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Rodrigo Henking


Tom Santana, detetive particular, encontra-se em um dilema, envolvendo estimados amigos e traiçoeiros indivíduos, enquanto procura respostas mundanas a perguntas sólitas, e vasculha em seu interior o tênue fenômeno viver.


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As Peças de Teatro

Era 09:00 da manhã e o comércio acabara de começar a abrir seus olhos ao público.

Uma senhorita voluptuosa desfilava seu vestido vermelho carmim por entre a calçada desbotada de lama e bitucas. Seu olhar presunçoso deixava escapar uma vasta insegurança por entre os cantos das pálpebras, e a cada olhar não cativado, seu corpo tratava de arquear-se mais um pouco. Um senhor no auge de seus quarenta e tantos anos marchava supostamente em direção ao edifício no qual detinha um emprego de prestígio, a julgar pela enorme quantidade de dinheiro dispendida na compra do terno que o involucrava. Ou o comprara com todas as suas economias, apenas para vangloriar uma falsa e desnecessária pompa aos seus irmãos de futilidade, com quem cruzava caminho nas passarelas do cotidiano. De uma forma ou outra, algo me era indubitável: o dinheiro o havia adquirido à vista.

A xícara de café fora posta firmemente no balcão à minha frente. Como de praxe, ao soltá-la, Agenor inclinou seu proeminente bigode, acompanhado de um sorriso despretensioso e amigo. Não vislumbro algo tão verídico em meu cotidiano desde os nacos de si que mãe e pai trataram de deixar em mim antes de partirem desse umbral. Vejam, eu me considero um ator e a cidade é o meu palco; vivo peças marginais e imorais. E seus vilões há muito esqueceram possuir faces por baixo das máscaras que os escondem. Mas Agenor, o invisível ser humano por detrás das mãos que servem bocarras proprietárias de cérebros mudos, me faz crer nas cores do mundo.

Não, não me refiro a cores propriamente ditas, mas a tudo que dissipa a efemeridade do que se crê maior que a vida. O instante em que a luz atravessa as lágrimas de uma mãe ao reencontrar seu filho desaparecido, e tinge, por segundos, o mundo com as cores de uma força insuperável. O rubro pigmento que se estende por entre o abraço inescapável de irmãos cujo tempo fora roubado e, agora, retorna, mesmo que fendido, aos seus corações. A amplidão dos olhos e o trajeto da boca de uma criança ao descobrir o surpreendente da vida na vibrante paleta do anfêmero, que a adultez insiste em ver decalque. O sorriso significante de um senhor que, translúcido em sua maior parte do dia­, faz-se solar aos olhos de quem verdadeiramente o merece, longe de tão decrépito palácio.

Sim, aquelas garrafas empilhadas em uma estante de madeira de Jacarandá convidavam os equivocados, lúgubres e depressivos a provar de um falso alívio; erva daninha que furtava a oportunidade de enxergar o florescer dos momentos através das palavras de quem, inexistente, tão próximo se fazia. Toda aquela opulência circundante do vil metal não valia o sorriso bastião do barman de bigode proeminente e cabelos ralos.

— Isso é tudo por hoje, Sr. Santana?

— Por hoje, sim, Agenor. Mas pretendo me agraciar com um pouco mais desse repouso insólito.

E, ao tocar a nota de R$ 2,00 sobre o balcão lustroso, escorregou-me uma ideia que logo tratei de apanhar:

— Diga-me, Agenor, quando irá reservar um pouco de seu tempo para me ensinar a fazer um café tão bom?

O bigode grisalho inclinou-se para cima e logo uma risada genuína se fez ouvir pelos recantos do átrio do hotel:

— O segredo, Sr. Santana, está nas mãos de minha esposa. Então você teria que extrair dela esse tesouro guardado a sete chaves. Se quiser, venha jantar conosco qualquer dia desses. Moro a sete quarteirões daqui.

— Muito obrigado pelo convite, Agenor, mas não quero dissipar o momento que tem com sua família. Não seria um inconveniente?

Um sujeito alto adentrou o hall do hotel trajando um paletó azul puído e, dependurado sobre o tecido, um enferrujado broche azul onde pude ler “Agência” e nada mais. Em mão, a abaladiça senhorita que há pouco alardeara um desfile arqueado através dos cinzas metropolitanos. Subiram apressados a escadaria central em direção aos quartos.

Pude retornar minha atenção a tempo para escutar as palavras do sábio senhor:

— Inconveniente seria, Sr. Santana, não nos permitirmos esse encontro e jogar por terra a oportunidade de enriquecer mutualmente nossos seres com o tempo que nos é dado.

Por um momento, me senti novamente uma criança diante de um adulto, usando de artimanhas supérfluas para conseguir o que quer.

É claro que ansiava por aquele jantar e tudo o que se sucederia a partir dele.

Mas não só isso.

— Como sempre, não existem argumentos aos seus ensinamentos, meu inestimável amigo. Aceito, com muita alegria, seu convite. ­

Emboquei a xícara de café com os últimos resquícios do líquido e deixei-me enveredar nos porvires que a noite traria.

10 de Abril de 2019 às 17:05 0 Denunciar Insira Seguir história
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