mikhailov Gael Mikhailov

Naquela cama, eu deitava com o coração desprevenido, jurando que te amava ao pé do ouvido, sabendo que você só estava ali para me usar. Depois das doze horas você some e salva meu contato com outro nome, acima de suspeitas para ninguém desconfiar. Esse looping vicioso começava desde que nos encontrávamos naquele mesmo posto e recomeçava no dia seguinte, sempre que você retornava dos braços do seu verdadeiro amor. | capa @oliivine, wonderful designs


Drama Impróprio para crianças menores de 13 anos. © mikhailov

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Capítulo Único



SEMPRE NOS ENCONTRÁVAMOS NAQUELE MESMO posto do subúrbio atrás da escola primária, um pouco depois da minha casa.

Se atravessássemos um pouco mais a rua, daria para ver a sacada do conjunto de quitinetes em que eu morava desde a época da faculdade, encardida e caindo aos pedaços, mas que fora meu único refúgio desde que aquele maldito surgiu em minha vida.

Eu trabalhava em uma creche-escola duas horas de ônibus de lá e ficava até as oito da noite para ganhar uma graninha extra com a limpeza. Meu itinerário era composto por nada menos que gritos infantis, cheiro de amaciante e lancheirinhas personalizadas. Os pais deixavam os pirralhos entre dois e seis anos às oito da manhã (às vezes antes) e pegavam lá para as seis... seis e meia.

Era complicado, mas o salário supria todas as minhas dívidas e ainda sobrava para pagar o fundo da faculdade. Eu me colocava atrás do balcão da recepção e esperava cada pimpolho de meio metro de altura atravessar a portaria, me desejar um “Bom dia, tio” e ir para sua respectiva sala.

Minha tranquila e sem graça vida só não sabia que duas daquelas crianças que passavam todos os dias por mim me trariam um demônio — não, um bicho-papão — de garras afiadas, lindos olhos azuis e um péssimo senso de moral no que se dizia respeito a “fidelidade”.

*

Ryomen, o pestinha gêmeo de Yuji Iori, me encara com os enormes olhos chocolates enquanto me concentro em preencher formulários para um passeio ao teatro. Ele está quietinho demais sobre a cadeira de plástico, balançando as perninhas finas para lá e para cá em sintonia ao barulho do ventilador de teto. Às vezes o pego me encarando como se quisesse me falar alguma coisa, mas então desvia e finge estar brincando com os fiapos da roupa.

Para uma criança tão atentada, ficar com a boca fechada por mais de cinco minutos é sinônimo do apocalipse.

— Ei, tio. — Sua voz animada de Zezinho do Pato Donald me chama, e eu levanto a cabeça, atencioso. — O senhor trabalha aqui há muito tempo?

Arqueio a sobrancelha.

— Desde o primeiro ano da... Entrei três anos atrás. Você ainda chupava dedo. — Faço graça, lembrando do dia em que o conheci. Sua personalidade rebelde foi o que me chamara a atenção.

— Hmm... então o senhor conhecia a outra tia que ficava aí no seu lugar? Ela era legal, tipo, não que você não seja, mas ninguém sabe o porquê dela ter ido embora.

Talvez deva ser porque seu querido papai dormiu com ela e no dia seguinte a bonita estava perdidamente apaixonada.

Mas preciso demais do meu emprego para falar uma coisa assim a uma criança.

Só me debruço sobre a bancada e digo, com toda calma do mundo, para ele:

— Akari deve ter arrumado um serviço mais perto de casa, Ryo, só isso. — Como amante. — Não se preocupe.

— O papai dizia que ela era louca.

— Ah, é? — soo mais interessado do que esperava. — Acho que é o seu pai quem está confundindo as ideias. Ele é convencido demais.

O moleque sorri.

— A mamãe odeia isso nele. Diz que não falta muito pra expulsá-lo de casa. Na semana passada ela atirou uma toneladas de ternos dele pela janela e tacou fogo nas roupas. Acho que ela não tá muito bem.

E quem ficaria? Morando com aquele cara e convivendo com o indivíduo debaixo do próprio teto, dividindo mesmo o banheiro, acredito que até Gandhi beiraria a doidice.

E o pai dele já não tem um histórico muito bom de relacionamentos — no último casamento, abandonou o parceiro de longos anos para ficar com amante e nem sequer esperou dar seis meses para engravidá-la.

Ele odiava crianças! (Palavras da atual.) O que o fanatismo por aparência faz com uma pessoa, não é mesmo?

Agora ele anda por aí, exibindo o sorriso branco de dentes afiados e os profundos olhos azuis que arrancam suspiros hipnotizados por onde passa, como se não houvesse mais nada no mundo sem ser a própria presença.

Como se tivesse esquecido de tudo, apagado o passado como se faz em uma frase escrita à lápis na aula. Como se todos os porquês tivessem se dissolvido em pó e seu antigo amor, num fantasma.

É precário.

E ele e a nova namorada nem estão casados; só moram por conveniência e para cortar a língua do povo. Que tristeza.

— Opa. — Uma voz gentil repentina acompanhou o barulhinho do sino de entrada sobre a porta. Nem precisei olhar para saber quem era, pois só do meu corpo enrijecer diante daquele pequeno som, já sinalizava que eu conhecia bem o dono dele.

Satoru afastou o sobretudo cinza para trás e bateu o tênis branquíssimo na porta para tirar a neve do solado antes de entrar.

— Você tá aí. — Ele olhou para o filho. — Pensei que estivesse na soneca.

Ryomen esticou o bico.

— Fiquei sem sono, mas o preguiçoso do Yuji ainda tá lá. Ouvi ele roncando.

Sua risada tremulou em meus ouvidos.

— Que tal se você for acordá-lo para poder irmos? Utahime vai fazer espaguete para o jantar.

Um arrepio gelado percorreu por minha coluna. Ele não se referia à mãe dos próprios filhos com o antônimo de pai? Mãe? Daquele jeito, qualquer pessoa juraria ser uma babá. E vendo por esse lado, eles até parecem... distantes. É como se as crianças fossem apenas uma extensão daquele relacionamento-celebridade. Tipo um jarro para ocupar o lugar da mesa e não deixá-la vazia.

Satoru pega meu olhar de horror e dá um sorriso cínico como desculpa, abaixando-se para o pimpolho de cara emburrada.

— Por que eu tenho que ir? — ataca a língua afiada de Ryomen. — O pai é você.

Um a zero.

— Justamente por isso que mando em você.

Injusto.

Solto um suspiro e pego o telefone, discando o canal da sala de soneca.

— Oi, é o Geto. Pode arrumar o Yuji pra mim? O pai dele já chegou. A mochila do Ryomen também, ele tá aqui fora comigo.

A assistente de hoje dá uma resposta positiva, me dando alguns minutos de espera. Satoru continua duelando contra o filho, parecendo duas crianças comparando quem tem a língua mais afiada. Ele desvia os olhos do pequeno para mim, tão rápido que nem sei se aconteceu realmente ou se era apenas meu subconsciente mostrando algo que eu queria que acontecesse.

— Querido — ele cantarolou, passando os dedos longos nos cabelos desgrenhados de Ryomen. — Vá lá pegar seu irmão. Ele deve estar bêbado de sono. Só pro coitado não vir tropeçando.

— Mas a professora acompanha a gente. — A esperteza ataca novamente. — E você não me chama de “querido”. Só de pestinha. Às vezes de peste.

Eu engasgo um sorriso.

O pai dedicado fecha a cara.

— Ryomen. Agora.

O moleque imita, mas sai batendo o pé em direção ao corredor.

— A mamãe tem razão quando reclama de você.

E some.

Ainda fico uns segundos ali, parado, repassando na mente a cena que acabara de acontecer: um nanico carente de atenção paterna reclamar na frente do pai o quanto ele exerce esse cargo de uma maneira péssima, e ainda por cima deixar claro que a própria mãe acha o mesmo. É ou não é a família perfeita?

— Sinto você me julgando.

Viro para o lado, encarando Satoru remexendo na arte de varal dos meninos da primeira série. Ele parece impaciente.

— Não estou falando nada.

— Mas vejo o julgamento em seus olhos. — Um sorriso azedo brota nos lábios dele. — Posso ver você observando os buracos da família perfeita que eu criei. Quer dizer, não tão perfeita assim, porque um pirralho do primário não consegue ficar com a boca fechada. Que engraçado.

Engulo em seco para pensar no que falar. Parece que entramos num território proibido mesmo sem eu querer.

— Ryomen é uma criança, você não devia ficar jogando as próprias merdas nas costas dele.

— Meu filho não é burro. Ele já observa as coisas e sabe do que pode falar ou não na rua.

— Você é um péssimo pai.

Ele sorri.

— Minha esposa me diz isso todos os dias. Principalmente quando estou deitado com você... Geto. — Seus olhos agressivos me fuzilam sobre os óculos escuros. Ele desce a haste dele só para me encarar. — A culpa não é só minha.

— E é minha? — Eu me exaltei. — Não vem com esse papo de merda se vitimizando como se a escolha de destruir os próprios relacionamentos fosse minha. Essa não é a primeira vez, Satoru, e com essas suas atitudes lixo, também não será a última.

— Mas você colaborou — ele pressionou.

— É, eu fui conivente, sei disso e me julgo todos os dias. A todo maldito instante quando me olho no espelho e levanto para vir a essa droga de emprego. Encaro seus filhos dez horas por dia, seis vezes na semana, lidando com o fato de que sou eu, o outro lado culpado na história que derrubou a porra do casamento dos pais deles.

— Humpf. — Satoru se senta nas cadeiras de plástico, abrindo bem as pernas para se ajeitar. — Minha relação com Utahime já estava fadada desde o momento em que ela me obrigou a ficarmos juntos. Uma traição não seria o que a acabaria de vez.

Deixo escapar uma risada seca, incrédulo com aquilo tudo.

— Você é um babaca. — Nego a cabeça com força. — Essa... relação é oriunda de uma traição, você não pode ficar pulando de galho em galho feito um macaco. Já esqueceu o que fez com o seu ex?

Para — ele me pede sussurrante como se estivesse sentindo dor diante à menção de seu ex-marido. Marido. — Eu amava aquele homem.

— E agora você tem dois filhos — resmungo.

— Não é preciso amor pra fazer uma criança. Só um pau e uma vagina. Pronto, penetração. Utahime queria um filho, eu dei dois a ela.

— Você tá me saindo como se fosse um também.

— Geto, quando você for pai e tiver um relacionamento, desses fixos mesmo, talvez irá entender. — Satoru balança a cabeça para mim, cruzando uma perna sobre a outra e me lançando um olhar tão cru que me fez sentir a menor das pessoas.

Uma veia salta em meu pescoço.

— O que você quer dizer com isso?

— Como, o quê? Um relação de verdade, Geto. Ora, vamos. — Ele soa prepotente. — Casamento, um namoro sério, algo que não fique só nos encontros de motéis às escondidas. Algo que se possa assumir publicamente.

Publicamente.

Mordo o lábio até quase sangrar.

*

— Se ficarmos juntos de verdade — diz Satoru, deitado nu ao meu lado em um motel cinco estrelas que ele mesmo pagou —, não poderemos falar para ninguém. Você entende, não é? Isso impõe riscos. Minha carreira, por exemplo. O meu casamento. Ainda mais agora que ela está grávida

Claro, a namorada (é namorada?) escultural e muito mais bem resolvida que eu, que divide formalmente a mesma cama e lençóis com ele todos os dias em casa. Que dorme e acorda ao seu lado, que faz o café da manhã, beija aquela boca nas ruas e segura sua mão nas esquinas para os paparazzis fotografarem. Aquela que vai gerar uma criança na barriga por longos nove meses que será a cara dele, que o chamará de pai e será a família que ele tanto sonhou.

Ou será idealizou?

— Satoru — sussurro, encostando a cabeça na cabeceira acolchoada.

— Hum? — Seus enormes olhos azuis se viram para mim. Intensos.

— Você a ama?

Ele sorri.

— Amar é uma palavra muito forte, mas já amei alguém de verdade, tipo, por muito tempo. Ele foi meu único amor. Casamos, até. Em uma ilha no Caribe, cheia de flores. Ele era louco por mim e eu... acreditava ser por ele também. Tipo, nos amávamos, éramos um bom casal. Não tinha brigas nem nada. Mas as coisas foram desandando.

Seus dedos acariciaram minhas pernas cobertas pelo lençol de seda, subindo para o quadril até encontrar meu pau amolecido sobre o tecido. Havíamos acabado de passar por várias sessões violentas de sexo, como todas as vezes que nos encontrávamos. Eu ainda não estava recuperado, mas pelo visto, ele sim, inesgotável.

Abaixei os olhos.

— Desandando? — perguntei, pra disfarçar.

— É. Acho que a sintonia não era a mesma. Os casais têm isso depois de um tempo significativo no relacionamento. Um hora esfria.

Ou era você que queria congelar? Era você quem queria permanecer quente, ativo e feliz enquanto o outro afundava em uma melancolia vazia?

— Aí eu conheci a Utahime. — Ele parece feliz quando fala dela, os olhos brilham, e eu pergunto se não era só desejo sexual disfarçado de admiração.

Não estaríamos aqui se não fosse o caso.

— Ela era a secretária substituta no meu escritório, me seduziu no momento em que apareceu na minha frente. Eu sempre fui esclarecido quanto a minha bissexualidade e ela pareceu não se importar, o mesmo que aconteceu com o meu ex. Quando percebi, havíamos dormido juntos e não tinha como voltar atrás. O casamento acabou quando pedi o divórcio. Acho que ele nunca conseguiu superar.

Eu fecho os punhos ao lado do corpo, cansado e pasmo demais para reagir a qualquer meia palavra que tenha dito. Tremo da cabeça aos pés. Como ele pode fazer isso? Como pode dizer com tanta naturalidade? Como se fosse normal de seu dia a dia? Compartilhando vidas diferentes e se doando por metade quando alguém que é louco por ele e se dá por completo.

É chocante demais para absorver.

— O que nós temos aqui? — reúno coragem suficiente para perguntar. Ele tem uma mulher, uma família, uma casa feliz e um novo futuro pela frente. Certamente encontraria uma diversão nisso tudo.

— Como assim “o que nós temos aqui”? — ele se virou para mim, debruçando o peito glorioso sobre a cama gigante. Os fios brancos e brilhosos de seu cabelo caíram como plumas sobre os olhos, ilustrando aquele rosto de um milhão de dólares que vivia estampados pelas capas das revistas e outdoors pelo mundo todo. — Por que a gente vem pra um motel? É isso que você quer saber? Por que viemos pra cá?

— Isso. O porquê.

Ele sorri para mim.

— Quando duas pessoas querem prazer, o que elas fazem, garoto? Elas trepam. É o que a gente faz. Por doze horas, desde a que você sai do trabalho, até quando eu chego em casa. Preciso explicar isso?

— Não. — Acabo deixando uma risada seca escapar. Seus dedos hábeis massageiam a minha cintura. — Foi bobo, desculpa.

Satoru dá um beijo no lugar em que me aperta.

— Eu sei o que você quer dizer. Quer saber se isso significa algo para mim.

Prendo o ar. Está tão na cara assim?

— Ficamos um bocado aqui, correndo risco de tudo. Eu, principalmente, então é claro que significa. Não pense bobagens. Gosto de você. Mesmo.

— Então por que não fica comigo? Por que não larga essa ideia absurda de só estar junto daquela mulher porque você acha o certo? Ela queria você. Queria te tirar daquele relacionamento tão feliz e conseguiu. Satoru, por favor. Agora vocês vão ter um filho. Um filho, Satoru. Você nem gosta de crianças! — Eu bato a mão no colchão, exaltado.

— Para. — Ele se levantou. — Para, Geto, porra!

Ele me encara, puto e com as veias saltadas do pescoço, irritado enquanto eu acusava sua nova mulher de estar sendo egoísta e usurpadora.

— Ela não é assim. Já perdi as contas de quantas vezes você já voltou pra esse assunto. Não vou deixar fazer isso de novo.

Seu peito se expandiu profundamente enquanto ele inspirava e expirava para se recompor.

— Olha, nós já tratamos sobre isso e eu não posso mudar quem eu sou, infelizmente, e nem vou arrumar desculpas para o óbvio. Sou infiel, pronto, é isso que queria ouvir? Eu odeio isso, odeio, mas já é tarde demais para concertar essas falhas. A única coisa que posso fazer é continuar tentando reparar o erro.

— E fazendo o quê? — Não controlo o meu veneno. — Jurando promessas vazia a ela? Todos os dias? Estimulando sempre que vai ser um péssimo pai? Porque você vai.

— Não vou. — Ele parecia estar lutando consigo mesmo. — Não vou. Vou ser um pai dedicado e um ótimo companheiro também. Utahime não vai se arrepender.

*

— E eu, Satoru? Onde que entro nessa história?

— Hã? — O homem à minha frente pisca, confuso demais para uma pergunta tão repentina depois de uma eternidade de silencia. — Como assim?

— Eu nunca fiz parte da sua vida, não é? Sempre fui um passatempo, uma diversão que você descontava o estresse fora de casa para não estragar o casamento. Só doze horas de relógio.

Minha acusação o faz abaixar a cabeça e soltar um suspiro longo, culpado. — Sinto muito. Ambos estamos errados aqui e eu não posso fingir que não, por mais que quisesse.

— Você não é um pai dedicado — acuso.

Ele fecha os olhos com força.

— Eu sei.

— Não é um ótimo companheiro.

— Eu sei.

— E Utahime se arrepende todos os dias.

— Para, Geto! — Satoru avança contra o balcão. Seus lindos olhos azuis que tanto fui e sou apaixonado, perturbados com um sentimento que acredito ser culpa, me perfurando como duas navalhas. — Eu sei disso. Todo maldito dia. Não vai adiantar nada jogar na cara. Você e eu não vamos ganhar nada com isso.

— A culpa dói, não é? Não me admira nada você viver com essa sua cara de cachorro morto sem ter onde ser enterrado — cuspo a verdade na cara dele. — Eu perdi todo meu tempo com você. Cada minuto. Cada maldito segundo. Na porra daquele quarto de sempre, com aqueles mesmos lençóis, com a mesma música tocando no fundo. Eu me doei mesmo estando errado. Eu dediquei meu amor e abri meu coração naquela doze horas inteiras. Guardei toda a minha vergonha e enfiei goela abaixo quando nos encontrávamos naquele posto e sentia que você já havia a encontrado em casa.

O rosto dele retorce de dor.

Me forço a continuar.

— Eu...

— Pai! — O corpinho pequenino do outro pequeno pula nas pernas de Satoru com um amor infinito. O sorriso de Yuji vai de orelha a orelha quando abraça o pai. Ryomen vem atrás, emburrado, carregando as duas mochilas de rodinhas.

Suspiro, engolindo em seco para prender o choro e enxugando as poucas lágrimas compulsivas antes que eles vejam. Aquele sonoro pai só serviu para que eu aprendesse que o único que não devia estar ali, era eu.

Era uma... família. Já dava para saber quem era o intruso.

— Oi, tio. — Yuji cumprimenta.

Obrigo minha boca a sorrir.

— Oi, querido.

Satoru mal olha para eles. Na verdade, não olha nem para mim. Não olha para lugar algum. Parece estar fugindo de nós.

— Meninos, vão para o carro. Já estou indo lá.

— Mas o senhor di...

— Vem, Yuji. O papai precisa conversar. — Ryomen agarra a mão do irmão e o arrasta saleta fora, disparando pela porta de vidro não sem antes apanhar os casacos que Satoru os trouxe. Vestiu Yuji do lado de fora e caminhou para o carro, sumindo por trás da neve do lado de fora.

Encaro o chão abaixo da minha bancada.

— Seu filho é muito esperto para a idade dele — murmuro.

Ele concorda.

— Ryomen já sabe de muitas coisas. Ele me poupa de criar desculpas. — Seu suspiro ecoa pelo saguão. — O que você queria me dizer?

Resfolego.

— Não tem necessidade.

— Não importa. — Seus olhos estão opacos. — Só diz.

Respiro fundo para falar.

— Não podemos nos encontrar mais — confesso. — Pro meu bem e pro da sua família. Sei que você não gosta de mim do jeito que eu criei em minha cabeça, então por isso prefiro encarar a realidade de uma vez. — Bato os pés várias vezes no chão, ansioso. — Por mais que eu me declarasse em todo encontro, o nome salvo no meu contato diz que não era bem assim como eu esperava. Você só me usava. Afinal, quando duas pessoas estão com prazer, é isso que elas fazem: trepam. Depois daquelas doze horas você sumia e só aparecia no dia seguinte com a mesma cara lavada para o mesmo compromisso.

— Eu sinto muito — ele sussurra para mim.

É...

Eu sorrio, olhando para o lado de fora, pensando no quão eu estava desmoronando por dentro igual a neve que caía à milhões do céu. Todas as vezes eu chovia e por um alguém que constantemente trovejava e me machucava com seus raios, mas que amanhecia radiante, brilhoso como um sol para outro alguém.

Será se sente mesmo, Satoru?

— Mesmo não parecendo — respondi —, eu imagino que sim.

Mas aposto que não por mim.

1 de Julho de 2022 às 22:23 0 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

Gael Mikhailov Olá! Sou Gael Caim, escritor de 19 anos em aperfeiçoamento e atuo em vários sites. Extrovertido e tagarela, mas de vez em quando escondido como uma tartaruga dentro do casco. Atualmente trabalho com obras baseadas em animes e filmes, geralmente postadas como fanfics, mas adoro romance new adult, livros com temática de fantasia, ação, drama e slice of life. Também gosto de histórias com cenário familiar que aquecem o coração!

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