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1

I
A catastrophe

—Apaixonado por uma cantora... por uma mulher do theatro... eu?!... Ora adeus!... não pode ser!... Hei de ver isso!

Assim monologava o visconde Antonino de Bizeux, acabando de vestir-se.

E sorria desdenhosamente, tomando um aspecto arrogante, como se quizesse illudir-se sobre o estado do seu coração, persuadindo-se estar curado da paixão que sentira, nos ultimos tempos, despertar em si.

—Hei de ver isso... hei de ver isso!... repetia,{6} procurando qualquer coisa pelo quarto, destrahidamente, porque nada lhe faltava, a não ser que chegasse a hora d'ir para a Opera.

Os labios diziam: hei de ver, mas o coração tinha visto já.

Amava Linda, a estrella do dia, a diva que, do ceu da Opera, scintillava sobre Paris fascinado.

O visconde obtivera-se d'assistir ás ultimas quinze representações, fugindo assim á fascinação que a grande artista exercia sobre elle.

Tratava, pelo afastamento, o começo da paixão, que o assustava.

Durante esse tempo violentára-se, domára o coração com a grande força de vontade que possuia, e julgava-se curado, por isso.

O theatro da rua Le Peletier annunciára, para aquella noite, um magnifico espectaculo, em beneficio das victimas d'um sinistro recente.

Cantavam-se os Huguenottes, desempenhando Laura Linda, pela primeira vez, a parte de Valentina.

Toda a primeira sociedade parisiense devia assistir á representação, porque no camaroteiro não restava um só bilhete.

Antonino ia tornar a ver Linda triumphante, acclamada.

Se procurava uma occasião para experimentar-se, não podia encontral-a melhor.{7}

—Irei aos Huguenottes! resolvera elle, depois de curta discussão comsigo mesmo. Sem duvida ficarei certo de que estou completamente curado, mas se, por acaso, ao ver Linda sentir a mesma impressão, simultaneamente dolorosa e suave, de que necessito defender-me, juro que ámanhã de manhã partirei para Saint-Malo, e que só no começo do inverno voltarei a Paris.

E foi para a Opera, onde o esperava a sua cadeira d'assignatura, abandonada por mais de quinze dias.

Trocou apertos de mão e palavras de cumprimento com alguns conhecidos que encontrou, e dois ou tres amigos disseram-lhe familiarmente:

—Adeus, formoso bretão!

Antonino era, efectivamente, um bello rapaz.

A sua estatura d'athleta, admiravelmente proporcionada, conservava a mais completa linha d'elegancia.

Louro, olhos d'um verde escuro, que semelhavam ser castanhos, era o verdadeiro modelo do celta moderno: alliava a força á distincção.

O espectaculo teve o brilhantismo ordinario das solemnidades da Opera.

Todos se recordam ainda d'aquella noite, que se tornou celebre por uma d'essas catastrophes que gravam uma data com traços indeleveis, mesmo na memoria d'esse grande esquecido que se chama Paris.{8}

Quando Linda entrou em scena, Antonino estremeceu.

Não se fita impunemente uma pessoa, que se julga inimiga, depois de se ter deixado de a ver por alguns dias.

Ella cantou, e o visconde sentiu-se arrebatado julgando, comtudo, que fôra apenas a artista que o emocionára.

Applaudiu-a delirantemente, como de resto todos os espectadores, porque Laura, afinal,—tinha de confessal-o,—possuia raro talento.

Durante a representação declarou a si proprio que não vira Linda, apenas admirára Valentina.

O tempo que o espectaculo durou passou-se para elle como se fosse presa de inconsciente embriaguez.

Por fim a grande ovação rebentou, imponente, com a furia da emoção que trasborda.

Linda foi completamente coberta de flores, e chamada repetidas vezes, apparecendo sempre sorridente, formosissima.

Antonino sentiu um mal estar indefinido, e uma alegria doida.

E conservava-se sentado na sua cadeira, n'uma immobilidade involuntaria, incapaz de levantar-se, de seguir a multidão que sahia.

Passado algum tempo olhou em volta; a sala estava deserta.{9}

Dos corredores chegava um ruido confuso, produzido pelos ultimos espectadores, que sahiam.

Que fazia elle alli, diante do panno cahido; sob o lustre meio apagado?

Um porteiro foi convidal-o a retirar-se.

Como não recebesse resposta e julgasse o visconde a dormir, saccudi-o.

Antonino estremeceu novamente, e no primeiro momento sentiu desejos de desancar o porteiro.

Depois, pensando melhor, levantou-se e dirigiu-se para a porta da sahida.

Antes de transpôr o limiar, olhou uma ultima vez para o lado do palco, e retrocedeu, entrando novamente na platéa.

Parecera-lhe ter visto um tenue fio de fumo sahir do soalho.

Approximou-se, arrastando o porteiro, a quem disse, sobresaltado:

—Olhe!... alli!...

—Que desgraça!... Fujamos!...

Não havia que duvidar.

O fio de fumo engrossava progressivamente.

Antonino correu para o corredor, dando o grito de alarme.

Duas ou tres costureiras do theatro, que sahiam, suppuzeram-o doido, mas atraz do visconde corria o porteiro, gritando:{10}

—Fogo!... Fogo:!...

As costureiras, repetindo aquelle grito, correram para fóra do theatro.

Ao perceber que havia fogo no palco o visconde lembrou-se de Linda, immediatamente.

A cantora devia estar ainda no seu camarim. Seria prevenida a tempo de se poder salvar?

As portas que communicavam com o palco, estavam fechadas.

O visconde bateu a uma, infrutiferamente, meio desvairado, e respirando já a muito custo por entre o espesso fumo, que augmentava, enchendo os corredores.

Lembrou-se então da porta d'entrada para os artistas, que abria para a rua Drouot, na outra extremidade do edificio.

Sahiu do theatro e deu volta, empurrando, na passagem, os bombeiros que chegavam.

Chegado á porta, subiu, a dois e dois, os degraus da escada que conduzia aos camarins dos artistas.

O fumo era ainda mais espesso d'aquelle lado.

Um bico de gaz, conservado acceso por acaso, rompia a custo, com claridade amarellada, a densidade baça d'aquella especie de felpa cinzenta, que enchia os corredores, pouco a pouco.

Sombras corriam para todos os lados, espavoridas,{11} sem responder ás perguntas afflictas de Antonino, sem as ouvir.

Como nunca entrara no palco da Opera, o visconde não sabia onde ficavam os camarins.

Bateu á primeira porta que encontrou, forçou-a violentamente, sem dar tempo a que lhe respondessem, e entrou.

Uma mulher atravessava n'esse momento o corredor, gritando com desespero:

—Soccorro!... soccorro!... A senhora está incommodada!

—Quem?... Linda?... perguntou anciosamente Antonino.

—Sim!... O medico... onde está o medico?

—O camarim?... Diga-me onde é o camarim!

Mas a mulher não ouviu a pergunta; desapparecera por entre o fumo, cada vez mais espesso.

Repentinamente apagou-se o unico bico de gaz, que ainda ardia.

O visconde ficou mergulhado n'uma escuridão pesada, completa, em que se desenvolvia um calor violento.

Caminhou ás apalpadellas, batendo com as mãos nas paredes e chamando com voz forte:

—Linda!... Linda!... Onde está?

Mas ninguem lhe respondia.

Continuou a caminhar, gritando sempre, cada vez{12} com mais força, e arrombando, enraivecido, todas as portas que encontrava.

Repentinamente, pareceu-lhe ouvir um gemido fraco.

Procurou nas algibeiras uma caixa de phosphoros, e, encontrando-a, accendeu um.

A alguns passos de distancia viu uma porta aberta.

Entrou por ella precipitadamente.

Era o camarim de Linda. A cantora estava caida por terra, pallida, meio desmaiada.

O phosphoro que Antonino tinha na mão, apagou-se.

Com um outro, tentou accender o gaz, não conseguindo, felizmente o seu designio.

—Onde estou eu? perguntou Laura de repente.

—Venha, venha! respondeu o visconde com voz imperiosa.

Guiado pela voz de Linda, approximou-se d'ella, tentando tomal-a nos braços para a conduzir.

—Deixe-me, senhor, eu posso caminhar... Basta que me dê a mão.

Pela porta aberta entrou no camarim uma claridade sinistra.

Fumo azulado sahia por entre as fendas do soalho e subia até ao tecto, onde se immobilisava em camadas cinzentas.{13}

Antonino e Laura sahiram do camarim e embrenharam-se nos corredores, onde dançavam já as chammas do incendio.

Apesar da natural turbação que o sinistro lhe causava, Antonino experimentava deliciosa sensação por ter na sua a mão de Laura.

Subitamente uma lingua de fogo subiu verticalmente pela escada que dava sahida para a rua Drouot, lambendo, com poderosa tranquillidade, o tecto que lhe ficava superior. O calor abrazava.

—É muito tarde para sahirmos por aqui, disse Antonino sem perder a presença de espirito. Necessitamos passar á platéa, atravessando o palco.

—Vamos por aqui, respondeu Laura. Desceremos a escada que conduz á scena.

O visconde seguiu a cantora.

Dirigiram-se para a escada de serviço.

Por entre a claridade avermelhada, viram os bombeiros correndo em todas as direcções, d'archotes em punho, dando indicações uns aos outros, em voz breve.

Fumo espesso, vindo de baixo, attingia toda a altura das abobadas, pela potencia do jacto, dilatando-se em silencio, como sopros quentes vomitados por boccas invisiveis.

Do palco partia um ruido continuo de fornalha bem alimentada, que solta crepitamentos seccos.{14}

O incendio, que fomentava havia duas horas, invadiu, repentina e invencivelmente, a nave immensa da platéa.

A chamara que sahiu pelo buraco do ponto inflammou o panno de bocca, que pouco depois misturava as suas cinzas ao fumo.

O fogo chegou ás torrinhas, lambendo, na sua passagem, as decorações do salão, cujo hemicyclo dentro em pouco foi tomado.

—Saiam todos! gritou um chefe de bombeiros aos seus homens; saiam todos! Nada temos que fazer aqui... O incendio é mais forte que nós!

O soalho do palco queimava os pés dos que sobre elle caminhavam.

—Venha depressa, minha senhora! supplicou Antonino. Necessitamos saltar para o espaço destinado á orchestra, e d'aqui a dois minutos será tarde.

—Ainda cá está alguem? perguntou o chefe dos bombeiros, que ficara para traz.

—Aqui, estão aqui duas pessoas, respondeu o visconde. Ajude-me a salvar uma mulher.

O bombeiro saltou da platéa para o palco e disse a Antonino:

—Eleve-se a pulso até esse camarote de bocca; logo que lá esteja, eu levantarei esta senhora, por fórma que possa agarral-a.

O visconde seguiu o conselho, e depois, encostando{15} o peito na borda do camarote, estendeu os braços para Laura, que, elevada pelo bombeiro, poude agarrar-se ao seu salvador.

Logo que os viu no camarote, o bombeiro disse-lhes:

—Agora fujam depressa, porque...

O desgraçado não acabou.

O soalho, completamente carbonisado, cedeu ao peso do corpo do homem, que repentinamente se sentiu envolvido pelas chammas.

—Soccorro!... gritou elle. Quem me acode!...

Como as taboas não tinham quebrado completamente, conseguiu depois de muitos esforços, retirar o corpo d'aquella solução de continuidade em que cahira, e muito queimado, approximou-se do camarote onde ainda estavam Laura e o visconde, a quem estendeu os braços, implorando salvação.

Mas a chamma seguiu-o, incendiando-lhe o fato.

Antonino inclinou-se novamente para o palco, estendendo-lhe as mãos.

—Ajude-me!... não me abandone!... dizia o infeliz.

E deligenciava chegar até á mão do visconde, que por fim logrou agarrar.

De repente, a taboa em que se firmava, quebrou e á perda inesperada d'aquelle appoio fez com que Antonino perdesse o equilibrio.{16}

Laura percebeu o perigo; lançou os braços, tornados fortes pela imminencia do perigo, em volta do tronco do visconde, puchando por elle com força.

Apesar das queimaduras o fazerem soffrer bastante, Bizeux esforçou-se por puchar para o camarote o infeliz bombeiro, que soltava gritos roucos.

Subitamente o homem fez um movimento brusco, e o visconde sentiu escorregar-lhe da mão o pulso do desditoso, que cahiu no meio d'aquella fornalha monstro.

O desgraçado soltou ainda estas palavras: Meus queridos filhos!

E mais nada!

Tomado d'espantoso horror, Antonino voltou-se para Laura.

A cantora perdera os sentidos.

O visconde estava meio asphixiado.

Parecia-lhe que respirava fogo.

Nas pupillas dilatadas e quasi sem vista, sentia milhares de picadas d'agulhas.

Envolveu a bocca de Laura com uma mantilha, e elle proprio tomou entre os dentes o lenço d'assoar, cerrando os labios como que para preservar do oxido de carbone, desenvolvido pelo incendio, os seus robustos pulmões.

Em seguida, chamando a si toda a sua energia, levantou nos braços a cantora, como se ella fosse uma{17} creança, e sahiu do camarote, percorrendo o corredor.

Aquella parte do theatro era-lhe conhecida.

O incendio desenvolvia-se no salão, com toda a intensidade.

O lustre abateu, produzindo ruido enorme.

A grande escadaria estava ainda praticavel.

O visconde desceu por ella apressadamente, com as sobrancelhas e os cabellos queimados.

Um minuto depois chegava á rua, acclamado pela multidão enthusiasmada.

N'esse instante abateu o tecto do salão.

Pelo espaço espalhou-se infinita quantidade de faulhas.

O incendio pavoroso, sacudindo o seu pennacho de fumo ardente, polvorisado de faiscas, alumiou sinistramente a cidade.

A claridade da lua extinguiu-se ante a intensa vermelhidão das chammas.

Ao longe, sobre os telhados, o ondeado das labaredas, que se distanciavam em espiraes phantasticas, fazia dançar as chaminés uma dança macabra, no espaço afogueado.{18}{19}

II
Antonino de Bizeux

Antonino de Bizeux residia em Paris havia apenas dezoito mezes.

Até então vivera sempre na Bretanha, com seu pae, no seu palacio de Saint-Malo, ou, na epoca da caça, no castello que possuia proximo de Rascoff.

O visconde viajára muito.

Conhecia toda a Europa e as costas mediterraneas da Asia e da Africa.

Entrára na vida parisiense conservando todas as suas illusões, mas possuido do ardente desejo de se humanisar, como elle dizia, de se tornar distincto na distincta sociedade, de que passava a fazer parte.{20}

Caracter firme, sincero, honrado—honrado até á ingenuidade—os seus pensamentos eram purissimos, e na physionomia transparecia-lhe sempre o que pensava.

Na sociedade que frequentava, o visconde produzira primeiro o effeito d'um phenomeno, prestando-se ao desfructe, sem dar por isso.

Depois, pouco a pouco, fôra-se limpando da sua simplicidade primitiva e tomando pé na encapellada torrente parisiense.

Comtudo conservava o fundo de lhaneza natural, que lhe dava um certo cunho d'originalidade, e lhe valia um verdadeiro successo junto das mulheres, as eternas curiosas.

Tinha poucos ou nenhuns amigos.

O seu nome e a sua fortuna, porém, fizeram com que adquirisse innumeros conhecimentos na alta roda, onde zombavam, apesar de o estimarem, d'esse retardado da civilisação, a quem chamavam formoso bretão e selvagem.

Selvagem era elle seguramente, não porque lhe repugnasse o prazer, mas porque, entregando-se aos gosos que constituem meros passatempos, conservava puro o coração.

Sobre o ponto mulheres, absolutamente sem importancia para homens que frequentavam a sociedade em que elle vivia, o visconde pensava e procedia{21} contrariamente aos seus companheiros, porque elles tinham os seus amores, e Antonino só poderia ter um amor.

Em poucos mezes saboreára todos os prazeres possiveis sem se embriagar; estivera exposto a todas as seducções sem ser seduzido.

Não pertencia ao numero infinito de inactivos, que, segundo a phrase do seu compatriota Chateaubriand, atravessam a vida bocejando, e no seu dolente aborrecimento só teem uma ambição e um sonho: divertirem-se.

O visconde possuia solida instrucção, fallava duas ou tres linguas; era um litterato e um dilettante.

Amava a arte sob todas as suas variadas fórmas, mas sobretudo era apaixonado pela musica.

Por essa razão tornou-se dentro em pouco um dos mais assiduos habitués da Opera.

A sua cadeira raras vezes ficava vazia.

N'essa epoca, como já dissemos, brilhava na Opera Laura Linda, estrella de primeira grandeza que eclipsava todas as outras.

Antonino era ardente admirador da diva.

Adorava-lhe a voz e a expressão maravilhosa do canto.

Mas, coisa extraordinaria, passára muito tempo sem reparar que Laura era formosissima.

Poderia passar dias inteiros a admirar a grande{22} artista interpretando as obras dos mestres, que, se a encontrasse na rua, não voltaria a cabeça para a seguir com o olhar um minuto mais do que a qualquer outra mulher.

De resto, a sua admiração pela cantora jámais se manifestára de fórma a dar nas vistas.

Nem um bouquet offerecido, nem o menor transporte de enthusiasmo.

Limitava-se a applaudil-a, semelhando ser egoista do seu enlevo.

Os conhecidos commentavam a seu modo a assiduidade do visconde nas representações em que Laura tomava parte, e o recolhimento quasi extatico d'elle a partir do momento em que a cantora entrava em scena.

Todos consideravam Antonino apaixonado pela diva.

A primeira vez que uns amigos, por brincadeira, lhe disseram que o julgavam louco por Laura, elle admirou-se, mas nem tentou defender-se, convencido de que os seus interlocutores não comprehendiam a que sentimento obedecia.

Limitou-se a concordar, sorrindo, que as apparencias justificavam as suspeitas.

Mas a brincadeira produziu no visconde o effeito d'uma revelação.

A datar d'esse dia consultou o coração, espiando{23} todos os variados sentimentos que experimentava, perguntando a si proprio se os amigos não tinham, antes d'elle e sem que de tal desconfiasse, dado o nome exacto á attracção que Laura Linda exercia sobre elle.

A diva, pelo seu lado, reparára n'aquelle espectador que todas as noites, da sua cadeira, a seguia com olhar ardente.

De resto, tinham-lhe apontado o visconde como uma das suas victimas.

Deixára que lhe contassem tudo que constava do caracter do seu adorador, da reputação de selvageria de que elle gosava, mas não admittira que Antonino estivesse apaixonado por ella.

Fosse intenção ou simples desejo de ser admirada por aquella fórma, Laura quasi adivinhava o que o visconde sentia, e agradecia-lhe intimamente a reserva em que elle se conservava, reserva que desagradaria a qualquer outra.

Uma noite,—é possivel que acabasse d'ouvir fallar d'elle,—como tinha d'entrar em scena lentamente e em silencio, Laura fixou o visconde por muito tempo.

Áquelle olhar, todos os admiradores da diva se sentiram supplantados pelo formoso bretão.

O visconde, porém, longe de ficar satisfeito, parecia contrariado.{24}

É provavel que a cantora percebesse isso, porque muitas vezes durante a noite olhou para o visconde, constatando sempre que o seu olhar, apesar d'inoffensivo, produzia n'elle a mesma impressão desagradavel.

Até d'uma occasião o visconde levantou os hombros n'um movimento rapido, como irritado por ella se esquecer por momentos do papel que desempenhava.

Ao voltar ao seu camarim, Laura riu quando uma amiga lhe fallou d'Antonino.

—Apaixonado, aquelle?... Está enganada, disse ella. Será, quando muito, um amador, e com certeza um homem extraordinario. Ha bocado olhei algumas vezes para elle, que quasi protestou por eu me desviar do meu papel!

N'essa noite Antonino sahiu do theatro descontente comsigo e com a diva.

Parecera-lhe que ella se mostrara inferior ao talento que possuia, e zangou-se comsigo proprio: por julgar ter sido a causa das distracções em que a cantora incorrera.

Entrevira pela primeira vez a mulher através da artista.

Entrou em casa mal humorado, e por muitas horas a imagem de Laura passou ante o seu olhar sonhador, brilhante como em scena e fixando-o sempre.{25}

E os olhos fecharam-se-lhe, ao adormecer, suppondo estar ainda admirando a diva.

Pela manhã assaltou-o uma preoccupação.

Porque olhara Laura para elle?

Porque infringira a arte, porque commettera uma falta, a Linda, a impeccavel?

Á medida que reflectia, o ser palpavel, a belleza material, a mulher, absorvia-lhe imaginação.

Quando deu por isso encolerisou-se, e, só no seu quarto, disse alto, despeitado, quasi furioso:

—Não quero!

No dia seguinte foi para Opera como de costume, mas inquieto, perplexo, e pensando não voltar lá se, á entrada de Laura, sentisse a mais ligeira commoção.

A diva entrou, saudada pelos applausos dos seus adoradores.

Depois do primeiro acto Antonino sorriu dos seus terrores.

Por mais que se interrogasse durante todo o tempo que o acto durára, só encontrara em si o simples melómano.

Comtudo a sua tranquilidade não era obsoluta.

Apesar de tudo tremia a cada instante que ella o fixasse.

A Linda não tivera a mais ligeira distracção, conservara-se sempre a artista superior que nem um{26} segundo se esquece da personagem que desempenha, e nem de passagem o seu olhar encontrara o do visconde.

Esta ultima circumstancia não passou despercebida a Antonino, e muitas vezes lhe occorreu, primeiro sem o impressionar, e depois produzindo-lhe uma sensação desagradavel, que não estava longe do despeito. A diva n'essa noite foi surprehendente.

Quando, no fim do ultimo acto, o applauso irrompeu, unanime, só Antonino não deu o seu contingente de palmas ou flores.

Assistiu á ovação contrariado, franzindo as sobrancelhas descontente, como se soffresse com aquelle ligitimo triumpho da cantora.

Entre outros ramos, cahiu aos pés da diva um, de lilazes brancos, lançado ao proscenio por um espectador que estava proximo d'Antonino.

Porque apanhou Laura aquelle ramo, primeiro que qualquer outro?

E porque, ao apanhal-o, olhou e sorriu para o espectador que lh'o offerecera?

Qualquer explicaria o caso, dizendo comsigo que o lilaz seria a flor preferida pela diva.

O visconde, porem, é que não considerou explicavel o facto, e levantou-se da sua cadeira, bruscamente, sahindo apressado para os corredores e seguindo para casa sem demora.{27}

N'aquella noite teve febre.

No dia seguinte, ao ouvir um amigo fallar de Linda, declarou que ella declinava, que dera já o que tinha a dar, e que não tardaria em chegar a estado de só poder ser contratada para theatros d'operetta.

Por si, resolvera passar as noites na Comedia Franceza, porque, afinal, a musica, era uma arte secundaria.

Com effeito o visconde não appareceu na Opera durante duas semanas.

Amava Laura.

Como nunca amára, não comprehendia a razão do seu mal estar.

Amava-a; os proprios esforços que fazia para estrangular a voz do coração eram d'isso prova irrefutavel.

Amava-a, e sentia-se ingenuo, pateta, simples.

Pois não praticára a tolice de estremecer de raiva por um estranho lançar á diva um ramo de que ella gostara?

Amava-a... mas, em summa, tinha ainda força de vontade.

Saberia asphixiar o mal que apenas despontava!

Estava resolvido: não iria mais á Opera, não tornaria a ver a Linda, porque, custasse o que custasse, tinha de vencer aquella paixão estupida!

Quinze dias depois de proceder pela fórma que a{28} si mesmo impozera, convenceu-se de que podia voltar á Opera sem perigo.

Tinha a convicção de que se vencera; nada o impedia de voltar a assistir ao seu divertimento predilecto.

De resto, desejava colher a prova evidente da cura.

Nem um só doente ha que, depois de estar por muito tempo preso no quarto, não se sinta impaciente d'affrontar o ar livre, d'experimentar as suas forças.

Foi n'essas disposição confiantes que o visconde assistiu ao espectaculo da Opera, depois do qual se deu o fatal sinistro que narrámos no capitulo anterior.{29}

III
Laura Linda

Na lucta contra o amor nascente, que se travava no coração d'Antonino, o maior perigo, mas ao mesmo tempo o maior attractivo, era, mais do que o talento de Laura e até mais do que a peregrina belleza da cantora, o que o visconde sabia, porque todos o diziam, da vida e do passado da diva.

Tinha então vinte e seis annos e havia sete que cantava em theatros.

No apogeu da gloria, envolta n'uma atmosphera d'adorações e de sollicitações de toda a natureza, a Linda regeitara vinte propostas de casamento, e ninguem jamais lhe conhecera amante.{30}

A historia simples da sua vida explicava esse caso pouco vulgar.

Laura era hespanhola.

Seu pae, o celebre violinista José Marcia, descendia d'uma familia illustre porque era o ultimo representante dos condes de Marcia.

Nunca usara o titulo, do qual raramente fallava e sempre com uma especie de despreso.

Para elle só existia a arte, e considerava um grande artista superior a um rei.

De resto, era á arte que tudo devia, porque a antiga casa dos Marcias, era, desde muito tempo, uma casa arruinada.

O pae de José Marcia colhera os ultimos restos da fortuna patrimonial, mas a grande paixão que tivera pela musica tudo lhe levára.

O conde de Marcia suppunha-se um verdadeiro genio para a composição. O pouco dinheiro que possuia gastava-o na publicação das suas obras.

Vendeu a ultima quinta para fazer representar com luzimento, na Opera de Madrid, uma partitura de que era auctor, e com a qual contava assegurar a sua reputação e refazer a sua fortuna.

A opera, porém, cahiu desastradamente na primeira noite em que subiu á scena.

Por felicidade seu filho José, a quem elle communicára{31} o amor pela musica, tinha n'essa epocha vinte e cinco annos e gosava já de grande e merecida reputação de violinista.

Foi o filho que velou pela sustentação do pae.

O velho melomano apenas tinha uma idéa fixa: desforrar-se.

Compoz ainda duas ou tres operas; e a muito custo conseguiu o filho que elle as guardasse n'uma gaveta, para que a apresentação d'ellas ao publico não lhes levasse mais algum dinheiro.

Comtudo José Marcia fingia admirar as composições paternas, por fórma que o pobre velho morreu cheio d'illusões, legando-lhe confiadamente a realisação da sua gloria posthuma.

Não foi, porém, o pae, mas o filho quem conquistou a gloria dia a dia, a que poderia ter junto a riqueza, se não houvesse uma coisa que elle despresasse mais do que a nobreza: o dinheiro.

Ganhou quantias importantissimas, mas como de ordinario as suas despezas egualavam as receitas, quando não as ultrapassavam, é claro que jamais poderia juntar um pequeno capital.

E comtudo não esbanjava o dinheiro; apenas, como elle dizia rindo, não sabia tratar dos seus negocios.

Dava concertos em extremo lucrativos, mas deixava que o emprezario embolsasse a maior parte dos ganhos.{32}

Era auctor d'um methodo celebre e gosava d'incontestada e incontestavel reputação como professor, mas os seus discipulos predilectos não era os que pagavam melhor, eram os que possuiam mais habilidade, e que d'ordinario não lhe pagavam.

Vem a proposito, contar uma historia de que riu toda a gente em Madrid.

Um banqueiro riquissimo incumbiu José Marcia de leccionar particularmente um filho, retribuindo-o principescamente.

Por infelicidade não só o rapaz não tinha tendencia para a musica, como tambem era um preguiçoso de primeira ordem, que só pegava no violino durante o tempo das lições.

Ao cabo d'um mez, José Marcia, impacientado, participou ao pae do seu discipulo que as suas occupações não lhe promettiam continuar com a leccionação. O banqueiro, ao receber este aviso, limitou-se a duplicar a remuneração das lições.

Marcia, tentado pelo lucro, continuou.

Mas a tentação durou apenas uma semana.

Finda ella, o distincto violinista escreveu o seguinte ao banqueiro:

«Termino de vez com as lições, porque seu filho é extraordinariamente estupido.»

Vivia ainda o pae quando Marcia casou com a que devia ser mãe de Laura.{33}

Era filha d'um relojoeiro que vivia no mesmo predio.

Á falta de dote possuia rara belleza.

Elle estava longe de ser bello, e fortuna não a tinha tambem, mas, como o rouxinol na primavera, conquistou o amor da que devia ser sua mulher com o canto surprehendente do seu violino.

A joven passava horas a escutal-o, embevecida.

O artista pediu em casamento aquella sua sincera admiradora, que foi esposa dedicada, e a melhor e a mais terna das mães.

Laura foi creada pela mãe na adoração do pae, e pelo pae na adoração da arte.

Possuindo raros dotes vocaes, o pae fez d'ella uma artista completa.

Quiz tambem ensinar-lhe a tocar violino, mas ella tinha um outro instrumento melhor: a voz.

A mãe jamais consentiu que Laura entrasse para o theatro.

A sua prudencia inquieta, que o marido alcunhava de burguezismo, considerava o palco como um logar de perdição.

Parecia-lhe que a filha, a quem transmittira toda a sua bellesa, renunciaria, apparecendo no proscenio, a tudo o que havia de honesto e feliz na vida d'ella: o amor ao lar domestico, o amor d'esposa e o amor de mãe.{34}

Mas antes de Laura completar desoito annos, falleceu a mãe extremosa, acontecimento que por muito tempo acabrunhou o violinista e a filha.

Alguns mezes depois da morte da mãe, Laura foi convidada a cantar n'um concerto de beneficencia.

Obteve um verdadeiro successo.

Mas os applausos de que foi alvo, não lhe causaram tanto enthusiasmo como ao pae.

José Marcia procurou e encontrou occasião de renovar o triumpho obtido por Laura.

A fina intuição de que era dotado deixava-lhe antever que a filha e discipula seria uma artista de primeira ordem.

Aos desanove annos, Laura debutou na Opera de Madrid.

A sua voz, porém, não attingira ainda o completo desenvolvimento.

O pae assim o comprehendeu, e durante dois annos não consentiu que a filha cantasse, senão raras vezes.

Findos esses dois annos Laura partiu para a Italia, acompanhada do seu natural emprezario.

Conservou-se tres annos no Scala, de Milão, onde, sob a direcção de Pozzoli, aperfeiçoou o methodo de canto, adquirindo, sobre o seu nome de theatro, a Linda, uma enorme reputação, que augmentava todos os dias.

Do Scala foi contractada para a Opera de Paris,{35} porque Laura fallava e cantava, com a mesma pureza d'accentuação e a mesma nitidez d'articulação, o hespanhol, o italiano e o francez.

Havia já dois annos que ella estava em Paris, e o seu talento e a sua formosura tinham encantado por completo os frequentadores da Opera.

O pae, que a acompanhára á capital da França, morreu tres mezes depois de chegarem.

Felizmente deixava a filha no apogeu da gloria.

E só gloria, porque dinheiro não tinha Laura quando o pae falleceu, nem elle lh'o deixou.

José Marcia legara á filha o perfeito abandono pelas coisas praticas que durante a vida sempre tivera.

Por mais vantajosos que fossem os contractos que assignava, Laura apenas conseguia não ter dividas.

E não era ella quem gastava as suas receitas, mas consentia que os creados gastassem como lhes aprouvesse.

—Sei contar o meu tempo, dizia a Linda rindo, mas nunca saberei contar o meu dinheiro!

Comtudo, se no seu orçamento não havia ordem, a sua vida era ordenadissima.

A recordação da mãe adorada estava sempre presente a Laura, e guardava-a, como se fosse a propria mãe em pessoa.

Resolvera seguir á justa uma vida irreprehensivel, e cumpriu o compromisso tomado.{36}

De resto, Laura possuia a verdadeira honestidade, a que é indulgente mesmo com as fraquezas que repudia.

Era jovial com os seus companheiros de theatro, mas sabia fazer-se respeitar.

Fôra cortejada por muitos homens; soubera, porém, com rara habilidade, repellir suavemente tanto os que lhe fallavam de casamento, como os que só lhe fallavam d'amor.

Jamais dissera que não se casaria, mas a primeira condição que estava resolvida a impor ao noivo, se um dia o tivesse, era conservar-se no theatro, o que fazia diminuir as probabilidades d'encontrar marido rico.

Pozzoli, o director do Scala de Milão, que na epoca em que se passa esta historia dirigia a Opera Italiana em Paris, pedira a mão de Laura ao pae da cantora.

Mas, além de ter uma reputação equivoca, Pozzoli contava evidentemente, casando com a Linda, possuir sem concorrencia e sem despendio, uma primadona de primeira ordem.

Dizia-se até que seguia esse systema de ha muito, amancebando-se com varias das suas contractadas.

Casando com Laura, Pozzoli faria diminuir as difficuldades com que luctava como emprezario.

Em Milão, um compositor de talento apaixonou-se{37} doidamente pela diva, e, ainda que fosse pobre, não era de certo o interesse que o movia a dar-lhe o seu nome e a sua vida.

Laura, porém, não sentia a mais insignificante parcella d'amor pelo que tanto a adorava, e como elle comprehendesse essa triste verdade, sahiu de Milão para Florença.

O numero dos que apenas procuravam o amor de Laura era superior aos que desejavam casar com ella.

Mas perdiam o tempo e o trabalho.

Um d'elles, o tenor ligeiro Lauretto Mina, era um bello homem, muito infactuado, mas a quem poucas mulheres resistiam.

Fôra ajudante d'um professor d'esgrima.

Estava escripturado por Pozzoli na Opera Italiana.

Possuia voz extensa e bem timbrada, mas não sabia servir-se d'ella, e era sufficientemente preguiçoso para poder modificar-se, estudando.

Entretanto considerava-se o primeiro tenor do mundo, e dizia-o imperturbavelmente.

Desde a primeira vez que viu a Linda, declarou-se apaixonado por ella.

Mas Linda, com a natural finura de mulher, percebeu dentro em pouco que especie d'homem era Lauretto e passou a tratal-o, contrariamente á forma{38} pela qual procedia com todos os outros collegas, com uma frieza que bem se podia alcunhar de desdem.

Este procedimento de Linda fez com que Lauretto, vaidoso em extremo, se possuisse d'occulta irritação, que mesclava d'odio o amor, ou antes o desejo, que sentia pela cantora.

Entretanto teve a força de vontade sufficiente para não manifestar o seu descontentamento, declarando até aos amigos, com ironico despreso, que se inclinava ante a virtude de Laura, a quem elle chamava Casta diva.

—Sou tão preguiçoso! dizia o tenor no foyer dos artistas. Não tenho paciencia para sustentar um prolongado cerco a uma mulher tão bem defendida. Cedo o logar a qualquer outro assaltante de mais solida perseverança. Renuncio a ser o primeiro, mas juro por Venus e pelo Amor, que serei o segundo.

Um outro apaixonado, mais amoldavel, foi Remissy, violinista hungaro, um original, segundo uns, e um doido segundo outros, mas um grande, um verdadeiro artista.

Remissy foi a Milão para ouvir José Marcia, de quem elle admirava o talento, apesar de deferir muito do que possuia o violinista hungaro.

Viu Laura, e, como era facilmente impressionavel, inflammou-se d'enthusiasmo pelo talento e pela belleza da cantora, simultaneamente.{39}

A Linda, porém, tratou-o com meiguice e alegria, a que não era estranho um certo desdem, e todo o fogo de Remissy extinguiu-se subitamente.

—Tem cem vezes razão! dizia-lhe elle. Não pode tomar a serio um maluco como eu. Além d'isso, eu não estou perfeitamente certo de que não me enganasse, e não adore apenas a sua voz, o que é muito possivel. Andaria duzentas leguas para a ouvir! A sua voz transporta-me ao setimo ceu! Convencionemos o seguinte: não serei seu amigo, serei seu idolatra. E desde já te peço licença para te tratar por tu, como á divindade!

De todos os seus apaixonados que eram bons e sinceros, Laura fazia amigos.

Na primeira plana d'esses convertidos estava, em Paris, o dr. Despujolles, o medico considerado como a verdadeira providencia dos theatros, sobre tudo dos theatros de canto.

Quem estivesse rouco pela manhã podia cantar á noite como um rouxinol, mercê das magias homœopathicas do dr. Despujolles.

Foi um pouco mais recalcitrante que Remissy, á cura, homœopathica tambem, do amor pela amisade, mas como além d'intelligente era honesto, acabou não só por se resignar, como tambem por estimar o papel que Laura lhe confiava.

Todas estas informações sobre a Linda foram colhidas{40} por Antonino de Bizeux dia a dia, d'este e d'aquelle, affectando indifferença, mas sentindo na realidade um interesse e emoção de que elle não se apercebia, e temendo e desejando ao mesmo tempo que lhe apontassem qualquer nodoa no passado da diva, porque n'esse caso Laura passaria a ser menos perigosa para elle.{41}

IV
O dia seguinte

Era quasi meio dia.

Laura acabára de se levantar, e recostara-se languida e como magoada ainda, sobre o canapé do seu salão, remexendo, distrahidamente, n'um montão de cartas e de folhas rasgadas de carteiras, que cobriam o marmore d'um velador.

Por entre os nomes do que vulgarmente se chama todo Paris, procurava um que não encontrava, e lia com indefferencia as palavras escriptas a lapis sobre os papeis que folheava.

Entretanto um bilhete houve que lhe prendeu a attenção por mais tempo.{42}

Era de Pozzoli.

Dizia o antigo emprezario de Laura:

«Morreu a Opera, viva o theatro dos Italianos! Pozzoli irá ámanhã a casa da distinctissima diva, levando um contracto em branco á sua ex e futura escripturada».

Ao ver o cartão de Lauretto Mina, a Linda franziu as sobrancelhas.

O tenor escrevera:

«Enforca-te Lauretto! Laura esteve prestes a ser queimada viva, e tu não estavas junto d'ella para a salvar».

Em compensação, sorriu-se ao ler um outro bilhete.

«Compuz hoje de manhã um cantico d'acção de graças, uma alleluia triumphante, que irei executar-te no meu violino, logo que possas receber o teu mais humilde admirador.

Remissy».

A diva resolveu responder sem perda de tempo ao violinista, convidando-o a almoçar no dia seguinte.{43}

Chamou para isso Jacintha, a sua creada de quarto, pedindo-lhe o necessario para escrever.

Jacintha, collaça de Laura, tinha poucos mezes mais que a cantora.

Era uma formosa rapariga, d'um trigueiro assetinado e quente, olhos e cabellos pretos, labios vermelhos e sensuaes.

Nunca abandonára a cantora, a quem estimava muito, mas a quem servia mal.

—Mais cartas, minha senhora, disse ella ao entrar, quasi todas entregues pelos proprios, que não subiram porque o porteiro não consentiu.

—Que deixe subir o dr. Despujolles quando elle chegar.

—Sim, minha senhora. E o sujeito que lhe salvou a vida?

—O sr. Antonino de Bizeux? Tambem! Há bocado disse-te o mesmo.

—Já se vê... Se não fosse elle estaria a senhora morta a estas horas. E eu tambem, porque se a senhora morresse, não lhe sobreviveria.

—É um homem deveras corajoso! disse Laura, pensativa.

—E bonito!

—Jacintha!...

—Perdão, minha senhora!... jurei-lhe que nunca mais chamaria bonito a qualquer homem, ainda{44} que elle fosse como S. Miguel Archanjo, e faltei ao meu juramento!... Mas não está mais na minha mão!

—Cala-te! interrompeu Laura, que não poude deixar de sorrir, e manda entregar immediatamente esta carta ao sr. Remissy, rua Favart.

Alguns minutos depois, Jacintha annunciava o dr. Despujolles.

—Eil-a! disse o medico ao entrar. Eil-a, a esta salamandra que atravessou impunemente as chammas!

—Infeliz da salamandra, respondeu Laura, que ficaria frita como uma carpa se não tivesse quem a ajudasse.

—Vejamos o pulso. Sabe que vim cá ás oito horas da manhã?

—Sei.

—Como me disseram que dormia, cedi o logar ao melhor dos medicos, o somno.

—Só consegui adormecer ás seis horas da madrugada.

—Pudera! Depois d'um tal abalo não admira. Hum! Está com febre, como era de prever. Vou receitar-lhe um calmante.

E chamou.

Appareceu Jacintha.

—Manda sem demora esta receita a uma pharmacia.{45}

—Sim, sr. doutor.

—E então? Há mais juizo agora?

Jacintha tornou-se purpurina.

—De certo, sr. doutor.

—Hein? Isso é verdade? Toma cuidado! Á primeira escorregadella, tens d'haver-te commigo!

Jacintha pegou na receita, e sahiu apressadamente.

—É necessario, disse o doutor a Laura, que a minha amiga possua uma solida reputação, para ter junto de si uma rapariga d'este quilate!

—Coitada! É tão bondosa e dedicada! Quer que a abandone?

—De certo que não! Estudo em Jacintha a força do instincto. É um precioso sujet physiologico para observar—desculpe-me o termo—o animal na mulher.

—Oh! doutor!

—Posso-lhe fallar assim, porque a minha amiga é toda espirito. Em si o animal não existe.

—Trata de desculpar-se com um cumprimento! Pois dir-lhe-hei que, em momento de perigo, o instincto é superior ao que o doutor chama espirito. A noite passada, quando na Opera se ouviu o primeiro grito de fogo, acabava eu de me vestir. Jacintha—o instincto—que estava no meu camarim, fugiu immediatamente, e eu—o espirito—que temo o fogo mais do que qualquer outra coisa no mundo, comecei a tremer, dobraram-se-me os joelhos, fiquei impossibilitada{46} de fazer o menor movimento. Jacintha, que ainda não tinha sahido, sacudia-me, queria arrastar-me. Tentei caminhar, e cahi desfallecida. Então ella sahiu, dizendo-me que ia buscar quem me soccoresse.

—Ah! a Jacintha fugiu? E pretende que ella é dedicada! Bonita dedicação, não haja duvida!

—Ouça o resto. Logo que chegou á rua e se viu livre de perigo, Jacintha lembrou-se de mim immediatamente. Entrou de novo no theatro, soluçando, querendo procurar-me atravez as chammas. E gritava: «Fui eu que a matei! quero morrer com ella!» Foram necessarios tres homens para a segurar, levando-a á força para um posto policial. Chegada lá, Jacintha cahiu n'um mutismo feroz. Como não podia salvar-me do fogo, tinha resolvido lançar-se ao Sena.

—Mas, afinal, como e por quem foi salva? Corre já sobre o caso, uma verdadeira lenda.

—E parece lenda, com effeito.

Seguidamente contou ao doutor as peripecias do seu salvamento até ao momento da morte tragica do bombeiro, em que ella de novo tinha perdido os sentidos.

—Quando voltei a mim, continuou Laura, estava n'uma pharmacia da rua de Peletier. Jacintha, que me tinha encontrado, soltava gritos d'alegria por me{47} ver abrir os olhos. O meu salvador estava ali tambem, com o fato, as barbas e os cabellos queimados, pallido, mas satisfeito por ver que eu voltava á vida. Reconheci-o como um dos habitués dos fauteuils d'orchestra. Exprimi-lhe o meu reconhecimento, e pedi-lhe que me dissesse como se chamava. Sabe o doutor o que elle me respondeu? Isto: «Sou alguem que passava, e que a salvou, salvando-se.» Foi a custo que obtive, ao subir para a carruagem que me conduziu a casa, que elle me desse o seu cartão.

—E conserva o cartão de tão modesto homem?

—Eil-o aqui... O doutor leu:

ANTONINO DE BIZEUX.

—Conhece-o?

—De vista, apenas. Tenho-o encontrado em varios salões. É considerado como um original, meio selvagem. Lembro-me de o ver muitas vezes na Opera, e, se bem me recordo, dizia-se que elle estava apaixonado pela minha querida Laura.

—Engano! Quando muito estaria apaixonado pela minha voz. Se arriscou a vida, para salvar a minha, estou certa que foi unicamente por suppôr que não ha outra cantora que lhe faça sentir as mesmas emoções de dilettante.

—Parece-me isso inverosimil, observou o medico. Verá que, como recompensa, elle não se contentará{48} com a promessa d'uma nova escriptura na Opera. Já a veiu ver, sem duvida?

—Pedi-lhe que viesse, e assegurou-me que viria saber como eu estava. Julguei que tivesse vindo de manhã, emquanto dormi, mas não encontrei o cartão d'elle entre os outros.

—Se suppõe que será recebido, como merece, só se apresentará depois do meio dia. Entretanto lembre-se que não lhe receito só o que mandei buscar á pharmacia: é necessario que guarde um repouso absoluto. Prohibo-a de receber quem quer que seja.

—Tem de abrir uma excepção para o meu salvador, replicou Laura com vivacidade. A ingratidão não é droga que o doutor receite a ninguem, com certeza.

—Bem! Farei a excepção pedida! disse Despujolles sorrindo. Registo, comtudo, que a minha amiga desobedece ás prescripções do seu medico, o que é grave.

E retomando o tom serio do clinico, accrescentou:

—Asseguro-lhe que necessita do mais absoluto repouso durante muitos dias. N'este momento é a febre que lhe conserva as forças, mas em breve cahirá n'uma grande prostração nervosa, e sentirá a necessidade d'uma completa tranquillidade d'espirito.

—Comtudo... disse Laura.

—Não ha comtudos...{49}

—Não lhe fallarei de Pozzoli, que me propõe escriptura...

—Eu me encarrego de mandar Pozzoli para o inferno! D'aqui a oito dias tratará d'esse negocio.

—Ou quinze; isso é o menos. O peor é que escrevi a Remissy, convidando-o para almoçar ámanhã. Elle quer que eu ouça uma alleluia que compôz em minha honra...

—Então convide-me tambem, disse o doutor n'outro tom. Como estarei presente, não consentirei que falle. Remissy e eu a entreteremos.

—E o meu salvador? perguntou Laura. Se vier hoje não posso convidal-o para o almoço?

—Mau! Isso já é outro genero de distracção. Como serei do rancho, tratarei de vigiar, porque, na verdade, começo a ter ciumes do visconde.

—Que idéa!

—Pois sim! A verdade é que elle está apaixonado e é bretão. E um apaixonado que salva a vida da sua bella...

—O senhor sabe que eu sou sincera... interrompeu Laura.

—Sei. É a mulher mais franca que eu conheço. Direi até: a unica, em que pese á minha numerosa clientela feminina.

—Consola tanto nada ter que dissimular ou occultar! Pois bem; affianço-lhe, doutor, que, pensando no{50} sr. de Bizeux, não sinto a menor commoção indicativa d'amor; nem sombra d'ella! Que elle esteja ou não apaixonado por mim, confesso-lhe e declaro-lhe que nunca desejei tanto fazer de qualquer homem um amigo.{51}

V
Perplexidades

A Linda não recebeu n'esse dia a visita ou o cartão d'Antonino.

Outro tanto succedeu no dia seguinte até á hora do almoço, ao qual Remissy e Despujolles fizeram as devidas honras, sem conseguirem, apesar dos esforços empregados para esse fim, distrahir a cantora d'uma especie de preoccupação que se apossára d'ella.

Nada de novas do meu salvador! disse Linda a Despujolles quando o doutor se despediu. Tenho perguntado a mim mesma se não serei eu quem deva mandar saber noticias d'elle. Quem nos assegura que o visconde não está mal?{52}

—Vamos, serei generoso mais uma vez! replicou o medico. Irei saber do seu heroe. Está satisfeita? Onde mora elle? Não tem indicação de morada, no bilhete de visita? Parece-me que é no boulevard Hausmann, mas ignoro o numero. Sabel-o-hei por um dos meus clientes, que é primo do visconde, e dentro em pouco lhe mandarei dizer como elle está.

Ás tres horas da tarde Laura recebeu o seguinte bilhete:

«Fui a casa do nosso homem. Está no mais invejavel estado phisico. O moral nãe me diz respeito.

Despujolles.»

Entretanto Antonino, cumprindo a promessa feita á cantora na noite do incendio, fôra no dia seguinte saber como estava Laura.

Contentára-se apenas com perguntar á porteira como estava Linda, sem dizer nem deixar o nome.

Nos dois dias seguintes procedeu de forma identica.

Ao quarto, como os visitantes rareassem, a porteira respondeu á pergunta d'Antonino:

—A senhora vae melhorando, mas não poderá receber ninguem antes de dois ou tres dias.{53}

E advertida por Jacintha, segundo instrucções de Laura, accrescentou:

—O sr. quer ter a bondade de me dizer o seu nome?

Antonino respondeu em tom breve.

—Visconde de Bizeux.

—N'esse caso, disse a porteira, o sr. visconde pode subir. Tinha ordem, desde o primeiro dia, de dizer a vossa ex.ª que a senhora o recebe... mas só ao sr. visconde.

Antonino interdicto, respondeu:

—Bem... mas hoje é impossivel... Tenho uma entrevista marcada... e já é tarde... Transmitta á senhora os meus agradecimentos e os meus respeitos... Eu voltarei.

E sahiu como se fugisse.

Alguns momentos depois Jacintha participava a Laura o que se passara.

—Singular indifferença essa! disse a cantora.

O que o coração d'Antonino sentia era justamente o contrario da indifferença que Laura lhe suppunha.

Tanto de dia como de noite o visconde só pensava em Laura.

Tornar a vel-a era o seu mais ardente, o seu unico desejo.

Mas desejava tanto isso, que tremia.{54}

Era como um barril repleto de polvora temendo uma faisca.

E não voltou á rua de Bolonha.

Quando Laura pôz Despujolles ao corrente da situação, e medico disse:

—Oh! oh! o caso é mais grave do que eu julgava. Como é que um valente, que a arrancou ás chammas do incendio, treme diante da minha amiga? Afinal, o caso comprehende-se. Elle percebe que o perigo, agora, augmentou de intensidade. O infeliz está em um estado verdadeiramente inquietante.

—Não mangue, dr., respondeu Laura que pensava justamente como o medico, mas que entendeu conveniente não annuir ao que Despujolles dizia. Mas emfim, eu não o tornarei a ver?

—Seria o melhor para ambos.

—Está enganado, doutor. Mesmo quando a sua observação fosse justa, é necessario tornar a vel-o, para que o possa curar. O doutor trata dos seus doentes a distancia? Não. O mesmo succede commigo. E como sabe, eu tenho curas que me honram.

—Quer que a ajude a procurar o seu paciente? Seja! Tornarei a ser generoso. Forcemol-o a sahir do covil. Escreva-lhe ámanhã ao meio dia um bilhete. Uma hora depois estarei aqui com a fera.

No dia seguinte, ao meio dia preciso, o visconde, perturbado, lia, n'um cartão de Laura, as seguintes{55} linhas, escriptas pela cantora em seguida ao nome:

«Permitte-se lembrar ao sr. de Bizeux que elle deve visita á que lhe deve a vida.»

Um quarto de hora depois uma carruagem conduzia-o á gare d'Oeste.

Comprou bilhete para Saint-Malo e subiu para o comboio prestes a partir.

Quando Despujolles, ao meio dia e meia hora, chegou a casa d'Antonino, disseram-lhe que o visconde tinha partido pouco antes, tendo deixado dito que ia ver o pae.

O doutor dirigiu-se immediatamente para casa de Laura, a quem participou o caso, ajuntando:

—Decididamente a doença torna-se alarmante! O visconde está apaixonado até á indelicadeza!

Como não podia prever a visita de Despujolles que lhe dennunciaria a fuga, Antonino julgou-se ao abrigo de censura enviando, no dia seguinte, a Laura, este telegramma:

«Recebi, minha senhora, o seu gracioso convite em Saint-Malo, onde fui subitamente chamado por meu pae, um pouco doente. Ámanhã volto a Paris,{56} terei então a honra de lhe apresentar os meus respeitos.»

Sahira de Paris para metter cem leguas entre elle e a Linda, mas, ao contrario do que esperava, a distancia fazia com que se lembrasse ainda mais da cantora.

Aquelle acto de energia apenas serviu para demonstrar a sua irremediavel fraqueza.

Em Paris estava perto de Laura; fugia de a ver, mas tinha noticias d'ella, e quando quizesse podia procural-a.

Considerou uma loucura o ter supposto que a ausencia o curava, porque nunca soffrera tanto.

Chegou desgostoso a Saint-Malo, achou soturna a velha casa da familia, onde vivia o pae e uma irmã mais velha, solteira ainda.

Tres dias depois, cançado de soffrer em silencio, Antonino resolveu-se a tudo confessar a seu pae.

O confidente foi bem escolhido e bem exposta a confidencia.

Em novo, o pae d'Antonino passara por um desgosto semelhante.

Amára uma menina encantadora, por quem era amado tambem, mas que tinha o defeito de ser pobre e plebea.

O conde de Bizeux, avô de Antonino, era um velho{57} rigido, intractavel em questões de nobreza e importancia patrimonial.

Não se contentou, d'accordo com o pae da donzella, com destruir aquelle amor; obrigou o filho a casar com uma prima, de belleza duvidosa, mas de fortuna avultada.

Aquelle enlace de conveniencia não podia fazer felizes os esposos.

Ella era feia e altiva, entregue sempre a praticas devotas; elle, tristemente resignado, deixava-se absorver pelas recordações.

A filha mais velha parecia-se com a mãe, mais feia, mais orgulhosa, mais devota ainda.

Recusára sempre casar-se, não querendo entregar-se a qualquer homem, que apenas a tomaria pelo dote, o seu unico merito.

Depois d'enviuvar, o conde de Bizeux não tinha outra consolação além do amor por Antonino.

Essa grande estima que tinha pelo filho não impediu que se separasse d'elle emquanto o visconde viajou, e que não quizesse acompanhal-o a Paris.

Quiz ficar na sua Bretanha, vivendo melancholicamente das recordações do passado.

A excessiva severidade dos paes produz muitas vezes nos filhos, paes por sua vez tambem, a excessiva indulgencia.

Foi por essa razão que o conde de Bizeux recebeu{58} a confidencia d'Antonino com a simpathia terna d'um irmão.

O soffrimento do visconde diminuiu desde que teve com quem fallar de Laura.

Entretanto continuava triste e visivelmente inquieto.

Como percebia o estado em que o filho estava, o conde, ao fim d'uma semana, chamou-o e disse-lhe:

—Tu soffres Antonino. Deixa-me dar-te um conselho: volta para Paris. Parece-me que te falta um pouco de coragem e de dignidade. Amas uma mulher que não te conhece e que só te viu quanto a salvaste. Não pode ter-te amor, é certo; mas quem te diz que, conhecendo-te melhor, não virá a amar-te? Pelo que sabes d'ella, a Linda só pensa em arte, não amou nunca, não amará talvez. Mas approxima-te, não como uma creança que teme, mas como um homem que não recua nem ante uma decepção, nem ante um grande desgosto. Quem sabe se, quando a conheceres bem, não acharás que Laura não corresponde ao teu sonho!

Antonio abraçou o pae com effusão, agradecendo-lhe reconhecido aquelle conselho viril, e partiu de Saint-Malo quasi tão precipitadamente como deixára Paris.

Ao partir telegraphou a Despujolles, dizendo-lhe{59} que o procuraria no dia seguinte, e pedindo-lhe para o acompanhar a casa de Laura.

Pelas duas horas da tarde do outro dia entraram ambos no salão da cantora, prevenida antecipadamente pelo medico.

—Trago-lhe emfim o selvagem! disse o dr. ao entrar.

Laura estendeu a mão a Antonino, dizendo-lhe com a mais graciosa simplicidade:

—Agradeço-lhe o ter vindo. Detesta a sociedade?... Tem rasão. Mas eu não pertenço a essa sociedade, sou apenas uma mulher. Verá que sou excellente camarada, muito sincera, que gosto muito d'alguns amigos, e que me sentirei verdadeiramente feliz se o homem que me salvou a vida quizer pertencer ao numero restricto d'esses amigos.

Em seguida fallou, a Antonino do proprio Antonino, como se fallasse d'elle ao dr. Despujolles.

Lembrou-se, rindo, da noite em que o olhára da scena, com o que elle indicára incommodar-se.

—E era justo que assim fosse, accrescentou ella, porque nós, ante o publico, nem por um momento nos devemos esquecer do personagem que representamos.

Fallando-lhe assim poz á vontade Antonino, que ao principio estava meio compromettido.

Fallaram de musica, de theatro.{60}

Ella disse-lhe que provavelmente ia para o theatro Italiano, visto Pozzoli lhe ter proposto um bom contracto.

Confessou que não tinha a menor estima ou sympathia por aquelle emprezario, mas como gostava de Paris, queria demorar-se na grande cidade.

De resto, não podia passar sem cantar,—por causa da sua bolsa e por causa do seu espirito.

Cantar era para ella metade da vida.

—A proposito: Pozzoli, para celebrar o meu completo restabelecimento e a minha entrada para os Italianos, offerece-me, na terça feira proxima, uma especie de festa em S. Germano: almoço ajantarado na relva, passeio aos Loges, etc. Devo-lhe enviar ámanhã a lista dos meus convidados. Na cabeça do rol inscrevi o seu nome, sr. de Bizeux.... Oh! não recuse, porque é caso para dizer: não haveria festa sem o sr.

Antonino fez um gesto d'assentimento.

Ficou combinado que iriam juntos a S. Germano, Despujolles e elle.

—Que adoravel mulher e que encantadora creança! Dizia o medico ao visconde, descendo as escadas da casa de Linda. Verá: com ella começa a gente por estar apaixonado, e acaba por se sentir feliz de ficar amigo.

—Assim será! respondeu Antonino.{61}

A verdade é que elle sentia-se cada vez mais apaixonado, e pensava com desespero que Laura não o amava, que não o amaria jamais.

19 de Março de 2018 às 18:53 0 Denunciar Insira Seguir história
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