victor-hugo Victor Hugo

"O coração de Martha para de bater. Por um instante, apenas. Mas o instante mais demorado da sua vida (e ela podia dizer aquilo com propriedade, considerando todo o seu histórico com viagens no tempo). Isso acontece porque ela sabe que é o Doutor que está ali. Tem o mesmo sorriso e a mesma pose que gritam que ele está ali para salvar quem quer que seja. Mas não usa terno riscado nem All-Stars Converse. Sequer tem uma chave de fenda. É o Doutor. Mas não o Doutor de Martha. Não o seu Doutor!"


Fanfiction Impróprio para crianças menores de 13 anos.

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Capítulo Único

MARTHA TRANCA AS PORTAS. E só então se permite relaxar um pouco. Ainda assim, está consciente do suor que cobre a pele entre suas sobrancelhas e os ombros. Também sabe que o colete de malha está em frangalhos e que o revólver deve estar estilhaçado agora, em um daqueles corredores longos e frios daquele prédio que se diz a sede de uma nova escola nos subúrbios de Londres. Estilhaçados por alienígenas que se parecem batatas humanas, ainda por cima. Martha odeia soltarans.

E também odeia o fato de que Jack vai adorar falar sobre como ela deveria seguir as regras dele e não decidir enfrentar aquilo sozinha. Vai dizer aquilo com um sorrisinho no rosto que dizia que ficava feliz em fazer os curativos para ela. Ela recusaria, é claro. Já era médica. Casada, ainda por cima.

Mas não odeia o ruído surdo que lhe invade os tímpanos de repente. Mesmo que não tenha começado mais alto que um sussurro, ele já tinha dominado os sentidos de Martha. Com o coração batendo mais rápido, seus olhos buscam qualquer claridade fora do comum. Não demora muito para ela encontrar o que quer. Não apenas uma caixa azul. Nem mesmo uma cabine de polícia ultrapassada. Definir como uma esperança é melhor.

A TARDIS! Depois de tanto tempo! Aquilo estava mesmo acontecendo? Não era apenas uma ilusão da sua mente e do seu corpo cansado? Martha já está com lágrimas nos olhos quando as portas começam a se abrir. Sozinhas, é claro. Ainda mais claro que isso, é quem sai de lá. O Doutor!

O coração de Martha para de bater. Por um instante, apenas. Mas o instante mais demorado da sua vida (e ela podia dizer aquilo com propriedade, considerando todo o seu histórico com viagens no tempo). Isso acontece porque ela sabe que é o Doutor que está ali. Tem o mesmo sorriso e a mesma pose que gritam que ele está ali para salvar quem quer que seja. Mas não usa terno riscado nem All-Stars Converse. Sequer tem uma chave de fenda. É o Doutor. Mas não o Doutor de Martha. Não o seu Doutor!

Ele sorri para ela. É um sorriso torto, travesso. E ela imagina que aquela seja mesmo a intenção dele. Fazer uma brincadeira com ela. Ah, sim, ele tinha cara de quem fazia aquelas coisas, com seus cabelos desarrumados (ah, céus, eles estavam brancos?) e os óculos escuros.

— Acho que não é uma boa hora para dizer “olá”, é? – ele diz, ainda a porta da sua cabine voadora.

E só então nota o estado de Martha. Martha, com seus olhos arregalados e boca aberta em um perfeito “O” maiúsculo. O sorriso dele diminui um pouco. Ainda está lá, é claro, mas é como se ele esperasse que aquilo passasse logo.

Ela umedece os lábios, mas é ele quem diz algo.

— Não achou que ia ficar livre de mim, achou?

O Doutor está sorrindo. Por isso, Martha sorri de volta.

— Eu não ousaria pensar nisso. Nem por um segundo, Doutor.

Ele se aproxima dela. Ainda anda muito rápido. Mesmo para alguém que parece um velho. E que tem mais de mil anos. Martha ainda está encantada com ele. Com como ele está diferente. Por fora, quero dizer.

— Vamos lá, Martha Jones. Faça. Faça a pergunta que quer fazer.

— Qual regeneração? – as palavras saem rápido demais. O Doutor parece não se importar.

— Treze... – por um segundo, ele para de falar, como se tivesse acabado de se lembrar de algo – Considerando os meus anos de guerra e os de egocentrismo, é claro.

Ela não entende muito bem o que ele está dizendo, mas não faz pergunta o que quis dizer. Não vai dar esse gostinho para ele. Mas pensa no que ele disse. O Doutor que ela conhecia, o seu Doutor, era o décimo. Suspeitava que fosse a ele que o Doutor, o Doutor de agora, se referia quando dizia sobre os anos de egocentrismo. Ele era mesmo uma figura egocêntrica, mesmo sendo tão... altruísta. O anterior a ele, o que encantara Rose com os confins do universo (e agora ela não tinha problema algum com isso), seria aquele dos anos de guerra?

— Você está velho – há uma espécie de divertimento nos olhos dela agora.

— Estou. Muito, muito, muito velho. Muito mais do que você pode imaginar.

Pelo seu tom, Martha imagina que existe algum significado oculto e obscuro naquelas palavras. Mais uma vez, opta por não dizer nada.

— Ah, Martha Jones! Ah, sim, sim, é claro, Martha Jones! Não é incrível como o seu nome soa? Martha Jones, Martha Jones, Martha Jones, poderia repeti-lo por toda a eternidade!

— É Smith-Jones, lembra? – ela corrige, e então acrescenta – E não deve ser tão divertido assim. Nada se compara ao “Allons-y, Alonso”.

O silêncio não dura mais que um segundo, mas, mais uma vez, aquele tempo parece durar muito mais tempo que o normal. Enquanto isso, o Doutor apenas olha para ela, igualmente imóvel. Por fim, dá de ombros.

— Estou desviando, Martha. Desviando! Não estou aqui para falar de mim! Estou aqui para ver como você tem estado nesses últimos anos, que rumo a sua vida teve...

As palavras dele fazem com que ela franza as sobrancelhas. Quando estava perto do Doutor, sentia que estava sempre com as sobrancelhas franzidas.

— Anos? Quando foi a última vez que nós nos falamos?

— Hum... Teve aquela vez, quando você ligou falando sobre Axos... – mais uma vez, ele pousa o olhar nela – Não faz muito tempo para você, faz?

— Uns, sei lá, cinco anos. Foi em 2011. Para você?

— Uma regeneração.

Pela expressão dele, Martha percebe que o Doutor sente que disse algo errado. Não que o conheça tão bem assim, mas porque era fácil identificar aquilo no rosto daquele velho de sobrancelhas grandes demais. Ele olha para baixo, para os próprios pés.

— Desculpa, eu sou horrível fazendo isso.

Por algum motivo, vê-lo dizendo aquilo faz com que Martha sorria.

— Horrível? Você não é horrível – ela sente a necessidade de dizer.

Ele levanta o olhar. Para ele. Está sempre olhando para ela.

— Clara me disse algo parecido uma vez, sabia? Que eu não era tão ruim quanto eu mesmo achava... E me deu aqueles papeizinhos imbecis! – apesar de estar virado para ela, podia muito bem estar falando sozinho, porque não dava muito tempo para que Martha dissesse alguma coisa – Com aquelas mensagenzinhas do tipo “pergunte se ela está bem” e “sorria”! Olha só aonde aquela mania de obedecer aquela menina me levou! A uma situação de silêncios desconfortáveis com uma antiga amiga! Ah, céus!

Não. Martha não queria fazer aquela pergunta. Não queria mesmo. De verdade. Mas fez.

— Clara?

O Doutor umedece os lábios. Sabe o que ela está querendo dizer com isso e quer adiar a resposta, mesmo que não por muito tempo. Martha não sabe se ele acha que ela não está preparada para ouvir isso ou se é ele que não está preparado para dizer.

— Doutor, eu sinto muito... – as palavras saem antes que ela pense muito nisso. O Doutor parece satisfeito, mas não é como se ele fosse gastar o seu tempo agradecendo.

— Ah, está tudo bem. Eu estou bem.

Martha não tinha certeza.

— Doutor... – começa a dizer, mas é interrompida.

— Eu estou falando a verdade, Martha Jones. Eu não estou sozinho.

Sobrancelhas erguidas. Mais uma vez, curiosidade.

— Não está?

— Claro que não! Estou com uma garota dos anos 80 agora.

— Anos 80, sério?

Ele sorri.

— Para falar a verdade, não. Mas quando a gente se viu pela primeira vez, eu achei que era! De verdade. É esse o tipo de roupa que ela usa.

Martha também sorri.

— E como ela é?

— Hum... Uma coisa meio Donna, sabe?

Ela ri. Àquela altura da conversa, já não tenta conter a emoção. Emoção que mesmo a menor lembrança de Donna Noble era capaz de provocar. Ainda assim, não era algo completamente ruim. Como se estivesse se lembrando de quando ainda era uma criança.

— Donna? Sério?

— Ah, sim. Mas com menos choro, mais perguntas e mesmo ar de sabe-tudo.

— Não acho que a Donna fosse gostar de saber que tem alguém por aí falando que ela chora demais...

— Bem... É assim que a Bill é.

Ela ainda está rindo.

— Bill, é esse o nome dela?

— É, eu sei. Eu pensei a mesma coisa. Quer dizer, desde quando meninas nem nomes de meninos?

— E se forem os meninos que tiverem nomes de meninas, Doutor?

— Boa observação, Martha. Boa observação – ele parece mesmo satisfeito com o que ela disse. Aquilo a deixa feliz. Não é como se fizesse calor percorrer por todo o seu corpo, como já fizera um dia, mas, ainda assim, lhe deixava feliz.

— Parece que, até que enfim, você está aprendendo a tratar bem uma amiga, hein?

Ele suspira. Martha não sabe se ele entendeu muito bem o que ela quis dizer. Será que achava que aquilo, de alguma maneira, indicava que ela se sentia mal pelo tempo que passara por ele e por isso tinha ido embora? Aquilo não era verdade. Não ao todo. Não o bastante para ela não gostar, gostar de verdade, mas diferente do jeito que ela gostava de Mickey, do Doutor.

— Mas Bill é legal! Você ia gostar dela, estou falando sério!

Martha não duvida.

— Mas... E você? – ele continua – Como você está?

Ela pensa um pouco no assunto antes de responder.

— Casada.

— É, disso eu sei. Com aquele Mickey. Nunca achei que alguém fosse capaz de gostar dele.

— Doutor!

— Que foi? Estou brincando.

O tom dele não dizia aquilo, mas ela preferiu acreditar nas palavras.

— Feliz também... E meio cansada. Ando trabalhando demais. Você sabe, sozinha, ou em Torchwood...

— Ah, céus! Torchwood! Há quanto tempo não tenho problemas com vocês!

— E na UNIT também, ás vezes – ela continua – Fico meio entre um lado e o outro. Indo para lá e pra cá.

— Então é por isso que a gente quase nunca se vê. Você nunca está parada, Martha Jones.

— Você também não, Doutor.

Os olhos dele pareciam estar se divertindo com tudo aquilo.

— É claro que não.

Aquelas palavras também fazem com que Martha se sinta bem. Era bom saber que o Doutor tinha cumprido a promessa de não esquecê-los, mesmo quando muito tempo se passou desde a última vez que eles se viram. É bom saber que elas, as suas antigas companheiras, eram mais que um punhado de papéis em uma sala qualquer da UNIT (Martha tinha ouvido falar sobre algo como o Arquivo Negro, nunca soubera o porquê de nunca ter ido investigar).

Súbitas batidas na porta os interrompe. Batidas rápidas, irregulares e furiosas. O Doutor não parece surpreso. Claro que não. Ele só se vira para Martha, como se esperasse uma explicação. Ela entende isso.

— São soltarans.

— Soltarans. Isso é ruim.

— Horrível. Já disse que odeio eles?

— Ei! Não generalize! Eu conheci um soltaran bom uma vez!

Martha levanta uma das sobrancelhas.

— O nome dele era Strax. Estou falando sério.

— Não estou duvidando – não era bem verdade, mas o Doutor não precisava saber – Mas esses aqui não parecem ser amigos dele, parecem?

— Ah, claro que não. Não sei se ele tem amigos. Se bem que Jenny e Madame Vastra parece ter tido certo apreço por ele.

“Sem perguntas sobre isso, Martha, sem perguntas”, ela diz para si mesma. Não quer que o Doutor se sinta desconfortável ou qualquer coisa assim. Já parecia nostálgico o suficiente para um dia só. E, quando se tem mais de mil anos de idade, nunca é uma boa ideia ficar nostálgico demais.

— Bem... – ela diz – Alguma ideia do que fazer, Doutor?

Mais uma vez, ele parece pensar no que ela diz. Martha supõe que ele é esse tipo de Doutor agora, o tipo pensativo. Quem sabe?

— Que tal um feitiço? “Expelliarmus”, talvez?

E Martha já está sorrindo mais uma vez.

Juntos, eles empurram a porta. Ele, com o cabelo grisalho e o casaco de forro avermelhado, ela com as trancinhas e a malha de combate.

Tudo está diferente. Claro que está. Mas Martha está feliz. Como nos velhos tempos.

4 de Março de 2018 às 00:16 1 Denunciar Insira Seguir história
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Olá, Victor! Sou da equipe de Verificação do Inkspired. Verificar suas histórias serve para que os leitores as encontrem entre as melhores histórias no quesito ortografia e gramática. A verificação não é necessária ou obrigatória, apenas ajuda a dar destaque dentro do site. Portanto, se não tiver interesse em modificá-la, fique à vontade. Caso queira verificar outras histórias de sua autoria, basta contratar o serviço na aba “Serviços de Autopublicação”. Seu texto foi colocado em revisão pelos seguintes pontos: 1) Crase: “ele diz, ainda a porta da sua cabine voadora.” em vez de “à porta” e “ás vezes” em vez de ”às vezes”. 2) Plural: “Se bem que Jenny e Madame Vastra parece ter tido certo apreço por ele.” em vez de “parecem”, já que ambos citados tem apreço pelo outro. 3) Trechos confusos: as frases a seguir poderiam ser reformuladas para melhor entendimento do leitor, como: “Meninas nem nomes de meninos” em vez de “Meninas têm nomes de meninos”, ou "E se forem os meninos que tiverem nomes de meninas, Doutor?" em vez de “E se os meninos que tiverem nomes de meninas, Doutor?”, por exemplo, deixando mais limpo e direto. Na frase: “Ele levanta o olhar. Para ele. Está sempre olhando para ela.”. Neste caso, acredito que houve uma confusão com o pronome. 4) Ponto final: uso de ponto final onde poderia ser vírgula, como: “Não vai dar esse gostinha para ele. Mas pensa no que ele disse”, em vez de “Não vai dar esse gostinha para ele, mas pensa no que ele disse”, já que estas frases estão relacionadas. Também nesse trecho: “E ela imagina que aquela seja mesmo a intenção dele. Fazer uma brincadeira com ela.” o ponto poderia ser substituído por uma vírgula ou por dois pontos, já que a frase seguinte explica qual era a intenção do personagem. Também há uso de ponto final onde não era necessária pontuação, como em “MARTHA TRANCA AS PORTAS. E só então se permite relaxar um pouco.”, em vez de “MARTHA TRANCA AS PORTAS e só então se permite relaxar um pouco.” 5) Verbo: o uso de dois tempos verbais no texto deixa a leitura confusa, como no exemplo: "está consciente" — no presente — e "Aquilo estava mesmo acontecendo?" — no pretérito. Sugiro a escolha de apenas um tempo verbal para a narrativa, vai deixá-la mais clara. Observação: Estes são alguns exemplos, mas existem outros que precisam de atenção. Ter alguém que leia seus textos e ajude na revisão é muito positivo. Caso não tenha uma pessoa para isso, você pode contar com o trabalho de nossos “Betas Readers”; também presente na parte de “Serviços de Autopublicação”. Se tiver interesse em continuar a verificação, responda este comentário quando fizer as modificações em sua história e farei uma nova verificação.
October 24, 2019, 20:13
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