Naquela noite de inverno os flocos de neve caiam incessantemente e cobriam tudo até onde os olhos de Lan Wangji conseguiam ver, mas o frio era suportável.
Não havia nenhum frio no mundo maior do que o que atualmente estava alojado no interior dele próprio, afinal de contas.
Um suspiro suave escapou pelos lábios finos ao tentar levantar-se da cama para fechar a janela do Jingshi. Ah, seus ferimentos. Lan Wangji tinha quase se esquecido deles. No fim, acabou por permanecer deitado, vendo a neve cair, a mente longe.
Batidas leves na porta de entrada se fizeram ouvir, acordando Lan Wangji do torpor em que entrara. Ele sabia exatamente quem era, pois só havia uma única pessoa que ainda o visitava, Lan Xichen.
—Wangji? A-Yuan não consegue dormir, de novo — sua voz sempre suave agora carregava algum traço de culpa por incomoda-lo num horário tão perto do toque de recolher, mesmo que ambos soubessem que era inevitável.
Lan Wangji levantou-se com dificuldade e caminhou até a porta a passos lentos. Ao abrir a porta, foi saudado com a visão de um Lan Sizhui de pouco mais de três anos com lágrimas nos olhos e um olhar triste demais para uma criança daquela idade, no colo de um Lan Xichen com uma expressão complicada no rosto. Lan Wangji não precisava perguntar a nenhum dos dois para saber que o pequeno garoto mais uma vez fora assombrado por pesadelos daquela noite. Suas sobrancelhas franziram-se levemente, preocupação no olhar.
Lan Xichen observava o estado de Lan Wangji com olhos igualmente preocupados, mas não chegou a dizer nenhuma palavra depois de entregar Lan Yuan a seus cuidados.
Lan Wangji fechou a porta e levou a criança para cama, deitando com o garoto aconchegado em seu peito, a dor dos ferimentos das trinta e três chicotadas sendo completamente por Lan Wangji. Não muito depois de deitarem, a voz chorosa do garoto foi ouvida, perguntando entre soluços:
— Brother rich, onde esta brother poor?— Lan Yuan adormeceu pouco depois.
— Eu não sei. — Lan Wangji respondeu, sem ter certeza que o garoto realmente ouviu sua resposta.
"Eu realmente não sei",Lan Wangji pensou, amargo.
Naquela noite, Lan Sizhui não foi o único a ter pesadelos com a noite do cerco em Yiling.
[...]
Um Lan Sizhui de sete anos com o rosto vermelho pelo frio sorriu alegremente, feliz por conseguir finalmente tocar corretamente as notas que costumeiramente errava na guqin. Lan Wangji observava seus feitos com olhos orgulhosos, porém agridoces. Talvez ninguém nunca chegasse a saber, mas naquele momento, em sua mente um único pensamento prevalecia:"Wei Yingteria tanto orgulho do nosso filho..." e logo depois Lan Wangji dispersou esse devaneio, focando na criança que ainda treinava a peça inquérito, o som lento e suave ecoando pelo pavilhão frio e silencioso.
Doía lembrar que Wei Wuxian já não estava ali e também não respondia ao seu chamado, doía em uma proporção que Lan Wangji às vezes achava que não era capaz de suportar, mas que ele suportava. Porque ele ainda tinha Lan Sizhui, aquele pequeno pedaço do amor da sua vida, e por ele Lan Wangji continuaria suportando dia apos dia, até que Lan Sizhui já não precisasse ou o quisesse por perto.
Lan Sizhui tocou uma nota fora do tom, um sorriso amarelo enfeitando seu rosto infantil logo em seguida. Mas Lan Sizhui logo corrigiu seu erro, sem precisar de nem uma palavra de Lan Wangji.
— Logo, logo vou conseguir tocar corretamente HanGuang-jun!— Lan Sizhui disse, seu sorriso costumeiro à mostra.
"Eu preferia quando você não me chamava por um título", essas palavras nunca chegaram aos lábios de Lan Wangji, muito menos a repreensão por quebrar uma das regras da seita ao sorrir demais.
[...]
Lan Wangji pousou o bule de chá na pequena mesa no centro da sala, pegando sua xícara e dando um gole. Lan JingYi e Lan Sizhui, com onze e doze anos respectivamente, conversavam sobre alguma brincadeira que fariam depois. Lan Wangji observava, vez ou outra respondendo alguma pergunta direcionada a ele. Passou por sua cabeça que talvez deveria estar repreendendo-os por ao invés de estarem repensando seus erros - os dois haviam acabado de sair da punição de paradas de mãos por correr pelos Recantos da Nuvem -, ambos estavam pensando em entretenimento. No final, acabou por manter-se calado.
Talvez, só talvez, tivesse tido seu coração derretido por Lan Yuan. Esse pensamento era estranho, mas não desagradável. Mostrava, ao menos para si mesmo, que Lan Wangji não se tornara a pedra de gelo que achavam que ele era. O inverno rigoroso que habitava nele suavizava um pouco por Lan Sizhui.
Os lábios de Lan Wangji tremeram e ele se forçou a manter a expressão neutra.
Ninguém notou seu quase sorriso.
[...]
Wei Wuxian sorriu, seus olhos divertidos em Lan Wangji em quanto ouvia Lan Sizhui contar sobre a vez em que Lan Wangji o colocara em uma pilha de coelhos quando ele era criança.
Lan Wangji desviou o olhar, rosa tingindo o lóbulo de suas orelhas. Wei Wuxian gargalhou. Lan Sizhui sorriu.
Sua família estava completa. O inverno finalmente deu lugar à primavera.
Obrigado pela leitura!
Podemos manter o Inkspired gratuitamente exibindo anúncios para nossos visitantes. Por favor, apoie-nos colocando na lista de permissões ou desativando o AdBlocker (bloqueador de publicidade).
Depois de fazer isso, recarregue o site para continuar usando o Inkspired normalmente.