Notas da História:
O enredo dessa história, assim como os personagens dela, é completamente original e foi desenvolvido por mim. Não copie, crie. Plágio é crime.
História betada pela Rebel Princess (Nyah - Liga dos Betas)
História postada no Nyah, SocialSpitit e Wattpad
Notas do Capítulo:
Olá, meu povo querido. Andei meio sumido, pois não tive a menor vontade de escrever nada ultimamente. Tô meio bolado com essas eleições e preocupado com o desenrolar das coisas, mas é sempre bom lembrar que #elenão.
Então, essa história foi desenvolvida para participar do Desafio Gostosuras ou Travessuras do Inkspired. A ideia do desafio é trabalhar uma história acerca de uma imagem selecionada pelos embaixadores. A imagem que eu peguei é essa apresentada abaixo e pertence ao Tumblr https://tumblrgallery.com/tumblrblog/121172.html.
No mais, espero que gostem da leitura.
E nós?
By: Sr. Artie
Capítulo Único
Meu pé está batendo incessavelmente contra o chão do consultório. Minha psicóloga está sentada bem diante de mim, o olhar impassível preso sobre minha figura, a espera que eu lhe conte sobre o que estou sentindo,mas não consigo pôr em palavras minhas emoções, porque sou incapaz de administrá-las. Estamos há algum tempo desta maneira: comigo sentada no sofá preto e ela à minha frente, ocupando uma poltrona de couro.
Percebo que ela está preocupada com a minha demora em dizer a forma como me sinto. Essa não é a nossa primeira sessão, me consulto com ela há anos e sempre falei demais, não tinha vergonha — ou medo — de falar em relação aos meus sentimentos, mas a situação mudou. Agora, eu tenho. Verbalizar aquilo que está me corroendo por dentro é reconhecer que o pior está acontecendo, isso me intimida.
Ela se cansa de esperar para que eu fale espontaneamente, decidindo dar início a nossa conversa.
— O que você está sentindo?
Essa pergunta é a única coisa que eu preciso para romper as barreiras que existiam dentro de mim e me impediam de colocar para fora os sentimentos ruins que me atormentavam. Talvez o tom de voz calmo e reconfortante dela foi o que conseguiu me fazer contornar o bloqueio que estava me impedindo de formular um raciocínio lógico e ordenado dos meus pensamentos confusos desde ontem à noite.
Em todo caso, após o questionamento que me é feito, consigo colocar para fora, de um jeito desconcertado, o que estou sentindo. Vertiginosas, frenéticas como as batidas de uma música eletrônica, as palavras voam para fora da minha boca. Então, enfim, eu admito, pronunciando em voz alta os meus temores, e ela escuta, com cuidado, tudo o que falo.
Estou assustada, confesso.
Sinto-me apreensiva porque sei o que aconteceu no passado e vejo o futuro caminhando pela mesma direção. Sempre me disseram que a história é cíclica e, infelizmente, estou confirmando isso nesse momento de angústia. É tenebroso pensar que, após décadas, terei que viver sob o mesmo horror que meus pais nasceram e se criaram. A história do país e do mundo salvaguardou os horrores da ditadura e do fascismo para que algo desse tipo não pudesse ter a menor possibilidade de existir novamente.
No entanto, a sociedade é retrógrada e sua memória é curta, tão pequena quanto a coragem do homem que desejam colocar no poder. É inconcebível a ideia de que qualquer ser humano que seja, no mínimo, decente seja conivente com esse discurso de ódio contra qualquer minoria existente em nossa comunidade. É egoísmo não pensar no companheiro ao lado e é burrice reivindicar por um novo regime totalitário. Nossa democracia ainda é nova, um bebê comparada com a das grandes nações, e ainda se recupera das mazelas do golpe de 64.
Eu esbravejo as minhas indignações para a mulher que se encontra sentada à minha frente, a qual me escuta com atenção. Enxergo a solidariedade nos olhos dela e sei que ela se sente da mesma maneira, porque também conhece os pavores da ditadura. Desejo consolá-la ao perceber que minhas palavras podem estar deixando-a tão aflita quanto estou, mas não consigo conter minha declaração desesperançosa, pois temo que, caso mantenha tudo para mim, eu sufoque de medo, indignação e revolta.
Minhas mão estão coladas ao meu corpo, que está envolvido pelos meus braços. Parece algo pequeno, no entanto, é essa a maneira que uso para me acalmar, nem que um seja um pouco, e buscar diminuir a ansiedade e inquietação que tem me consumido. Em certos momentos, acho que vou sumcubir e temo por todos, principalmente, por aqueles que não são fortes, semelhantes a mim, e não serão capazes de resistir; logo agora, quando tudo de que precisamos é resistência.
Receio por qualquer grupo socialmente fragilizado que constitui nossa comunidade, pois pertencer a uma minoria já é um ato de resistência considerando apenas sua existência. Embora a sociedade esteja sempre contra nós, nos sabotando em cada esfera que envolve nossas vidas, porque ela não foi construída pensando em contribuir para a nossa ascensão, nunca fomos o interesse dela.
É desgastante pensar nisso e saber que a conjuntura não mudará pelas décadas vindouras. Desconstruir os séculos de machismo, lgbtfobia, racismo e misoginia levará anos e, talvez, eu nunca desfrute de um mundo igualitário, porém desejo isso para as gerações futuras e por isso que agonizo nesse momento tão frágil de nossa história, tanto para a democracia quanto para os direitos sociais conquistados com suor e sangue.
Por isso, conto cada pensamento consternado à minha psicóloga, pedindo desculpas mentalmente por perturbá-la com minhas lástimas e meu lamento, sabendo que ela é ciente sobre nossa atual situação e, como eu, com certeza passou a noite em branco, temendo pelo futuro que nos espera.
Diferente de todas as outras vezes que vim para uma sessão, nessa, não consigo encontrar um pouco de paz e alívio por conversar com alguém. Cada palavra que deixa minha boca torna o ar mais denso e parece dificultar minha respiração. Eu tento manter a minha respiração regular, mas falho, às vezes, tropeçando nas palavras que digo.
No dia a dia, observo gente que não pertence às maiorias serem menosprezadas, obrigadas a se esforçarem para chegar ao mesmo nível de um homem branco rico, porque a sociedade foi moldada para ajudá-lo e não a quem destoe disso. Contudo, o pior não é isso, mas o fato de que ela não perdoa e não aceita aqueles que superam o sistema e conseguem vencer na vida apesar das dificuldades.
A prova disso é o resultado do primeiro turno das nossas eleições, assim como outros momentos infelizes das nossas histórias. Começando pelo mais recente, o nazismo foi um movimento autoritário e com um forte discurso de ódio contra minorias, essencialmente, os judeus. O antissemitismo não foi criado por Hitler, mas incorporado em seu governo, sendo bem aceito pela sociedade alemã da época.
Indo um pouco mais longe, temos a caça às bruxas durante a Idade Média, que durou quatro séculos e ocorreu na Europa, apresentando-se de diversas maneiras, entretanto, a sua essência manteve-se fiel, a qual consistia em uma perseguição política, religiosa e social, empreendida pela Igreja e pela classe dominante, contra mulheres que moravam no campo.
Embora bruxas sejam entendidas atualmente como seres maléficos, sendo retratadas como antagonistas em obras infantis, naquela época, consistiam em parteiras, enfermeiras, assistentes e curandeiras. Mulheres que possuíam conhecimento acerca do uso de ervas medicinais na cura de doenças e epidemias nas comunidades em que viviam, o que lhes garantia um amplo poder social.
A aparência de um bruxa era descrita como desagradável aos olhos, geralmente, velhas com mente perturbadas. O engraçado, entretanto, é que, algumas vezes, também podiam apresentar-se como bela mulheres, as quais deviam ter machucado o ego de algum senhor ou de um padre em celibato.
Quando o antropocentrismo começou a ganhar forças na Europa, descentralizando o poder detido pela Igreja, a caça às bruxas fora efetivada, aliada ao Estado, criando-se os chamados Tribunais da Inquisição, responsáveis por perseguir, julgar e condenar qualquer um que representasse uma ameaça para as doutrinas cristãs.
Os crimes pelos quais as mulheres foram acusadas eram os mais supérfluos possíveis. Suspeitas de praticar abuso sexual contra homens em nome de um pacto com o demônio, outra acusação seria a de se reunirem em grupos, o que ocorria para que trocassem conhecimentos sobre alguma planta medicinal ou somente para discutirem as notícias recentes, e, por fim, acusadas de possuírem poderes mágicos, que causavam catástrofes naturais, problemas de saúde na população e de questões espirituais.
Não precisava de muito para denunciar alguém à Inquisição, bastava fazer uma queixa. Fora nesse contexto que a classe médica masculina que ascendia na época ressentiu-se das mulheres que possuíam conhecimentos medicinais, vendo nelas concorrentes, logo denunciando-as. A sociedade é brutal quando o menor tenta subir, porque quem está em cima não quer dividir o topo.
Ninguém poderia ser morto sem antes confessar sua ligação com o demônio. Para isso, os inquisidores recorriam a tortura até conseguirem uma confissão assinada. Aquelas que não confessassem eram queimadas vivas e quem admitisse a culpa, embora inocentes, recebia uma morte menos cruel: eram estranguladas e só depois queimadas vivas.
A caça às bruxas ocorreu para punir mulheres que ousaram se rebelar contra a classe dominante exclusivamente masculina e para garantir a manutenção do poder da Igreja. Em resumo, um genocídio feminino aconteceu para que a sociedade da época não sofresse com as mudanças que uma mulher com poder religioso, político e médico poderia vir a causar.
Para os historiadores, o fim da caça às bruxas aconteceu no século XVIII quando a última fogueira fora acesa, contudo, isso não é verdade, ela ainda persiste até hoje, exibindo-se com uma nova vestimenta. Antes, mulheres morriam com apoio da Igreja e do Estado para estes conseguirem manter o patriarcalismo e, agora, morrem por se oporem e se rebelarem contra o código de boa conduta vigente que se espera que alguém do sexo feminino desempenhe. Como outrora, ainda lutamos pelo nosso espaço e ainda somos assassinadas por isso.
Pela primeira vez, vejo minha psicóloga fechar os olhos enquanto estou em uma sessão. Consigo enxergar os leves tremores das mãos dela e desejo pedir desculpas por fazê-la reviver o assombro que fora a Inquisição e é isso que faço. Ela apenas se retrata por ter bloqueado a sua visão enquanto eu falava e promete que não irá mais acontecer, mas lhe digo que não há problemas caso volte a ocorrer, porque compreendo o medo que ela está sentindo, pois também o sinto.
Todavia, não consigo me silenciar. Eu ainda tenho o direito de falar sobre o que me aflige, pois até então não fui calada, apesar de ter medo de verbalizar qualquer coisa dita por mim para além das paredes grossas dessa sala. A sociedade não é igualitária e as maiorias não desejam compartilhar o poder que carregam por toda a história da humanidade com nenhuma classe que julguem menor e menos merecedora. Eles não anseiam pela igualdade, somente têm ganância por mais poder e, para isso, vão silenciar qualquer um que tente enfrentá-los.
Esse pensamento parece bizarro e extremista, mas foi isso que aconteceu ontem aqui. Ele quase levou no primeiro turno a eleição presidencial, não por ter propostas, mas pelo seu discurso de ódio que inflamou o ego ferido das maiorias que começavam a dividir espaço com os grupos sociais frágeis. Eu temo pelo meu futuro em pensar o que nos guarda, para mim, ele parece negro, mas ainda desejo acreditar que ele é feminino, assim como a revolução deve ser.
Minha última frase parece reacender a chama de esperança da minha psicóloga, a que eu tinha apagado jogando sobre a mulher que me ouvia todos os meus medos e temores. Ela parece também acreditar que o futuro é feminino ou, ao menos, desejar por isso, porque as gerações vindouras de nossas irmãs não merecem um póstero amargo e cruel que carregamos e que outras anteriores a nós carregaram.
Vejo um porta-retrato pendurado na parede atrás dela e, pela primeira vez, ele me chamou a atenção: uma mulher, muito parecida como ela, está agarrada a uma menina magrela. A foto é amarelada, denunciando sua idade.
— Sua mãe? — Pergunto em referência à mulher na fotografia e recebo um acenar de cabeça confirmando minha dúvida. — Onde ela está?
— Morta — ela me responde seca. — Ditadura — disse por fim.
Então confirmei que não era paranóia minha a forma como ela reagia as coisas que eu falava tão franca. Ela estava com medo, amedrontada. Eu também. Doía-me pensar que não éramos as únicas.
Anualmente, em 31 de outubro, comemora-se o Halloween. É nesta data que as pessoas fantasiadas de monstros saem à rua, durante a noite, para se divertirem, dando a qualquer um que esteja no aconchego de seu lar a opção de escolher entre gostosuras ou travessuras. Neste ano, as coisas aconteceram mais cedo. Foi no dia 7 de outubro quando as pessoas saíram de suas casas, em pleno dia, sem suas máscaras, revelando os monstros fascistas que esconderam-se e mantiveram-se à espreita por décadas.
Dessa vez, não foi dada a oportunidade àquele que estava quieto de decidir pelas gostosuras ou travessuras. Não tivemos essa opção! Os próprios seres horrendos escolheram o que desejavam, as travessuras. Infelizmente, as travessuras deles significaram apenas o fim de nossas vidas. Por essa razão, eu estou assustada, tremendo de angústia e soluçando de medo. Talvez, esse seja o meu modelo de vida, até que um deles decidam ceifá-la.
Eu estou com medo de morrer apenas por ser mulher e esse temor não é algo novo, desde sempre mulheres morreram apenas por serem mulheres. A questão é que não quero ser outra bruxa na história da humanidade que fora queimada apenas por desejar igualdade e respeito por ser quem sou.
Minha psicóloga escuta as últimas palavras e parece concordar com cada uma delas. Ela me diz que serão dias difíceis caso ele se eleja e eu apenas confirmo.
— Nunca pensei que existiriam tantos fascistas escondidos no armário — digo.
Ela balança a cabeça devagar, como se dissesse que não está preocupada com isso.
— Não estou ligando para eles, só tenho uma única dúvida: e nós?
Nesse Halloween não existe medo de bruxas, fantasmas ou qualquer outra criatura. Apenas medo do homem e seu ódio por nós.
Notas Finais:
Então, se você leu essa história achando que iria ter algo de fantasioso nela, acredito que tenha se decepcionado um pouco. Essa história surgiu como um grito de socorro meu, porque estou realmente perturbado com essas eleições e tenho medo também.
Me senti um pouco mal usando a figura feminina para contar a história, porque não sou uma mulher, pertenço a uma minoria diferente. Mas eu usei uma mulher para fazer a associação a uma bruxa, pois se pegarmos a imagem que me foi dado, podemos perceber que se trata de uma bruxaria e bruxaria me remete a bruxa. Eu não sei se a história vai caber dentro das regras do desafio, possa ser que eu tenha viajado um pouco kkk, mas eu precisava realmente falar sobre isso e a maneira que encontrei foi com essa história.
Para quem leu, espero que tenha gostado. Obrigado!
Obrigado pela leitura!
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