Caetano, desde que se entendera por gente (bem, talvez não tão jovem assim), tinha um sonho: queria ser um escritor famoso, como seu ídolo, Neil Gaiman.
Não passava de um pirralho quando um de seus tios lhe dera um livro do autor em seu aniversário, em vez de um Autobot do Bumblebee. Caetano xingara mentalmente o tio que seu pai costumava chamar de Babaca Zen, mas no fim resolvera dar uma chance ao livro .
Foi um caminho sem volta.
Desde então, lia tudo que podia sobre Gaiman, assistia todas as adaptações de suas obras, e até mesmo escrevia cartas para ele; mas, claro, nunca recebia uma resposta.
Bom, isso não impediu que Caetano crescesse e continuasse a perseguir seu sonho. Ele estudou literatura, aprendeu inglês (que em sua mente seria o diferencial a tirá-lo do limbo), participou de oficinas de escrita, e enviou seus contos para várias revistas e editoras. Mas sempre era rejeitado ou ignorado.
Não foram poucas as vezes que se sentira frustrado e desanimado, mas até aí, quem nunca passou por isso, não é mesmo? O importante é que nosso garoto não desistiu.
Um dia, navegando na internet, quase caiu da poltrona quando leu a notícia que poderia mudar sua vida: Neil Gaiman estava vindo para o Brasil.
A viagem fazia parte da divulgação de sua nova graphic novel, do início da segunda temporada de Belas Maldições e de uma série de palestras.
Dizer que Caetano ficou eufórico seria um eufemismo quase blasfemo. Em um mês ele vendeu seu PlayStation 5, comprou a passagem para São Paulo e o ingresso para uma das palestras. Preparou seu exemplar favorito de Sandman para ser autografado, e ensaiou na frente do espelho o que iria dizer ao seu ídolo.
Chegou às dez da manhã diante no local de um evento que seria às cinco da tarde. Pois é.
Quando entrou, esgueirou-se por um mar de nerds e geeks e se posicionou estrategicamente na primeira fila. Observava ansiosamente o palco, esperando pelo momento em que veria Gaiman de perto. Já o vira em vídeos um milhão de vezes, mas mesmo assim imaginava como seria sua voz, seu sorriso, seu olhar.
Neil Gaiman, ao vivo. Puta merda!
Finalmente, o organizador anunciou a entrada de Gaiman. Caetano, como se vendo a descida de Jesus de meio às nuvens, o aplaudiu com entusiasmo, junto com a multidão.
Viu Gaiman caminhar até o microfone, com seu cabelo grisalho e sua jaqueta de couro. Ele parecia mais velho do que na internet, mas ainda assim radiante.
Gaiman começou a falar sobre seus novos projetos, a graphic novel, suas inspirações e desafios. Caetano ouvia atentamente cada palavra, admirando sua eloquência, seu humor, sua sabedoria. Sentia-se conectado com Gaiman, como se fossem amigos de longa data.
Depois da palestra, houve uma sessão de autógrafos. O rapaz se levantou e se juntou à fila. Segurava seu livro com carinho, esperando pelo momento em que iria entregá-lo a Gaiman.
Ensaiou novamente o que iria dizer, em seu melhor inglês britânico: “Sr. Gaiman, eu sou seu fã desde criança. Você é minha maior inspiração como escritor. Eu admiro muito seu trabalho e sua pessoa. Você poderia me dar um conselho para realizar meu sonho?”
Quando, depois de meia hora, chegou à frente da fila, viu Gaiman sentado atrás de uma mesa, com uma caneta na mão e um sorriso no rosto. Caetano se aproximou dele, nervoso, emocionado. Estendeu sua cópia de Sandman para Gaiman, e disse todo seu discurso:
— Hi.
Gaiman pegou o livro, olhou para a capa, para o rapaz, e disse:
— Hello.
Abrindo o livro na página do título, Gaiman perguntou qual era seu nome.
— Caetano.
— Ca-e-ta-no — disse o autor, baixinho, como se o nome fosse eslavo, persa ou algo assim.
Gaiman escreveu algo (em inglês) no livro, e devolveu-o ao rapaz.
“Para Kaetano, com os melhores votos. Neil Gaiman.”
Olhou para o rapaz e disse, num português capenga:
— Obrigado por vir.
Caetano pegou o livro de volta, sem acreditar no que acabara de acontecer. Ele olhou para a miserável dedicatória de Gaiman, sentindo uma mistura de alegria e decepção. Meio que sorriu, meio que franziu o cenho. Ele queria dizer mais alguma coisa, mas não teve tempo.
— Próximo! — disse o segurança, com uma cara azeda.
O aspirante a autor saiu da fila, num transe nauseante, dando espaço para outro fã. Ele se afastou do palco, olhando para trás. Estudou a Gaiman repetindo o mesmo ritual com outra pessoa: pegar o livro; perguntar o nome; escrever algo; devolver o livro; agradecer por vir.
Então percebeu que ele era apenas mais um entre milhares de fãs que Gaiman encontrava todos os dias. Que não era especial para Gaiman. Que não tinha nada a dizer ao homem que ele já não tivesse ouvido antes.
Caetano se sentiu pequeno e insignificante.
Saiu do local do evento, carregando seu livro autografado. Não se sentia mais eufórico, mas triste.
Tinha acabado de conhecer seu ídolo, mas não havia realizado seu sonho.
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