A escuridão parecia consumir lentamente o corpo da garota, sua cabeça girava ao passo em que ela se perguntava se estaria de fato com os olhos abertos. Seria ela cega? Como poderia não saber se era cega ou não? Aos poucos foi percebendo uma sensação molhada distribuída por todo o seu corpo, mas parecia vir de algum lugar ao longe, como se as terminações nervosas de seu tato estivessem a quilômetros de distância.
Seus ouvidos lentamente capturaram um som abafado, quase imperceptível, que curiosamente aumentava cada vez mais. Batidas. Mas onde estariam batendo? Onde ela estava? Como foi parar ali? Não conseguia se mover, seu corpo dormente parecia pesar uma tonelada. Não conseguia chegar à conclusão de um simples raciocínio, as perguntas turbilhoavam sua mente vazia e se afundavam em um poço sem fim de peças incompletas, impossíveis de se encaixarem.
–– Ei, consegue me ouvir?
Sim, ela conseguia ouvir. A garota tentou focar na voz que dançava abafada sob seus ouvidos. Vinha de cima. Depois de muito esforço e concentração conseguiu ganhar a obediência de seus braços dormentes, tentando esticar um deles naquela escuridão para alcançar aquela voz. Ela se surpreendeu ao tocar algo, sequer conseguiu levantar o braço o suficiente para dobrá-lo, não estava em uma imensa escuridão, estava presa em algum lugar minúsculo, e o pouco ar ali a sufocava lentamente. Se dar conta deste fato foi o suficiente para despertá-la da dormência em instantes, sem delongas começou a se debater desenfreadamente e deu início a uma série de tentativas frustradas de esticar os braços e quebrar o material que a cercava de maneira tão invasiva e claustrofóbica.
–– Calma Helena, fique calma.
Ela parou ao ouvir a voz novamente.
Helena?
Quem é Helena?
Seria eu?
Agora que a adrenalina a livrara da dormência, pôde pensar melhor no que acontecia. Por acidente ou não, estava presa em algum lugar. O lado positivo é que havia alguém do lado de fora disposto a ajuda-la, pela voz se permitiu deduzir que se tratava de um homem jovem, que saíra há pouco da adolescência.
Outro detalhe importante é que se encontrava deitada, mas não em algo sólido, a sensação molhada que sentira anteriormente se dava ao fato de que estava flutuando, o que significa que estava necessariamente em algum líquido com bastante sal.
–– Helena? –– o garoto a chamou novamente –– pegue a chave que está no seu pescoço e abra o caixão. Quando você levantar a tampa o suficiente vamos te ajudar.
A garota tocou o pescoço e percebeu que usava um cordão, onde havia de fato uma chave do tamanho de uma moeda como pingente. Seguindo o conselho do menino, usou as mãos suavemente para percorrer às cegas o que agora sabia ser um caixão até achar, em sua lateral direita, um cadeado. Ao destrancar o objeto, usou toda sua força para empurrar a tampa do caixão para cima, afundando inevitavelmente na água cerca de dois palmos até bater as costas no fundo, aquilo era extremamente mais pesado do que ela havia imaginado. Submersa e segurando o fôlego, tentou mais algumas vezes até que obter sucesso em alguns centímetros e receber ajuda de fora para se livrar do resto.
Imediatamente sentou e puxou a maior quantidade de ar que conseguiu, sentindo-se imensamente aliviada. Tinha noção que seus olhos custariam para se acostumar com a repentina claridade, então ficou por um momento apenas sentada naquela água com os olhos fechados e a mão na cabeça, aproveitando-se do fato que conseguia respirar ar puro.
–– Uau –– ouviu mais uma voz masculina –– aqui só tem gata. Gostei.
–– Pena que graças a você não podemos dizer a mesma coisa –– esta tinha uma voz fina e levemente irritante, mas seu comentário provocou diversas risadas.
–– Olha a boca, vadia.
A discussão que se prolongou a partir dali atraiu a curiosidade da garota, que lentamente abriu os olhos e fez o possível para não os fechar novamente com a dor. Ela não fazia ideia de onde estava anteriormente, mas aquilo estava longe de ser qualquer uma das opções que havia imaginado instantes atrás. De alguma forma, fora parar em uma belíssima floresta, com árvores gigantescas de todos os tipos para todos os lados e diversas frutas nelas distribuídas, que coloriam o ambiente, parecia uma espécie de paraíso.
Estava em uma das poucas áreas sem nenhum tipo de plantação, folhas secas de outono cobriam a vasta área delimitada por caixões abertos, formando um gigantesco círculo onde a discussão entre os jovens acontecia no centro. Olhando ao seu lado havia a tampa de seu caixão, com o nome Helena cravado. Então aquele era realmente seu nome; Helena.
–– Helena, como você está? –– o garoto que a aconselhou antes sorriu ao notar o pulo que ela deu ao ouvi-lo repentinamente –– Desculpe, não quis te assustar.
Ele segurou sua mão e a ajudou a se levantar, uma vez que suas pernas ainda se encontravam bambas e enfraquecidas. Helena provavelmente deveria ter agradecido pelos favores, mas não era essa a sua prioridade.
–– Onde estamos?
Ele sorriu sem graça:
–– Boa pergunta.
–– Quem é você?
–– Dylan, aparentemente.
Ela suspirou, então não era a única que não conseguia se lembrar de nada sobre a própria vida. Já viu logo que seria inútil perguntar informações a qualquer um que estivesse ali.
Dylan a olhava relativamente depressivo, provavelmente possuía alguma esperança boba de que a última a conseguir sair do caixão pudesse se lembrar de alguma coisa que os ajudasse. Infelizmente não era o caso. Seus olhos eram bonitos, Helena não pôde deixar de notar, eram de um castanho claro, cor de caramelo, que combinava perfeitamente com seus cabelos loiros. Ela arqueou as sobrancelhas com a dúvida repentina que adentrou em sua cabeça.
–– Dylan, qual é minha aparência?
A pergunta pareceu pegá-lo de surpresa, porque ele coçou a parte de trás da cabeça e deu um riso nervoso. Sim, ele provavelmente é alguém duzentas vezes mais simpático e sorridente do que ela.
–– Hmm... sinceramente você é bem bonita –– ela segurou o riso diante do seu constrangimento, o que só o deixou mais nervoso –– pele um pouco morena, cabelo claro... meio loiro... Não, não é loiro... sei lá. Olho azul...
Ela deu uma leve risada, apesar de sentir que não costuma fazer isso com muita frequência.
–– Você sabe a sua?
Ele pareceu pensativo, como se fosse a primeira vez que tivesse se questionado isso.
–– Sinceramente, não.
–– Você tem pele clara, olho castanho claro e cabelos beeem loiros, uma cor meio dourada na verdade –– ela lhe deu uma piscadela –– é até um pouco bonitinho.
Ele ficou vermelho com o elogio, mas antes que pudesse dizer mais alguma coisa os dois foram surpreendidos por uma garota ruiva, que já chegou se apoiando nos ombros de ambos.
–– Venham para junto dos outros, vamos nos apresentar e decidir alguma solução para sair desse lugar! –– Ela soltou Helena e secou o braço na própria blusa –– Recomendo que você procure algo para se secar, já vai anoitecer.
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