O porão escuro e abafado impedia que os gritos de agonia chegassem ao exterior. Não poderiam deixar que isso acontecesse, de forma alguma. Dentro dele, uma moça coberta com um lençol, deixando apenas as costas nuas, se contorcia de dor, ao mesmo tempo em que surgiam escritos em uma língua desconhecida em suas costas. Próximo a ela, havia um rapaz sentado de frente a uma mesa, macerando rapidamente o conteúdo que havia dentro de seu gral com o pistilo. Trajava um jaleco surrado, luvas e prendia seus longos cabelos castanhos em um rabo de cavalo.
— Está acontecendo de novo! Me ajuda! — Implorou, com lágrimas correndo pelo rosto.
O rapaz continuava concentrado em seus afazeres. Sem interromper, apenas respondeu para não ignorá-la:
— Estou terminando de preparar. Não me apresse, ou posso errar as quantidades.
O rapaz abriu um frasco de vidro, o pousou na mesa, e retirou um pipetador da gaveta. Ajustou a quantidade exata que deveria retirar de líquido, e assim o fez com o instrumento. Macerou novamente, e levou à fervura em um pequeno fogão.
Os cabelos azuis escuros escorridos pelo tronco e braços se entrelaçavam entre as unhas da moça em agonia, que arranhava os próprios braços como uma reação imediata à dor do surgimento de novas marcas.
— Céus, por quê fui nascer assim? — Cerrou os dentes em seguida.
O rapaz se ajoelhou de frente à moça, tentando manter uma expressão mais serena, a fim de acalmá-la:
— Aguente firme, Hinata. Eu estou aqui e a Hanabi já vem.
O som do líquido borbulhando veio à tona.
— Está pronto. — Disse o rapaz.
Duas linhas verticais que emitiam uma luz lilás começaram a surgir nas costas da moça, fazendo brilhar ainda mais sua pele alva, e fazendo-a implorar por ajuda para aliviar a dor.
— Rápido, Neji... Por favor. — Estendeu as mãos, desesperada pelo medicamento.
— Está muito quente. Tome cuidado. — Advertiu.
Neji serviu o líquido em uma xícara e entregou para Hinata, que não se importando com a temperatura alta do líquido que queimava sua língua, o tomou rapidamente, desesperada para dar fim àquela situação, mesmo que fosse temporariamente.
— Você já sabe. Deve levar meia hora ainda para fazer efeito. Vou chamar a Hanabi. — Subiu as escadas com pressa.
Neji encontrou Hanabi, que aguardava fora do porão. Ela vestia um moletom roxo com capuz, e carregava uma mochila nas costas. Seus cabelos estavam soltos, jogados todos para a frente.
— Como foi, Neji? — Perguntou com preocupação.
— Precisa ser rápida. Ela está muito mal e as asas estão começando a aparecer. — Neji viu Hanabi desceu às pressas ao porão, o deixando sozinho, pensando naquela tortura que sempre acontecia nos aniversários de Hinata, se intensificando a cada ano.
"Quando eles nascem neste mundo, são como humanos normais.
Com o passar dos anos, vão surgindo características das criaturas que carregam dentro de si. Começam por marcas únicas na pele, até mesmo mudanças na fisionomia, cor dos olhos e cabelos, até que eles percam totalmente sua aparência humana e dêem lugar a forma que os habitam, a cada aniversário.
Entretanto, as mudanças graduais não são só nas aparências."
Assim que ficou sozinho, próximo à entrada do porão, Neji retirou o jaleco e o guardou no armário.
O trio se localizava em uma fazenda bem afastada de áreas urbanas, justamente para que fosse inacessível. Ainda assim, os três sempre revezavam em turnos para vigiar o local, como Hiashi havia orientado anos atrás ao treiná-los.
Neji estava suado, pelo tempo que passou naquele local abafado. A energia que Hinata emanava, esquentava o local à medida que suas asas começavam a sair de suas costas, como se fossem uma fogueira.
"Essa energia é o que torna criaturas como Hinata tão visadas."
Retirou a camisa para se aliviar do calor, exibindo seu abdômen definido, e uma cicatriz no meio do peito. Neji a tocou, se distraindo com suas memórias assustadoras.
"O tempo não está a nosso favor. Se não descobrirmos uma cura para a metamorfose, é possível que eu não seja poupado."
***
Hanabi chegou ao porão e encontrou a irmã daquela forma deplorável. Sempre era doloroso ver Hinata passar por aquilo anualmente, e se houvesse uma maneira de tirar aquele fardo das costas da irmã, tiraria.
— Hanabi... Rápido. — Disse com a voz já rouca.
— Você é tão forte, Hinata... — Seus pensamentos escaparam.
Hanabi retirou alguns livros de sua mochila e deixou páginas específicas abertas. Ela lia as páginas rapidamente, apenas recapitulando os procedimentos.
Com um giz, desenhou um círculo em volta da irmã, cortou o próprio dedo e derramou gotas de seu sangue dentro do círculo. Se colocou atrás da irmã, e pousou as mãos sobre as linhas verticais que surgiram. A energia das asas de Hinata começando a aparecer queimou as mãos de Hanabi, que se esforçou para ignorar e continuou o procedimento.
— Selar!
Das mãos de Hanabi, saíram inúmeros símbolos negros que percorriam o corpo de Hinata e envolviam as luzes em suas costas. Hinata deu mais um grito de dor enquanto sentia sua energia sendo contida, sendo seguido por um suspiro de alívio.
— Está melhor, Hinata? — Hanabi acariciou o rosto da irmã.
— Estou... Ainda dói um pouco, mas a maior parte da dor se foi. — Hinata sorria levemente, apesar de fisicamente desgastada.
— O medicamento do Neji está dando certo. Se continuarmos estudando juntos, através da magia e da ciência poderemos eliminar de vez isso e você poderá viver sem preocupações. — Ficou de pé.
"Suas personalidades também mudam. Eles passam a falar um idioma singular em alguns lapsos, até que seja o único utilizado, mesmo sem querer. Não chegam aos trinta e cinco anos de idade, não há um registro sequer de algum deles que tenha vivido por mais tempo do que isso.
Na verdade é um equívoco dizer que eles morrem. Apenas sua humanidade deixa de existir, e dá lugar a outra criatura que a parasita ao longo da vida até atingir sua completude. As memórias humanas, as pessoas amadas, se esvaem sem significado algum.
É importante lembrar que são extremamente valiosos. Há quem os capture para extrair sua energia, então, se não quiserem ser pegos, vivem fugindo e se ocultando de outras pessoas."
— Vamos subir. — Estendeu a mão para Hinata, que a segurou e se levantou.
As duas subiram as escadas, encontrando Neji, que as aguardava. Levaram Hinata ao quarto para descansar. Tudo aquilo era extremamente desgastante, e tão logo Hinata se deitou na cama, ela dormiu.
— Eu fico de vigília. Você pode ir dormir também e nós revezaremos. Tem uma pomada para queimaduras, passe nas palmas das mãos. — Dizia sério.
— Sem problemas, Neji. Obrigada. — Hanabi agradeceu tranquilamente.
"Calhou de minha prima ser uma dessas criaturas. Ela é um anjo encarnado."
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