amanda-kraft1664221938 Amanda Kraft

Será que o homem tem o direito de fazer com a mulher o que deseja? Creio que não. Esta capa é presente de um amigo, escritor, Giovanni Turim. Amei demais!


Conto Para maiores de 21 anos apenas (adultos).

#terror #horror #enfermeira #abuso #violência
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A Enfermeira


Ele piscou várias vezes antes de abrir os olhos. Demorou a perceber onde estava. O dia anterior foi agitado. Não sabia por que concordou em se embrenhar no meio do mato comigo, em pleno final de semana, com tantos lugares divertidos para se curtir na cidade. Precisava ganhar pontos se não quisesse que me fosse para sempre. Da última vez extrapolou. Novamente perdeu as estribeiras. Não entendia o motivo que o levava a ser um idiota, mas a coisa funcionava assim e ele achava que eu gostava. Então, estava tudo bem. Olhou para o lado e lá estava eu, sentada em uma cadeira ao seu lado. Sorriu para mim e ao tentar se levantar percebeu que as pernas não respondiam ao seu comando.

— O que está acontecendo comigo? — questionou, enquanto o perscrutava com um sorriso de escárnio.

— Diga-me você.

— Minhas pernas! Não consigo mexê-las.

— Então funcionou. — sorri abertamente, diante do seu desespero ao me ver pondo as luvas cirúrgicas.

— O que funcionou, Elaine? O que diabos está acontecendo?

— Nada demais. Eu apliquei uma dose de anestesia em sua medula. Isso depois de ministrar um anestésico na sua bebida.

— Você está louca? Por que tudo isso? — encarou-me tentando desesperadamente mexer as pernas anestesiadas e as mãos fortemente amarradas.

— Você ainda tem a coragem de perguntar? Acha que sou mesmo uma das tolas com as quais você está acostumado a se envolver? Acha mesmo que pode me bater e sair impune, como fez com as outras?

Calou-se como se tivesse recebido o mesmo tapa que tantas vezes deferiu sem causa aparente. Dizia sentir ciúme. Também sinto, ou melhor, sentia. Entretanto nunca quis esbofeteá-lo. Às vezes! Confesso. Mas chegar às vias de fato só o faria se sentir o tal. Além de dar espaço para ser ainda mais canalha, paquerando outra na minha frente. Nunca lhe dei esse gosto. Não entendo essa necessidade de querer me ter e ainda assim ciscar em outros terreiros. Bateu em meu rosto. Em meu corpo. Deixou-me roxa. Ameaçou tirar a minha vida se o deixasse. Não se importou quando matou o amor que eu sentia. Já não há mais medo, desde que coloquei na cabeça que lhe daria o troco.

Vejo seu olhar curioso e um tanto amedrontado. Consigo ler através de seus olhos o pensamento fervilhando. Acha-me incapaz de feri-lo. Louca! Afinal foi só um tapinha. Nada demais. Eu mereci. Nisso tenho que concordar. Mereci por ter sido burra o suficiente para cair em sua lábia. Mas vou consertar isso. A partir de hoje ele será uma pessoa melhor.

— O que vai fazer? — perguntou, tentando soltar as mãos, soltando impropérios dos quais não posso relatar aqui. Não seria de bom tom.

— Vou amputar suas mãos. — respondi, estalando as luvas, com prazer. — Você nunca mais baterá em ninguém.

Nunca o vi gritar tanto, a plenos pulmões, quando viu meu rosto se transformar diante de seus olhos. Dei-lhe um tapa no rosto, bem dado. Que delícia! A vingança é sempre um prato que se come cru. Olhou-me assustado, mas consegui que se calasse. Seu rosto, até então suave e doce quando queria, tornou-se uma máscara de ódio. Ergui o bisturi, tirando-o de uma maleta preta com vários instrumentos cirúrgicos. Formei-me em enfermagem e já participara de inúmeras amputações. Achava que daria conta de fazer uma incisão precisa antes de começar a serrar o osso. Talvez apanhasse um pouco na sutura, mas o bisturi a laser resolveria tudo. Levantei-me da cadeira e estalei a língua, com um prazer dissimulado.

— Não, não, não, Elaine! Por favor, meu bem. Eu juro nunca mais erguer a mão para você.

— Um pouco tarde, querido. Meninos malvados têm que aprender a lição. Não se preocupe. Não vai sentir dor. Eu prometo, mas temos que começar logo. — informei, levando o bisturi até a mão direita, cantando, enquanto o abutre me encarava com olhos esbugalhados.

O primeiro corte foi fácil, apesar dos seus gritos. Afundei mais um pouco na carne macia e logo senti a resistência dos tendões. Desisti deles um segundo e circundei o punho. O cheiro era um pouco nauseante para quem não estava acostumado. Mas daria certo. O laser cauterizava as micro veias. Continuei insistindo com os tendões, apesar dos gritos lancinantes. Dava um pouco de pena vendo-o tentar soltar a mão, mas tratei de amarrar bem o antebraço.

— Dá para parar de gritar? Assim você vai me desconcentrar e vou ter que por uma de suas meias nojentas em sua boca. Vai querer isso? Estou quase acabando — repreendi-o, sem me importar com as lágrimas que jorravam na face plúmbea.

— Por favor, neném. Não faça isso. — implorou-me num sussurro embargado.

— Já estou terminando. Vou serrar o osso. Vai dar tudo certo, amor.

Continuei trabalhando na mão direita. Deveria ter feito medicina. Estava tão feliz com meu trabalho que já nem mais ouvia os lamentos do Pedrão. Enfaixei o cotoco e ergui a mão morta para ele ver.

— Olha querido. Que perfeição! Você não vai mais precisar dela. — disse batendo palmas e soltando gritinhos.

— Sua cadela! Já conseguiu o que queria. Agora me solta! — gritou furioso.

— Você sabe que odeio palavrão! — não queria, mas tive que lhe bater no rosto novamente, antes de continuar. — Ainda sobrou uma. Temos mais uma hora antes de passar a anestesia. É melhor eu andar rápido. Por isso não me interrompa.

— Não, não, não. Por favor! Eu faço tudo o que você quiser. Vou embora e nunca mais vai me ver. Eu juro.

— Também jurou que não me bateria mais. Lembra-se disso?

Ele urrou até quase perder a voz e segui em frente. Hora depois a segunda mão jazia numa salva de prata. Ele me encarava horrorizado. O efeito anestésico começara a passar e seu coração parecia bater no que restara do braço. Tenho certeza. Afinal amputar um membro dói horrores.

— Está doendo, Elaine! Já conseguiu o que queria, me solta — pediu chorando.

— Não posso. Você ainda tem pernas. Tentará fugir. Se conseguir, chegará até a estrada e alguém poderá lhe dar carona até a cidade mais próxima, então a polícia virá. Não queremos que isso aconteça, não é?

— Eu juro que não farei isso. Serei um homem melhor para você meu amor.

— Palavras vazias. Descansa agora querido. Também preciso descansar. Nossa! Eu realmente deveria ter feito medicina! — exclamei, contemplando meu trabalho com orugulho — Agora vou dar um jeito nessas mãos nojentas, mas antes vou apagá-lo. Dei-lhe uma dose generosa de soníferos. Precisava descansar um pouco antes de continuar.

*

Quando ele abriu os olhos pela segunda vez eu já estava lá. Encarava-o com um prazer indescritível, embora me recriminasse por não ter feito aquilo antes. Erguei o bisturi no ar e o vi estremecer.

— O que vai fazer, Elaine? Não está satisfeita?

— Ainda não, querido. Como disse anteriormente, não quero que pense na possibilidade de sair andando por aí. Suas pernas são fortes e seus chutes potentes. Ainda guardo uns roxos pelo corpo para me lembrar. Quer ver?

— Chega, por favor! — implorou, deixando as lágrimas caírem.

Lágrimas de crocodilo. Lágrimas impuras. Sabe quantas lágrimas derramei por sua causa? Sabe quantas vezes tive que mentir no hospital e quanta maquiagem tive que usar? Suas lágrimas não me comovem. Pena que nunca ninguém saberá o que fiz a você. Isso é o que mais me incomoda. Se todas tivessem a mesma ousadia que estou tendo o mundo seria perfeito. Estou cansada de valentões por todo lado, sempre com essas desculpinhas esfarrapadas. Foi por amor. Eu te amo! Se me deixar eu te mato e depois me mato. Se mata, maldito! O diabo que te carregue! Queria mesmo era ser uma heroína. Dessas que a gente vê no cinema. Salvaria todas as gurias que passam pelo mesmo que eu. Principalmente as crianças, das mãos desses homicidas nojentos.

Seus gritos estavam me enlouquecendo. Chamava-me de louca! De vadia. Olha aí. Agora estava se mostrando. Depois chorava e pedia para soltá-lo. Repetiu os impropérios. Eu ODEIO palavras de baixo calão. Sorri ao erguer o bisturi mais uma vez. Dessa vez pus fones nos ouvidos. A sinfonia preencheu minha mente, livrando-me dos impropérios obscenos.

Trabalhei com afinco e o resultado foi tão bom quanto o das mãos. É claro que o osso do calcanhar foi bem mais difícil de serrar, mas já estava pegando o jeito. Tirei os fones. Mostrei-lhes os pés na bacia. Ele virou o rosto, mas o forcei a ver.

— Nunca mais vai chutar ninguém com eles. Não está feliz, querido?

— Sua vaca! Não sei como, mas eu juro que vou te matar.

— Sei que pensa que vai. Mas não conseguirá.

— Vai me matar? É esse o seu plano? Todo mundo sabe que viemos para esse lugar. Vão me procurar e você será presa.

Claro que não seria presa. Não sou tão burra assim. Faz meses que estou planejando, que finjo aceitar seus golpes, mostrando-me arrependida e submissa. Tomei o cuidado de ligar para todos os seus amigos perguntando por ele antes de trazê-lo aqui. Fiz com que pensassem que o canalha havia arrumado outro rabo de saia e me dado os “canos”. Acreditaram, afinal o conhecem bem. Sabe que até chorei para o Marcão? Amigo íntimo dele. O pobre tentou me consolar. Acho que tem uma quedinha por mim.

— O que você vai fazer? Só por que me excedi um pouco você vai apagar todos os nossos momentos maravilhosos?

— Acontece que não nasci para apanhar e nem temer homem nenhum. Minha dor suplantou o amor.

— O que vai fazer?

— Ainda não ficou claro? Vou reduzir você a pedaços e, antes que fale algo mais, dê-se por satisfeito que não estou te deixando sentir dor. Se bem que o anestésico já está acabando.

— Desgraçada! A polícia vai encontrar as amputações e você vai ser presa. Vou gritar até morrer, até alguém me ouvir.

— Ninguém vai te ouvir. Não temos vizinhos aqui. E quanto à polícia, jamais encontrará um pedacinho seu. Já cuidei disso, meu bem.

Agarrei a oportunidade quando minha prima disse que precisava viajar. Quase desistiu de um fim de semana maravilhoso, com o marido e os filhos, por medo de deixar o sítio sem ninguém que tratasse da criação. Prontifiquei-me de imediato. Era a oportunidade que estava esperando. Convencer o idiota foi um pouco mais complicado, mas disse-lhe que faríamos coisas extremamente ousadas naquele lugar solitário. Deixei-o com água na boca. E cá estamos nós. Os porcos estão me agradecendo até agora. Acho que nunca comeram tão bem. Quando lhe informei, vi seu rosto perder a cor. Ficou aterrorizado.

— Me solta, sua desgraçada! Eu juro que vou acabar com você.

— Não vejo como! Mesmo que se arraste por aí, como vai fazê-lo? E não vou deixar você vivo para contar a estória. Você vai morrer maldito. Vai aprender a nunca mais machucar alguém.

— Acabe logo com isso.

— Ainda não. Ou talvez! Só tenho mais amanhã de folga. É! Talvez acabe com você hoje mesmo e amanhã irei para casa descansar. — disse, enquanto o analisava friamente. Aqueles porcos têm uma fome voraz. Vamos para os braços, depois para as pernas. A cabeça vai ser um problema. Mas trouxe ácido também. Vai dar tudo certo.

Trabalhei naquele fim de tarde até noite adentro. E quando restava apenas seu tórax, ele não mais falava. Apenas me olhava e havia tanto ódio em seus olhos que quase me amedrontei. Entretanto era tarde demais para voltar atrás.

— Bom, querido, aproveite seu último dia na terra. – pedi, dando tapinhas gentis em seu peito. Aproveite para se arrepender.

— Já me arrependo, mas não pelo motivo que você pensa. — respondeu calmo — Arrependo-me de ter te conhecido. Mas vou lhe fazer um juramento que pretendo cumprir.

— Acho que não está em condições de jurar nada, não acha?

— Farei mesmo assim. Juro que não vou deixar você. NUNCA! Onde for estarei lá, até enlouquecê-la. E quando se juntar a mim iremos para o inferno juntos.

— Você irá para o inferno. Eu estou apenas fazendo justiça.

— Eu juro que vou atrás de você, Elaine.

— Cala a tua boca, seu verme.

A raiva era tanta que decidi deixá-lo sentir dor. A mesma que senti quando perdi um molar e minha boca inchou feito um balão. A dor de uma costela quebrada. A dor de ter que mentir e suportar os olhos piedosos das amigas. Assisti calada o último veio de cor naqueles olhos se transformar em algo opaco. Cravei o bisturi em seu peito, ouvindo-o urrar enquanto rompia a carne macia. Cortei as artérias do coração. Ele se foi e me senti feliz. Triste. Vazia.

Voltei para casa e dormi feito uma pedra. Durante alguns dias tudo parecia bem. Então algo aconteceu. Havia acabado de deitar e já me encontrava entre o sono e a vigília. Senti um leve sopro no rosto e os olhos se abriram por completo. Pela luz do corredor vi um vulto aos pés da cama. Meu corpo gelou. Estendi a mão para o abajur e não havia ninguém comigo. Contudo, lá estava o cheiro do seu perfume. Adorava-o em seu pescoço e ele sabia disso. De início pensei que estivesse sonhando.

No meio da noite acordei de sobressalto e lá estava ele. Sondando meus sonhos. Seus olhos pareciam brilhar junto à luz do luar. Então veio o sorriso. Não era mais belo. Era escárnio o que trazia no rosto. O ódio que destilava causava-me arrepio.

Uma noite despertei e seu rosto estava sobre o meu. Gritei. Senti o coração estourar os ouvidos. Aquilo que jazia comigo sentiu prazer. Cobri a cabeça. Não queria mais vê-lo. Não ousei interpelá-lo. Ele havia jurado que voltaria.

Passei a dormir com a luz acesa. A do banheiro, corredor, quarto. Lutei contra o sono. Fui vencida várias vezes e lá estava ele comigo no absoluto escuro. Maldito. Não podia me esquecer de calçar o chinelo se quisesse continuar com os pés ilesos. Já os havia cortado quando sua força, ou sei lá o quê, estourou as lâmpadas pela casa.

Passei a ignorá-lo. Entretanto, aquela coisa se tornou ousada. Uma noite, após chegar cansada do hospital, fui relaxar no banho. Olhei a casa toda e não havia sinal do desgraçado. Devia ter se cansado de mim. Deixava a água morna cair no rosto quando senti uma pressão forte na traqueia. Abri os olhos deixando o shampoo adentrá-los, mas o ardor não foi mais forte do que a sensação de estar sendo sufocada. Ouvi uma risada surda. A pressão diminuiu e caí no chão escorregadio. Chorei. De ódio! Talvez eu mereça depois do que lhe fiz. Ou talvez não, dada às circunstâncias.

Não me arrependo. Já me absolvi. Tentei de tudo para tirá-lo do meu lar, mas acho que nem um exorcismo o fará ir para o inferno, que é seu lugar. Não bastasse me assombrar, agora quer estragar meu novo relacionamento. Deixo-o ficar na casa, se é isso que ele quer. Quase não fico mais lá. Prefiro a casa do Marcão. O rapaz veio me consolar e sabe como é. Acabou rolando algo legal.

Achei que com o maldito me assombrando, ficar com Marcão me ficaria bem. Até que safado também levantou a mão para mim. Senti o rosto inchar mais uma vez depois de tanto tempo. Quando o encarei, furiosa, pude ver o Pedrão atrás do melhor amigo. Sorria para mim, enquanto eu apalpava o rosto ferido. Vi seu lábio se mexer falando no ouvido do Marcão. O desgraçado estava pronto para obedecer. Tudo bem. Em breve me vingaria. O sítio ainda está lá e os porcos tão famintos quanto antes. Sorri quando recebi um novo tapa. Gargalhei, antecipando o prazer de fazer com ele o que fiz com Pedrão. Afinal, tinha pegado o jeito. E devo confessar que sair impune aumenta nossa confiança. Daria certo novamente. Talvez os dois se juntem, mas quer saber? Não estou nem aí.

1 de Dezembro de 2022 às 22:19 4 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

Amanda Kraft Participo com mais de cem contos em diversas antologias de várias editoras. Livros lançados: Somente eu sei a verdade; Traição; Uma Segunda Chance; A Noiva da Neblina e o Segredo de Lara pela buenovela.com e também contos e livros inéditos na Amazon kindle.

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Leticia Diniz Leticia Diniz
Como diz o Seu Madruga, a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena. Diria ainda que a vingança é um prato que se come podre. Parabéns pela história!!
December 10, 2022, 23:42

Norberto Silva Norberto Silva
Uau! Que história bem escrita e conduzida! no começo fiquei animadaço com a vingança da Elaine, as cenas do que ela foi fazendo com o Pedrão ficaram extremamente viscerais e eu adorei! E, como se não bastasse isso, o trecho final com a outra vingança, agora a sobrenatural, do Pedrão ficou excelente! E o que dizer desse gancho final! Perfeito. Adorei! Parabéns!
December 02, 2022, 12:26

  • Amanda Kraft Amanda Kraft
    Ah! Meu amigo. Já o considero! Mto obrigada por suas palavras. É um conto sobre uma temática forte e triste. December 02, 2022, 22:12
~