auraetheral aura etheral

Namjoon é um orgulhoso cientista que decidiu ir atrás de prestígio e viajou no tempo para o obter. Contudo, conheceu o exótico Hoseok, por quem se apaixonou, desviou do objetivo e se viu preso em um beco sem saída, arriscando seu presente e o futuro do outro nos poucos dias que tinha e não pôde ultrapassar.


Fanfiction Bandas/Cantores Impróprio para crianças menores de 13 anos.

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Part 1

[- 18 de fevereiro de 2491 -]



Eu devia parar de me martirizar tanto. Não importa quantas vezes eu tente mudar, o que foi feito no passado definiu todo o meu presente. É a teoria do caos me assombrando: deixe de piscar por cinco segundos e cause a cegueira na raça humana cinquenta anos depois. Foi burrice achar que não seria o mesmo, mas me acostumei tanto a ele que esqueci de tudo e só quis me dedicar ao que tínhamos no pouco tempo que nos restava. Ainda assim, estraguei o meu presente e a vida dele.

Simplesmente, não posso seguir em frente e considerar como um mero aprendizado quando por cinco anos tenho encarado o túmulo de pedra corroído pelo tempo e coberto de musgo, um dos poucos ainda de pé em sua cidade natal no dia de seu aniversário. Queria poder voltar e consertar, porém seria o mesmo que o matar de forma diferente. Já calculei as probabilidades, as lacunas e eventos favoráveis, contudo, a única solução seria não ter ido ao passado em primeiro lugar.

Meu orgulho me levou à minha própria perdição. A viver um dia após o outro sem propósito algum. Eu geralmente conto a ele o que fiz durante o ano, mas, desta vez, eu não fiz nada. Passei trezentos e sessenta e cinco dias trancado em meu quarto remoendo e desistindo a cada minuto.

O moreno dos cabelos ondulados era único em seu falar, sorrir, agir e pensar. Em pouco tempo, eu já me encontrava encantado com ele. Mas eu não devia tê-lo conhecido, apesar de ter sido inevitável. E pensar nisso não conserta o erro, não muda o fato de ter perdido o meu amor.



[- 23 de julho de 2018 -]



Aterrisso num matagal. Quase torço o pé, mal equilibrando o cilindro conversor de antimatéria e o de oxigênio em minha mochila, no entanto, a queda não foi evitada. Meu cérebro parece chacoalhar no crânio, a luz do sol está forte demais e pontos pretos pairam à minha frente. Fecho os olhos para controlar meu organismo agitado por adrenalina e energia remanescente no traje sintetizado a partir de ligas de titânio. Minha pulsação acelerada e meu ofegar geraram o calor e o suor escorrendo por minha testa. Aperto o botão de destrave e puxo a pequena alavanca na lateral esquerda de meu corpo, fazendo com que o macacão se solte e seja sugado para a bolsa nas costas. Livro-me do peso, respirando fundo o ar quente e seco do local. Acabo tossindo no processo, mas consigo me acostumar ao ambiente depois de longos minutos.

Sento-me, alisando o cabelo. Se meus cálculos estiverem certos, devo estar em Ilsan. Muitas informações já se perderam, então é difícil saber com precisão como as coisas eram há mais de quatrocentos anos. Só o fato de estar aqui já é um grande feito.

Há sessenta anos, viagens temporais foram proibidas por questões de ética e, principalmente, preservação da história. Entretanto, eu não pude permitir que os “Senhores Atômicos” desmerecessem quaisquer antecedentes não provenientes das grandes metrópoles. Pessoas de fora desenvolveram equipamentos e sistemas que embasam as sociedades atuais. Meus ancestrais são alguns deles. Não podem ser esquecidos por “nobres” mimados que roubam invenções de quem se esforça. Nada que os foi mostrado bastou e, já que é assim, estou aqui para pegar a prova mais válida de todas.

Pelos registros, ela foi enterrada com um dos meus tatata-reticências-avô e nunca foi encontrada após o início da nova era, em meados do século vinte e dois. Dois mil e dezoito foi o ano antes da mudança geológica nas placas tectônicas, causada por um asteroide que nunca conseguiram abater, alterando o solo. É o limite que ouso voltar.

Pego em um dos bolsos o display com a contabilização do tempo que tenho para concluir minha missão – dez dias. Abro o mapa holográfico. O relevo mudou bastante ou eu não estou em Ilsan. Especificamente, Ilsandong é onde devo ir. Na “casa da floresta” descansa um Kim importante, com algo de valor ainda maior para mim.

De acordo com o que tenho, preciso ir a noroeste. A estrada diante de mim vai de norte a sul, parando em algo, uma rota que desvia do que quero. Talvez seja melhor perguntar a alguém. Coloco-me de pé, limpando a poeira das roupas e pondo a mochila nas costas. Tomo o sentido em que há som de veículos circulando. Olho melhor ao redor, há poucas construções e automóveis parados. Mais à frente, vejo uma pessoa vindo a meu encontro. O homem estava para entrar no estabelecimento à esquerda, mas eu o impeço.

– Ei, pode me informar que lugar é esse? – disparo.

Ele me encara estranho, franzindo as sobrancelhas e arregalando os olhos. Nega rapidamente com a cabeça, dando-me as costas, e atravessa as portas. Fico com raiva de sua atitude. E eu achando que as pessoas deste tempo eram mais educadas. Mas tudo bem, posso falar com outros de onde entrou.

Empurro a porta e o cheiro de comida me ataca. Jamais meu olfato captou algo tão forte e bom. Está registrado que as comidas perderam seus odores e sabores originais com o passar do tempo, só que eu não imaginei que era tanto assim. Invejo um pouco os que aguardam sentados por seus pratos. Como deve ser o gosto?

O mal educado de outrora me observa. Ignoro-o, indo até o atendente atrás do balcão. Um garoto mais baixo que eu, de olhos grandes castanhos como os cabelos.

– O que deseja, senhor?

– Hã, quero saber que lugar é esse – gesticulo para que suas irises vidradas me compreendessem. – Que distrito é esse?

– Aqui é Deokyang, senhor – piscou, confuso.

Assenti. Eu realmente calculei mal. O pior é se estou muito longe a ponto de ter de atravessar o país. Talvez, dez dias não sejam o bastante.

– Para que direção fica Ilsandong? – pergunto, ainda sendo analisado pelo menor.

– Se pegar a via expressa, passando por baixo do metrô, chegará lá em minutos – explicou. – Se quiser ajuda com seu aplicativo...

– Não, está tudo bem – o interrompo.

– Bom, o senhor ainda pode se orientar pelas placas – acrescenta, desconfiado.

A forma como fica dizendo “senhor” está me irritando. Tenho certeza de que não sou tão mais velho que ele.

– Sim, obrigado – curvo-me de leve.

– Bem, o senhor deseja algo do cardápio? – aproveita para vender seu produto.

– Não, estou bem – eu nem trouxe dinheiro desta época por desconhecer as propriedades exatas que o tornaria válido.

Saio do local e procuro por placas na estrada. Lembro de ter lido em algum lugar sobre elas serem espalhadas pelas ruas. Bem arcaico. Ainda bem que inventaram transportes autônomos. Ouço o mesmo som de porta abrindo e fechando que fiz. Uma mão surge em meu ombro, me assustando.

– Woh, o que...? – giro meu corpo.

São os cabelos ondulados escuros e a pele queimada de sol do homem que se recusou a me responder com decência. Que audácia.

– Você não pode fazer isso – diz sério.

Era só o que faltava.

– Agora decidiu falar comigo, é? – desdenho. Ele aperta um pouco o contato, rindo.

– Desculpe, mas você me surpreendeu – entorta um pouco a cabeça, estreitando o olhar.

– Que seja – afasto-o na intenção de me retirar, no entanto, ele segura meu braço.

– Não pode ir a pé, é perigoso – insiste.

– E o que você tem a ver com isso? – rebato, tirando sua mão de mim.

– Só estou tentando ser legal – ele ergue as mãos na defensiva.

– Já teve sua chance – desvio o olhar, impaciente.

– Você não é um cara de dar segundas chances? – sua cabeleira negra surge em meu campo de visão, os olhos piscam atentos feito uma criança curiosa.

– Só quando sei que vale a pena – retruco, o estudando de cima a baixo.

O mal-educado joga os fios para trás, sorrindo largo e arredondado. A luz do sol vem de encontro as límpidas maçãs de seu rosto, os olhos quase se fechando permanecem mirados em mim.

– E como sabe que não valerá a pena? – desafia-me, com as sobrancelhas subindo e descendo.

– Não vou perder meu tempo com você – tento escapar de novo, mas ele continua à minha frente.

– Sério, é perigoso. Você mal sabia onde está, placas e informações não são o bastante para te orientar onde desconhece. E nem todo mundo é gentil.

– É, eu percebi – o fito, insinuativo. Ele ri de nervoso.

– Eu conheço um pouco dessa área, posso te ajudar – arruma a postura.

– E eu deveria confiar em você? Sinceramente, você é tão estranho para mim quanto eu sou para você. O que vai ganhar com isso? Planeja vender meus órgãos no mercado clandestino?

– Não – abana a mão à frente do rosto. – É um pedido de desculpas. Você está perdido e eu te tratei horrível. Odiaria se fizessem o mesmo comigo. E se acontecer algo com você, me sentirei culpado por te negligenciar.

– Pouco me importo se pesará em sua consciência – coço minha têmpora, desinteressado.

– Certo, vou ter que apelar de outro jeito – mexe nas mechas sobre a testa. – A condução aqui demora e não tem ar condicionado. Já o meu carro é bem mais confortável e não faz paradas – sorri de lado. Uma covinha surge no canto, a mesma falha genética que a minha. – Estou indo para Ilsandong, não será incômodo.

– Não ligo se te incomodará ou não – ajeito a mochila nas costas. – Não quero é ser incomodado.

– E não será – assegura de forma apressada. – Mas, antes, vamos comer algo. Pago o seu – pisca atrevido, com um olho só.

Parece até que eu concordei com a carona, contudo, também não recusei, e nem a oferta de comer uma das comidas cheirosas do restaurante. De carro será mais efetivo, chegarei rápido e poderei voltar bem antes do término do prazo.

Espera, como ele sabia que eu planejava ir a pé?



[- 18 de fevereiro de 2491 -]



Estou olhando para a lápide há tempo demais. Você não se ergueria para vir me abraçar, se ergueria? Na verdade, continue aí. Seria assustador. Levanto-me, não posso voltar tarde para casa.

– Oh, como ele está? – no meio do caminho encontrei com o senhor Kang. Ele é um dos responsáveis por cuidar do distrito de Gwangju.

Só as grandes cidades são habitadas, as demais partes do país estão estregues ao relento. Apenas alguns pontos são preservados por conter histórias milenares e Gwangju é um destes. Infelizmente, ainda é um descaso por parte dos governantes direcionar pessoas consideradas “velhas demais para realizar tarefas complexas” as fazendo de “seguranças de antiguidades”, contudo, o senhor na terceira idade, sorrindo como um adolescente, não parece se incomodar com um fato tão escancarado.

A pergunta que me foi feita, se refere, obviamente, ao estado da lápide. Afinal, Hoseok já se decompôs há dezenas de anos. O senhor está sozinho no turno de hoje, não pode olhar um por um. Usa o sistema para fazer uma varredura geral.

– Um pouco gasto, porém ainda firme – retribuo o sorriso.

– Por que não o leva consigo? Muitos têm feito isto. É melhor manter por perto do que se deslocar toda vez – sugere, gentil.

– A ideia não é ruim, mas prefiro deixá-lo onde a família dele está – sigo mais adiante e o senhor Kang dobra um dos caminhos.

– O senhor tem um nobre coração, doutor Kim – observo suas costas se afastando.

Talvez agora eu tenha, mas, há anos, não tinha. O orgulho pode deturpar bastante a mente de alguém, assim como o amor. Fui arruinado pelos dois.

Tomo a direção da saída. O sol já quer se esconder nas montanhas, alaranjando as semi ruínas. Suspiro ar quente no ambiente gelado, projetando-o e algo mais aparece à minha frente. Um corpo em holograma? Não está definido.

O que é você? – pergunta distante, mas familiar.

A altura, a pose relutante, o tom da voz... Não pode ser. Aproximo-me, um flash de luz me cega momentaneamente e, quando volto a mim, cabelos escuros, sobrancelhas juntas, lábios delineados entreabertos e um corpo esbelto trajando roupas de verão, dando passos para trás, me encara.

– Hoseok... – falo soprado e incrédulo.



[- 23 de julho de 2018 -]



Sento-me de frente para o estranho. Ele sorri gentil, porém misterioso. O que esconde por trás dos orbes perspicazes? Ajeito melhor minha mochila entre minhas pernas no chão.

– De onde tirou a ideia de que eu iria a pé, senhor estranho? – apoio um braço na mesa, o encarando profundamente.

– Sua mochila – toca a própria face com a ponta dos dedos. – E a maneira como a segura. Parece um aventureiro tecnológico errante – ri de leve.

– Só isto? – duvido de sua sentença criativa, entretanto, fraca.

– Sim, o que mais queria que eu dissesse? – mantém o contato visual sem hesitar.

– Algo mais convincente – rebato, arqueando uma de minhas sobrancelhas.

Gargalha, batendo palmas quatro vezes.

– Não imaginei que você fosse tão divertido – e seu rosto parece brilhar.

Penso em retrucar, mas uma funcionária se aproxima com seu carrinho cheio de pratos, tigelas e a mistura de cheiros mais alucinantes que já senti. Como deve ser o sabor? A mesa é ficando lotada com comidas variadas de cores apetitosas. Contenho um pouco da saliva excessiva que minhas glândulas expelem, para comentar:

– Você ia comer isso tudo sozinho? – deixo minha desconfiança bem nítida.

– Haha, não – abana a mão, retraindo o canto da boca. – Eu pedi mais antes de ir te convencer. Ah, obrigado – agradece a mulher quando ela termina e pisca, sorrindo de lado, o que a encabula. – Faça suas escolhas – volta-se para mim, atencioso.

– Hã, eu não sei – estudo cada um dos pratos. – Pode me dizer a composição de cada um?

– “Composição”? – a pele morena se estica, rindo. – Fala sério! Nunca comeu nenhum deles?

– Não – No meu tempo, nada disso existe mais, penso. Mas só penso mesmo. – Vivo fora do país.

– Sei... – entendo com a zombaria em seu semblante que não o convenci. – Estamos quites agora – estreito meu olhar, porém ele só umedece os lábios, levantando as sobrancelhas. – Que tipo de comida não gosta?

– Não tenho certeza – penso um pouco mais. – Frutos do mar não tem um cheiro atrativo para mim.

– Certo, então fique com o haejang guk – aponta para a tigela marrom escura à minha direita. – Nada de peixes e bastante robusta. Você vai gostar. Kimchi, é claro – mostrou um prato perto de si. – Deixo o tteokbokki como cortesia e – vasculha, girando as irises – a sobremesa! Bungeoppang – indica massas em forma de peixe, franzo a testa. – Calma, só tem formato de peixe.

– É, não faria sentido um doce feito de pescado – falo.

– Não duvide da capacidade humana – alerta em tom de brincadeira.

Sorrio, preparando minha primeira colherada. O vapor sobe preenchendo minhas narinas despreparadas para o baque do cheiro mais gostoso que já senti. Tonteia-me momentaneamente, mas logo elevo a mão para experimentar.

É a melhor comida do mundo!

Forte, consistente, intensa, revigorante, deliciosa, a melhor que já comi na minha vida, o que eu precisava em dias de indisposição e tristeza. Poderia comer isso sempre. Morder a carne macia, beber o caldo viciante. Riria à toa com esta pequena felicidade, que, na verdade, é fundamental. Como ousaram perder os sabores das comidas como se fossem triviais? É extremamente importante sentir o gosto de algo tão bom. O mundo seria um lugar melhor se todas as pessoas pudessem se alimentar bem assim. Por isso o futuro é uma droga.

A tigela já está na metade quando noto que não parava de direcionar a colher à minha boca a cada espaço que se esvaziava nela. Devo parecer um esfomeado. Limpo meus lábios com um guardanapo. Sinto que estou sendo observado e não dá outra. O estranho me analisa com uma centelha de curiosidade nas esferas castanhas escuras.

– O que foi, estranho? – pergunto, para disfarçar meu constrangimento.

– Você é fofo comendo – fala simples. Meu rosto esquenta e não é por causa do calor do haejang guk. – Sua pele está combinando direitinho com a quentura da comida – sorri galanteador, voltando a comer. Fico completamente sem jeito, pela primeira vez na vida. – A propósito, meu nome é Jung Hoseok. Pare de me chamar de “estranho”, senhor estranho – acrescenta, não levantando os olhos para mim. – Qual o seu nome?

– Não é relevante. Apenas me dará uma carona, nunca mais nos veremos após isso – sou propositalmente seco. Ele não tem que lembrar de mim quando tudo acabar.

– Sério? Vai me deixar mais tempo esperando? – larga o talher na tigela de barro para me mirar indignado. Um pouco exagerado de sua parte.

– Do que está falando? Não sou obrigado a te dizer nada.

– Ah, espera – ergue as mãos e fecha os olhos pedindo tempo. – Foi mal, equívoco meu. Esqueci de um detalhe. Que fã de Douglas Adams eu sou não pensando nisso? – ri consigo. – Mas, enfim, me diga seu nome. O que te custará?

– Muito – A linha temporal, por exemplo.

– É um nome tão diferente que abriria uma fenda no tecido da realidade? – pisca.

– Não é para tanto – gesticulo em repreensão.

– Então, fala! Juro que o tratarei como uma “palavra execrável”, se quiser – faz um “x” com os dedos indicadores e os coloca sobre a boca.

– Meu nome é comum – suspira, derrotado. – Namjoon. Kim Namjoon.

– Oh, Senhor Presidente! – Hoseok abre a boca em um perfeito “o”.

– O quê?

– Esqueça. É finamente um prazer te conhecer, Kim Namjoon – sorri, agarrando minha mão sobre a mesa e a apertando. Puxo-a de imediato, um tanto nervoso. Sua mão está quente, é fina e delicada, porém também firme como a expressão de seu dono para mim. – Por que está tenso?

– Você está invadindo meu espaço – respondo, mais inseguro do que gostaria.

Jung fica com os olhos distantes e os dedos tocando os lábios, parecendo se lembrar de algo. Ri abafado, como se tivesse achando graça da recordação, então acena indiferente.

Terminamos de comer em silêncio, para meu alívio. Posso apreciar cada sabor novo em sua totalidade, sem ter que me concentrar no que dizer para o intrometido de pele bronzeada. Vez e outra me lança olhares enigmáticos. Ele paga a conta nada barata e saímos do estabelecimento. Joga as mechas onduladas para trás em um gracioso movimentar de dedos. Está refrescante diante dos raios chamuscantes do sol, com sua camisa de mangas curtas e a bermuda abaixo do joelho. Parece um cara comum que não me fará mal, contudo, sei que nessa época pessoas aparentemente boas podem ser as piores. Qualquer coisa, uso um pouco do hidrogênio que tenho para o abater.

Paramos de frente para um veículo baixo, prateado e reluzente. Os carros deste tempo são estranhos.

– Vamos? – fala e o automóvel apita.

Abro a porta do carona com um pouco de receio. Não tenho certeza de como funciona e noto que é mais arcaico e estranho do que imaginei. Não consigo fechá-la apropriadamente. Hoseok tem de se esticar e a bater com mais força do que eu teria coragem de fazer. Ele se vira para mim. Está muito perto e dentro do carro está ficando muito quente. O que está fazendo? Eu estou prestes a empurrá-lo no desespero, mas ele se afasta antes, puxando uma espécie de fita preta. Encaixa-a na lateral de meu assento e faz o mesmo no próprio. Consigo soltar o ar que nem sabia que havia prendido. O moreno gira o pescoço em minha direção com um sorriso sarcástico.

– Vou ligar o ar condicionado. Estragará todo o meu estofado se ficar mais molhado do que já está – dá a partida olhando para frente, sem tirar o atrevimento do semblante.

Nem chego a responder. Não tinha palavras para retrucar. No retrovisor ao meu lado, posso ver o quão vermelho fiquei com sua fala.

Idiota.

– Ponha sua mochila atrás – sugere.

– Não, ela fica comigo.

– Está com medo de quê? – De um sacolejar abrupto causar uma explosão, penso. – Não vou roubá-la. Pode pôr até o cinto nela.

– Prefiro ela aqui – persisto, a colocando entre minhas pernas.

– Certo – encerra a discussão, negando com a cabeça.

Saímos do estacionamento para a estrada e logo uma via de acesso a principal que nos levará a Ilsandong. O tráfego está moderado para às... Não sei que horas são. Tento olhar discretamente para o relógio no pulso do Jung, entretanto, está no braço esquerdo, em ângulo desfavorável. Tiro uma pequena mecha de cabelo sobre minha testa, desistindo. Não quero falar com ele. Posso acabar abrindo uma brecha a qual não conseguirei tampar, mesmo que seja apenas para saber as horas. De alguma forma, ele está brincando comigo e eu não quero encorajá-lo a continuar.

A paisagem não é muito bonita. Enormes campos de mato seco, construções aqui e acolá. Ao longe, colinas verdes e escassas. Meu presente não mudou tanto disto, todavia, há marcas de envelhecimento terrestre e descuido governamental. Aqui é só abandono.

– Vai aproveitar a viagem ou me contar onde exatamente em Ilsandong vai ficar? – Hoseok quebra o silêncio. A gravidade de sua voz me assusta por um instante.

– Hã... – perco a linha de raciocínio o observando concentrado na direção e movimentando a mandíbula de um lado para o outro. – O mais perto que me deixar de Yeongcheonsa será o bastante.

– O Santuário na floresta? – surpreende-se.

– Santuário? – As informações que tenho é de que é uma casa.

– Sim, um Santuário Budista – franze as sobrancelhas. – Você é budista?

– Não. Por que a pergunta? – recosto de vez no banco, o encarando.

– Curiosidade. Quero saber mais sobre você – sorri de lado, a falha genética aparecendo. – O que faz da vida, Namjoon?

– Eu cuido dela, Hoseok – ele gargalha de forma divertida.

– Não precisa ser tão difícil. Relaxa, eu não vou fazer nada de ruim contigo. Sério – aperta um pouco o volante.

– Não precisa tentar ser meu amigo também – rebato, desinteressado.

– Nossa, você é cruel – curva os lábios para baixo, desacelerando o carro. Estamos chegando à civilização. – Gosto do seu temperamento. É bem viril.

– “Viril”? Isto não faz sentido – Que cara estranho.

– Para mim faz – sorri de novo. – Quer que eu te explique como faz sentido? – seu tom tem segundas intenções.

– Não, eu passo – volto minha atenção para a janela.

– Você é um estraga prazeres. Não sabe se divertir? – o veículo vira para a direita.

– Não tenho tempo para isso – sou indiferente.

– Então, sua visita ao templo é a trabalho? – questiona, agudo.

– Não! – exaspero-me de imediato, logo me arrependendo. – Quero dizer, sim. Argh, eu não tenho que te responder.

– Mas respondeu. O que vai fazer lá?

– Nada que seja da sua conta – eu já estou ficando irritado com ele.

– Só quero ajudar – fala, entristecido. – Dependendo do que for, posso ser útil.

– Não preciso de você, ok? Vá fazer seja lá o que veio fazer aqui – reviro meus orbes.

– Não devia rejeitar solidariedade tão facilmente – me censura, sem me fitar.

– Pois estou certo em suspeitar de cada atitude sua – retruco, rude.

– Tudo bem, você tem um ponto – concorda, mesmo que relutante. – Nos conhecemos há menos de duas horas. Impossível confiar em alguém em tão pouco tempo. Vou parar de falar – seu semblante escurece.

É melhor mesmo que pare de falar tanto, porém eu não me sinto bem vendo como seu brilho se esvai. Tem que ser assim, Namjoon. Ele não pode se lembrar de mim depois disto. Os anos passarão e eu serei apenas um cara que ele um dia deu carona. Nada mais. O tempo será preservado.

Depois de alguns minutos, canso de visualizar os prédios e miro o painel do automóvel. Nada de mostrar o horário. Pensei que ao menos nesta época já existissem relógios em quaisquer “modernidades”. Bom, de acordo com a sombra projetada das construções, o sol está baixo. Quem sabe, esteja por volta das dezesseis horas.

Espio Hoseok de esguelha. Feição séria. O silêncio está sendo bem incômodo, admito. Por que estou preocupado por tê-lo chateado? Não devo encarar isso com ossos do ofício. Mas algo nele me intriga. Como esperado de uma pessoa desta época, é bastante diferente das que sou obrigado a lidar todos os dias. Sua energia é forte e eu a diminuí com meu ato grosseiro. Ele parece ser uma boa pessoa. Espero que seja feliz.

Damos mais algumas voltas até ele parar o carro em uma área de estacionamento autorizado. Minha pele queima sentindo seu olhar sobre mim, enquanto tento me entender com o cinto de segurança. Ele ri um pouco, os olhos cintilando.

– Obrigado – agradeço, estranhamente tímido. – Tenha um bom restante de viagem – curvo-me.

– Por que está se despedindo? Vou te acompanhar até lá em cima.

– Não! Qual é o seu problema? – disparo, exasperado.

– Eu estou preocupado. E se você se perder no meio do mato? – responde na mesma altura.

– Por acaso você é o meu pai? Não vou me perder – paro e respiro fundo. Ele faz menção em rebater, no entanto, sinalizo para que me ouça. – Agradeço tudo que fez por mim. Sério, muito obrigado – curvo-me novamente. – Agora siga com sua vida, Jung Hoseok – esboço um pequeno sorriso e abro a porta.

Meu braço é segurado no processo. Viro-me para encarar as sobrancelhas juntas, um olhar suplicante e lábios entreabertos, querendo dizer algo. Porém muda de ideia, desviando as irises, soltando-me e sorrindo sem graça.

– Não há de quê, Kim Namjoon – acena.

Fecho a porta e rumo para o pé do morro. Evito olhar para trás, só que meu corpo age primeiro. Consigo ver Hoseok apoiado no volante e me observando. Ele só vai embora quando eu sumir de sua vista. Aperto o passo e, em seguida, já estou envolto de plantas muito verdes. Pego meu display no bolso menor da mochila, abro o mapa, porém algo mais à frente chama minha atenção. Madeiras fincadas no solo e cordas. Marcação de trilha. Corro até lá. Consulto o localizador para ter certeza da direção que devo ir e o guardo, arrumando o peso nas costas. A caminhada será longa. Tenho que me apressar e chegar antes que escureça.


–––


Tudo me dói, principalmente as costas. Meus olhos e garganta ardem, minha boca está seca. Água. Como pude esquecer justo dela? Meu corpo não aguenta mais. Preciso beber algo e me jogar na minha cama macia e confortável. Suspiro. O céu está muito laranja. Droga!

Felizmente, avisto construções de madeira e lanternas tradicionais já acesas. Arrasto-me para lá. Tem duas pessoas rezando diante de estátuas, jarros e fumaça de incensos em um dos templos, além de uma loja vazia. Será que eu terei de revirar tudo ou procurar alguém para me ajudar?

Dou uma volta pelo lugar e encontro um monge segurando um jarro dourado andando no último templo.

– Com licença – o chamo. – Onde fica o mortuário?

– Jovem, este santuário não possui mortuário – responde, calmo.

– O quê? Sério? Mas nem mesmo os papeizinhos simbólicos? Fui informado que aqui tem algo desse tipo.

– Não, meu jovem. Aqui é apenas um refúgio – permanece inabalável.

– Certo – repenso minha abordagem. – O nome Kim Kyunho lhe é familiar?

– Desculpe. Muitos vem aqui, não consigo decorar o nome de todos – lança-me um olhar condescendente.

– Ok, obrigado de qualquer forma – me curvo em respeito.

Não acredito que fiz tudo isso para nada. Como meu ancestral pode “descansar” em uma casa na floresta bem aqui, se, na verdade, é um santuário que não presta homenagem especificamente aos mortos? Está tudo errado. A não ser que... Foi um lugar significativo para Kim Kyunho e a esposa enterrou suas cinzas com o manuscrito sem que ninguém de fora da família soubesse. Mas onde? Não é por aqui perto. Teria sido pega. A floresta, é claro.

Ah, não. É como uma agulha no palheiro. Que droga. Por que dificultaram tanto? Afasto-me, voltando à vegetação densa. Suspiro fundo, programando o display para que começasse uma varredura do terreno. O solo possui uma mistura grandiosa de substâncias decompostas e poluentes. As plantas absorveram muito da fumaça dispersa no ar, proveniente das fábricas do país vizinho. Então, elementos químicos próximos ao de cinzas estão confundindo o sensor. Se eu soubesse antes, teria trazido mais equipamentos para fazer uma leitura adequada do subsolo. O fato de ser um caderno velho, com folhas de papel feitas de árvores não ajuda. As cinzas foram jogadas na terra, caso contrário, teria sido detectado algo metálico, porcelana ou madeira envernizada. E, pelo jeito, o rascunho sequer foi envolto por um tecido. Talvez, se eu configurar para localizar algo semelhante a tinta da caneta que usou, facilite.

“Não encontrado.”

Argh! Preciso do meu equipamento para isso!

Metade da minha vida sendo diminuído, mais dois anos trabalhando direto na “máquina do tempo” para, no final, estar aqui: no escuro da noite, jogado no chão, sendo picado por insetos voadores, morrendo de calor e estresse, me sentindo completamente um perdedor por ter desperdiçado tudo na minha vida e não ter conseguido nada.

– Você é um completo idiota.

Sim, eu sei. Não precisa me lembrar disso, consciência.

Espera...

A uns dois metros de mim, está a figura esbelta de Jung Hoseok me julgando de cima. A lanterna do celular está acesa e apontando para a árvore ao meu lado.

– O que está fazendo aqui? – pergunto, guardando o display na mochila.

– Escureceu e você não tinha descido. Senti que tinha algo errado, então vim – se aproxima. – Não pode ficar aqui alimentando os insetos com seu sangue. Vamos voltar – estende a mão.

Eu estou cansado demais para discutir. Apenas aceito e me levanto com sua ajuda. Ele nada mais diz durante o caminho e muito menos quando entramos no carro. Só verifica se coloquei o cinto certo e logo estamos em movimento.

Apreensivo, desconcertado e sujo é uma boa maneira de me definir no momento. Tenho tanto o que pensar para descobrir uma solução, tanto o que agradecer e me desculpar com o homem na direção e muito o que limpar após ter me aventurado na mata. Necessito dormir e espairecer. Seja lá onde Jung está me levando, espero que tenha uma cama confortável, meu corpo e mente gritam por isto.

Percorremos um trajeto demorado. As ruas estão engarrafadas e as luzes da cidade se embaçam na minha vista exausta. Quando chegamos à uma área aberta, quase fico cego. É muito iluminada. Consigo distinguir a silhueta de um prédio e “The MVL” na fachada do edifício menor. Estamos entrando nele e descendo para o subterrâneo. Hoseok para em uma das vagas.

– Ei, acorda – estala os dedos, chamando minha atenção. – Já, já você vai dormir, ok? Vem.

Com ambos fora do carro, ele tira uma mala de trás do veículo, aperta um botão na chave e ele apita. Acena para mim, o acompanho. Entramos em um elevador grande e espelhado. Eu já estive cercado de coisas realmente luxuosas, mas reconheço que este lugar, nessa época, é sim um luxo. Aqui é um hotel? Esse cara é rico, por acaso?

Chegamos ao andar e direcionamo-nos à recepção decorada em pedra e madeira com um rapaz aprumado que nos recebe, curvando de leve a cabeça.

– Boa noite, sou Jung Hoseok – o moreno o cumprimenta.

– Sim, Jung Hoseok-ssi – balança a cabeça, parecendo se lembrar. – Sinto informar, senhor, devido à decisão de mudança em cima da hora, não pudemos trocar sua suíte para a que solicitou. Contudo, lhe oferecemos uma segunda suíte ao lado da reservada. O senhor aceita?

O moreno comprime os lábios em dúvida, então nega com a cabeça.

– Não, ficarei apenas com uma – responde, ficando vermelho.

– Certo, senhor – o concierge puxa uma ficha de registro acolchoada e a deposita à mesa. – Assine aqui, por favor.

Jung o faz, com a caneta tinteiro oferecida.

– Seu tempo de estadia continua em aberto, senhor? – indaga o rapaz, tranquilamente.

– Sim – Hoseok responde com certa urgência, as bochechas coradas feito maçãs maduras.

– O quarto do senhor é o de número quatrocentos e doze, quinto andar – entrega um cartão. – Quer que levem sua mala, senhor?

– Não, está tudo bem – apressa-se novamente.

– Bem-vindo ao The MVL. Estamos à sua disposição, senhor. Basta nos chamar através dos telefones presentes em seu aposento – curva-se cortês. As covinhas do moreno surgem ao sorrir em retribuição.

Em seguida, ele agarra meu braço e me arrasta de volta para o elevador. Está ofegante, vermelho e trêmulo.

– Você está bem? – indago, o mirando de cima a baixo.

– Não, mas um dia ficarei – retruca de imediato.

– Por que está assim?

Jung cerra as pálpebras por um momento, regulando sua respiração. As abre, me encarando nos olhos.

– Uma única cama de casal, para nós dois. E acabei deixando tão evidente meu nervosismo que ele vai tirar conclusões erradas da situação – dispara.

– Devia ter aceitado o segundo quarto, já que está incomodado com isso – opino, debochado.

– E perder você de vista? Não mesmo – é enfático.

– Então, arque com as consequências – coço meu pescoço, indiferente.

Ele expressa claramente sua indignação, mas nada diz. Gira a cabeça, bufando.

Chegamos ao andar, caminhamos pelo límpido corredor de cores neutras e carpete decorado. Paramos diante de uma porta marrom de design moderno. Hoseok passa a chave eletrônica que libera a trava.

A suíte não é assim grande e impressionante. Entendo que para essa época, é sim luxuosa, mas, para mim, é só mais um quartinho. Já damos de cara com as portas amadeiradas do banheiro, uma cômoda também de madeira e um espelho na parede. Virando à minha direita, um sofá para dois lugares com almofadas e uma mesa de centro acompanhando. Uma mesa de escritório com cadeira está de frente para uma das duas janelas de vidro que cobrem a parede toda e dão uma visão privilegiada das luzes noturnas da cidade, um monitor e um telefone também se encontram ao lado. Poltronas e uma mesinha de frente para a janela estão à direita da cama de casal e à esquerda desta está o acesso ao closet. Aconchegante o suficiente para alguém como eu que só quer dormir neste exato momento.

– Ei, quer que eu peça alguma coisa para comer? – Hoseok pergunta enquanto analisa o closet por dentro.

– Não, eu só quero desmaiar logo – ele ri.

– Tome um banho antes – comenta divertido. Não penso duas vezes em largar minha mochila em algum canto e correr para o banheiro. – Mas guarde suas coisas antes... Você já foi? Inacreditável.

Me dispo e entro no box. O registro é manual e com botões. Que arcaico. Ligo, a água cai gelada, dando-me choque. Sinto meus músculos relaxarem no contato constante. Massageio cada centímetro de meu corpo, me ensaboando. Parece que eu não tomo um banho há anos.

Wow! Que mochila pesada – ouço a voz abafada de Jung vinda de fora. – Você além de grande, é forte. Acho que estou me apaixonando – ri.

– Não mexe nela – grito.

– Calma, só a colocarei no armário- AH! – um barulho de algo caindo.

– O que aconteceu? – se ele a chacoalhar demais, metade do país some do mapa.

– Relaxa, eu que tropecei.

Suspiro. Tenho que ser mais cuidadoso.

Termino o banho. Abro uma das gavetas do cômodo e puxo uma toalha. Ah, não. Esqueci de pegar minhas roupas. Vou ter que sair só de toalha. Porém, para meu consolo, ao lado das toalhas há roupões dobrados. Visto um e saio secando o cabelo.

– Uh~ Sexy – o moreno sentado na cama pisca um olho, sorrindo.

Paro o que fazia para o encarar.

– Olha, eu não te entendo – falo.

– Eu também não te entendo. Já que está querendo me decifrar, podemos trocar algumas ideias – arqueia a sobrancelha maliciosamente.

– Não, você é contraditório – justifico. – Flerta comigo o tempo todo, mas está com vergonha que nos vejam juntos aqui. Ou você está só brincando comigo, ou você é daqueles que está... Como se diz aqui? Hã... Dentro do armário?

Ele me observa, lambendo os lábios lentamente.

– A questão não é se estou no armário ou não. As circunstâncias que são impróprias – responde, sem desprender o olhar de mim.

– “Impróprias”? – repito, mudando o peso de uma perna para a outra. Seu mirar me deixa nervoso. – Você me parece ser bem confiante. Ou tudo é só fachada?

– Não sei como as coisas são de onde veio, mas aqui elas não são tão fáceis – cruza a perna de modo que seu pé fica em cima da cama, bem sério. – E é “impróprio” porque estou aqui à trabalho.

– Ah, isto explica – penso alto.

– Explica o quê? – indaga, com desdém.

– Você não parece o tipo de pessoa que pode pagar por um lugar desses e ainda por tempo indeterminado – ele tamborila os dedos sobre a perna, me fitando de forma afiada. Engulo em seco e continuo. – Seu carro é decente, mas não de última linha. Algo que pessoas que frequentam esse lugar têm. Só poderia ser o trabalho pagando sua estadia.

– Ponto de vista interessante – desdenha novamente, curvando a boca. – Seque o cabelo antes de se deitar – faz menção em se levantar.

– Com o que trabalha? – pergunto distraído, indo em direção ao closet.

– Hum? Sua curiosidade sobre mim é novidade – travo, me virando para ele, que volta a sentar e entrelaçar os dedos sobre o colo.

– Não é curiosidade – retruco.

– E o que é, então? – insiste.

– Você fala tão facilmente que comentar sobre seu trabalho poderia ser pequeno – explico, hesitante.

– Haha... Não é isso – nega com a cabeça. – Eu muito disse, só que nada sobre mim, o que acabou despertando sua curiosidade subconsciente – cruza os braços, sorrindo confiante. – Como você não me falou do seu trabalho, eu também não falarei do meu.

– Argh, que palhaçada – despejo.

– Te digo o mesmo – contesta.

– Que seja – rolo os olhos. Ele ri.

– Bom, Senhor “Interessado em Saber Mais de Mim” Não Assumido – se levanta, pegando algumas roupas sobre a cama. – Não estava doido para desmaiar? Fique à vontade. Ou a curiosidade te tirou o sono?

– Ainda estou cansado – rebato, levemente irritado.

– Ótimo, descanse – indica a cama.

– Vamos ter que dividi-la – faço uma careta.

– Não se preocupe – anda até a porta do banheiro. – Sou até mais decente que meu carro. Não vou te assediar enquanto dorme, se é o que está pensando – fecha a porta.

Idiota, jogo a toalha de raiva no sofá. Visto as roupas que trouxe do meu tempo e me lanço na cama.

Tentando alguma gracinha ou não, estou preparado para o enfrentar. Ele acha que dando em cima de mim, meu ego inflará e ficará tudo bem? Tenho meus princípios. Só porque me acha atraente, não significa que me deixou contente. Nem o meu coração acelerou e meu rosto esquentou imaginando-o deitado a poucos centímetros de mim. Estou bem calmo, ouvindo a ducha ligada, ele se banhando e...

Dorme, Namjoon. Cálculos probabilísticos te aguardam de manhã.



[- 18 de fevereiro de 2491 -]



Como sabe meu nome? – recua mais.

– Eu te conheço – respondo, tentando segurar o choro.

Mas eu não te conheço – mantém a guarda.

– Em que ano está? – fungo. Não posso perder a noção, mesmo que a falta que sinto dele seja maior que o mundo.

Está mesmo perguntando isso? – permanece desconfiado.

– Sim – acabo por rir anasalado.

Dois mil e dezesseis, óbvio.

Dois anos antes... Isso explica. Sorrio.

– Ainda iremos nos conhecer.

Como assim? – ele parece relaxar. A curiosidade fala mais alto.

– Saberá quando nos encontrarmos – sorrio singelo.

O moreno fica confuso, não seguro a risada. É maravilhoso vê-lo novamente, porém, também triste. Continuamos em tempos diferentes e eu ainda interfiro em sua vida.

Como chegou aqui? – agora não parece ter medo.

– Também está no Cemitério Nacional em Gwangju? – umedeço meus lábios ressecados de frio, aguardando sua resposta, enquanto uma brisa quente passa por nós e levanta os cabelos dele.

É um nodo temporal espontâneo. Seu lado é quente e verde. Deve ser verão. Hoseok se senta na grama, me encarando de baixo.

Sim, mas por que está de casaco? – arruma as pernas em posição de lótus.

– Estou no inverno – conto. – Não tente entender, quanto menos souber, melhor.

Hum... Mas eu já sei o que está acontecendo – alisa o queixo, me analisando. – Você está no futuro, não é?

– O que te fez chegar a este pensamento? – surpreendo-me com sua fala.

O senhorzinho ali atrás num patinete flutuante – aponta.

O senhor Kang havia passado, vasculhando a área.

Em que ano está? – volta sua atenção a mim.

– Hoseok, melhor não saber...

Certo, então, não conte – despeja, impaciente. – Nem seu nome posso saber?

– Não.

Injusto.

– Um dia saberá.

– Isso tudo está me lembrando um filme que vi com um amigo semana passada no cinema. Por que não escrevemos nossos nomes na palma um do outro para eu testar uma coisa bem rápido? – sorri travesso em forma de coração, como bem me lembro, e me arranca um longo arfar.

– Não vai funcionar – garanto, entendendo ao que se referia.

Mesmo? – levanta-se apressado, vindo até mim. – Viu não tem barreira alguma – ele está a centímetros de distância, pisando na terra gelada.

Eu mal sei reagir. Hoseok está no “futuro” e eu permitindo. Estico o braço para empurrá-lo de volta a seu tempo, mas sou segurado e puxado junto. Os últimos raios do sol poente queimam meu rosto com o choque de temperatura. Olhos escuros intrigados, lábios risonhos se divertem com a situação, a pinta balançava sobre o superior. Minha eterna distração. Guardei comigo por todos esses anos o anseio de poder tocá-la de novo, sentir a maciez da pele alheia. E eu o faço por um segundo, o assustando. Dou passos para trás, arrependido e retornando a dois mil quatrocentos e noventa e um.

– Desculpe, é que eu sinto sua falta – sou franco. Precisava tirar isso de meu peito, só que não melhora, já que meu amado está a minha frente, sendo possível tocá-lo, embora eu não deva.

Seus olhos caem, compadecidos. Empatia sempre foi seu forte. Ele começa a perder a cor e o ambiente a ficar cinza. O fenômeno está se desfazendo. Nos separamos pela segunda vez.

20 de Junho de 2019 às 01:49 0 Denunciar Insira Seguir história
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