Aquela mulher que ocupava a cadeira da minha mãe à mesa, roubou o lugar da minha mãe no sofá, dormia no lado que a minha mãe escolheu na cama que a minha mãe comprou para o quarto que a minha mãe decorou.
Aquela mulher que engolia a comida da minha mãe, sequestrou as memórias da minha mãe dos álbuns de fotografias, alimentava os gatos que a minha mãe resgatou da rua em que a minha mãe andava no bairro em que a minha mãe cresceu.
Aquela mulher não era a minha mãe, que sempre tinha o sorriso no rosto, que não levava desaforo para casa, que era cozinheira de mão cheia, que antes do diagnóstico e de todo aquele cuidado paliativo... era a minha mãe. A minha mãe, que não era aquela mulher que invadiu nossa família, seguiu para longe, por um caminho impossível de acompanhá-la.
Aquela mulher que se apropriou do corpo da minha mãe não existia realmente, era apenas uma passageira num carro sem motorista. Quieta. Apática. Paciente. A hora dela também chegaria, e seguiria pelo mesmo caminho que a minha mãe foi.
E aquele filho que eu era, filho da minha mãe, daria lugar a um homem desconhecido. Órfão. Eu sabia, porém, que ele não estaria sozinho. Pois, se tem algo que aquela mulher que não era minha mãe não conseguiria, era me fazer esquecer da mulher que era a minha mãe.
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