papironauta Rodrigo Borges

Após seus relacionamentos ascenderem ao coração como fogo, um garoto foge do seu vilarejo - de sua família, amigos, de uma paixão desesperançada - para, sem saber, procurar a si mesmo e criar o homem latente que repousa em seu interior.


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fugas não o levam para longe do que está dentro de você, mas o fazem entender.


Era uma vez um garoto num mundo de papel.


Via-se fraco e emocionado, e se perguntasse sobre sua idade, diria que parecia ser mais novo que seus amigos, mesmo tendo a mesma idade. Meu corpo não possui características de um homem em formação, explicaria.


Suas emoções complicam seus relacionamentos, adicionando a incerteza da impulsividade em suas ações, os arrependimentos posteriores a certas atitudes, ou a demonstração assustadora e boba do amor e do ódio. O apego e os ataques explosivos iam se tornando mais intensos conforme o tempo. Até que, por fim, toda sua insegurança o fez fugir do pequeno vilarejo, dos amigos, da família, e de uma paixão não correspondida em direção ao clã Mardak, tornando-se aprendiz de piromaníaco e queimando todas as ideias que poderiam crescer naquele planalto frutífero de laudas.


Mardak, conhecido como o homem mais viril da tribo, impunha respeito através do medo, atravessando aldeias - ideias escritas nas laudas da terra -, e as incinerando, caso seus criadores não se prostrassem a seu favor.


O garoto cumpriu muitas missões e ganhou prêmios. Tornou-se reconhecido pelos seus ataques de fúria, pelas labaredas de fogo que fazia dançar acima da imaginação dos habitantes daquela terra. Herdou terras forradas de papéis branquíssimos, sem nenhuma gota de tinta, ideais para a diversão de um incinerador que nem ele. Os títulos que seguiam seu nome muitas vezes se tornavam cansativamente impronunciáveis; e seus colegas respeitavam sua carranca inexpressiva e suas cicatrizes fugazes.


Apesar de tudo isso, o garoto não se sentia diferente, e matutou a respeito enquanto faiscava pederneiras. Sentou numa rocha e assistiu uma grande ave descansar na única árvore há quilômetros de distância. A faísca das pederneiras brilhava durante o pôr do sol, e a ave que claramente o encarava nada temia. O garoto, por fim, levantou-se e ateou fogo na árvore. A ave ainda continuou lá, determinada a encará-lo, levantando voo só depois que as chamas ameaçaram engoli-la também. Os olhos do mais renomado piromaníaco do clã Mardak acompanhou o animal até o fogo ofuscar sua visão no horizonte, e depois voltou a sentar na rocha, a assistir o fogo produzido com seu espírito destrutivo dançar na noite que se iniciava.


Ele não se sentia diferente. Por que não me sinto diferente? Por que ainda penso que não cresci, que todos esses títulos foram dados a uma criança?


Olhou para suas mãos de dedos grossos e unhas sujas, para a pele calejada pelo fogo, sentiu a sensibilidade que a noite fria impunha às cicatrizes e percebeu que, apesar de todos aqueles atos que prometiam fazer dele um homem, ainda sentia-se o mesmo garoto magro e emocionado, arrependido de cada decisão impulsiva sua, e que só tinha ignorado esse fato desde o início porque todos ali também se sentiam fracos e emocionados, perdidos em como lidar com suas emoções.


Mas havia algo mais, algo que talvez todos os desertores de causa sentiam: vergonha de ter participado do que há muito tempo participaram. Vergonha... o garoto sentia vergonha; como ele pôde ter destruído tantas possibilidades de histórias criativas com a expressão errônea de suas emoções?


Então, mais uma vez, o garoto fugiu. Deixou suas terras e seus títulos. Abdicou do seu miserável respeito e correu. Ante a sua ausência covarde, o furioso Mardak o declarou como sendo um filho indigno da Destruição.


Não podendo voltar para seu antigo vilarejo e sendo caçado por Mardak, o garoto se remeteu a uma lenda que sua avó um dia tinha contado: o rio Tituhr, um manancial que alimentava as ideias ainda intocáveis da Criação. Mas isso é apenas uma história, dizia ela, agora vá dormir.


... que alimentava as ideias da Criação. Que lugar mais teria o garoto para ir? Não tinha escolha senão ir em direção ao rio Tituhr, cuja direção era clara na história: apenas atravessando a Destruição e resistindo a ela, que se alcançaria a Criação e seu dom. Que outra redenção teria alguém que tanto destruiu senão criar de volta?


Então, apenas colocou um pé atrás do outro, tentando ignorar a solidão que o abatia pela falta de um amor, ou o desejo de queimar algo por conta da presença do ódio. Andou e andou, crente que não importaria se o rio Tituhr fosse verdadeiro ou não, porque, além de se achar incapaz para a jornada, as escassas provisões de mais uma fuga impulsiva o impossibilitaria de alcançar seu mais novo e ainda sem significado objetivo.

28 de Agosto de 2019 às 04:25 6 Denunciar Insira Seguir história
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Leia o próximo capítulo entender que apenas enfrentando seus fantasmas é que se pode aprender.

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Cris Torrez Cris Torrez
interesante,quiero ver que sucede mas adelante..sigue así!!
August 15, 2020, 01:28
Amanda Luna De Carvalho Amanda Luna De Carvalho
Olá, tudo bem? Faço parte do Sistema de Verificação e venho lhe parabenizar pela Verificação da sua história. Sinceramente, seu livro é muito bom realmente. O modo como o personagem se comporta, deixando para trás tudo que fosse importante ou que ninguém colocaria de lado, é deveras interessante. A coerência está adequada. A estrutura utilizada está excelente e compreendi tudo que o texto queria me dizer nas entrelinhas. O senso meio perdido do personagem me fez analisar como nos sentimos meio atrapalhados no caminho também. Os personagens são atraentes e suas emoções dão para perceber aquilo que poderia motivá-los a terem determinadas atitudes. São bastante humanos nos seus erros e nos seus acertos. A gramática está boa, mas notei alguns deslizes e sugiro umas alterações. "e que só tinha ignorado esse fato que reverbera sorrateiramente desde a sua entrada no clã" — Seria indicado trocar "reverbera" por "reverberava", já que o começo do parágrafo começa no tempo verbal do passado. "porque, além de se achar incapaz para a jornada" — Seria mais indicado retirar a vírgula depois de "porque", já que não existe necessidade disso no caso. Esses são meus apontamentos e espero ter sido útil em mencionar isso. Seu livro é maravilhoso e gostei de tudo que li aqui. Eu consegui refletir em como a vida de certas pessoas são erráticas pelo fato de nem mesmo saberem o que devem fazer de verdade. Às vezes, agimos apenas por impulso. Espero que continue escrevendo seus livros e tenha muita sorte em seus escritos futuramente. Até mais!
June 01, 2020, 04:39

  • Rodrigo Borges Rodrigo Borges
    Muito obrigado pelos apontamentos, Amanda, os considerei e fiz minhas edições!! Confesso que foi inesperado o Sistema de Verificação bater aqui de novo, mas sem dúvida o prazer foi maior ainda, então que tenhamos juntos sorte nisso tudo :) June 01, 2020, 05:24
Joel Alberto Paz Joel Alberto Paz
É uma história muito interessante, porque manifesta a complexidade da psicologia humana e expõe aspectos da filosofia da vida.
September 09, 2019, 14:07
Davi Morais Davi Morais
É de certa forma bem filosófica...
August 30, 2019, 22:18
Marcella Holland Marcella Holland
Muito envolvente a história, você escreve muito bem!
August 30, 2019, 16:49
~

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