As cavernas de gelo de Rhotgar possuíam poucos lugares onde era possível pisar sem que a sola das botas congelasse, por isso, quando se encontrava alguns metros de rocha sólida e somente um pouco fria, era necessário fincar o pé e defender tal posição com sua vida.
Sem fazer isso, a morte seria a única recompensa encontrada.
Ainda assim o próprio ar, todo cheio de uma névoa gélida, devido ao frio emanado dos rios de água que corriam ao lado daquela encosta, além dos que desciam pelas paredes da caverna, parecia capaz de congelar os líquidos do corpo, sendo necessário passar a áspera luva sobre os olhos para mantê-los abertos.
― Algo o incomoda guerreiro? Talvez queira um gole de alguma bebida quente antes de continuarmos nossa peleja?
― Na verdade o que está duro de aguentar é o fedor do seu hálito... ― Thun’draktor, mesmo sofrendo, não podia deixar transparecer o esforço necessário para se manter em pé, por isso ele fazia questão de exibir um sorriso de escárnio, antes de continuar a falar. ― Tem que parar com essa mania de lamber o traseiro dos animais daqui... Sério, você está com um puta bafo de merda...
O guerreiro já provocava a horas o gigante de gelo Bei'roth, senhor daquela região tão distante e isolada, pretendendo que o mesmo perdesse a calma, mas aquela não era a primeira batalha do monstro secular.
― Eu realmente adoro o modo como você, inseto, acha que pode ganhar tempo e, quem sabe, até mesmo me vencer, abusando de suas galhofas... ― a gargalhada inumana do gigante ecoou pelos salões invernais, para só então erguer sua espada, a ponta quase raspando no teto da caverna, destruindo algumas estalactites de gelo. ― Você realmente me diverte... Mas agora chega, tenho outros afazeres, sabe, como usar a joia mágica, que você veio recuperar, que permitirá a expansão dos meus domínios para todo o mundo e...
― Peguei! ― uma anã, trajando uma pesada armadura, que brilhava graças às magias de proteção contra o frio, surgiu por uma das várias cavernas do local, se mantendo a uma distância segura do monstro, mas perto o suficiente para que sua voz alcançasse o guerreiro. ― Vamos nessa irmão!
― Mas o que…
― Pois é Bei'roth... Esse “inseto” tem mais do que apenas essa cara linda e esse corpo espetacular... ― Thun’draktor colocou então seu elmo, que deixava apenas seu único olho bom à mostra, para só então acionar mais uma vez a magia que espalhava ar quente por todo o interior de sua armadura. ― Leve a joia para os arcanos lá fora mana! Já, já estarei com você!
Assim que terminou de falar, com as frestas da armadura ainda expelindo jatos de vapor, o que deixava o guerreiro com um tipo de névoa aquecida ao seu redor, Thun’draktor empunhou uma imensa espada, cuja lâmina negra, pouco a pouco, ia exibindo um brilho escarlate nos fios dos dois gumes.
Palavras não eram mais necessárias, por isso os dois oponentes correram na direção um do outro, o demônio de gelo fez sua espada desenhar um arco descendente, deixando um rastro de neve conforme avançava na direção do humano diante dele.
Ao mesmo tempo o guerreiro saltava na direção da arma do inimigo, sua espada seguia uma trajetória paralela, subindo na direção do outro, a luz avermelhada aumentava de intensidade, quase cegando o monstro.
Dáina, como de costume, não abandonaria seu “maninho humano”, como ela o chamava, quando ele não estava presente, permanecendo atrás de uma rocha para se proteger, afinal, ela já sabia o que acontecia quando Thun’draktor resolvia lutar a sério.
Quando as lâminas se chocaram o estrondo deixou os ouvidos da anã zunindo e, mesmo tendo que fechar os olhos momentaneamente, assim que pode, ela voltou a observar a luta.
Seu irmão sempre realizava um espetáculo.
Naquele dia não seria diferente.
Nunca antes a temperatura das cavernas havia aumentado um grau que fosse, mas agora faíscas de fogo estalavam ao mesmo tempo que se espalhavam pelo ar e Bei'roth dava passos hesitantes para trás, a lâmina de sua espada partida ao meio e semi derretida.
― Maldito!
Agora Thun’draktor não responderia, Dáina já sabia, pois o guerreiro tinha como foco apenas a batalha e como encerrá-la de forma definitiva, o mais rápido possível.
Ele avançou e, mesmo com seus quase dois metros, ele mal alcançava a altura dos joelhos do demônio que, ainda assim, não conseguia evitar que o guerreiro continuasse a correr em sua direção, recuando sem parar e sem conseguir acreditar no que estava acontecendo.
Bei'roth estendeu sua mão direita e então estalagmites geladas começaram a brotar do chão, ele acreditava que assim, forçando o guerreiro a correr para os lados ao tentar desviar desses ataques, abriria uma brecha para que ele pudesse aproveitar.
Uma das pontas de gelo resvalou na coxa esquerda do guerreiro, abrindo um corte profundo, fazendo-o dar uma pausa no avanço, o que Bei'roth viu como uma oportunidade para encerrar aquele humilhante combate.
Ele fez sua espada quebrada descer outra vez com uma velocidade e força absurdas, o impacto da arma no chão fez toda a caverna tremer e ergueu uma nuvem de neve no ar, que logo foi dispersa quando o demônio abanou sua imensa mão, querendo ver logo o corpo sem vida de seu inimigo.
Surpresa.
No chão apenas era possível ver a cratera causada pelo impacto da espada, mas nada daquele que ousava invadir seus domínios.
― Seu...
Só tarde demais Bei'roth percebeu uma movimentação no ar ao lado de sua cabeça, conseguindo ver apenas com o canto de seus olhos, quando Thun’draktor surgia, após desviar do ataque e realizar um prodigioso salto, a espada de lâmina rubra brilhando ainda mais.
― Vento Incandescente!
O corte atingiu o ombro do demônio, que ainda mantinha sua imensa espada abaixada, formando um corte profundo, quase o suficiente para decepar o braço e de onde uma coluna chamas se ergueu no ar, deixando―o imobilizado e parcialmente derretido.
Thun’draktor pousou logo em seguida, mantendo o corpo encurvado, arfando muito pelo esforço, a ponta da espada cravada no chão, servindo de apoio para ele não cair devido ao total esgotamento.
― Exibido!
A voz de sua irmã de criação ecoou pela caverna, chamando a atenção do cansado guerreiro, que só respondeu depois de tirar seu capacete, com um sorriso e um aceno positivo com uma das mãos.
A joia mística foi devolvida ao seu lugar e uma guerra fora evitada.
Ou seja, apenas mais um dia na vida de Thun’draktor.
― Eu adoro essa história...
Uma jovem elfa se mantinha sentada no chão de uma carruagem, sorriso imenso, prestando atenção à narrativa contada pela líder de seu grupo de aventureiros, dando graças aos deuses pois, de outra forma, se estivessem viajando em completo silêncio, o tédio a teria matado a dias atrás.
― Conta outra Dáina... ― agora era um halfling, ainda mais baixo que a anã, quem se pronunciava. ― Conta aquela da princesa dragão!
― Infelizmente não vai dar meu querido... Se meu velho nariz ainda funciona, posso afirmar que chegamos ao nosso destino... ― ela então puxou uma das cortinas da carruagem. ― Contemplem... A Vila de Thun’draktor!
Todos os presentes disputaram um lugar na janela da carruagem, mas foi justamente o halfling quem deu voz ao que todos pensavam.
― ESSA é a vila que leva o nome do lendário guerreiro? ― sua decepção era tangível. ― Mas que merda...
Mal sabia ele que a maior aventura de suas vidas estava apenas começando.
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