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Choi Youngjae tem 21, está desempregado e a ponto de ser despejado do apartamento em que mora. Com os piores problemas possíveis, ele acha que encontrou um caminho de luz numa folha de jornal encontrado na rua que oferecia oportunidades de emprego. Mais tarde ele descobriria que aquela vaga não era exatamente o que ele pensava ser.


Fanfiction Para maiores de 18 apenas.

#2jae #youngjae #got7 #mark #bambam #jinyoung #psicose #gatilho #depressão #alucinações
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Capítulo único

Sentindo os galhos quebrarem abaixo dos pés descalços, os pedregulhos pontiagudos os ferirem e a umidade do barro contra os pés, Youngjae corria. Corria por entre as árvores imensas que faziam a floresta ficar ainda mais fria e lhe arrepiando cada pequena parte do corpo. Ele já havia perdido a noção de quanto tempo esteve correndo, notando que por mais que tentasse, não conseguia encontrar a saída de forma alguma. Nenhuma luz, apenas...

Escuridão.

Ouvindo a própria respiração, ofegante e dificultada pelo ar úmido e gélido, ele teve vontade de gritar até que seus pulmões perdessem o ar, no entanto ele sabia que conseguiria, no mínimo, alertar algum animal selvagem e converter-se em refeição. Sua visão estava embaçada pelas lágrimas, o nariz ardia pela vontade repentina de chorar e ele via o vapor sair dos lábios em meio ao nevoeiro em que se encontrava. Desesperado e exausto por tanto correr e nunca encontrar a saída, ele acabou se contentando ao encontrar um pequeno riacho estreito ao seu lado esquerdo, este com pequenos cogumelos, caracóis e minhocas em sua beira, como se a natureza lhe dissesse que aquela água não era própria para consumo...

A não ser que ele desejasse morrer.

Youngjae não se lembrava da última vez que havia visto a luz do sol. Os dedos de suas mãos estavam esbranquiçados, rígidos e doloridos por causa do fluxo sanguíneo diminuído em suas periferias. O sentimento de desolação estava cada vez maior dentro de si, o amedrontando. Ele estava sozinho e perdido, sempre perguntado o que ele encontraria no final do riacho?

Um lago, um rio ou um oceano?

Ele não teve tempo de descobrir. Sentindo uma ferroada em sua panturrilha, algo semelhante a uma picada de abelha, ele notou uma víbora aos seus pés com as presas enfincadas em sua pele. A serpente possuía olhos amarelos, horríveis e sinistros, como se risse da sua cara. O veneno circulando por suas veias ardia como o inferno, ele podia senti-lo subir suas pernas e irradiar por todo o corpo num formigamento estranho. As lágrimas antes contidas finalmente escorreram por sua bochecha gélida e suja.

No entanto...

Seus olhos se abriram, finalmente. O quarto estava escuro, a janela aberta porque era verão e camiseta velha estava ensopada de suor. Não havia som algum com exceção dos carros na rua, mesmo que fosse já madrugada, e de sua respiração acelerada.

E novamente um pesadelo.

Ele colocou os pés no chão, sua garganta precisava de água, quase escorregando ao tocar o solo pelas solas de seus pés estarem molhadas de suor como todo o resto do corpo.

Youngjae encarou da cozinha a porta de entrada da casa, descendo o olhar para os seus sapatos polidos no canto, ao lado do tapete, que o lembrava de que ele havia sido demitido do trabalho apenas alguns dias atrás, e que agora ele nada tinha a fazer a não ser dormir o dia todo, esperando algum milagre —sim, ele sabia que soava despreocupado em relação a isso, mesmo com muitos boletos e o aluguel atrasado—.

Seu trabalho tinha sido por muito tempo a sua válvula de escape, ou distração. Era a única hora do dia em que ele tinha o máximo de contato humano, porque mesmo trabalhando com pessoas ele quase não se comunicava com elas. Resumidamente computadores era o que seus olhos mais poderiam enxergar do que ele gostaria, a tela clara e as fontes pequenas foram os desencadeadores de seus problemas de visão e o motivo dele usar aqueles óculos redondos no rosto redondo.

Youngjae não tinha pais —na verdade ele até tinha, não acreditava ter nascido da cegonha ou algo do tipo—, mas isso não significava que eles foram presentes. Criado desde que se lembrava por gente num orfanato, por freiras, agora com vinte e um anos ele se via livre, mas ao mesmo tempo enclausurado pensando sobre o que alguém com a sua idade e instrução poderia dar ao mundo? Exatamente! Nada!

Ele não era nada. Sentia-se nada. Seu celular não tocava como os colegas das cabines ao lado, com amigos o convidando para uma rodada no bar no fim de semana, também não havia um familiar que o convidasse para um almoço no fim de semana. A única mensagem que ele recebia era a da operadora oferecendo promoções e benefícios caso ele recarregasse seu chip, o que o fazia pensar porque eu o faria se não há ninguém para ligar?

Segurando o copo com água gelada nas mãos quentes, ele sentia o copo resfriar suas mãos e pingar água no chão, o lembrando de que ele deveria tomar a água, mas que antes disso ele deveria colocar os três comprimidos na boca. O olhar ganhando foco novamente, mas dessa vez na janela do quinto andar, notou o céu ainda escuro, mas a cidade toda iluminada, buzinas e efeitos sonoros preenchendo seus ouvidos como se dissessem que ele é o único isolado no silencio de seu apartamento minúsculo o qual ele agora mal tinha dinheiro para pagar.

Youngjae mal tinha forças para chorar ou se lamentar, porque os remédios tiravam até mesmo isso dele. Tirava sua fala, vitalidade e fragilidade, substituindo por um buraco oco, sem sentimentos, o transformando quase num saco de farinha vazio e frio.

“Veja bem, você não tem mais tremores, não se sente inquieto e nem tem vontade de acabar com a sua própria vida!” Era o que o seu psiquiatra dizia, de forma a se vangloriar. Será que ele sabia que Youngjae também não sentia mais nada? Que somente em seus pesadelos ele tinha medo fluindo em suas veias? Mas o que importava de fato era que Youngjae não queria mais terminar com sua própria vida, não importava se ele estava feliz ou não, o que importava é que ele estava vivo.

Ironicamente seu coração batia, mas não vivia.

Voltando para a cama Youngjae pegou os cobertores do chão e se encolheu neles, adormecendo por um tempo que ele não saberia contar quando acordasse novamente, se acordasse —ele realmente desejava que não—. Os remédios realmente lhe davam não só um como vários dias de sono, o que infelizmente não impediam seus pesadelos de surgirem.

Dias depois ele notou que seu celular estava sem bateria, talvez há três dias, ou dez dias, ele não saberia dizer, o que não fazia muita diferença na verdade. Ainda assim ele carregou a bateria do modelo antigo e o ligou não se surpreendendo ao ver apenas mensagens da operadora.

Outro dia ele passou pelo corredor que dividia o seu quarto da sala, visualizando uma carta sobre o tapete que dizia bem-vindo —ironicamente ninguém nunca havia entrado em sua casa, com exceção do eletricista—. Não era uma boa notícia, na certa, já que numa caligrafia digitalizada em Arial 11 lhe dava o aviso de despejo caso não pagasse o aluguel. Ele riu e amassou o pedaço de papel, jogando-o no lixo da cozinha que por sinal estava transbordando não só de lixo como de larvas. Ele realmente havia dormido por tanto tempo assim? Que dia era hoje, afinal? Ele desceu o lixo, lavou alguns copos que estavam sobre a pia e ligou o fogo para passar o último sache de chá verde do pacote, notando que seu armário estava precariamente vazio.

Algumas horas depois ele tomou um banho —detalhe que o chuveiro estava queimado pela segunda vez naquele ano—, vestiu sua melhor roupa, vulgo um terno levemente amassado porque ele não tinha mais um ferro de passar e uma calça social, e encontrou a pasta de currículos na estante da sala. Ele realmente não queria morar na rua, e muito menos em um albergue, então precisava urgentemente de um emprego pensando que, a esse nível ele aceitaria qualquer proposta.

Qualquer proposta, leitor, lembre-se disso.

Duas semanas depois e nada. Nenhuma ligação. Nada de nada. O dono do apartamento apareceu, ele viria cedo ou tarde de qualquer maneira, e exigiu que Youngjae saísse em três dias se o dinheiro não fosse depositado nesse período —ele apenas estava com dó de jogar Youngjae na rua naquele dia chuvoso e ele ficar como um cachorro molhado, então para pesar menos em sua consciência ele o deu mais três dias para arrumar suas tralhas e sumir do apartamento—. Youngjae, nessa situação, não viu opções a não ser a de vender a mesa de jantar e a televisão antiga de gabinete de vinte e cinco polegadas —o que pelo menos lhe renderia mais um mês no apartamento e de quebra uma compra pequena no mercadinho visto que a única coisa disponível em seu armário era uma lata de sardinha e uma caixa de amido de milho—. No fim ele conseguiu mais um mês no apartamento deplorável, com vazamento nos encanamentos e ratos espertos debaixo da geladeira.

A consulta com o psiquiatra era numa manhã de segunda-feira. Youngjae vestia uma calça jeans mais velha do que ele, muito provavelmente, e uma camiseta que havia pegado na banca de doações de uma igreja, o sapato então nem se fale, com um furo na sola, ele teve sorte de que aquele era um dia sem chuva.

Ele roía as unhas quando a porta se abriu, um homem bonito e bem vestido saiu de lá, o encarando de volta depois de dar um simples sorriso em sua direção e ir embora.

O psiquiatra o chamou pelo nome e ele ajeitou as roupas ao se levantar, entrando no consultório.

—Então você está desempregado. Há quanto tempo?

Youngjae assentiu.

—Quase dois meses.

—E como você se sentiu durante esses dias?

Youngjae ergueu o olhar e encarou fundo aqueles olhos verdes e enrugados, querendo rir da cara do médico, ou da sua própria, ele não soube dizer.

Um lixo, obviamente?

—E os pesadelos? —o médico ignorou seu tom sarcástico e contornou com outro assunto.

—Esporádicos. —respondeu direto e curto, friccionando os dedos uns nos outros.

—Isso é um bom sinal. Devo começar a retirar aos poucos as doses e ver como seu corpo reage a isso. —ele dizia sem realmente lhe olhar no rosto. —Você deve saber que não é interessante criar uma dependência pelas drogas, mesmo que elas sejam terapêuticas.

Youngjae se sentia como um animalzinho em experimento. O olhar do psiquiatra em sua direção parecia lhe dizer “pobre coitado, já não há mais solução para você, que tal desistir, uhm?”

—É eu sei. —respondeu, observando a sala repleta de decorações inúteis que provavelmente pagariam três décadas do seu aluguel. O quão fútil poderia ser alguém que gasta fortunas em coisas supérfluas como aquelas?

—Eu espero que consiga um emprego, Youngjae, você tem muita capacidade. —ele o tirou de devaneios sobre a estátua de gesso sobre a mesa de madeira polida, ao lado de um vaso de orquídeas.

Youngjae riu internamente, pressionando os lábios para ocultar o sorriso sarcástico. É claro que sim, pensou ele.

Certo dia, enquanto voltava para casa depois de comprar mantimentos, Youngjae encontrou um jornal na calçada onde um anúncio lhe chamou a atenção para o que dizia precisa-se de homens jovens para trabalhar, benefícios que incluem direito a assistência médica, vale refeição e moradia e um número para contato no canto inferior do anúncio. Não havia nenhuma exigência, o que o fez estranhar, mas mesmo assim gravou o contato.

A voz de um homem soou do outro lado da linha fazendo o estômago de Youngjae se revirar. Ele se apresentou como candidato, revelando seu nome e idade e foi convocado para ir até o local para uma entrevista mais detalhada. Estava tudo muito estranho e misterioso, sem nomes e sem dados para o que realmente seria sua função, mas como não havia nada a perder ele foi.

Vestido numa calça jeans branca —ele se surpreendia com o fato dela estar realmente branca e sem mancha alguma— e uma camiseta azul claro de botões, ele penteou o cabelo e usou o restante do gel que havia no gabinete do banheiro, escovando os dentes e passando um desodorante. Ele sentia uma euforia incomum e rara tomar conta de seu corpo; fazia um tempo desde que ele se sentia daquela maneira. Ele estava feliz, ou superficialmente se sentia daquela maneira. De qualquer forma ele tentou não pensar naquilo e pegou um ônibus até o local indicado no endereço anotado.

Ao chegar ao endereço, Youngjae sentiu seu estômago se contorcer novamente junto com uma onda de náusea. Por sorte ele não havia tomado café da manhã, pensou. Ele tocou a campainha, não demorando muito para surgir uma mulher bonita na porta, impregnada de maquiagem e um perfume forte que fez sua cabeça girar.

—Você é…? —ela tinha uma voz irritante também, mas Youngjae se forçou a sorrir. Precisava causar uma boa impressão, afinal.

—Para a entrevista de emprego. —ele sorriu, notando que ela o encarou dos pés a cabeça e então lhe deu passagem para entrar.

—Siga o corredor, vire à esquerda e depois esquerda novamente. Sala 201.

Youngjae assentiu e seguiu as instruções, chegando na porta de numeração 201 com facilidade. Ele tocou a porta, um som de tranca soou e ela se abriu automaticamente. Ele se lembrou de definitivamente entrar com o pé direito, não que fosse supersticioso.

Havia apenas ele na sala precariamente iluminada com uma lâmpada vermelha. Ele e outro homem, provavelmente o empregador, na cadeira atrás de uma escrivaninha de madeira. Ele quase podia ouvir seu coração bater agora, com um sentimento de medo e apreensão surgindo do seu âmago.

—Choi Youngjae?

—Isso, olá. —ele concordou, tentando enxergar melhor o rosto do homem em sua frente.

Ele possuía um olhar fixo, um maxilar delineado e o nariz fino e afiado. Usava muitos brincos e toda a sua roupa era preta. Ele o achou um pouco assustador para uma primeira impressão.

—Sente-se.—o homem disse.— Pode repetir para mim a sua idade? —ele perguntou novamente, mesmo que ele já soubesse lendo as anotações na folha sobre a mesa.

—Vinte e um.

Youngjae viu um sorriso surgir nos lábios do homem e uma ponta de confusão surgiu em sua cabeça, qual era a graça?

—Quando e qual foi seu último emprego, Choi?

—Dois meses atrás, trabalhei dois anos num escritório como auxiliar administrativo.

—E estaria disposto a mudar de área? Aprender novas coisas?

—Sim, se fosse me ensinado o que fazer, sim.

—Então irei começar a falar sobre a empresa, se surgir alguma dúvida pode me interromper, fique a vontade. Aliás, pode me chamar por JB.

Youngjae assentiu e encostou as costas na cadeira, respirando fundo.

—Somos uma empresa que funciona com trabalhos de terceiros. Oferecemos moradia, se necessário, e outros benefícios que irei te falando assim que a oportunidade surgir. A sua função seria sair com associados da empresa, pessoas, homens e mulheres, que precisam de uma companhia, seja para uma imagem social ou necessidades pessoais.

A mente de Youngjae começou a trabalhar rapidamente, entendendo de fato o que aquele homem queria dizer com necessidades pessoais, mas sem poder de fala ele continuou a ouvir a situação em câmera lenta.

—Você ganha por quantos clientes conquistar, por encontro ou serviço prestado. —ele parou, observando o rosto de Youngjae perder a cor, não se surpreendendo pela reação do garoto. Eram completamente normais reações como aquelas. —Vamos para a parte importante, a faixa salarial. Isso sinceramente depende de muitos fatores, como educação, nível de escolaridade, visual e dentre outras características. Para você... Bem, tenho certeza de que conseguiria o valor que impor aos clientes. A faixa base é de mil reais por cliente, em uma hora de serviços prestados. Nós temos uma ficha de serviços que nossos funcionários se prestam a fazer, ou não, como servir a fetiches dos nossos clientes. Se há algo que você não gosta, poderá assinar na ficha e assim nossos clientes não irão te perturbar. Só lhe será feito o que você permitir, Choi.

Youngjae mal sabia o que dizer, mas se levando em conta a situação decadente que ele estava, ele não via problema em fazer sexo —era basicamente isso o que ele entendia sobre aquele serviço— com desconhecidos. O que ele havia a perder? Caso ele não gostasse daquele serviço, no futuro ele poderia parar correto?

—Você pode ir para casa para pensar melhor no assunto e...

—Quando começo?

Os olhos de JB se abriram em surpresa, sendo substituído por um sorriso.

—Eu preciso de alguns documentos, exames de sangue, você sabe, para a sua e a nossa segurança, e uma segunda entrevista, essa última podemos fazer agora mesmo, se não for um problema para você.

—E como é a segunda entrevista?

—Você precisa tirar a roupa.

Youngjae engoliu em seco, trancando a respiração sem nem notar.

Youngjae concordou, se levantando e empurrando a cadeira com a parte de trás dos joelhos. Suas mãos tremiam pelo nervosismo, ele nunca havia se despido na frente de ninguém a não ser o psiquiatra. E aquela era uma situação totalmente diferente de um exame estritamente profissional.

Ele desabotoou a camiseta azul deixando ela escorregar sobre a cadeira atrás de si e em seguida levou os dedos até o botão da calça jeans branca, deslizando o zíper e a calça juntamente com sua cueca. Aquilo era constrangedor. O olhar pesado daquele homem em si... Ele teve náuseas.

JB se pôs em pé e caminhou até si, tocando seu ombro e abaixando a sua cabeça, alisando a pele de sua nuca. Ele tinha um cheiro estranho ao ponto de fazer a cabeça de Youngjae girar e seu estômago doer desconfortavelmente. Ele deslizou a mão em suas costas e desceu para a sua bunda, apertando a região de uma forma que fez Youngjae soltar um grito contido em surpresa. Ele fechou os olhos de modo firme quando o homem separou as bandas da sua bunda, permitindo assim um ar frio bater em seu íntimo, e se agachou com o rosto de frente para ela.

Youngjae achou que nada poderia piorar, mas ele se enganou quando ouviu JB dizer:

—Coloque um pé sobre a cadeira.

Youngjae queria chorar de tanta vergonha, aquilo era vulgar e intimidante. Ele apalpou seu pênis mole e depois desceu as mãos para suas coxas, deslizando até seus tornozelos.

—Ótimo. —disse ele, se levantando e voltando-se para seu posto. —Pode se vestir, Choi. Como disse antes eu preciso dos seus documentos e irei solicitar um pedido de exames, passe com a Hana na portaria e pegue a via. Será um prazer trabalhar com você, tenha um bom dia.

A porta automática se abriu quando Youngjae terminava de abotoar sua camiseta e ele saiu calçando os sapatos de modo desajeitado.

Depois de muitos dias se passarem, cada um deles sendo exatamente iguais aos outros de uma forma que deixava seu corpo num estado fatigado, Youngjae se via desejando o final do dia para que pudesse prostrar em sua cama, além do hábito recém-adquirido de escovar todo o seu corpo no banho com uma bucha de cerdas duras e água quente para remover a sujeira —embora ele não estivesse com a pele suja de fato, era nojo, nojo ao se recordar dos toques de desconhecidos por toda a sua pele, nojo das vozes em sua cabeça que insistiam em lhe dizer que ele era um sujo e que nada do que ele fizesse poderia torna-lo imaculado como antigamente ele tinha sido.

Cada vez mais no fundo do poço era como realmente se sentia. Ele então pensou, tardiamente, que aquilo tinha sido um erro.

Tudo começou com os tremores, uma hiperventilação estranha e o medo de perder o controle em pleno horário de pico no metrô. Seus olhos se enchiam de lágrimas por absolutamente nenhum motivo e suas mãos escorregavam da barra de ferro pelo suor excessivo. Somando tudo isso, também havia as dores musculares, proveniente do sexo brusco e desagradável. Obviamente seu corpo, além de seu cérebro, tinha também que o lembrar do quão promíscuo ele era com aquelas dores infernais que só se dissipavam quando ele ingeria analgésicos.

Certo dia, enquanto voltava para casa, acabou por se esbarrar num homem desconhecido, este que murmurou ‘nojento’ele gravou muito bem aquelas palavras— que o fez se questionar se aquele homem não o conhecia do bordel, se ele havia visto Youngjae fazendo coisas sujas e obscenas. Só podia ser isso, aquele homem sabia! Ele sabia que Youngjae abria suas pernas por dinheiro, que ele colocava muitos pênis em sua boca e engolia o sêmen caso o serviço estivesse sendo exigido na lista de permissões.

A hiperventilação começou assim que o homem sumiu, virando em um beco, e ele se notou sozinho no meio da rua desértica. A súbita sensação de morte e o corpo agitado, a sudorese nas mãos e têmporas, fazendo os fios de cabelo grudar região. Havia um posto de gasolina algumas quadras a frente e Youngjae não viu melhor alternativa a não ser tentar caminhar até o local para se acalmar já que ficar na rua desértica poderia ser perigoso, aquele homem poderia voltar e...

Ao que parecia, todo mundo sabia agora.

Sujo, sujo, sujo! HA, HA, HA. Youngjae ouviu, como um eco distante, as risadas que ele sabia que eram direcionadas a zombar de si.

Ao abrir os olhos visualizou copas de árvores acima de si e no horizonte um céu cinzento, quase negro, e muitas nuvens sendo arrastadas rapidamente por um vento forte. Ele sentia os galhos abaixo de si beliscar suas costas, ele estava deitado sobre eles, afinal. Ele tinha desmaiado? Há quanto tempo estava deitado na lama próximo aos caracóis e cogumelos? Será que algum deles rastejou sobre a sua boca? Seu estômago se contorceu ao imaginar a cena. Ele sentou-se com dificuldade, sentindo uma dor irradiar por todo o seu corpo enquanto observava o local que se encontrava.

Você é um menino feio! Sujo e feio!

Ele distinguiu uma voz feminina apontando para o medo instalado em seu inconsciente, de forma a assustá-lo. Tentando ignorar, Youngjae se pôs em pé, se escorando em uma árvore e esperando até que tivesse confiança em andar sozinho sem que caísse feito um fruto podre. Enquanto isso ele notava as pernas feridas e a sujeira de lama e lodo nelas, e esteve tudo bem. Tudo bem até ele notar pequenos cogumelos crescendo em seus sapatos. Ele pulou pelo súbito sentimento de asco e removeu os calçados, não tendo duvidas de sentir algo se mover dentro deles quando, de repente, sua mente entrou num circuito e ele vomitou sobre seus próprios pés.

Era o ápice do abismo.

E além de feio é muito, muito nojento! HA, HA, HA! A voz tornou a surgir e aquilo o fez querer chorar, mas ele mordeu os lábios e fechou os olhos com força, desejando que aquilo parasse, pedindo em voz baixa:

—Pare... Pare com isso, por favor. —o desespero era palpável em sua voz angustiante e baixa, quase num sussurro.

Pareceu funcionar, já que em câmera lenta Youngjae ouviu o som de um galho se quebrando, como se alguém estivesse pisando-o. E aquilo não veio dele, não porque Youngjae estava imóvel fazia um tempo. Ele reprimiu a respiração a fim de ouvir melhor se realmente houvesse alguma coisa por detrás das árvores, mas nada, nada além das folhas se chocando no alto das copas e o som da corrente de ar sendo cortado pelas árvores da floresta. Talvez fosse coisa de sua cabeça, sim!

Ele estava exausto, não se lembrava de como havia ido parar ali, mas pelo visto fazia muito tempo, tempo o suficiente para que uma colônia de cogumelos crescesse sobre seus pés, dã!

De repente uma garoa se instalou acima de sua cabeça e o som da chuva preencheu seus ouvidos. E se ele já estava com frio antes, agora então piorou três vezes mais.

Youngjae observou o riacho estreito agora ao seu lado direito, fluindo mais veloz por conta da garoa e decidiu continuar a segui-lo. E para a sua surpresa, não muito tempo depois de caminhada, ele viu algo nunca visto antes naquela floresta... Um farol no horizonte.

Seus olhos se abriram e ele reconheceu imediatamente o teto tingido em tinta vermelha e a luz do lustre brilhando de modo incômodo demais para suas vistas. Ele estava nu, apenas com um fino lençol cobrindo o corpo e sozinho. Youngjae desejou ter o poder de se esquecer de como ele havia ido parado ali e naquele estado deplorável, mas infelizmente se recordava. Recordava-se do toque bruto, da voz grosseira e do rosto daquele homem.

Cedo ou tarde, ele sabia que de alguma forma aquilo poderia acontecer afinal eram os riscos a se pagar com o trabalho imundo. Ele simplesmente sequer estava surpreso com o fato de que havia desmaiado enquanto o homem fazia sexo consigo e insistia em lhe agarrar o pescoço e o sufocar até que ele se sentisse confuso e tonto pela falta de sangue no cérebro —mesmo que em sua ficha de permissões ele restringisse enforcamentos—. Ele simplesmente apagou, e pelo visto só despertou algumas horas depois.

Nesse dia Youngjae voltou para casa com um sentimento de esquecimento, como se sofresse de amnésia, se questionando mentalmente sobre como ele conseguiu se lembrar do caminho para casa. Ele tomou banho com o olhar vidrado no ralo, pensando em absolutamente nada. Ele só queria fechar os olhos e dormir.

Tão exaustivo...

Pouco tempo depois de Youngjae entrar na casa, outro garoto surgiu. Alto, pele branquinha e um rosto gracioso, obviamente muito tímido. Ele estava claramente perdido no ambiente sujo e Youngjae teve pena dele ao ver que ele sequer sabia qual era o seu quarto, carregando uma pequena mochila nas costas. Pena como ninguém nunca teve de si. Por isso não demorou muito para que a sua curiosidade o fizesse se aproximar do menino, buscando mostrar-se um amigo.

Ironicamente o garoto era mais alto que Youngjae, porém três anos mais novo. Sua altura de inicio poderia soar intimidante, mas sua personalidade doce e gentil o deixava macio de um modo que fez com que um sentimento de proteção surgisse em Youngjae. Ele sentiu que precisava cuidar do garoto, que ele era alheio a toda a podridão daquele lugar e às brigas dos outros caras sobre de quem era o cliente rico que eles tanto insistiam em confrontar com agressões verbais e físicas, no pior dos casos.

Kim Yugyeom era seu nome.

O garoto viveu com o pai, alcoólatra, depois de a mãe morrer, por anos sofrendo agressões. Cansado, ele fugiu de casa e por sorte —essas foram as suas palavras— conseguiu entrar para trabalhar no bordel. Youngjae realmente não o julgou e nem opinou sobre nada porque ele não estava em sua pele para sentir suas dores, mas certamente o bordel não era um lugar tão superior assim.

Com o passar dos dias ele notou que Yugyeom perdia o brilho, a inocência e a timidez, dando as caras para uma personalidade soturna e um rosto marcado por manchas e olheiras. Ele sorria menos e chorava mais e Youngjae sabia disso porque era no seu ombro quem ele soluçava a noite toda. “Eu sei que é horrível estar aqui, provavelmente nenhum de nós gostamos do que fazemos”, ele dizia enquanto aninhava Yugyeom em sua cama, com toda a certeza sabendo que nem Mark, Bambam ou Jinyoung —estes também garotos jovens que possuíam uma bagagem histórica, uma diferente da outra, e que viviam nas mesmas condições— gostavam de fazer sexo com desconhecidos ou correr riscos. Youngjae já havia provado da violência uma vez, então ele sabia com veracidade o que dizia para acalentar Yugyeom e mostrar que ele não estava errado em sentir medo daquele lugar. Youngjae acabou entendendo que Yugyeom tinha o coração puro, embora estivesse sofrendo os danos daquele lugar.

Ele se lembrava claramente de como Yugyeom chorou de soluçar depois dele contar a sua história de vida, quando ele havia sido despejado num orfanato e sobre o quão profundamente solitário era. Yugyeom foi muito empático e sensibilizado ao ouvir a sua história, por isso Youngjae também contou que fazia uso de medicamentos controlados para acalmar a mente turbulenta e amenizar alguns problemas de ansiedade que ele adquiriu ao longo da vida.

“Eu não sou tão calmo quanto aparento, na verdade, isso são os remédios mascarando minha personalidade desajustada e confusa”.

Ele não pôde nunca se esquecer da expressão de dor que Yugyeom fez ao ouvi-lo dizer aquilo.

Tudo não estava bem, mas também não era uma das piores situações, isto é, até que algo catastrófico acontecesse no bordel. Para sua própria fatalidade, Youngjae foi o primeiro a descobrir o corpo. Foi como um pesadelo, uma ilusão de ótica muito bem feita, mas o problema de tudo era que era real, o sangue no carpete, os cabelos castanhos com manchas de sangue e grudados em grumos pelo sangue seco, a pele cianótica e gélida, os olhos petrificados e as pupilas dilatadas, além de, é claro, a pior parte: os hematomas nas costelas e no pescoço, indicando que aquela havia sido uma morte terrivelmente dolorosa. Youngjae quase podia ouvi-lo gritar e pedir socorro, mas ninguém ouviu os seus gritos, ninguém veio ao seu socorro, ninguém o salvou das mãos de seu agressor e, ninguém, além dos integrantes da casa, pessoas que sequer se preocupavam de fato com Yugyeom, estaria lá velar seu corpo.

Ninguém.

We are the nobodies

(Nós somos os ninguéns)
We wanna be somebodies

(Nós queremos ser alguém)
When we're dead

(E quando morrermos)
They'll know just who we are

(Eles saberão exatamente quem nós somos)

E todo o acontecimento fez Youngjae se questionar sobre quando seria a sua vez?

Contudo, apesar da desolação e do sentimento de desemparo, Youngjae não achou que sentiria uma ira de dimensão tão descomunal como estava sentindo agora, ao descobrir que não haveria um velório digno e nem um enterro para o corpo de Yugyeom. Aquilo era hediondo demais.

—E o que vão fazer com o corpo? Quer dizer, se perdemos as provas o assassino sai impune e...

—Choi, fique quieto. —JB proferiu em seu ouvido enquanto eles aguardavam do lado de fora do quarto alguns homens retirarem o corpo e mexerem na cena do crime.

—É monstruoso saber que vocês lidam dessa forma quando um de nós é brutalmente assassinado dentro desse lugar. Eu jamais serei conveniente com isso e quando...

De repente JB apertou a pele dos seus ombros de uma maneira que quase deslocou os ossos de sua clavícula, o fazendo grunhir de dor ao cair de joelhos no chão.

—Entenda a sua posição, Choi.

E de fato, ele entendeu: eles eram os ninguéns.

A partir do dia da morte de Yugyeom, Youngjae não conseguia pregar os olhos, sempre ouvindo um choro agonizante e perturbador em sua mente, mesmo que estivesse em seu apartamento. Nem mesmo os remédios estavam ajudando naquele caso, por isso bolsas negras e profundas se formaram abaixo dos seus olhos e os ataques de ansiedade vieram com mais força. Ele não conseguia comer, dormir e muito menos trabalhar naquele estado, já que pela falta de energia seu corpo acabava apagando e ele desmaiando devido à exaustão e falta de nutrientes.

—O que está acontecendo, Choi? Os clientes estão infelizes com você, recentemente.

Youngjae tinha o olhar fixo numa caneta vermelha sobre a mesa de JB, notando cada pequeno detalhe, desde as pedras minúsculas de diamantes até a caligrafia bonita no papel abaixo dela. Se assustando com a cena que criou em sua cabeça, diga-se de passagem, a caneta enfincada no olho de JB, ele balançou a cabeça tentando dissipar os pensamentos e ergueu o olhar.

Ele abriu entreabriu os lábios, pronto para dizer algo que nem ele mesmo havia conseguido ordenar em pensamentos, mas obviamente nada saiu deles a não ser um suspiro. Ele encarava o rosto de seu cafetão —ele odiou pensar dessa maneira, era como Mark o chamava— e então fechou os olhos.

—Como você espera que eu trabalhe num local que sequer preza pela minha segurança? —ele disse ainda de olhos fechados, se negando a ver a expressão de indiferença do homem à sua frente. —Eu posso morrer a qualquer momento. —ele sorriu achando a ideia até que tentadora, ele nunca quis viver de qualquer forma. —E saber que meu corpo será jogado numa vala no fundo dessa casa não me conforta em nada.

—Não faça um drama, Choi. Esqueça aquela criança!

Drama. Drama?

Youngjae estava tendo pesadelos envolvendo os gritos sufocantes de Yugyeom e JB o denominava de dramático? Pesadelos que envolviam Yugyeom preso no caixão depois de acordar... “Eu não estava morto, vocês me enterraram por engano!”

Ele despertava todas as noites de um sono mal dormido com pedidos de socorro, a roupa ensopada de suor e um sentimento de morte. Nem mesmo os ansiolíticos ou sedativos estavam ajudando com a situação, talvez até piorando porque se de uma forma não ajudava, a dose elevada lhe dava de volta muitos efeitos colaterais.

—Quer saber? —ele suspirou, encarando JB fixamente nos olhos. —Eu tô fora, arranje os meus documentos que eu estou me demitindo.

Ele não havia nada a ganhar e nem a perder, com exceção da sua saúde mental já muito danificada. O que antes ele estava tentando tratar, hoje se afundava duplamente nos pesadelos e nas crises que iam e vinham. Youngjae sempre tinha sido alguém com problemas, mas nunca, em hipótese alguma, seria complacente com aquilo. Na verdade, já estava na hora de consultar seu psiquiatra e ajustar as doses dos medicamentos, bem como começar uma terapia —o que já havia sido indicado pelo médico há meses—.

Ele se surpreendeu e um arrepio percorreu sua espinha quando ouviu o som da risada estridente de Jaebum. Seus olhos eram negros e brilhantes, os dentes alinhados lhe direcionavam um sorriso cruel e de escárnio.

—Você é muito cômico, Choi, sinceramente. —ele de repente parou de sorrir, se aproximando ao colocar as mãos sobre a mesa para um melhor apoio e inclinação de um modo a deixar seu rosto quase aderido ao de Youngjae. —Não existe a possibilidade de você sair... A não ser que seja pelas portas do fundo, assim como Yugyeom. —ele disse num tom muito, muito baixo.

Um pavor avassalador o engoliu, transformando toda a luz em escuridão e toda a esperança em terror. Era como se uma mão pesada o afundasse num poço profundo até que seus pulmões estivessem cheios de água impossibilitando-o de respirar. JB teve exatamente esse efeito sobre ele, utilizando-se apenas palavras.

Então ali mesmo ele teve a certeza de que Yugyeom não havia morrido por engano.

—Está me dizendo que terei o mesmo destino de Yugyeom caso eu saía daqui e te dê as costas? —ele se afastou lentamente de JB, deixando de sentir a respiração alheia cair em seu rosto, firmando as mãos nos braços da cadeira para reprimir o nervosismo que o tomou.

Ele estava com medo. Finalmente havia algum sentimento surgindo em si, o que o surpreendia, mesclando com a adrenalina em seu sangue. Os medicamentos haviam tirado tudo dele, até mesmo sentimentos simples como alegria, empatia e raiva, e Yugyeom havia de alguma forma, trazido todos eles de volta.

Youngjae não conhecia JB. Não sabia o que ele era, nem de onde viera e muito menos até onde ele poderia ir se cumprisse com suas palavras. Eles tinham um relacionamento estrito a trabalho e se viam menos de cinco vezes num mês inteiro. Mas agora, de uma forma estranha, Youngjae sentia que realmente estava conhecendo aquele homem em sua frente e era, literalmente, monstruoso.

—Talvez um pouco pior, eu não sei, isso varia do meu humor. —ele se afastou e desceu o olhar para a clavícula de Youngjae exposta pelo robe vermelho e transparente de seda, observando a pele leitosa. —Você realmente é apreciado pelos clientes, então eu não posso simplesmente... —JB subiu os olhos para os de Youngjae e sorriu. —Dar um fim em você.

Youngjae ouviu o som da saliva descer sua garganta e desviou o olhar para o quadro atrás de JB. Ele nunca havia notado o quão detalhista era a pintura egípcia naquela sala, bem como as cores vibrantes. Ele fechou os olhos sabendo que era uma estratégia de seu inconsciente que tentava distraí-lo do medo. Ele então sorriu, assentindo para JB de uma forma que deixava claro que ele havia entendido o recado e saiu da sala.

Dessa vez, chegando próximo ao farol, Youngjae se viu rodeado por corvos. Muitos corvos acima dele crocitavam tão alto que em certo ponto chegou a ser ensurdecedor e medonho. Ele subiu o que parecia ser uma colina, entendendo que, ao invés de seguir o fluxo do riacho, ele partiu do contrário do fluxo da água.

Ele chegou ao farol acompanhado dos corvos, que sobrevoavam ainda mais baixo agora através do céu cinzento e obscurecido por relâmpagos, notando que ele estava, provavelmente, na parte mais alta daquele lugar e que sim, havia um oceano —era tão óbvio agora o cheiro da maresia—do qual ele não conseguia enxergar o fim. Ele se viu isolado em uma fortaleza, rodeado por água, árvores e... Corvos.

Youngjae pisava cuidadosamente descalço nos pedregulhos, sentindo os músculos do corpo doerem pela longa caminhada ao mesmo tempo em que uma garoa começava a cair sobre a cabeça. Havia uma porta no farol, ele caminhou até ficar de frente para a madeira velha e entrou. Talvez fosse uma boa ideia se proteger da chuva e do frio lá dentro...

No entanto, ao abrir a porta, sua primeira reação foi cair de bunda no chão ao visualizar um corpo pendurado pelo pescoço numa corda, fétido e em decomposição. Ele não soube decidir de momento se fazia o caminho inverso ou entrava à esquerda para subir a escada estreita do farol, mas poucos segundos depois ele tapava o nariz e corria as escadas acima, ouvindo a porta de madeira bater e a chuva se apertar, com o coração disparado e a mente assombrada.

Youngjae abriu os olhos. Sinceramente ele já estava se cansando de toda aquela merda.

Dessa vez também não foi diferente, seu coração estava acelerado e o suor era presente, molhando os lençóis. Suspirando fundo achou irônico o clima do lado de fora, através das janelas de vidro, que era idêntico ao de seu pesadelo. Aquilo causou um sentimento de confusão entre o sonho versus a realidade, era como se em certo ponto ele não conseguisse distinguir o que era real.

Colocando os pés no chão, ele sentiu o toque da realidade, ouvindo o som da chuva bater na janela e o som dos carros andando no asfalto molhado. O cheiro de café invadindo seu sistema, bem como o cheiro de massa caseira. Pela primeira vez ele notou que sentia-se faminto, então como era seu dia de folga daquele inferno ele saiu para comer num café recém inaugurado próximo.

Youngjae adorava dias chuvosos, o sentimento de pisar nas poças e o som que as gotículas faziam sobre seu guarda-chuva, a brisa refrescante, mas o interior das lojas bem aquecidas. O outono era uma de suas estações favoritas.

Enquanto esperava o café, Youngjae aproveitou o tempo para observar a movimentação da rua através das janelas. Pessoas iam e vinham, alguns com capas de chuva, outros guarda-chuvas e outros sem nenhum dos dois, recebendo a chuva no topo da cabeça. E naquele momento ele se sentiu cheio de algum sentimento que ele não saberia expor, mas era algo como angústia e felicidade ao mesmo tempo. Ele invejava a vida daquelas pessoas, embora soubesse o quão idiota era sentir inveja de uma vida que ele sequer conhecia. E se aquela mulher sorridente apanhava do marido? E se aquele homem havia acabado de perder o emprego e possuísse uma família a sustentar? Eram realmente muitas possibilidades.

O café chegou junto com a massa folhada, a xícara por si só estava fumegante, e ver a fumaça saindo do copo foi um sinal de que ele deveria tomar cuidado. No entanto, antes que tocasse na refeição do prato, Youngjae deixou o olhar cair do lado de fora uma última vez, e então foi quando ele viu Yugyeom parado, do outro lado da rua, vestido somente com roupas pretas e um olhar pesado e exausto, olhando em sua direção. Seu coração deu um baque e seus olhos se arregalaram, buscando ajustar a visão e constatar se não era algo de sua imaginação.

Mas nada mudou, Yugyeom continuou parado no mesmo lugar por alguns segundos antes de se virar e dar as costas para Youngjae, sumindo no beco escuro detrás. Obviamente Youngjae não conseguiria comer nada depois do ocorrido que o aterrorizou de uma forma que fazia suas mãos tremeram tanto ao ponto de fazê-lo derrubar várias notas de dinheiro sobre a mesa e correr para fora, indo em direção ao beco.

Ele atravessou a rua tão desnorteado que não notou o carro vindo em sua direção, este que felizmente brecou a tempo de não o atropelar. Youngjae andou entre as pessoas, às vezes topando o corpo com quem andava na calçada até que finalmente pudesse enxergar o beco de frente. Não parecia haver nada ali, mas a dúvida não seria saciada se ele não fizesse o que achou que deveria então ele entrou no breu.

Constatando que nada havia ali, com exceção de lixos e ratos, o que fez seu nariz se enrugar e seu estômago doer, Youngjae sentiu o corpo se amolecer após a tensão causada pela adrenalina fluir e se dissipar, e seu corpo lentamente voltando ao normal.

Por acaso estava tendo visões anormais sobre a realidade?

—Eu sinto que você esconde muitas coisas Youngjae. —o psiquiatra disse de modo sutil, sem soar de uma forma que o cobrasse por ser omisso sobre a sua real situação. —Você só me diz o que está na superfície, e, sinceramente, não há possibilidades de o tratamento funcionar dessa forma.

Youngjae continuava a olhar a estátua nova no consultório. Quanto custava aquela?

—Se você me diz que está vendo uma miragem de alguém que já morreu, significa que há algo muito profundo acontecendo e que era alguém apreciado, já que posso notar angústia em suas palavras... Mas...

Youngjae notou uma breve preocupação na voz do médico, se voltando a olhar em seus olhos.

—Me diga, você pode não só vê-lo, mas ouvi-lo?

—Por enquanto eu não tive nenhuma comunicação com Yugyeom, ele apenas aparece e se vai tão rápido como veio. —ele pressionou com o indicador e o polegar os olhos, suspirando. —Eu estou tão cansado, meu emprego é uma merda suja e eu me sinto podre por dentro.

—Você ainda não me disse sobre o seu novo emprego, Youngjae. O que há de tão ruim nele?

—Oh, sim... —ele riu em escárnio de sua própria situação, como ele diria? —De peão de escritório, eu basicamente me tornei um garoto de programa? —ele não notou mudança de expressão no médico, e confiando em sua compreensão continuou a falar. —Eu me sinto nojento, pessoas que eu não conheço me tocam intimamente e... Tudo naquele lugar é um terror. Ás vezes sinto que coisas nojentas estão se instalando em mim, os pesadelos... Tenderam a piorar. Na penúltima vez cogumelos estavam nascendo dentro dos meus sapatos, a lama e o cheiro de lodo, as criaturas rastejantes... É como, se de alguma forma, meus pesadelos dissessem como eu realmente me sinto na realidade.

Youngjae ponderou muito bem sobre dizer ou não sobre Yugyeom, sobre o que realmente aconteceu de fato no bordel e o assassinato, mas acabou por descartar a ideia por hora.

—Pensei em reduzir as doses conforme avançamos com o tratamento, mas Youngjae, nós não avançamos basicamente nada, o oposto disso, regredimos. Quero que entenda que o que vê não é real, esse garoto, Yugyeom, está morto, você entende? Infelizmente não vejo outra opção a não ser adicionar outro medicamento em sua prescrição. Quero que entenda que é importante você seguir as doses e horário, e que deve procurar um psicólogo para também acompanhar o seu tratamento, me entende?

Youngjae concordou. Ele estava decidido a tentar o tratamento e a sair do bordel, queira JB ou não.

Por isso ele não se importou em voltar para o bordel nos outros dias, nem mesmo quando mudou seu número de celular, jogando o outro fora, e largou o apartamento do jeito que estava avisando o locatário que estava de mudança.

Em sua nova casa, um pouco mais confortável que a anterior —ele havia ganho um bom dinheiro em menos de quatro meses no bordel—, onde não havia mais vazamentos e pragas nos buracos, ele se via confiante em se tratar. Ele tentou ler, assistir seriados de comédia e até a conversar online com outras pessoas, buscando distrair-se. O medicamento parecia funcionar, os pesadelos caíram para menos da metade, as alucinações já não existiam mais, sendo o único lado negativo o ganho de peso repentino e insônia, embora este último fosse facilmente resolvido com o sedativo já prescrito pelo psiquiatra.

Passando os dias em descanso, ainda grogue pelos novos medicamentos que seu corpo não era habituado, Youngjae se via adormecido na maior parte do tempo, independentemente do horário. E infelizmente esse fato foi o que desencadeou novamente as alucinações, porque dormindo tanto como estava Youngjae se esquecia das medicações e passava as vezes o dobro do tempo permitido sem a medicação, e quando finalmente acordava ele sentia imediatamente que havia algo de errado.

O primeiro sinal de que as coisas estavam decaindo novamente foi ver que Yugyeom em pé, em frente a casa, e abaixo de uma árvore, encarando-o. Um pânico se instalou quando ele notou que ele sustentava uma faca na mão e que, depois de olhá-lo no rosto, Youngjae notou pela movimentação de seus lábios ele dizer “venha”. Obviamente ele fechou as janelas e as cortinas, se isolando até mesmo da luz solar.

No dia seguinte começaram com os toques na campainha, Yugyeom era insistente, apertando com o indicador o objeto sem parar, quase o enlouquecendo. Youngjae podia vê-lo pela fresta da cortina, e ele estava tão próximo, ainda segurando a faca de ontem. Ele não viu outra saída a não ser chamar a polícia.

Os policiais chegaram rapidamente, mas Yugyeom tinha ido embora ao notar as sirenes.

—Você pode vir conosco na delegacia nos fazer uma descrição detalhada?

Youngjae concordou, mas com a condição de que eles o trouxessem de volta e em segurança para casa.

Chegando em casa ele tomou adequadamente os remédios, para o seu sossego evitando por dias as alucinações que envolviam Yugyeom segurando uma faca. Ele estava mais calmo depois de quase duas semanas do ocorrido e de ter comunicado a polícia, nada fora do normal havia acontecido.

Alguns dias depois uma carta apareceu em sua caixa de correios, não era uma conta de energia e nem qualquer outro boleto, já que não havia nada escrito nela, toda em branco. Ao abrir, notou uma caligrafia digitalizada que lhe dizia muito bem saber o que ele estava fazendo e onde estava.

De JB,

Querido Youngjae, queria lhe dizer que nossos clientes sentem falta de você. Eles perguntam pelo seu nome todos os santos dias “quando ele vai voltar?” E eu me sinto muito angustiado em mentir para os meus clientes por sua culpa!

Eu entendo que a vida aqui não é fácil, e eu sinto muito sobre o que ocorreu com Kim Yugyeom. Mas para que você não fique com receio de mim, decidi revelar o porquê daquele fim trágico.

Yugyeom não era quem você achava que era. Basicamente e diretamente falando, ele era alguém infiltrado em nossa casa para dar informações sigilosas a policia. Sinceramente, um traidor de primeira! Ele te enganou da mesma forma que a nós, e para que acredite em minhas palavras, deixei um CD junto com a carta, ouça-o!

Espero que tome a melhor decisão, por você e por nós.

Euforicamente Youngjae procurou o CD dentro da carta e o colocou no rádio portátil, ansioso e silencioso ao ouvir até mesmo as respirações do que ele logo identificou ser de Yugyeom.

“Aqui é Kim Yugyeom, Haeeso. Está me escutando? —a voz parou por um breve momento e logo ele voltou a falar. —Eles estão transportando drogas através da rota sul, onde possuem menos vigilâncias e a estrada é de terra.”

“Não, eles não desconfiam de nada. Infelizmente tive que me tornar um cara sujo, assim como esses outros pobres coitados, para que acreditassem veemente em mim. Espero receber uma boa recompensa por este trabalho, sinceramente.”

Os áudios eram, em suma, breves diálogos que entregavam Yugyeom como um homem astuto e inteligente, bem como asqueroso. No entanto, Youngjae ainda assim não acreditava. Yugyeom poderia muito bem ter sido forçado a falar aquilo, antes de sua morte, para que se fosse justificado seu assassinato. Ele nunca mais voltaria para o bordel, mesmo que Yugyeom fosse de fato o que JB tentava mostrar.

Mais dias se passaram, e certo dia, ao invés de ver Yugyeom em sua porta, tocando a campainha, Youngjae percebeu JB ali. Ele estava vestido todo de preto, com um capuz lhe cobrindo o rosto, no entanto Youngjae conseguiu ver brevemente seu rosto quando o mesmo ergueu a cabeça, logo após tocar a campainha pela segunda vez, e sorrir macabramente. Agora era ele quem utilizava uma faca nas mãos, sorrindo de uma forma medonha com um olhar vidrado.

Ele correu a tomar seus remédios —embora já os tivesse feito naquela manhã e as doses estivessem corretamente adequadas—, trancando e apagando as luzes da casa toda, pegando apenas o celular caso a casa fosse invadida e ele pudesse ao menos ligar para a polícia. Ele acabou adormecendo profundamente.

Tão profundamente ele dormiu que acordou dias depois, com a bateria do celular zerada e desorientado sobre ser dia ou noite naquele instante. Estranhamente sua pele coçava, ele a sentia úmida e às vezes sentia que algo estava rastejando por ela, embora ao verificar, não encontrava nada. Com o passar das horas os sintomas só pioravam, a pele coçava tanto que ele sentia as unhas rasgarem a pele e um ardor desconfortável.

[Quinze dias depois...]

O dono da casa apareceu, tocou a campainha por diversas vezes, mas não foi atendido. Tentou ligar no celular do jovem que havia alugado a casa há um mês e meio, buscando lhe avisar sobre o atraso do aluguel, mas sem sucesso, não viu outra saída a não ser estourar o cadeado e entrar na casa, sentindo imediatamente o fedor putrefato.

Menos de uma hora depois uma ambulância estava parada na frente da casa e o médico atestava o óbito, sem saber de fato o que havia acontecido com o corpo já em decomposição há mais de dez dias, sendo algo que chamou a atenção os cortes em todo o corpo, como se ele tivesse tentando o suicídio ditamente falando.


[Cinco dias depois...]

URGENTE: O corpo do jovem encontrado e identificado como Choi Youngjae, 22, no dia dezessete de dezembro, após passar pela pericia, foi-se constatado morte por perda de sangue devido aos diversos cortes feitos através de uma faca, além de muitas marcas do que se constatou ser das unhas do próprio. O jovem entrou em choque pela perda de sangue ao perfurar uma das artérias do pulso e acabou por vir a óbito. Sabe-se que Youngjae vinha realizando tratamentos psicológicos devido à ansiedade generalizada e depressão psicótica, classificada justamente por alucinações visuais, táteis ou auditivas. Saiba mais em:...

1 de Agosto de 2019 às 12:36 1 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

_adrenalin . Apenas alguém que está se formando numa profissão totalmente paralela à escrita, mas que ama mais que tudo escrever e deixar as ideias fluir. Às vezes se perguntando qual o motivo de ter nascido se não esse for o de escrever?

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MEU DEUS DO CÉU, O FINAL AAAAAA. A sua história me prendeu do início ao fim e eu gostei que você deu um final realístico. Obviamente que o Yeongjae não se apaixonaria pelo Jaebeom e com certeza ele não ficaria bem por não seguir as prescrições do médico e não tratar dos traumas em um psicólogo. Amei tudo, sério. Você escreve muito bem.
March 25, 2021, 12:15
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