Não sabia dizer quem havia iniciado aquele beijo. O mais provável era que haviam se aproximado ao mesmo tempo. Mas quando os lábios de Sasuke finalmente tocaram os do outro (secos, ásperos), ele sentiu o peito inundar de um calor agradável. A maneira como Hanzo o encarou quando se afastaram o dizia que o sentimento era o mesmo (afinal, os olhos dele sempre foram como um espelho das emoções de Sasuke), e isso o fez suspirar, se livrando de toda frustração e incerteza.
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Sasuke sabia, desde seus doze anos, que nunca seria uma pessoa merecedora de amor. A vida toda só conhecia um sentimento, o ódio, e mesmo quando pensou poder deixar aquilo para trás, Itachi apareceu como uma grande exclamação vermelha em sua vida o lembrando que não tinha espaço para mais nada ali.
Nunca acreditou que essa emoção faria parte da sua vida, e acreditava menos ainda em toda aquela baboseira de que opostos se atraem. Quando percebeu, um pouco tarde demais, que estava cultivando sentimentos pelo melhor amigo – inimigo, rival, alma gêmea – tentou à todo custo deixar aquilo afogado. Repetia para si mesmo que não precisava daquilo, que nunca ia merecer ter seu amor correspondido. E assim viveu sua vida, sujando as mãos de sangue em busca da única certeza que tinha: de que precisava matar o irmão para que pudesse descansar.
Mas até essa certeza se mostrou errada quando descobriu toda a verdade por trás dos atos do mais velho. O Uchiha estava perdido, e agiu de olhos fechados, fazendo coisas que com certeza se arrependeria caso tivesse um pouquinho mais de consciência no momento. O que havia na vida para ele, afinal?
Amor. Naruto estendeu o braço (metaforicamente, já que o braço real havia sido arrancado durante a luta inevitável) naquele dez de outubro, no vale do fim, e o mostrou amor. E pela primeira vez na vida Sasuke se deixou ser envolvido por aquele sentimento. Ele sabia que não o merecia, mas era egoísta. Queria aquilo para si, queria que aquilo o fizesse bem como todas as histórias que sua mãe o contava quando era menor diziam. Mas queria ser digno daquilo, e por isso decidiu sair de Konoha em busca de redenção pelos seus atos. Se queria o amor de Naruto, iria primeiro encontrar em si perdão por tudo o que fez e então voltar não tão sujo para aquele sentimento tão puro que lhe era oferecido.
Porém, ele havia se enganado. Mais uma vez. Havia amor, sim, mas não era o mesmo que Sasuke nutria. A prova cabal foi quando recebeu um convite de casamento. Naruto iria se casar com a herdeira Hyuuga, e queria que o amigo estivesse ali para dividir com ele aquela felicidade. Ele teria rido, se não se sentisse tão patético (e quebrado).
Era como se mais uma vez o universo gritasse para ele que não era merecedor de amor, não depois de tudo que havia feito, não depois de ter matado seu próprio irmão e ameaçado a vida de pessoas que nada tinham a ver com seu caminho.
Pessoas como Sasuke, com as mãos sujas de sangue e o peito carregado de culpa e arrependimento por coisas que não poderiam ser desfeitas, não mereciam ser amadas.
Convencido disso, aceitou que não havia mais espaço para si em Konoha. Viajar sozinho já era parte da sua vida desde muito jovem (mesmo com Orochimaru, sempre esteve sozinho), e podia de pouco em pouco preencher o vazio que sentia com experiências e várias outras emoções.
E foi em um pequeno bar, num povoado perto de Amegakure, que Sasuke conheceu Hanzo. O primeiro contato olho no olho o assustou- era como se estivesse encarando a si mesmo. Não havia nenhuma semelhança física, mas algo no fundo dos olhos castanhos gritavam coisas que o Uchiha conhecia muito bem. E, por mais estranho que parecesse, essa sensação o deixou inquieto. Curioso. O fez ter vontade de se aproximar e descobrir se estava certo ou se era apenas uma impressão. Sentado em um canto, sozinho, ficava com o foco dividido entre a chuva do lado de fora e o homem que também parecia o encarar com a mesma intensidade. E foi ele que deu o primeiro passo.
Sem nenhuma palavra trocada, o outro se aproximou e sentou-se na mesa de Sasuke. Houve silêncio, um pigarrear baixo, e então o moreno se virou e balançou a cabeça em reconhecimento.
Não trocaram nenhuma palavra naquela noite, enquanto assistiam a chuva, mas havia uma certa comodidade em dividir algumas horas com alguém que, mesmo sem o conhecer, parecia o entender.
Quando o homem se levantou para ir embora, Sasuke se levantou e o seguiu. Não tinha nenhum rumo na vida, e queria desfrutar daquela companhia por mais um tempo.
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Nenhum dos dois disse nada, mas mantiveram a proximidade dos corpos. Sasuke havia deitado a cabeça no ombro largo do outro homem, que acariciava a lateral de seu corpo com a ponta dos dedos. Podia sentir a respiração calma, o pulso disparado, e tudo aquilo parecia... surreal. Confortável, mas surreal. Sabia que o próprio coração batia tão rápido quanto, e não conseguiu evitar a risada que escapou dos lábios.
- O que foi? – A voz do outro soou baixa, como se não quisesse quebrar a atmosfera de tranqüilidade que haviam criado.
- É engraçado o quão certo isso parece. – O Uchiha deu de ombros. – E o quão inevitável também.
Hanzo fez um barulho em concordância, afundando o nariz no cabelo do outro. – É irônico, na verdade. Mas também parece o certo pra mim.
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- Eu matei meu irmão.
Era a primeira vez que Sasuke falava nos últimos três dias em que havia viajado com o outro homem. Não sabia nada sobre ele, não sabia seu nome, sua idade, nada. Mas as palavras lhe escaparam antes que pudesse pensar no porquê havia quebrado a regra silenciosa de nunca conversarem, e pensou que talvez tivesse sido uma péssima idéia quando viu a maneira como os outros olhos se arregalaram. Não deu tempo para que ele pudesse responder, vomitando mais e mais palavras entaladas.
- Eu achei que ele estivesse errado e que era meu papel matar ele. Eu nunca pensei que pudesse haver algo errado, eu só aceitei que eu precisava me vingar e eu o matei. Eu machuquei pessoas que gostavam de mim. Eu matei pessoas sem nunca ter pensado no significado de uma vida. Você acha que existe algum lugar no mundo para uma pessoa assim?
O silêncio durou mais alguns segundos antes que o outro homem soltasse uma risada. Fraca, incrédula, mas era uma risada. Estavam sentados debaixo de uma árvore, mantendo uma certa distância, encarando um ao outro. Foi quando Sasuke o ouviu falar pela primeira vez.
- Ordens da família? – Quando ele recebeu apenas uma sobrancelha erguida como resposta, continuou. – Você provavelmente já deve ter ouvido falar do clã Shimada. Mesmo não tendo nenhum kekkei genkai especial que os fizesse se destacar como ninjas, era um clã forte. Eu costumava ser o líder. Por alguns meses. Então, eu matei meu irmão mais novo e percebi o meu erro tarde demais. Não acho que eu seja a melhor pessoa para responder sua dúvida.
Era tão absurdo ouvir aquilo, que Sasuke não soube o que responder. A história acertava uma ferida ainda sangrando em seu próprio peito, e então ele entendeu o porquê de ver suas dores refletidas no olhar do arqueiro. Uma parte de si queria dizer que não existia coisa no mundo que não merecesse perdão (algo que Naruto tentou o convencer por muito tempo). Mas isso seria admitir que ele merecia perdão, e Sasuke não acreditava nisso.
Os sentimentos eram tão conflitantes que ele sentia que ia se afogar.
- Mas é reconfortante saber que eu não sou o único assassino de irmãos dessa região. – Ele continuou em um humor sórdido, que arrancou uma risada seca de Sasuke. – Shimada Hanzo, é um prazer conhecê-lo.
- Uchiha Sasuke.
Depois disso, o silêncio se tornou confortável. Não tocaram mais no assunto e continuaram a se manter companhia na viagem sem destino que faziam em busca do perdão próprio.
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Sasuke acabou adormecendo daquele jeito, com a cabeça encostada no ombro de Hanzo e as costas contra a parede do quarto de hotel barato que dividiam. Estava acostumado a dividir a cama com o outro homem, mas aquela foi a primeira vez que dormiam tão próximos, abraçados. Mas não era estranho, muito menos desconfortável. Acordar com os braços fortes ao redor de seu corpo foi reconfortante, e ele não teve vontade de sair dali.
O momento calmo que haviam criado na noite anterior parecia não ter passado, e ele se sentia leve. Levou uma mão ao rosto ainda adormecido do outro, assistindo os olhos castanhos se abrir lentamente.
- Eu acho que eu consigo te perdoar. – O Uchiha sussurrou, o que fez com que Hanzo franzisse o cenho.
- Me perdoar?
- Eu dormi pensando nisso. – Segurou a mecha do cabelo longo que insistia em cair pelo rosto do outro e a levou para trás de sua orelha. – Eu não acho que o que você fez não tenha perdão, considerando tudo o que isso envolve.
Sasuke mantinha o olhar em nenhum ponto específico, não querendo encarar o outro. Era uma admissão estranha, mas um pensamento que já vinha o corroendo antes mesmo de beijar o outro homem. Soava quase hipócrita, ele admitia. Mas conhecer Hanzo o fez entender um pouco mais de tudo o que Naruto o havia dito anos atrás.
- Então eu perdôo você também. - Seu rosto foi erguido por dedos calejados, e se viu obrigado à olhar nos olhos do Shimada. Quando nenhum dos dois disse nada, ele se aproximou e depositou um beijo rápido em seus lábios. – Você não precisa viver na sombra dos seus erros. Eu não consigo achar, dentro de mim, força o suficiente pra me perdoar por tudo o que eu fiz. E talvez eu esteja sendo egoísta, mas quando eu vejo você e consigo te aceitar e te... – Um suspiro. Palavras que ainda não precisavam ser ditas. – Talvez eu consiga aceitar que eu possa merecer isso também.
Hanzo sabia, desde seus quinze anos, que nunca seria uma pessoa merecedora de amor. A vida toda conhecia um sentimento, a inveja que tinha de seu irmão. Viveu como uma sombra de seu pai, para ser o líder excelente de um clã que não o enxergava como uma pessoa.
Isso só se reforçou quando cedeu à pressão da família e acabou com a vida da pessoa mais importante para si em um ato de desespero. Depois disso, abandonou a família e se isolou, procurando em algum canto do mundo a redenção que ele sabia não merecer.
Ele entendia bem o que Sasuke havia passado pela vida. Ele enxergava toda sua dor e arrependimento nos olhos negros do Uchiha. Porém, mesmo sabendo de tudo o que o outro havia feito, Hanzo sentia que podia amá-lo. Que ele não era nenhum tipo de monstro, que ele não merecia viver isolado e sem perdão.
Aceitar o amor de Sasuke era mais fácil. Não havia o medo e a incerteza de ser alguém que não sabia do que ele era capaz. Parecia ser o certo a se fazer. E talvez não fosse o amor bonito que sua mãe costumava a falar sobre, que fazia tudo mais brilhante e feliz. Era calejado, dolorido, mas era confortável e estava ali e ele podia aceitar.
Talvez, para pessoas como Shimada Hanzo, esse amor era o merecido. E era o suficiente.
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