Oswald bufou, trocou de canal, assistiu mais cinco minutos do noticiário e tornou a soltar um longo hausto.
— Violência atrás de violência, é tudo o que há para se ver hoje.
Era um sujeitinho de perpétuo mau-humor, de óculos pretos e de armação grossa e não conseguia relaxar mesmo dentro de sua casa. Chegava do trabalho e continuava com sua camisa e gravata, como o patriarca do núcleo abastado de alguma novela piegas. Era Michael Douglas em Um Dia de Fúria.
— Não sei por quê você continua assistindo a esses jornais, Oz. — respondeu sua esposa da cozinha.
— Para não ser mais um alienado, Becca.
— Estaria sendo bem mais útil me ajudando a preparar a mesa.
— Peça a Enderson que a ajude.
— Ele está desenhando, Oz.
O homem desligou a televisão com azedume. Por um momento quase achou que o aparelho estava para pifar, afinal, mesmo com sua tela apagada ela continuou emitindo sons, mais daquelas sirenes que enchiam o resumo das notícias do dia. Então percebeu que o barulho na verdade vinha da rua.
— O que foi que eu te disse? Mais violência, pode apostar!
— Trancou as portas? — Mesmo não querendo concordar com o queixume do marido, Rebeca tinha certa preocupação na voz.
— É claro que sim! Acha que sou algum idiota?!
— Pois muito bem. Agora trate de se comportar, Oswald Manson, ou se esqueceu que temos visita?
— Não é minha visita.
Rebeca corou, pigarreou e disse:
— Não repare, padre O'Malley, já sabe como é esse resmungão.
— Ele não se importa, Becca — disse Oswald jocosamente. — O senhor é quase família.
A mulher tinha assumido um tom vermelho que Oswald aprendera a associar com problemas e a hora de retroceder.
— Ainda assim, peça desculpas ao nosso convidado, Oz.
— Tá... Desculpe. Mas a coisa é como é.
A esposa, passada até o último fio de cabelo daqueles resmungos, foi até à porta da sala e falou a única coisa que arrancaria aquela careta rabugenta do marido: que o jantar estava pronto.
Aquilo o animou.
— O cheiro está bom!
— Ei! Devagar aí — disse Rebeca, e quase acertou os dedinhos gordos e faceiros de Oswald com a colher de pau. — Primeiro temos de orar e agradecer.
Oswald não discutiu.
— Vamos dar as mãos.
— Certo. Enderson, seja educado, segure a mão de nosso convidado.
— Ah, ela está fria, papai! — protestou o menino.
O pai o fitou energicamente. Não era nenhum exemplo, mas tinha de ensinar boas maneiras ao filho para não ter de suportar outro Oz no futuro.
— O que eu falei sobre educação?
Então, ainda que a contragosto, Enderson tomou a mão esquerda do homem à mesa e seu pai apanhou a direita.
Rebeca sorriu satisfeita.
— Deseja fazer a prece desta noite, Padre O'Malley?
Não, ele não desejava. Não poderia nem se quisesse. Não tinha mais cabeça, ela estava numa bandeja, bem assadinha, bem crocante, no centro da mesa.
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