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Inflamem-se

Foram muitos meses de proximidade, trabalhando juntos em um projeto importante para os dois. Um projeto que carregava um peso emocional para eles, que os uniu pelo amor à arte. E a cada novo encontro o ar se eletrizava com a tensão entre os dois. Mas nada poderia acontecer além dos olhares furtivos, piadas que sempre estavam a um passo de serem classificadas como sujas, conversas que só eles conseguiam entender. Aproximação que beirava sempre o íntimo, mas nunca ia além.

A amizade foi instantânea, mesmo apesar de ela nunca poder evoluir para algo mais. Mesmo apesar das risadas, gracejos e sorrisos de mil significados. Os dois sabiam que aquilo não poderia mudar. Se não fosse por causa da natureza do trabalho, seria pela vida que eles viviam quando não estavam juntos. Não seria uma boa ideia interferir com algo de fora que já existia antes mesmo dos dois se conhecerem. Mesmo apesar de com o tempo as piadas ficarem mais sujas, as conversas mais íntimas, os desabafos mais parecidos com confissões.

As saídas sociais aumentaram, por que não dava mais para os dois só se verem durante o trabalho. A afinidade e gostos em comum falavam mais alto do que a vida rotineira e eles queriam mais, mas nenhum queria se arriscar primeiro. Ser o primeiro a superar o medo. E assim as suas vidas continuaram, com os dois se perguntando o que poderia ter acontecido se eles tivessem se conhecido em um lugar diferente, em uma época diferente, em uma situação diferente. ‘Se’ era um advérbio cruel.

Suas ações nunca foram além dos toques aparentemente inocentes quando estavam no mesmo ambiente aos olhos do público, mas as conversas ficaram ainda mais íntimas, e as piadas fariam qualquer ouvinte desavisado se perguntar por que eles não tinham ido para a cama ainda. As palavras eram tudo o que eles podiam trocar sem que houvesse repercussões para os dois, então eles aproveitavam e carregavam nas suas conversas sussurradas toda a química que poderia ser incendiada ao menor toque ou sugestão que abrisse uma brecha para tal. As palavras cheias de duplo sentido e simbolismo, os olhares que conseguiam expressar mais que um milhão de livros de amor, os sorrisos que eram mais eróticos que qualquer sexo e roubavam os seus fôlegos. Mas que não eram explícitos, nunca isso. Isso poderia estourar a bolha daquele mundo que era só deles, que apenas eles entendiam.

E quando chegava a noite não importava quem estivesse acompanhando os dois, estes coadjuvantes sempre ficavam em segundo plano sem saber. Pois as mentes dos dois sempre eram preenchidas por imagens (reais ou imaginadas. Geralmente o segundo tipo) daqueles que sempre estavam tão próximos, mas ao mesmo tempo tão inacessíveis. Os sonhos, toques imaginados e fantasias noturnas os satisfaziam à perfeição até o sono os dominar.

E no dia seguinte as piadas ficavam mais sujas, as confissões mais íntimas e a situação mais volátil. Por que era só isso que eles se permitiriam ter.

29 de Dezembro de 2018 às 15:58 0 Denunciar Insira Seguir história
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