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As terras do Norte são cruéis, de Nações Malditas elas são chamadas. Criaturas espreitam pelas sombras das florestas, e o vento gelado arranca a alma do corpo em todas as noites escuras. Como se não bastasse, o próprio povo das Nações Malditas é tão brutal quanto o lugar em que moram. Davis e Morgan são dois irmãos que são lembrados desses problemas de uma forma inesperada em seu dia a dia. Brigando entre si, eles precisam superar a relação conflituosa que tem e superar os problemas passados que se fixaram nas raízes preconceituosas dessas terras amaldiçoadas.


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Conto I - Ignorância

Como os ditados populares dizem, a mente sempre cria desculpas para tentar evitar que a verdade seja aceita. E o jovem tentava se convencer de que não estava fugindo, mas não podia se esquecer de seu crime.

Aos olhos externos, ele era um louco. Conversando sozinho com seu equipamento. De fato, não tinha muitos parafusos em sua cabeça, então até que as pessoas não estavam erradas. Com suas duas mãos ele levantava o machado, e depois baixava com velocidade e força dividindo a tora ao meio. Cada pedaço de tronco que terminava, seu espírito revigorava. O jovem adulto sempre vinha até essa clareira, aqui ele podia reorganizar seus pensamentos bagunçados e tratava tudo isso como um exercício rotineiro, mesmo que ele só o fizesse a cada 1 semana.

Mais uma vez, ele ergueu o machado e o mergulhou em direção ao tronco de madeira, e ele ficou preso. Tentou puxa-lo, mas não se mexia. Com seus braços firmes, ele se fixou no chão e tentou arrancar o machado do tronco, extrapolando tanto que acabou quebrando o cabo de madeira em pedaços. Seus olhos se alargaram num susto quando o som do estouro ressoou. A lâmina do equipamento permaneceu cravada naquela madeira marrom, o observando como se soubesse tudo sobre suas falhas.

— Talvez seja melhor assim. Eu sei, eu sei. Eu deveria ter feito a minha parte... Mas juro que se eu herdasse a arma de meu pai, que herdou do meu avô, que herdou do meu bisavô, que herdou do meus antepassados ainda mais antigos — Ele desviou o olhar da lâmina e apoiou suas costas no tronco. —, eu não pensaria duas vezes antes de te trocar, seu machado idiota! Tudo isso seria mais fácil.

— Davis, com quem você está falando? — questionou uma voz mais velha vindo da mata.

O jovem lenhador congelou, um arrepio subiu por sua nuca. Outra vez o flagraram falando sozinho, o que não ajudava com sua reputação de alguém normal. Felizmente, era uma voz conhecida e gentil. Davis abriu um sorriso envergonhado no rosto, seus olhos atentos e ansiosos.

— Pai! Morgan! Eaí? Conseguiram caçar alguma coisa? — perguntou ao ar, observando para o fundo da floresta.

Dentre à penumbra da floresta saíram duas figuras humanoides, e somente uma delas era humana. Um homem de cabelos pretos marcado por um rosto um pouco mais velho, acompanhado de um felino humanoide mais jovem, semelhante à um tigre de pelagem escura. O humano carregava um grande machado de dois gumes em suas duas mãos, junto à algumas machadinhas em sua cintura, enquanto o Kestma tinha um arco e aljava amarrados às costas e em suas mãos puxava algo pesado com uma corda.

— Conseguimos caçar um javali — disse o felino puxando a caça, amarrada à uma série de cordas entrelaçadas —, não precisamos nos preocupar com dinheiro pros próximos dias.

— Morgan caçou ele. Sozinho — ressaltou o caçador humano com orgulho.

— Vocês são sempre bons nisso, né? Nunca vi esse “gatinho” errar uma flecha.

— Nunca vi você falando sozinho com seu machado. Você endoidou bem mais cedo do que imaginei — debochou.

— Aquilo lá? Há! Meu machado mesmo é aquele — Ele apontou fixamente para a arma que seu pai segurava com as duas mãos. —, o machado do grande Hinekar! Ninguém menos que meu pai!

Hinekar gargalhou. O garoto sempre foi um bobo por completo.

— Conseguiu pegar lenha o suficiente para a semana toda, filho?

— Claro que sim, olha a pilha que fiz! — Davis desapoiou do tronco e correu para a direita, onde havia cerca de cinco lenhas empilhadas uma sobra a outra.

O pai olhou descrente para aquela pilha. Era só aquilo? E junto a isso, percebeu que a lâmina estava cravada na madeira, sem um cabo. Algo aconteceu ali.

— Isso não vai durar muito — alertou ele — O que você ficou fazendo durante as duas últimas horas?

— Cortando lenha, o que mais eu faria...?

A frase ressoou para Hinekar como uma melodia familiar de uma cantiga que já conhecia. Ele já sabia exatamente o tom de voz que seu filho estava fazendo. Davis percebeu que seus crimes hediondos não podiam ser mais escondidos, estava na hora da verdade ser descoberta. Bastou uma levantada de uma das grossas sobrancelhas dele para o rapaz desembuchar:

— Tá, talvez eu tenha acabado me distraindo durante todo esse tempo! Fiquei enrolando, dei um passeio pela floresta, ver se encontrava algum animal para caçar igual vocês. Eu odeio ser o lenhador, eu quero ação! Matar alguma coisa com o machado...

— Não precisava esconder isso de mim. Tudo bem, nós voltamos aqui amanhã e eu ajudo você a pegar mais.

— Espera, eu posso pegar mais, é só que o machado emperrou naquela tora, consigo fazer rapidinho.

— Ele não está simplesmente emperrado. Sério, se você destruiu um machado simples como aquele, imagino o que aconteceria se herdasse o do papai — disse Morgan, segurando uma risada.

— Morgan, seu irmão não tem culpa — Hinekar se virou para o jovem apreensivo — Se você continuar aqui durante esse anoitecer correrá perigo. Além disso, sua mãe está nos esperando.

— Que merda... não posso deixar ela na mão. Amanhã teremos nossa revanche, se preparem — ameaçou a pilha de dez troncos ainda não finalizados.

— Ei — chamou o felino — carregue isso daqui pra mim, já estou cansado.

Morgan estendeu a corda que prendia o javali para Davis. O rapaz não a pegou e olhou com desgosto para o felino.

— Você acha que eu não me cansei também? Me esforcei a tarde toda fazendo minha parte.

— Eu sequer disse isso. Só me ajuda a carregar esse Javali por um tempo — insistiu estendendo novamente a corda.

— Você não tem força pra isso?

— Eu estou cansado. O que custa você só fazer isso?

— Eu também to cansado! — Davis empurrou Morgan para trás, quase o desequilibrando.

— Para com isso!

— Para você! Meus braços doem, não vou carregar tudo isso.

— Então você está admitindo que é fraco, irmão?

— Cala a boca Kestma, eu não sou seu irmão!

— Ei — Davis olhou diretamente para seu pai, que agora o encarava com um olhar flamejante —, já chega. Filho, nós não usamos esse nome como ofensa. Não somos esse tipo de gente.

— Eu não tava usando como ofensa. Mas ele é um Kestma, um animal humanoide, igual todos os outros Kestmas, não é?

— Sim, ele é. Mas ele não se resume a isso. Ele é principalmente seu irmão. Não se esqueça disso.

Silêncio completo, o jovem não ousou abrir a boca por um segundo a mais. Hinekar pegou a corda das mãos de Morgan e tomou a dianteira, arrastando o grande javali morto consigo pelas estradas de terra. Dado à situação, os dois baixaram suas cabeças e seguiram o homem em meio ao bosque frio.

A mata os cercava por ambos os lados, e por quase todas as direções. O ar fresco os envolvia e balançava os cabelos loiros do filho e os cabelos escuros de seu pai, já Morgan suspirava profundamente em meditação em sintonia com a brisa, tentando se acalmar. Davis observava admirado o adulto caminhando à frente, carregando aquele grande machado e puxando um javali ao mesmo tempo. Para ele, era como um herói de um conto épico. O jovem tentava imitar os passos dele, a forma de se portar e andar. Era seu ídolo.

Morgan olhou para sua direita e reparou o que acontecia, por isso, começou a copiar seus passos de um jeito exagerado. Novamente, eles começaram a discutir e Hinekar somente olhou por seu ombro e o silêncio retornou. O homem deu um sorriso singelo e seguiu seu caminho.

O destino deles era uma pequena cabana em meio à floresta, distante da capital do reino em que moravam, Folkelf. Eles caminharam durante certo tempo seguindo um caminho não definido pela floresta, ao contemplarem a vista da chaminé do chalé o sol estava quase beijando as montanhas distantes. O céu estava iluminado por uma mistura de laranja e rosa, anunciando que aquele dia de caça havia enfim acabado.

Quando quase em frente ao lar deles, avistaram 4 pessoas com armaduras pesadas e armadas com alabardas guardando a porta da cabana. Nove cavalos estavam parados diante da casa, se alimentando da grama verde ao redor. Hinekar imediatamente soltou o Javali num susto e puxou seus filhos para atrás de um arbusto, seus olhos observaram nos cavalos uma bandeira azulada, cuja possuía um símbolo de duas alabardas se cruzando. Hinekar se virou e disse:

— Escutem, preciso que vocês guardem o javali na despensa por mim e fiquem por lá até que eu os chame. Nós temos visitas inesperadas.

— O quê? — estranhou Davis.

— Não são ninguém que vocês precisem se preocupar. Fiquem fora de casa e se comportem, vocês são adultos, não ajam como crianças, certo?

— Se o Morgan colaborar... — resmungou cruzando seus braços.

— Eu odeio você, seu cabeça oca!

Por um momento os irmãos cruzaram seus olhares de morte novamente. O jovem mostrou sua língua em um ato de desafio e o felino mostrou seus dentes afiados em ameaça de morte dolorosa. O pai deles teve que separar os dois, pela quinta vez naquele mesmo dia.

— O que foi que eu disse? Escutem, quando eu digo para vocês que estou sendo paciente e legal, é porque é a verdade. Se a mãe de vocês ver que as coisas ainda estão assim, tudo ficará feio para vocês — Por um momento, eles reconsideraram a situação. — Agora, levem nossa janta pra despensa, eu vou conversar com nossos amigos.

— Se nós não precisamos nos preocupar, porque não podemos entrar em casa depois de guardar o javali? — duvidou Davis.

— Ô seu idiota! — Morgan deu um forte tapa na nuca de seu irmão — Se ele mandou a gente não entrar, a gente não entra.

— Porra! Aquelas pessoas são da capital, não são? Qual o problema?

— Davis, apenas me obedeça. Depois podemos conversar com calma.

— Tá, eu espero então.

— Vou ir na frente e chamar a atenção deles, tentem se esgueirar. Tomem cuidado.

Hinekar suspirou antes de se levantar, e então saiu de trás do arbusto da forma mais natural que podia fingir. Ele já imaginava quem poderia ser. Davis e Morgan assistiram o homem chegando em frente àqueles guardas e conversando com eles, depois, olharam para o javali amarrado ao mesmo tempo.

— Eu não vou carregar ele — bradaram em simultâneo.

— Qual é?! Escuta, qual é a sua? A gente PRECISA trabalhar junto — reclamou Morgan.

— Eu não quero carregar!

— Você é muito mais forte do que eu, pode levar ele no colo!

O humano se manteve em silêncio.

— Você é insuportável — Morgan estava decepcionado com seu irmão, pela quinta vez naquele mesmo dia — Me dá logo essa corda.

Davis pegou a corda para seu irmão e Morgan imediatamente se esgueirou escondido até a despensa, arrastando o corpo da criatura pela terra.

A cabana em que os garotos moravam possuía uma pequena despensa subterrânea, onde eles guardavam os alimentos para serem preservados durante o inverno. Os tempos de frio nos reinos do Norte não eram compassivos com seus habitantes.

Hinekar estava fazendo um ótimo trabalho conversando com as pessoas em frente à casa, tanto que eles sequer olharam para o javali que estava sendo arrastado.

Morgan conseguiu progredir no caminho e sair da vista total dos guardas, mas Davis ainda estava no arbusto em frente à casa, observando seu pai dialogar. O felino ficou perplexo.

— Ei! O que você ta fazendo?! — sussurrou para o humano.

— Vai na frente, eu quero ver o que vai acontecer.

— Ele mandou a gente sair daqui. Não era você que obedecia nosso pai a qualquer custo?

— Morgan — Davis olhou para o Kestma — porque você tá com medo dessa gente? Eu quero entender o que tá acontecendo aqui.

— Eu... Eu não acredito que você está falando isso.

Cabisbaixo, ele continuou seu caminho pelos arbustos até a despensa atrás da casa, deixando seu irmão para trás. Davis estranhou a reação de seu irmão e aproveitou os últimos segundos de distração que ainda tinha para segui-lo.

Hinekar enrolou o máximo que podia, quando os guardas começaram a demonstrar estresse ele encerrou a conversa por ali. Respirou fundo, e então se aproximou mais da porta, começando a escutar muitas vozes. Eram sons felizes, pareciam comemorar alguma coisa.

Quando a porta foi aberta, seus olhos viram dois homens e duas mulheres sentados à mesa enquanto comiam e bebiam. Sua esposa, Selena, estava junto. Na cozinha, havia mais um homem preparando comidas. Um cheiro de uma carne diferente chegou ao olfato do homem. Aquele cheiro trazia consigo memórias de quando eles moraram na capital do reino, era uma especiaria muito característica.

— Olha só quem chegou! — gritou um dos homens à mesa.

— Há! Tava demorando pra cacete! — disse outra voz masculina.

— O quê? O que vocês estão fazendo aqui?

Um sorriso descuidado se esboçou no rosto de Hinekar. Eram seus velhos amigos, aqueles com quem trabalhou por bons anos de sua vida. Selena se levantou da mesa e se aproximou dele, também com o mesmo sentimento de surpresa.

A mulher estava com uma das pernas enfaixadas e se apoiava com dificuldade em uma muleta para andar. Seu cabelo loiro trançado recaía sobre o gibão de peles, passando por de cima de seu ombro. Os olhos verdes penetrantes dela brilharam felizes ao ver que ele estava bem.

— Eles apareceram faz quase quarenta minutos. Tive que convidá-los para entrar.

— Ei amor, você não devia ficar andando nesse estado, vai se machucar — recomendou.

— Já to melhorando, Hin. E você sabe que eu já passei por coisas muito piores do que uma perna machucada — Selena deu um sorriso confiante, apesar dele não convencer seu marido. — Como foi a caçada?

— Correu tudo bem. O Davis... foi complicado, quebrou o machado e pegou pouca madeira porque ficou andando pela floresta. Já o Morgan pegou um javali, sem minha ajuda. Ele disse que usou suas técnicas com o arco, esse garoto tá dando muito orgulho.

— Ele aprendeu com os melhores. Nós, é claro — enfatizou dando um riso sutil. A mulher olhou atrás de Hinekar, procurando pelos seus filhos. — E cadê os garotos?

— Levando nossa comida pra despensa, daqui a pouco eles chegam aqui. Vamos ali pra mesa, não quero que você se esforce muito assim.

— Não tá tão ruim assim, sério.

— Vem cá, eu te ajudo a andar — disse apoiando um dos braços dela em seus ombros.

Eles foram andando até a mesa, que estava cheia de pratos e pedaços de comida. O alto som de gritaria do pessoal de lá repercutia por toda a pequena cabana, trazendo uma atmosfera de conforto. Uma das coisas que mais chamavam a atenção no casal era a diferença de altura dos dois. Selena era muito maior que Hinekar, e os companheiros à mesa sempre percebiam isso.

— Vocês continuam iguais, né? — comentou Seviko rindo enquanto se levantava para cumprimentar Hinekar. — Cara, ela continua muito maior que você.

Selena se sentou e colocou a muleta de lado, já seu marido e o homem fizeram um cumprimento de companheiros, encontrando palma de mão com palma de mão e encostando-se em um abraço caloroso.

— Vocês não tomam jeito nunca, né? — retrucou Hinekar.

— Senta aí, Hin, trouxemos bastante comida e histórias para contar.

— Eaí Hin, quanto tempo né? — saudou Darfell com a boca cheia.

— Já fazem alguns anos desde a última vez que nos vimos. Como vocês estão, amigos?

— Muito bem, obrigada — agradeceu Calista, a outra mulher à mesa além de Selena —, acabamos de voltar de uma longa viagem.

— E digo mais, só saímos vivos dessa viagem próxima por causa da minha força, de novo! — complementou Darfell. O homem beijou seus muques pardos logo após.

— Acha que esses seus bracinhos ganham dos meus? — desafiou Selena. A mulher colocou seu cotovelo sob a mesa com força, balançando os pratos e canecas. Darfell hesitou em surpresa.

— Ah... Não precisa ser agora, Selena. Não se interrompe a refeição de um companheiro, né?

— Vai amarelar, Darfell? Não era você o grande salvador? — caçoou Linok, lá da cozinha.

— Todos temos o consenso que minha esposa venceria dele. Afinal, ela sempre venceu.

Todos riram na mesa, relembrando os momentos que compartilharam uma vez nos tempos passados. Um clima confortável de risadas quentinhas e o cheiro de uma carne que carregava lembranças consigo permaneceu na cabana de madeira. Eles passaram muitos minutos conversando, falando sobre a história do mundo, piadas com governantes fracassados, glória à Folkelf, o reino que moram, e as aventuras deles pelo mundo. Em meio aos vários assuntos da conversa, Linok trouxe mais carne para que comessem, junto à mais hidromel. Ele se espremeu entre os amigos da mesa e se sentou junto a eles.

Hinekar então se levantou e se estirou, começando a falar enquanto ia para próximo da janela que tinha vista para a frente da cabana:

— Fico muito feliz de rever vocês, amigos. De verdade mesmo. Mas, devo perguntar, por que guardas da capital estão aqui? — O homem cutucou o vidro. O olhar desconfiado de um dos guardas cruzou o seu, como se fosse um animal selvagem espreitando sua presa.

— Já achei que você não iam tocar nesse assunto — Seviko esboçou um riso leve — O negócio foi o seguinte: o Alto Conselho de Folkelf queria acabar com uns problemas de Kanonaris, aquelas tribos bem selvagens de Kestmas, nas fronteiras do Sul. Você sabe como eles são, sempre ficam indo e vindo por aqui e por ali. Acabou que nós, a inútil guilda de caçadores e exploradores do Artefato Ancestral, aceitamos a missão. Dá pra acreditar? Nós não sabíamos lutar na época, só ler textos em outros idiomas e balançar espadas que nem uns fracotes!

— Estávamos muito duros na época — disse Calista enquanto lambia o sabor da carne em seus dedos —, depois que você pediu pra sair do grupo as coisas ficaram mais difíceis sem nosso melhor rastreador. Precisávamos de umas moedas extras, então essa aventura poderia cair bem.

— Quando nós fomos para lá descobrimos que os animaizinhos tavam usando uma ruína como acampamento — retomou Linok — Nós respiramos fundo e nos preparamos mentalmente para a luta. Já tínhamos feito isso aquela vez no lago, mas agora parecia ser mais arriscado. Durante a noite...

— Durante a noite eu entrei lá e os amassei como se não fossem nada! E naquele dia, eu, Darfell, massacrei os Kestmas nojentos, salvando a todos. E ganhamos muito dinheiro!

— Nós o matamos, você não fez tudo sozinho! — resmungou Linok.

Hinekar e Selena trocaram olhares desconfiados. A conversa estava indo para um rumo... estranho.

— Isso ainda não explica os guardas — relembrou Selena.

— Sim, sim. Nós fizemos esse favor para o Conselho, certo? Depois disso eles gostaram do serviço e decidiram passar mais alguns para nós.

— Vocês ganharam a atenção deles? Meus parabéns.

— Linok, isso é... incrível. Imagino o quanto de dinheiro não devem ter conseguido fazer — disse Hinekar, apreensivo.

— Pois é! Nem eu acredito nisso às vezes. Já pensou nisso? Nós éramos apenas jovens tentando viver da caça e chegamos até aqui para sermos emissários deles.

— E quais eram os serviços que eles passavam...?

— Os serviços? Lidar com essa raça intrusa nas nossas terras. Caçamos esses selvagens pelo reino.

— Alguns nós levávamos para a capital. Alguns eram mortos — apontou Seviko — alguns escravizados como punição...

— E sabe o mais curioso — apontou Calista sugestivamente — alguns passarinhos recentemente contaram para o Conselho que há um Kestma morando com uma família de desertores em uma cabana afastada da capital. Nós decidimos fazer uma visita e faze-los conhecer o Alto Conselho.

Hinekar, recostado na parede ao lado da janela, lançou um olhar de susto para sua esposa, e ela o retribuiu. O casal percebeu que o segredo deles já não era mais seguro. Como isso havia chego aos ouvidos do Alto Conselho? Morgan era a razão de tudo aquilo, mas Hinekar sabia que ele estava seguro na despensa. Eles não tinham condição de lutarem contra eles, Selena estava ferida desde a última caça e o machado de dois gumes estava próximo à mesa.

Olho a olho, Selena encarou a todos na mesa com a testa franzida. Seus lábios distantes um do outro tremiam de nervoso. E então a mulher gargalhou, aliviando a tensão em seu corpo.

— Me diga — chamou Calista — qual a razão da risada?

— Vocês são nojentos. Traindo seus amigos pelo dinheiro? Preciso lembra-los quem conseguiu manter o Artefato Ancestral durante todos esses anos?

— Selena, os traidores aqui são vocês — rebateu Seviko — vocês desertaram do nosso grupo dizendo que queriam uma vida mais pacífica. Hinekar disse que iria se aposentar e viver da caça. Vocês mentiram para nós e agora estão cuidando de um deles.

— Não há crime maior do que abrigar uma aberração dessa e trata-la bem. A história de Folkelf nos ensina que eles são nossos inimigos, merecedores de desprezo! — complementou Darfell.

Seviko se levantou da mesa e gritou uma palavra de comando para os guardas do lado de fora. E como estivessem apenas esperando pela ordem, eles prontamente entraram marchando pela porta portando suas alabardas, cada passo pesado que davam com suas botas metálicas fazia a madeira frágil recuar para baixo e se amassar com o impacto. Eles avançaram sobre o casal e os seguraram em duplas, mesmo se debatendo eles não conseguiram se soltar.

— Hinekar Vortham e Selena Moore, vocês cometeram os crimes de desertar da guilda e atrapalhar seus negócios, assim como trair sua nação, Folkelf, e abrigar um Kestma, o maior povo inimigo desde os tempos de Vênia.

— A prisão será sua condenação — acrescentou Linok —, mas o conselho pode agravar sua pena. E eles irão. Quanto ao Kestma, bem, ele irá conhecer um novo tipo de propósito.

— Isso não vai ficar assim! Vocês vão ver! — debatia Selena.

A mulher se balançava com todo seu espírito, tentando se soltar e urrando perante a situação. Seus músculos estavam rígidos e mesmo com a perna machucada a mulher causava trabalho para que os guardas a contivessem. Seu desespero interrompeu-se num susto amargo ao ver seu marido imóvel. Ele estava desesperançoso. Hinekar estava com uma feição triste, ainda que satisfeita.

— Hin? — perguntou em dúvida dolorosa. — O que você...

— É melhor assim.

— Não! Nós precisamos lutar, amor! Isso não é certo!

— Não temos escolha! Eu não queria que isso acontecesse — O homem lamentou. Olhou-a rosto a rosto esboçando sorriso fraco enquanto eles eram forçados para fora da cabana.

Hinekar e Selena foram colocados sob os cavalos enquanto assistiam o lar deles ficando para trás e vazio. As vozes dos membros do Artefato Ancestral se mesclaram ao fundo do ambiente da floresta. O casal trocava olhares tristes, começando a se preparar para o destino que os aguardava. Eles haviam entendido que aquele era o fim, pelo menos, Davis e Morgan estavam seguros em um lugar onde jamais seriam encontrados.

E então uma voz rompeu pela floresta:

— PAI?! MÃE?! — berrou desesperadamente uma voz adulta vinda dentre a mata.

Os guardas e todos os outros ali viraram suas cabeças para trás procurando por quem tinha gritado, mas rapidamente Davis se escondeu. Seviko deu um sorriso malicioso e ordenou aos seus 4 guardas:

— Mate o garoto. Se encontrar o Kestma, traga-o vivo. Aquele selvagem não merece o pacífico descanso da morte.

O quarteto disparou imediatamente pela mata, deixando para trás o grupo de pessoas.

— Não! Deixe eles de fora disso, Seviko! — gritou Selena em completo ódio.

— Seviko seu cão sujo! Você já pegou o que queria! — Hinekar fixou seu olhar furioso no homem, que ainda sorria vendo o esperneio.

— Nem tudo, Hin. Nem tudo. Vocês precisam entender, essa história não terá seu fim até que o último verme daquele povo seja extinto. Acontece, que alguns desses vermes também estão entre nós, os apoiando.

O homem montou em seu cavalo e deu uma última olhada para trás. Viu de relance o cabelo loiro do rapaz se escondendo atrás de um dos arbustos, mas não encontrou seu prêmio desejado. Num estalar de dedos, um vórtice cálido de chamas envolveu sua mão direita. A pequena cabana se incendiou em um piscar de olhos e altas brasas ascenderam ao topo das árvores. Os olhos de Hinekar e Selena brilharam em desespero vendo o lar deles ser destruído logo em frente à eles.

— Vejam aquelas cinzas. E as vejam bem! Aquilo mostra que tudo que vocês fizeram foi em vão. Os Kestmas, eles serão todos extintos, e com eles, os traidores. Vamos amigos, para a capital!

6 de Dezembro de 2022 às 19:12 0 Denunciar Insira Seguir história
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Haün
Haün

A história deste vasto continente é profunda e misteriosa, envolta em mortes, conspirações, traições e uma importante guerra: A Guerra da Consolidação. No que ficou considerado como ano 0, a Guerra de Consolidação foi declarada. A guerra que transformou o mundo e o consolidou como é hoje. As duas luas gêmeas orbitando o planeta assombraram o mundo por 3 anos e o congelaram, enquanto muitos povos e espécies foram erradicados e muitas cidades foram criadas e destruídas. Alguns acreditam que alguns raros deuses sobreviventes se manifestaram durante a guerra. A guerra terminou oficialmente quando as Luas Gêmeas começaram a se mover ao redor do planeta novamente, trazendo de volta o ciclo do dia e da noite. Os governos dos Reinos que ainda existiam se reuniram em um concílio histórico. Assim, dividiram os territórios do Continente Haün, tendo critérios diferentes. Foi nisso que as 5 Nações foram criadas e estabelecidas: As terras quentes do deserto e dos cânions, habitadas em sua maioria pelos Orcs Verdes, foram nomeadas Nações Ardentes. As terras mágicas onde cada região tem sua peculiaridade e conexão com a realidade, habitadas em sua maioria pelos Magos Elfos, foram denominadas de Nações Malditas. As terras amaldiçoadas que começaram a guerra e que carregavam consigo enorme preconceito e regressão, habitadas por humanos malignos e tieflings corruptos, foram chamadas de Nações Amaldiçoadas. As terras indomadas da natureza onde os animais e o meio ambiente têm vida própria, habitadas em sua maioria por Kestmas, foram chamadas de Nações Ferais. E finalmente, as terras que prometiam um novo começo, uma nova verdade e uma era de paz, habitadas principalmente por humanos, anões e outras diversidades de raças, foram nomeadas Nações Prósperas. Ao longo dos anos, o povo de Haün percebeu os problemas que essas 5 divisões traziam consigo, reunindo culturas conflitantes e inimigas. Leia mais sobre Haün.