SCULLY: - Não, Mulder. Mas este mundo que conhecemos vai ter que terminar um dia. Não o mundo propriamente, mas esta situação de tanta miséria e injustiça. Cada vez mais o caos aumenta. Não precisa ser um entendido no assunto 'Bíblia' pra perceber que já estamos há muito no Apocalipse. Há muito tempo o demônio está aqui, iludindo até mesmo os que amam a Deus. Estes são os que ele mais quer.

MULDER: - Tudo bem concordo com você, mas sob uma ótica não tão etérea. Vai acabar no dia em que as pessoas deixarem de ser egoístas. Ou seja: nunca! Só explodindo tudo mesmo. E acredite, Scully, quanto às experiências desse seu criador aí, pode ser até que ele resolva levar alguns exemplares com ele, se preencherem os requisitos básicos dentro das concepções aceitas na sociedade dele.

Scully suspira. Olha pra Mulder.

SCULLY: - É... Um viva à diversidade. Que graça teria todo mundo concordando?

MULDER: - Tá, me fala mais da virgem Maria. Me convença.

SCULLY: - Há vários fenômenos relacionados a Virgem Maria. Por exemplo, fenômenos solares, como pulsações e aparência multicolorida do sol. Esses fenômenos têm sido filmados e fotografados, configurando-se assim como fenômenos físicos.

MULDER: - (PENSATIVO) Luzes estranhas e ilusão de ótica.

SCULLY: - Curas físicas, como curas espontâneas de problemas médicos crônicos e também agudos, como o câncer. E a própria ciência médica não tem sido capaz de identificar causas naturais para muitas dessas curas.

MULDER: - (PENSATIVO) Sei. Homens do espaço também fazem isso. Até homens do governo fazem isso. Você sabe.

SCULLY: - Mudanças de estado físico, como objetos religiosos, terços que mudam de cor, imagens têm sido vistas derramando lágrimas, sangrando ou movendo-se. Mas tudo bem, Mulder. Não sou crédula como você me acusa. Testes efetuados revelaram diferentes resultados. A maioria das mudanças em terços parece ser devida a reações químicas relacionadas com a oleosidade da pele do orante.

MULDER: - (PENSATIVO) Homens do espaço também fazem isso. Homens comuns fazem isso.

SCULLY: - E os estigmas? Alguns videntes têm marcas visíveis semelhantes às chagas de Cristo crucificado. As feridas sangram regularmente, normalmente, às sextas-feiras. Muitos videntes relatam estigmas interiores, que correspondem a cicatrizes externas, mas são sentidos interiormente.

MULDER: - (PENSATIVO) Sei... Força de pensamento também faz isso. Aliás, tudo isso se remete sempre a você sabe quem.

SCULLY: - (DEBOCHADA) Homens do espaço?

MULDER: - Não. A Mãe Terra.

SCULLY: - Ahn?

MULDER: - Não importa o país, a cultura, o idioma ou a religião, Scully. As divindades femininas sempre estiveram nas crenças de vários povos. A parte feminina criativa da divindade manifesta-se no divino, no cósmico e no físico em que vemos a Deusa Mãe expressa na Natureza. E ela é o adensamento da matéria, o aspecto Terra, o planeta onde tem início o princípio gerador. O mês de maio, que também é dedicado ao culto de Maria, é início da primavera na Europa, e, no passado, quando isso acontecia, tinha início a Festa das Fogueiras dedicada a Beltane para homenagear a Deusa-Mãe celta da fecundidade. O culto da Virgem de Guadalupe, aqui no México. Morena como uma Índia, ela tem os seus festejos na mesma época em que era comemorado pelos antigos astecas o culto da Virgem de Tapeiae, a Senhora do Milho e da Fartura. Os seres humanos sempre dependeram da terra. Não é à toa que a figura da terra é associada a uma mulher, fecunda, germinadora, que traz vida.

SCULLY: - É o que pensa, Mulder?

MULDER: - (PENSATIVO) Pra dizer a verdade... Deus abençoe as mulheres. Não há nada mais criativo, mais complexo, mais belo e mais puro sobre a face da Terra. Eu amo as mulheres. Tenho a humildade de admitir isso.

Scully olha pra ele, segurando o riso. Mulder pensativo.

MULDER: - É... O que seria do mundo sem elas? Elas são o charme do mundo. Odiava aqueles filmes de ficção baratos, onde os extraterrestres pegavam espécimes masculinos para análise... Besteira! Se eu fosse um extraterrestre em outro planeta pegaria as fêmeas. Elas sim contêm toda a essência de uma raça, tanto genética quanto sentimentalmente.

SCULLY: - (PASMA) ...

MULDER: - (DIVAGANDO) ... É a forma mais independente sobre o planeta. Dizem que se tudo fosse destruído, as baratas sobreviveriam. Duvido. Alguma mulher sobreviveria. Elas sobrevivem a tudo. Como alguém que sangra 5 dias por mês e tem cólicas pode conseguir viver assim por quase 30 anos de vida? Como podem ficar 9 meses com um bebê na barriga e depois passar por aquele processo que eu mesmo vi e fiquei em estado catatônico pedindo perdão pra minha mãe! Como podem passar roupa e fazer café ao mesmo tempo, com um filho chorando por perto sem errar em nada? Como podem ter vários orgasmos um atrás do outro? E agora podem se procriar através de clonagem tornando nós machos completamente dispensáveis no processo de criação. E isso ainda é a nossa única utilidade desde que inventaram o vibrador. Sim, porque de resto temos mulheres mecânicas, eletricistas, marceneiras... Elas fazem tudo o que um homem faz. A única chance que temos é a procriação mesmo. E quando acabar isso... (PÂNICO) Adeus homens!!!! O cromossomo Y vai ganhar mais uma perninha modificada em laboratórios! (OLHA PRA ELA) Quer saber? Vocês são uma praga sem controle populacional! Estamos sendo extintos desse planeta aos poucos! De uma forma silenciosa. Isso é uma conspiração! E eu ainda ajudei nisso colocando mais uma mulher no mundo!

SCULLY: - (RINDO) ...

MULDER: -(DEBOCHADO) E para de rir, Scully! Devolva minha costela! Não quero mais brincar com você não. Preferia ter comido você e ser expulso do paraíso com a maçã. Era mais lucro. E quer saber de uma coisa? Deus é mulher! Agora tenho certeza disso. Porque o pior sobrou pra gente. O belo e formoso da natureza ficou todo pra vocês. E o esquisito pra nós homens. Quer coisa mais ridícula que ter que vestir calças tomando cuidado com o zíper? Quer coisa mais ridícula que ficar em estado de ereção?

SCULLY: - (RINDO) Mulder, para!

MULDER: - Você pode caminhar pelo quarto excitada que não fica nada engraçado. Pode até correr! Peitos balançando e curvas são coisas lindas de se ver. Anatomicamente perfeitas. Agora eu? Fica aquela coisa balançando, que ainda agradeço por ter sido circuncidado, porque senão ficaria mais feio ainda, porque tudo aquilo parece que foi feito com a sobra da pele dos cotovelos e...

Batidas na porta. Scully põe a mão na boca, rindo sem parar, olhando pra Mulder. Mulder levanta-se e abre a porta. Pepe, com vestimentas típicas mexicanas, olha pra ele, ofegante, falando rápido sem que Mulder possa entendê-lo. Scully observa o homem que respira aflito, parece que correu léguas.

MULDER: - Tranquiliza hombre! Así yo no lo entiendo! Qué pasó?

PEPE: - La Virgen, señor. Ella regresou! Andale! Usted necesita ver eso! Es un milagro! En la iglesia. Mis ojos vieron! El Virgen está llorando... Las lágrimas san sangre!

Mulder olha pra Scully.

MULDER: - Você estava errada. O caso ainda não encerrou.


Iglesia de San Paolo – 6:09 P.M.

O povoado todo na porta da igreja. O Frei na porta, barra a passagem.

FREI JOSÉ: - Por favor, com paciência, é a casa do Senhor! O Bispo já foi informado e há peritos que estão vindo pra cá. Precisamos esperar por eles.

Uma mulher cai ao chão de joelhos, aos prantos, gritando o nome de Maria erguendo as mãos pro céu.

FREI JOSÉ: - Por favor, acalmem-se, sem histeria, tumulto e pânico. Não é isto o que Ela quer. Todos verão o milagre, mas temos que ser organizados. Vamos esperar pelos agentes.

O povo começa a gritar pelo nome de Pablito. O Frei acena com as mãos pedindo calma.

FREI JOSÉ: - Ele está bem, está dentro da igreja com a mãe dele.

Um homem velho e doente se atira aos pés do padre.

HOMEM: - (CHORANDO/ MÃOS EM POSIÇÃO DE ORAÇÃO) Pelo amor de Deus, deixa o menino me tocar. Tenho fé que as mãos dele vão me trazer a saúde de volta.

Uma multidão de gente doente começa a pedir aos gritos. O Frei atarantado tenta acalmá-los sem sucesso.

O fusca para com Mulder tentando se desentalar de dentro dele. Scully desce do carona. Pepe sai do banco de trás, afoito. A multidão nervosa, o padre mal pode contê-los. Mulder se irrita. Fica ao lado do padre. Assovia forte. Todos se calam. Mulder mostra o distintivo.

MULDER: - Yo quiero a todos fuera daquí o yo pondrá todos en la cárcel. Lhamo a eso desorden publica! María necesita el respeto. Si usted ama María por favor, vaya a orar!

As pessoas se calam. O Frei olha aliviado pra Mulder. Scully com Victoria no colo, cochicha.

SCULLY: - O que disse?

MULDER: - Que é melhor ir rezarem ou vou colocar todo mundo em cana.

SCULLY: - Não temos autoridade aqui.

MULDER: - Eu sei. Você sabe. Mas eles não sabem.

SCULLY: - (OLHA PRA ELE INCRÉDULA)

MULDER: - Viu o que eu falei sobre fé cega? Se duvidar vai virar vandalismo e terminar em morte.

SCULLY: - Não julgue o desespero dessas pessoas Mulder.

MULDER: - Não estou julgando. Estou dizendo que se ficasse pelado lá frente gritando que era Jesus Cristo eles comeriam até capim pra se curar.

SCULLY: - Mulder, eu nem vou comentar nada sobre isso. Nem vale a pena. Você não pode entender com sua educação européia, suas roupas finas e muito menos com sua barriga cheia!

Mulder entra na igreja. Scully entra atrás dele com Victoria. Pablito ajoelhado aos pés da imagem da Virgem. Lola ajoelhada ao lado dele. Mulder se aproxima indiferente, puxando as luvas do bolso. Olha pra imagem.

MULDER: - Sabiam que imagens de madeira costumam soltar substâncias vegetais que vulgarmente os crédulos em demasia acreditam se tratar de lágrimas?

Lola ergue a cabeça olhando pra Mulder. Scully olha pra Mulder com reprovação. Mulder retira amostras do líquido vermelho que escorre dos olhos da imagem.

MULDER: - Sabia que o catolicismo tem perdido muitos fiéis graças aos próprios padres que praticam pedofilia indiscriminadamente?

O Frei olha boquiaberto pra Mulder. Scully fica catatônica. Lola se levanta. Pablito permanece de joelhos, cabisbaixo, orando.

MULDER: - Sabiam que os milagres estão na cabeça de cada um? Sabiam que cada um vê o que quer de acordo com seus medos, crenças e convicções?

Pablito ergue a cabeça e olha pra Mulder.

PABLITO: - Sabia que você diz tudo isso porque no fundo nunca teve amor de mãe, e amor de mãe é tudo o que você queria conhecer? Por isso sente-se uma criança ao lado da pessoa que ama, querendo constantemente atenção e amor dela.

Todos olham pra Pablito. Mulder olha pra ele, desconcertado.

MULDER: - ...

PABLITO: - ...

MULDER: - Olha, estou apenas sendo científico, ok? Eu posso acreditar nas coisas mais absurdas desse mundo, mas mesmo assim eu preciso de provas que me façam crer que elas são absurdas. Eu não sou nenhum crédulo cego. Tão pouco um cético extremista.

Mulder guarda a amostra no bolso. Tira as luvas. Olha pra Scully.

MULDER: - Vou mandar pra Washington em seu nome. Quero verificar se é o mesmo tipo sanguíneo que encontramos no trigo.

SCULLY: - Por que vai verificar se já sabe a resposta?

MULDER: - Por que me pergunta se já sabe a resposta? Eu quero acreditar, Scully.

Mulder sai da igreja.

SCULLY: - (CONSTRANGIDA) Peço desculpas por ele. Julga uma crença inteira por alguns poucos, sem discernimento.

O Frei sorri amavelmente. Lola afasta-se com o Frei. Scully ajoelha-se ao lado de Pablito, com Victoria nos braços.

SCULLY: - Como aconteceu?

PABLITO: - Estava brincando. Então senti o perfume Dela e fui me afastando até chegar aqui. Quando comecei a rezar, Ela começou a chorar.

SCULLY: - (OLHANDO PRA IMAGEM A ADMIRANDO) Ela falou com você?

PABLITO: - Sim.

SCULLY: - E o que Ela disse?

PABLITO: - Não posso contar... A Virgem não quer. É segredo.

SCULLY: - ... (OLHANDO PRA IMAGEM) Gostaria tanto que Ela falasse comigo também.

PABLITO: - Ela fala com você. Você é que não percebe.

Scully recosta Victoria contra o peito. Beija a cabeça da filha e derrubando lágrimas olha para a imagem.

SCULLY: - Obrigada... Pelo milagre que trago em meus braços.

Pablito se levanta. Faz o sinal da cruz. Afasta-se. Vira-se pra trás.

PABLITO: - Ela gosta de você. Me disse pra confiar em você. E pediu pra que eu diga: não deixe suas dúvidas lhe tirarem de seu caminho. Algo a ronda, faminto por ódio. Não turve o seu coração para os que você ama, é tudo o que o maligno quer.

Scully vira-se para Pablito num olhar de surpresa.


11:18 P.M.

Mulder sai do banheiro com a calça do pijama. Atira-se na cama. Scully observa pela janela, vestida com a camisa do pijama de Mulder.

MULDER: - O bom de usar as mesmas roupas é que poupa lugar na mala. Um pijama pra dois.

SCULLY: - (PENSATIVA) ...

MULDER: - Pinguinho ferrou no sono naquele carrinho mesmo.

SCULLY: - ...

MULDER: - O que houve?

SCULLY: - Não consigo dormir.

MULDER: - (SORRI) Vem aqui que eu vou ninar você.

Scully olha pra ele e sorri. Deita-se nos braços de Mulder, de costas pra ele. Mulder beija-lhe o ombro.

MULDER: - (MURMURA) Desculpa. Você tem razão quando diz que eu estou virado num cavalo.

SCULLY: - ...

MULDER: - (DEBOCHADO) Se me oferecer milho eu acabo relinchando.

SCULLY: - (RINDO) Para!

MULDER: - (SÉRIO/ ENVERGONHADO) O que aquela criança inocente falou foi a mais profunda verdade que eu já ouvi. Um menino de 9 anos conseguiu quebrar em mil pedaços toda a minha aparente segurança de adulto.

SCULLY: - Ele me disse coisas que... Não sei como poderia dizer.

MULDER: - Ele é paranormal, Scully.

SCULLY: - Mulder, não começa...

MULDER: - Não, me escute... Não é qualquer pessoa que consegue captar coisas como ele. E mesmo que seja a Virgem Maria, ele teria de ser especial pra conseguir ver alguma coisa. Teria de ter um dom. Infelizmente o que eu digo pra você a ciência não pode provar, mas aposto que nem Jesus escolheu seus apóstolos à toa, bem como nenhuma aparição divina escolhe seus receptores sem nenhum cuidado.

SCULLY: - Será?

MULDER: - Não sei. É a minha teoria baseada nas coisas que vi até hoje nesses anos todos de Arquivo X. Baseado nas suas teorias sobre partes do cérebro adormecidas e que estão ativadas em algumas pessoas.

SCULLY: - Então como explica que você não tenha visto nada?

MULDER: - Porque eu não quero ver. Mas aposto com você que Victoria está calma desse jeito porque sabe de alguma coisa. E isso a tranquiliza. Não vê perigo nisso, nem os 'iços' dela que não entendemos.

SCULLY: - Mulder, deixa nosso bebê em paz.

MULDER: - (SORRI) Tá certo.

Os dois ficam em silêncio. Mulder beija o rosto dela com carinho, num beijo demorado. Scully fecha os olhos. Mulder fica olhando pra ela num sorriso bobo de admiração.

MULDER: - Meu lado humano... A única coisa de bela que pode haver em mim é você do meu lado. De resto, só pó e sujeira.

SCULLY: - (SORRI/OLHOS FECHADOS) ...

MULDER: - Sabia que Zorro significa raposa em espanhol?

SCULLY: - (RINDO/ OLHOS FECHADOS) Sério?

MULDER: - Sério.

SCULLY: - (SORRINDO/ OLHOS FECHADOS) Hum... Gosto de zorros.

MULDER: - Já zorra... Significa prostituta.

SCULLY: - (SORRI) Então a mulher do Zorro... Que não sou eu...

Mulder começa a rir. Scully se aconchega mais nele. Mulder abraça-a com mais força, apoiando o queixo no ombro dela. Suspira apaixonado. Fecha os olhos. Silêncio. Mulder aproxima os lábios da orelha de Scully, de olhos fechados. Começa a cantar "Por", de Emmanuel.

MULDER: - (CANTANDO BAIXINHO) ... Por la forma que tu juegas con mi cuerpo al despertar... Por el frío que se siente en cada esquina cuando tú no estás... Por las cosas que tú haces para mí aunque puedan salir mal... humhumhumhum... Voy a cantar...

Scully abre um sorriso de olhos fechados.

MULDER: - (CANTANDO BAIXINHO) Porque a veces algo rompe la ternura en el jugar... Por la sonrisa que tú sabes que con ella todo arreglarás... Porque después de tantos años aún te puedes sonrojar... humhumhumhum... Voy a cantar... Por la fuerza que me entregas cuando todo marcha mal... Por las rosas que yo compro y que tú olvidas en cualquier lugar... Por la forma en que te abrazas a mi cuerpo sin hablar... humhumhumhum... Voy a... cantar.

Mulder beija-a no ombro. Scully vira-se pra ele, de olhos fechados, se recostando nele, o abraçando. Mulder a mantém entre seus braços, de olhos fechados.

MULDER: - (CANTANDO BAIXINHO) Por la forma en que te abrazas a mi cuerpo sin hablar... humhumhumhum... Voy a cantar... Y quisiera agradecer todo aquello que tú sabes dar... Y aunque suena tonto Ya no tengo nada más que hablar... Porque no soy exactamente un buen poeta para poderme expresar... humhumhumhum... Voy a... cantar...

Scully olha pra ele apaixonada. Mulder permanece de olhos fechados, segurando lágrimas.

MULDER: - (CANTANDO BAIXINHO) ... Porque no soy exactamente un buen poeta para poderme expresar... humhumhumhum... Voy a... cantar.

Scully sorri. Recosta a cabeça no peito de Mulder e fecha os olhos. Ele a abraça com mais força.

Victoria abre os olhos olhando para os dois. Dá um suspiro, num sorriso e fecha os olhos novamente.


5:31 A.M.

Lola desliga o despertador rapidamente, sentando-se na cama. Olha pra Pablito e Maria que dormem. Maria abraçada no urso de pelúcia. Lola sorri. Beija cada um deles. Levanta-se. Lava o rosto numa bacia. Seca-o.

Vai até o fogão, coloca a água pra ferver. Abre o armário.

Close do interior do armário. Apenas um saco de farinha.

Lola suspira. Olha pras crianças que dormem. Olha pra imagem da Virgem Maria na parede. Fecha os olhos, abaixando a cabeça.

LOLA: - Peço perdão a Deus, através de você, minha Mãe... Você também sofreu em sua vida, problemas bem maiores do que os meus. Você quase foi abandonada por José quando ele soube que estava grávida. Você ficou viúva também, você viu seu Filho morrer numa cruz sem poder fazer nada por ele... (ENCHE OS OLHOS DE LÁGRIMAS) Mas não posso mais ver meus filhos passando fome... (CHORANDO) Eu não posso!

Lola senta-se na cadeira, pondo as mãos no rosto, chorando calada.

LOLA: - Me perdoa... Perdoa meu desespero de mãe! Eu mesma, meu orgulho, nada importa. Tudo que importa são meus ninõs, Señora... Por meus filhos eu daria a minha vida! Eu daria meu coração ao meu filho, se isso lhe trouxesse saúde. (CHORANDO) Deus! Por que tirou o meu marido, deixou meus filhos sem um pai? Por que me deixaste sozinha com dois pequenos, enquanto eu luto e não consigo nem alimentar minhas crianças? Por que não cai dos céus pessoas boas que possam me ajudar? Isso não é justo! Dói... Dói muito... Dói muito... Dói ver seus filhos passando necessidades, não ter nem comida pra colocar na mesa, não poder nem dar um brinquedo pra eles? Nem uma casa, nem roupas, nem dignidade humana? Nem os remédios que eles precisam quando estão doentes! (CHORANDO) Nem meus peitos podem dar leite que minha filha precisa porque nem eu tenho mais forças e saúde! Por que, meu Deus? Por quê?



BLOCO 4:

7: 39 A.M.

Lola já arrumada, aproxima-se da cama de casal. Pablito e Maria dormem. Maria agarrada no ursinho. Lola acorda Pablito. Ele senta-se na cama, esfregando os olhos.

LOLA: - Mamãe precisa ir até a cidade... Dona Conceição quer que mamãe faça uma faxina na casa dela. Preciso que cuide da maninha.

PABLITO: - Tá.

LOLA: - Volto no final da tarde... Deixei bolinho pra você. Tem só um restinho de leite, você dá pra maninha, tá?

PABLITO: - (AFIRMA COM A CABEÇA) ...

LOLA: - (AFAGA OS CABELOS DELE) Eu te amo.

PABLITO: - (SORRI) Eu também te amo. Você tá tão bonita!

Lola o beija na testa, segurando as lágrimas.

LOLA: - Quando voltar, eu vou trazer coisas bem gostosas pra vocês dois, tá bom?

Pablito abre um sorriso. Se abraça nela.

PABLITO: - Você me traz iogurte?

LOLA: - Trago sim.

PABLITO: - E aquelas bolachinhas recheadas?

LOLA: - Sim. Mamãe vai receber um dinheiro e vai trazer sim.

PABLITO: - (SORRINDO) Eu levo a Maria mais tarde comigo até a casa do Pepe. Ele vai me dar 1 peso pra ajudar ele. Aí eu vou juntar pra comprar a boneca da Maria.

LOLA: - (DERRUBA LÁGRIMAS)... Você é o filho mais querido que uma mãe poderia ter. Não é à toa que a Virgem escolheu você.

Lola se levanta. Olha pra Pablito. Seca as lágrimas.

PABLITO: - O que foi? Por que você tá chorando?

LOLA: - (DISFARÇA UM SORRISO) Nada. Poeira. Só isso.

Lola acena pra ele e sai pela porta, fechando-a. Pablito levanta-se. Olha pra Maria.

PABLITO: - Vou esquentar o leite. Daqui a pouco você acorda com fome e aí vai ser aquela choradeira! Mana, você devia ser cantora, feito a Dona Carminha, porque grita um montão!

Pablito se espreguiça.

Batidas na porta. Pablito olha pra porta. Olha assustado pra imagem da Virgem Maria.

PABLITO: - (ASSUSTADO) É o sinal que você falou? É agora?

As batidas continuam. Pablito não pensa duas vezes. Pega Maria no colo. Maria se acorda.

PABLITO: - Vamos mana! Vamos.

Maria estende a mão pro ursinho. Pablito entrega o ursinho pra ela.

PABLITO: - Temos que ir embora! A Senhora nos disse pra correr!

Pablito sai correndo pela porta dos fundos, tomando o campo de trigo que não fora ceifado, com a irmã nos braços. Mirrado como é, mal aguenta o peso da menina, mas continua correndo, mantendo a irmã firme.

Corta para a casa de Lola. Os capangas de Hernandez ateiam fogo na casa. Ao verem que o menino escapou saem atrás dele.

Pablito começa a ofegar. Mas continua correndo. As pernas vão cansando. O coração começa a palpitar forte. Mas ele continua correndo.

Os capangas adentram pela plantação, armados de facões e rifles.


Iglesia de San Paolo - 8:21 A.M.

Scully entra na igreja.

FREI: - Nós, católicos, temos uma linguagem muito confusa e sempre dizemos que foi Maria quem curou, Maria fez um milagre, mas não foi ela. Deus é quem faz milagres, Maria não. Ela apenas os pede, intercedendo por nós. Muitos de vocês disseram: O demônio está nos campos. Por que disseram isso? Porque à primeira vista pensaram se tratar do demônio. Sim, amigos, vocês sabem que o invejoso se transfigura em outras formas, que ele tenta ludibriar a alma dos cristãos, e por que não dizer: Sim, o demônio faz milagres. Mas não milagres como Deus. Os milagres que faz são para ludibriar o povo santo de Nosso Senhor. Ele não tentou Jesus durante 40 dias no deserto? Ele não disse: Se és filho de Deus porque não dá pão aos famintos? Se me seguires eu te darei todo o reino da Terra.

Scully fica parada ao fundo da igreja, ouvindo.

FREI JOSÉ: - De que vale o reino da Terra? Amigos, de nada vale o que não podemos levar conosco. Algum de vocês levará alguma coisa material daqui? Nem seu próprio corpo. Levarão consigo apenas o amor. E não é tarefa fácil amar ao próximo, porque o próximo tem seus defeitos. E vocês também os tem, pois são os próximos de alguém... Maria... Em todas as aparições da Mãe de Nosso Senhor, todas as mensagens recebidas sempre são em torno do pedido de Maria para que retornemos ao seu Filho, mediante oração, jejum, conversão e obras de misericórdia. Ela suplica a cada um de nós que devemos rezar. E como qualquer outra mãe, ela tenta avisar-nos das consequências de não o fazermos. "Se pensardes em guerras, castigos e destruição, estareis vos encaminhando precisamente para eles. Deveis acolher a paz divina, vivê-la, difundi-la". Não são minhas palavras, foram as palavras dela quando apareceu em Medjugorje.

Mulder se aproxima, tenso, segurando Victoria nos braços. Cochicha.

MULDER: - Vem comigo.

SCULLY: - O que houve?

MULDER: - ... Encontraram Pablito na estrada, está tendo um ataque.

SCULLY: - ???

MULDER: - ... Ele... Correu demais. Atearam fogo na casa de Lola. Queriam matar as crianças.

Scully arregala os olhos.


8:26 A.M.

Scully e Mulder irrompem rapidamente pela casa de Pepe. Pablito deitado, treme na cama, tentando respirar com a boca aberta, já roxo. Lola chora desesperada.

LOLA: - Ele vai morrer! Meu filho vai morrer!

Scully senta-se na cama, nervosa. Segura os braços de Pablito.

SCULLY: - Preciso de tiras! Tiras de pano ou qualquer outra coisa!

Pepe e Lola começam a procurar. Lola rasga a barra do vestido, fazendo três tiras de pano. Entrega pra Scully.

SCULLY: - Preciso de mais uma! Mulder, me ajude aqui!

Mulder segura o menino. Scully começa a amarrar uma tira em cada braço de Pablito. Outra na perna. Lola leva as mãos ao vestido que já está curto, sobre as coxas, desesperada olhando pro filho. Pepe então a detém. Retira o lenço de seu pescoço e entrega pra Scully.

MULDER: - O que vai fazer?

SCULLY: - Último recurso! Preciso diminuir a circulação! Segure ele!

Mulder observa nervoso. Lola chora, olhando pro filho.

LOLA: - Não o deixe morrer, Sra. Scully! Por favor, não deixa meu filho morrer!

Pepe a abraça. Lola chora no ombro dele.


9:11 A.M.

Mulder do lado de fora da casa, observando Maria e Victoria brincarem dentro de um cesto. Pepe as distrai. Victoria a risadas altas com Maria, as duas jogando brinquedos pra fora do cesto. Pepe os pega.

Lola chora calada, andando de um lado pra outro.

MULDER: - Ele vai ficar bem.

LOLA: - ... Foi culpa minha... Eu não devia mais deixá-los sozinhos... Não devia, Deus me puniu pela minha atitude!

MULDER: - ...

PEPE: - Não deve se culpar, conseguiu um trabalho e...

LOLA: - (CHORANDO) Eu não ia trabalhar! Eu ia pecar contra a minha moral! Deus não aprova isto! Ele me mandou um castigo antes que eu cometesse um pecado!

Pepe olha pra Lola, incrédulo. Mulder olha pra ela.

LOLA: - (CHORANDO/ CABISBAIXA) Ia me deitar com Domingos em troca de alguns tostões pra comprar a comida...

Mulder abaixa a cabeça, nervoso. Scully sai da casa. Lola olha aflita pra ela.

SCULLY: - Ele está descansando. Vai ficar bem.

Lola solta o ar, num sorriso entre lágrimas.

MULDER: - Acho que vou buscar o carro. Melhor levar ele ao hospital.

SCULLY: - Faça isso.

Mulder se aproxima de Scully, falando baixo, pra que Lola não ouça.

MULDER: - Não quero que ela escute, pode se sentir humilhada... Mas há alguma coisa que eu e você possamos fazer pra curar esse garoto? Digo... Um tratamento, remédios... Podemos pegar algum dinheiro, há vários hospitais melhores em Washington... A gente pode até arrumar alguma casa pra ela ficar, sei lá, emprego pra ela, um cantinho mais decente, escola pras crianças e...

SCULLY: - ... Mulder. É genético. Não há nada que possamos fazer.

Mulder abaixa a cabeça. Scully passa a mão no rosto dele o olhando com ternura. Mulder sai desolado. Lola se aproxima de Scully, segurando as lágrimas.

LOLA: - ... Obrigada.

SCULLY: - ... Não me agradeça.

LOLA: - (CHORANDO) Pepe o encontrou na estrada, com Maria. Tentaram matar o meu filho! O que ele podia fazer senão correr com a irmã pra salvar suas vidas?

Scully fecha os olhos.

LOLA: - (CHORANDO) Eu vou embora daqui! Não há mais nada nesta terra pra mim. Perdi tudo que tinha, minha casa, meus móveis, roupas e quase perdi o resto da minha dignidade humana. Mas pelo menos não perdi meus filhos. Vou pra qualquer lugar, mas eu não vou deixar que matem meu filho porque ele viu a Mãe de Cristo!

Lola pega Maria e entra na casa de Pepe. Pepe a segue.

Scully olha pra Victoria que faz beicinho, olhando pra casa e chamando Maria com a mão.

VICTORIA: - Nenê! Dah!

Scully fica pensativa. Tensa. Passa as mãos nos cabelos. Então ergue os olhos pro horizonte.

Hernandez se aproxima a cavalo, com mais cinco capangas armados. Atrás deles, ao longe, vem uma escavadeira.

Scully cerra o cenho, enfezada. Hernandez desce do cavalo.

HERNANDEZ: - Como está o garoto?

SCULLY: - O que lhe interessa?

Os capangas descem dos cavalos, olhando pra Scully.

HERNANDEZ: - Lamento muito. Meu filho quis dar um susto nele e...

SCULLY: - (AOS GRITOS) Susto? Eu vou lhe dizer uma coisa, senhor Hernandez!

As pessoas do povoado entram correndo em suas casas. Espiam pelas janelas. Mulder ao longe, perto do carro, faz uma cara de pânico. Volta correndo em direção a Scully. Scully parece não se intimidar.

SCULLY: - (AOS GRITOS) Acha que é dono disso aqui tudo, que pode humilhar estas pessoas da maneira que você quiser! Acha que é senhor delas? São seres humanos! Seres humanos que vivem indignamente, em condições precárias e miséria absoluta!

Mulder para com certa distância, olhando pra Scully, com admiração.

HERNANDEZ: - Dona, acho melhor mudar o tom de voz quando fala comigo. Aqui não é a América.

SCULLY: - (AOS GRITOS) Eu não vou me dirigir a um homem sem coração em um tom de voz menor do que este! Eu não tenho medo algum de uma pessoa como você! Sabe por quê? Porque você não é nada! Você é digno de misericórdia por ser tão mesquinho e avarento! Por não conhecer a vida como ela é! Você é a pessoa mais triste que eu já conheci na vida! Porque pensa que tem tudo e não tem nada!

HERNANDEZ: - Eu tenho tudo, senhora! Toda esta terra aqui além do horizonte que você pode ver! Sabe quem eu sou?

SCULLY: - (AOS GRITOS) Sei! Um pobre infeliz cego que não vê que a terra que tem foi dada por Deus! Que cada ramo de trigo daquele campo que o alimenta e que mantém seu poder financeiro só nasce porque há sol e chuva que o fazem nascer! Não são essas pobres mãos desse povo que fazem aquele campo de trigo lhe render! São as próprias mãos de Deus que lhe permitem isto!

Mulder olha pra Scully, admirado, não conseguindo se mover. Hernandez a fita, sem palavras.

SCULLY: - (AOS GRITOS) E se não pode dividir sua fartura com os que não tiveram a sua sorte pelo menos observe que Deus ainda assim perdoava você lhe rendendo mais trigo. Tudo o que ele queria é que dividisse um pouco. Portanto não culpe esta gente humilde da ira divina que se abateu sobre você!

Os capangas se aproximam. Scully não recua. Mulder puxa a arma da cintura, se metendo na frente de Scully. Scully empurra Mulder pro lado, furiosa, encarando Hernandez.

SCULLY: - Sai daqui Mulder, que isso é comigo!

Mulder fica bem quietinho, ao lado dela. Hernandez sem olhar pros capangas, ergue a mão. Eles param. Hernandez olha pra Scully.

HERNANDEZ: - Eu lutei pelo que tenho. Lutei pra comprar isto tudo. Não foi sorte. E não vou dividir nada com quem não lutou pra ter um pedaço de terra.

SCULLY: - Talvez eles não tivessem a mesma força de vontade como você. Talvez pessoas como você os fizeram desacreditar de que algum dia teriam alguma coisa. Ou nunca teve alguém atrás de você dizendo que jamais conseguiria seus objetivos?

HERNANDEZ: - ...

SCULLY: - Que orgulho pode ter um homem, senhor Hernandez, que coloca crianças a ceifar? Velhos a plantar. Mulheres a serem escravas? Que orgulho você pode ter ao dizer 'isto tudo é meu'. Mesmo o suor que lhe escorreu do rosto pra poupar cada tostão a fim de adquirir estas terras não pode ser mais motivo de orgulho. Porque sabe que quando as adquiriu só lucrou em cima dos fracos. Nem todos nascem para serem líderes, senão não haveriam empregados. Mas todos nascem com seus papéis dentro da sociedade e nem por isso podem ser colocados em pirâmides de degraus de importância. Todos sangramos, senhor Hernandez. Todos temos momentos ruins e momentos bons. Todos queremos viver dignamente e ser felizes. O tempo em que leva oprimindo esta gente e a deixando revoltada e infeliz, é o dobro de tempo que levaria se as tratasse dignamente e as mantivesse a seu favor. E é o dobro do que perde por escravizá-las, porque ganharia muito mais se elas plantassem cada trigo daquele campo felizes e sorridentes. Até mesmo o pão que sairia dali teria um gosto mais agradável.

Hernandez sobe no cavalo. Olha para o homem que dirige a escavadeira.

HERNANDEZ: - (AOS GRITOS) Derrube cada maloca que encontrar. Quero essa gente fora daqui. E quem não sair, vai levar bala. A terra é minha, eu mando aqui.

SCULLY: - (REVOLTADA/ AOS GRITOS) Eles não tem pra onde ir!!!

HERNANDEZ: - (GRITA) O problema é deles, não meu! O governo que se encarregue do fardo!!!

Scully vai se avançar em Hernandez, mas Mulder a segura.

MULDER: - (NERVOSO) Scully... Temos uma filha, ok? Lembra disso? Ela precisa de uma mãe.

Hernandez parte. Os capangas se espalham. A escavadeira começa a derrubar a primeira casa. Scully tenta impedir. Mulder a segura.

MULDER: - Quem foi que disse 'não podemos nos meter com política, Mulder?' Se você se matar, vai adiantar alguma coisa? Vai ajudar essa gente se você morrer? Eu acho que não.

Scully se solta de Mulder. Olha chorando pra mulher que sai do barraco, aos gritos, com algumas roupas debaixo do braço e o filho pela mão.


12:01 P.M.

Mulder tenta arrumar o motor do fusca. Scully sentada no chão, cabisbaixa. Victoria no carrinho, olhando triste pra Scully. Lola sentada no chão, com a filha ao lado e Pablito deitado com a cabeça no colo dela, brincando com um canivete. Maria chora sem parar. Mulder está nervoso, mal consegue ter coordenação motora.

SCULLY: - Nada, Mulder?

MULDER: - Droga de carro! Não sei por que não quer funcionar! Não consigo encontrar nada errado aqui!

SCULLY: - (OLHA PRA PABLITO) Onde conseguiu esse canivete?

PABLITO: - Era do meu pai. Ele deu pra mim.

O Frei José se aproxima, os pés descalços. Atrás dele as famílias, levando o pouco do que lhes restou em trouxas de pano e outros poucos juntados na carroça de Pepe, que puxa o burrico pelas rédeas. O Frei carrega em seu ombro, a imagem de Maria. Olha pra Scully. Scully olha pra ele.

SCULLY: - (DESOLADA) ... Pra onde vai levar essa gente, Frei?

FREI JOSÉ: - Pra onde Deus nos guiar.

Mulder ergue a cabeça incrédulo. Olha pras pessoas todas. Olha pro Frei.

SCULLY: - E comida, e as crianças?

FREI JOSÉ: - Jesus disse que Deus sempre proveu aos passarinhos o dia de amanhã. Quanto mais a nós que somos filhos Dele. Tendes fé, amiga. Deus vai dar a terra aos seus filhos.

Scully olha com admiração para o Frei e para os rostos das pessoas, que estampam tristeza e perda. O Frei segue caminhando em direção a estrada, puxando uma 'Ave Maria'. Eles o seguem rezando em voz alta.

Geral do vilarejo. Casas destruídas. Fogo em algumas delas.

SCULLY: - (OLHA PRA LOLA) Por que Maria está chorando?

LOLA: - (OLHAR PERDIDO NO NADA) Fome.

SCULLY: - ... Por que não a amamenta?

LOLA: - Não tenho leite. Meus peitos secaram.

Scully toma Maria nos braços. Mulder ergue a cabeça olhando pra ela. Scully abre a blusa e começa a amamentar Maria. Mulder enche os olhos de lágrimas, perturbado. Passa as mãos na cabeça.

MULDER: - (AOS GRITOS) Pelo amor de Deus! Há alguns dias aqui e eu estou perdendo minha sanidade mental com tanta miséria! Eu não aguento mais isso!

Mulder sai atarantado pela rua. Scully olha pra Maria, acariciando os cabelos dela.

LOLA: - ... (PERTURBADA) De novo.

Scully olha pra ela.

LOLA: - (PERTURBADA) E de novo... E de novo... De terra em terra, de grão em grão, sem nenhum lugar.

Um carro passa rapidamente por elas. Scully olha em direção ao carro. Lola também.

LOLA: - Juanita.

SCULLY: - Quem é Juanita?

LOLA: - Segunda esposa de Hernandez. É uma boa mulher. Mas não segura filhos. Está esperando mais um. Parece que é menina desta vez. Que Deus a ajude. O sonho de Hernandez é uma menina. E Deus castiga Juanita com raiva de Hernandez.

Scully percebe o carro de Juanita perder a direção e adentrar o campo de trigo.


Corta pra Mulder, que observa os restos do que sobrou da igreja incendiada. Olha pro chão, percebendo um rosário de contas retorcidas pelo fogo.

MULDER: - ... (RAIVA) Milagres... Fé... Gente idiota! Olha o que fez pra eles! Qual é a moral disso tudo? (OLHA PRO CÉU/ INDIGNADO) Você traiu essa gente! Você traiu as pessoas que confiavam em você! Mãe de Deus... Eu não acredito em você, tá me ouvindo? Porque se existisse não ia permitir isso!


Corta pra Scully. Scully corre pelo meio do trigo. Juanita cai pela porta do carro, contorcendo-se de dor, com as mãos na barriga. Scully ajoelha-se ao lado dela.

JUANITA: - Me ajude! Não é hora, mas ela está vindo!

Juanita fica em posição de parto. Scully a ajuda.

SCULLY: - Force!

JUANITA: - (AOS GRITOS) Há algo errado! (CHORANDO) Ela não quer sair!

A mulher se revira de dor. Scully a examina. Olha em pânico pro horizonte. Hernandez se aproxima com os capangas. Desce do cavalo. Empurra Scully.

HERNANDEZ: - Tire as mãos da minha mulher!

JUANITA: - (GRITANDO DE DOR)

SCULLY: - Ela vai ter um bebê! Não temos tempo! Precisa chamar uma ambulância, o bebê está enrolado no cordão!

Hernandez sobe no carro. O carro não funciona. Ele tenta desesperado, mas nada. Juanita grita de dor, se contorcendo.

SCULLY: - Preciso de uma faca! Não tenho alternativa!

Hernandez desce do carro.

HERNANDEZ: - Não vai cortar minha mulher!

SCULLY: - Se eu não cortá-la vai perder as duas! Preciso de uma faca! Encontre uma faca!

Hernandez olha pro vilarejo destruído. Olha pra si, impotente.

HERNANDEZ: - Eu... Eu não tenho uma faca.

JUANITA: - (GRITA DE DOR/ RAIVA) Não era você que tinha tudo? Que não precisava de nada?

Scully olha pra ele com piedade. Hernandez faz um gesto e os capangas voltam em direção à fazenda. Scully tenta acalmar Juanita. Ela grita perdendo forças.

SCULLY: - Só um milagre vai salvá-la! Seus homens não chegarão a tempo com uma faca!

Hernandez olha pra Juanita que grita. Olha pra barriga da mulher. Olha pro vilarejo e sente a impotência de quem dizia ter tudo e pela falta de um objeto apenas, perderá o que ama. Então cai de joelhos no campo de trigo. Olha pro céu, com as mãos em prece.

HERNANDEZ: - Pelo amor de Deus, Virgem Maria! Salva a minha mulher! (CHORANDO/ DESESPERADO) Me perdoa! Pode jogar sua ira sobre mim, mas não sobre elas! Eu imploro, salve a minha mulher e a minha filha! Eu farei qualquer coisa que me pedir, mas me ajude! Salve as duas, por favor.


Corta para o campo de trigo. Pablito, correndo, ofegante, mão no peito, com o canivete na outra mão. Scully ao vê-lo enche os olhos de lágrimas. Pablito cai ao chão, atirando o canivete aos pés de Scully. Scully olha pra ele, olhos arregalados. Tenta socorrer o menino, mas ele não mais respira. Então perturbada e nervosa, ela se volta pra Juanita, tentando se controlar.

Fade in.


Fade out.

Scully ergue a pequenina, retirando o cordão umbilical que a sufoca. Ela chora. Juanita olha pra filha num sorriso de felicidade. Hernandez chora, segurando a mão de Juanita.

SCULLY: - Eis sua menina, Senhor Hernandez. Sua filha.

Scully coloca o bebê sobre Juanita que chora de felicidade. Scully então se volta para Pablito. Hernandez se aproxima.

HERNANDEZ: - Como posso agradecer o menino?

SCULLY: - ... Não pode... Ele está morto.

Hernandez olha para Pablito com olhar de culpa.


12:44 P.M.

A ambulância parte levando Juanita, o bebê e Hernandez.

Scully, sentada no meio do campo de trigo, de olhos fechados, embala Pablito morto em seus braços. Olha pros céus, chorando, rezando baixinho uma Ave Maria.

O sol começa a pulsar forte em movimentos perceptíveis a olho nu. A luz azulada projeta-se por trás de Scully envolvendo ela e Pablito em espectros azuis na forma de um manto, com tênues fios dourados. Scully não se vira pra trás. Olha pro horizonte, num olhar de graça completa.

Corta pra Mulder, que se aproxima do campo de trigo. O vento aumenta de proporção, o empurrando pra trás. Mulder olha pros céus e não vê nada, apenas nuvens que emitem raios esparsos. Uma chuva começa forte. Mulder olha pro campo de trigo. Cada ramo ergue-se lentamente como se voltassem à vida enquanto o solo absorve cada gota de sangue fazendo brotar novos ramos. Mulder observa de olhos arregalados.


Ciudad Del Mexico – Dois dias depois...

[Som: Amiga Mía – Alejandro Sanz]

Mulder come sementes de girassol, ao lado de Scully. Os dois apoiados na cerca de tela, observando os garotos que jogam no campinho de futebol. No meio deles surge Pablito, dominando a bola no pé e acertando um gol. Pablito pula e corre pra fora do campo, se abraçando em Lola, comemorando.

MULDER: - Continuo não entendendo. Você fez os exames no garoto, ele tinha problemas cardíacos. Aí o garoto morreu por isso. Então ressuscitou e não tem mais nada? Como a doença desapareceu no exame que fizeram agora?

SCULLY: - Foi um milagre, Mulder.

MULDER: - (CATATÔNICO)

SCULLY: - Frei José conseguiu um pedaço de terra para as famílias se assentarem. Ele mesmo disse que Deus provê aos passarinhos, quanto mais aos homens. Não estava errado.

MULDER: - ... (OBSERVANDO PABLITO/ SORRI) Ei, ele é bom. Tem futuro.

SCULLY: - (SORRI) Sim, tem futuro. Bem como Lola e Maria. Agora eles têm um futuro pela frente. Esperanças e sonhos.

MULDER: - Acha que aquela família que conseguimos com a ajuda de Juanita vai ficar com eles mesmo?

SCULLY: - São boa gente. Lola está feliz por trabalhar com eles e ter um teto decente para seus filhos.

Mulder olha pra ela com um sorriso.

MULDER: - Você... Eu...

SCULLY: - (OLHA PRA ELE AGUARDANDO RESPOSTA)

MULDER: - ... (OLHA PRO CAMPO DE FUTEBOL) Nada.

SCULLY: - ...

MULDER: - Eu só ia dizer que senti muito orgulho de você em todas as situações que passamos por aqui, enquanto eu já não tinha mais sanidade mental pra encarar as coisas. Nem sei se encararia Hernandez com tanta verdade como você fez sem medo algum e com uma sabedoria que me deixou de boca aberta. Seu lado humano me impressiona, Scully. A caridade que você tem, os gestos de bondade, a força...

SCULLY: - (SORRI OLHANDO PRA ELE/ APAIXONADA)

MULDER: - (SEM OLHAR PRA ELA/ SE FAZENDO DE DIFÍCIL) Senti muito orgulho de você. Só isso. Nada demais.

Scully começa a rir. Afaga o ombro dele. Observa Pablito jogando.

MULDER: - ... Fala.

SCULLY: - O quê?

MULDER: - (CURIOSO) O que você viu naquele campo de trigo?

SCULLY: - Não posso dizer, Mulder. Não poderia descrever em palavras. Nada do que conheço poderia ser exemplo para a magnitude do que eu vi.

MULDER: - Se isso te deixa feliz... Frohike não captou nenhum ÓVNI.

SCULLY: - Eu sei.

MULDER: - ...

SCULLY: - Mulder... Lembre-se sempre de uma coisa: você pode não ter tido carinho de mãe terrestre. Mas tem uma mãe lá em cima que olha por você em todos os momentos. É só falar com ela, ela te responderá. E mesmo que isso seja algo difícil pra um macho admitir... Conte com Ela.

MULDER: - ...

SCULLY: - Acredita Nela, Mulder?

MULDER: - Eu... Eu não sei. Não sei não.

SCULLY: - Vou buscar Victoria e vamos embora.

Scully se afasta. Mulder continua comendo sementes de girassol. Coloca uma na boca, observando o jogo. Arregala os olhos. Retira depressa a semente da boca e coloca sobre a palma da mão.

Close na palma da mão de Mulder. A semente de girassol aberta, esvaindo gotículas de sangue.


X

27/03/2002

9 de Setembro de 2019 às 21:51 0 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

Lara One As fanfics da L. One são escritas em forma de roteiro adaptado, em episódios e dispostas por temporadas, como uma série de verdade. Uma alternativa shipper à mitologia da série de televisão Arquivo X.

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