Harry não precisou de mais do que alguns segundos para decidir o que fazer. A impulsividade que não era novidade para ninguém, piorava em situações especificas. Como aquela.
Ignorou os próprios ferimentos, já teve piores é claro, e empurrou a maca para dentro do primeiro quarto vazio que encontrou. Pessoas gritavam ao seu redor, gritos de dor e ordem urgentes, medibruxos entravam e saiam do seu caminho com as roupas sujas de sangue, e alguns até mesmo feridos, mas ainda assim bem preparados com luvas de látex nas mãos e poções de cura em bandejas mal equilibradas. Não era o único Auror tentando ajudar, mas o número de vítimas não diminuía e a situação só parecia piorar. Precisava ser rápido.
Fechou a porta do quarto, selando-a no ato para impedir qualquer visitante e se virou para a pessoa inconsciente na maca.
Draco Malfoy estava bastante ferido e a varinha não estava tão firme nas mãos trêmulas de Harry que não poderia parar para se acalmar. Aproximou-se da maca tentando decidir o que fazer primeiro. Havia um corte superficial na cabeça, resultado da queda que causou o desmaio. Arranhões e escoriações no rosto, nas mãos e alguns mais fundos que rasgaram as mangas do jaleco e da blusa nos braços. O ferimento profundo no estomago era o que o preocupava e, é claro, as possíveis consequências do cruciatus.
Deixou a varinha na mesinha ao lado e ergueu as mãos sobre o corpo, murmurando os feitiços de cura que conhecia. Em seguida vasculhou na bolsa que trazia consigo a procura de qualquer poção que pudesse conter a hemorragia no abdômen e aproveitou a oportunidade para fazer com que Draco bebesse uma poção que pudesse diminuir as dores no corpo e outra para sono sem sonhos.
Um ataque ao St. Mungus era o que o Ministério da Magia menos esperava no momento. Foi sorte, e graças aos reflexos rápidos de um Auror que estava ali apenas por um exame, que a ajuda chegou logo depois da primeira bomba. O grupo de Comensais se espalhou pelo hospital lançando feitiços em todos que viam pelo caminho, torturando os vulneráveis e desmaiando possíveis combatentes. Sem perceber Harry acabou lado a lado com Malfoy protegendo o acesso à sala de internação infantil, bloqueando feitiços e algumas vezes conjurando um campo de proteção ao redor de Malfoy que se distraia com uma ou outra criança que queria sair correndo. Quase dez Comensais tentavam cercá-los, especialmente raivosos contra o sonserino que era visto como traidor e contra o menino-que-sobreviveu responsável pela derrota de Voldemort.
Foi sua culpa. Quando restavam apenas três Comensais de pé, Harry abaixou a guarda e, enquanto tentava garantir que a porta da sala não fosse mais aberta, Malfoy foi lançado contra a parede. Não foi forte, mas logo em seguida veio a maldição e Harry se esforçava para não matar os outros dois ao ouvir os gritos que o loiro não conseguia conter por causa das feridas anteriores.
Quando finalmente conseguiu se livrar dos atacantes, Malfoy já estava inconsciente.
― Malfoy ― chamou quando o viu piscar os olhos com dificuldade ― Tente ficar acordado, okay?
Malfoy soltou resmungos incoerentes e Harry se apressou. Respirou fundo, sabendo que precisava de calma e concentração e, quando se sentiu pronto, pressionou o ferimento com uma mão e colocou a outro sobre o peito dele. Sentiu a magia vibrar sob sua pele e um formigamento na ponta de seus dedos. Sabia que não deveria estar curando daquela forma, sua magia veela estava instável e podia ser rejeitada ou drenada, e que estar tão perto do seu possível companheiro poderia lhe trazer problemas depois, mas não podia simplesmente não fazer nada.
Que Snape reclamasse depois.
― Potter ― Malfoy engasgou e Harry entrou em desespero ao vê-lo cuspir sangue ― O que... onde-
― As crianças estão bem ― Harry respondeu ao entender a preocupação e fitou os olhos confusos do outro ― Você foi atacado e estamos sem insumos. Preciso que fique quieto, poupe energia.
Malfoy assentiu com a cabeça e Harry voltou a agir com mais rapidez.
― Preciso de mais magia ― murmurou enquanto colocava essência de murtisco nos ferimentos, então fez com que ele tomasse quase toda a poção repositora de sangue.
Depois disso voltou a apertar o ferimento no abdômen, dessa vez com as duas mãos. A magia fluiu mais uma vez e seu corpo tremeu.
Malfoy finalmente arfou e pareceu ganhar mais consciência. Os olhos cinzentos estavam inquietos, indo de um lado para o outro como se estivesse procurando algo. Então ele respirou fundo e fez uma careta de dor.
― Potter ― resmungou com a voz rouca ― Não sei o que tá fazendo... mas precisa parar.
Harry franziu o cenho sem entender.
― Você tá pálido ― Malfoy completou para esclarecer.
― Tô bem e você ainda precisa de um pouco mais, o ferimento ainda não começou a cicatrizar e ainda tá sangrando.
― Eu sou o medibruxo aqui.
― E eu sou o único que consegue ficar de pé.
Malfoy revirou os olhos e contraiu os lábios, com certeza o achando idiota.
― Não por muito tempo se continuar assim.
― Preocupado, Malfoy? ― Harry rebateu com implicância.
― Vai sonhando, Potter. Mas se você morrer por perto, com certeza serei o culpado.
― Faço uma carta ou um patrono antes só pra te livrar desse triste fim.
Sorrindo, Harry se afastou e limpou as mãos ensanguentadas em um dos lençóis. Pegou a varinha, mas não ousou pronunciar nenhum feitiço a mais e optou por guardar os vidrinhos das poções da maneira tradicional. Sentia que seu corpo estava um pouco leve e sem firmeza, por isso se escorou na parede e deixou seu corpo deslizar até o chão. Aparentemente o quarto realmente não era utilizado e não tinha nada além da maca.
― Você tá bem?
Harry não respondeu, suas reações ainda estavam lentas. Porém todo o seu corpo automaticamente se levantou quando viu que Malfoy estava tentando levantar da maca.
― Ficou maluco?! Precisa ficar deitado!
― Não me respondeu, Potter. Entendi como uma negação e eu sou medibruxo. É meu deve salvar os outros.
― Parece um louco falando assim ― Harry disse revirando os olhos e segurando os ombros para força-lo a voltar a deitar.
O loiro não se mexeu.
― Usou muita magia... ― começou a enunciar enquanto o analisava com os olhos, esquadrinhando seu corpo ― Com certeza. Magia demais, sem varinha? Você é o louco aqui, cicatriz. Tá mais pálido que os fantasmas de Hogwarts e por Merlin, Potter! Isso é sangue?
E sem esperar por resposta ele abriu o casaco do Auror e arregalou os olhos para o corte profundo no ombro alheio.
― Ainda tem alguma poção de cura?
― Não, usei o que tinha em você ― Harry respondeu enquanto se afastava de novo, sempre tinha que manter distância entre os dois ― Pare de pensar nisso, só preciso de tempo. Logo minha magia veela vai se restaurar e cuidar de tudo aos poucos.
Malfoy arregalou ainda mais os olhos, em choque.
― Você é meio-veela também?
― Sim, recebi minha herança tardiamente, mais exatamente no ano passado. E você?
― No inicio do sétimo ano. Já estávamos preparados, é claro, então passei o ano tomando poções supressoras e tentando aprender a... controlar... isso... espera, como sabe sobre mim?
Harry abriu um sorriso envergonhado antes de responder.
― Severo. Ele deixou escapar em um de meus momentos de humilhação. As palavras dele foram “Pare de ser tão estupido, Potter. Draco conseguiu controlar isso na primeira aula e você continua travado como um maldito gigante velho” e então me ameaçou dizendo que se eu contasse pra alguém o meu lado veela seria o menor dos meus problemas.
Malfoy abalançou a cabeça e sorriu de forma contida.
― Parece tão estranho pra você quanto pra mim?
― Não ― Harry respondeu com um sorriso convencido ― É pior.
― Como? ― o loiro ergueu os olhos para fita-lo.
― Como sempre, o destino nos testando ― Harry respondeu antes de apontar para ele e anunciar ― Dominante ― então apontou para si ― Submisso...
― Não... mesmo?
Harry concordou e voltou a escorregar até sentar no chão, esperando por alguma brincadeira ou risada.
― O quê? Sem nenhuma provocação?
― Não sei você, mas eu cresci ― Malfoy respondeu jogando as pernas para fora da maca e finalmente sentando na borda ― Além disso, sei o quanto é delicada a situação de um submisso, principalmente sem uma ligação.
― Se tivessem me explicado sobre tudo isso antes, eu já estaria bem mais feliz.
― Ninguém explicou nada quando era criança?
Harry riu sem humor e respondeu com desânimo:
― Quando criança eu nem sabia que magia existia, muito menos isso de veela. E mesmo se soubesse, é obvio que meus tios me impediriam de fazer qualquer coisa.
― Hum... sempre tem a Sabe-tudo pra você perguntar.
Harry deu de ombros e desviou o olhar para o chão. Estava sem falar com os amigos há quase um ano, consequência de sua natureza veela de certa forma. Não havia mais raiva entre eles, pelo menos era o que achava, havia apenas um clima denso que não conseguiam superar. Os olhares sempre eram constrangidos e furtivos, as conversas nunca fluíam sem outra pessoa instigando a comunicação e a formalidade reinava quando se encontravam.
― O quê? Não me diga que te abandonaram.
Esperou ver deboche, mas só encontrou confusão ao olhar para Malfoy. Era um questionamento genuíno.
― Não percebi quando meu charme veela começou a funcionar e acabei afetando Ronald em um momento não muito oportuno ― confessou um pouco constrangido e com um peso no peito ― Foi a primeira vez e é claro que veio mais forte por causa do atraso. Ele tentou... você sabe, ela nos pegou enquanto eu tentava tirar ele de cima de mim.
― E ela te culpa?! ― Malfoy se indignou ― Que coisa mais absurda, Potter. Você não tinha nem como saber se controlar, o Weasley que deveria-
― Hey... fica calmo, ainda tá se recuperando. Todo mundo perdeu o controle naquele dia. Ronald nem deve conhecer o significado dessa palavra, pra começar, e Hermione estava grávida e falou coisas que... não falaria em outro momento. De qualquer forma, passou, a gente só não sabe como voltar ao normal, eu acho.
E era verdade. Ninguém o culpava mais e ele não tinha mais nenhum temor quando encontrava Rony de forma inesperada, só havia constrangimento. Mas Malfoy ainda tinha um vinco entre as sobrancelhas, irritação faiscando em seus olhos.
― Então não passou, Potter ― argumentou contido ― Eles tinham que pedir perdão de joelhos, no mínimo, e o imbecil do Weasley deveria procurar ajuda ou levar alguns socos pra aprender a agir com decência. O que foi?
Harry estava rindo, incapaz de se conter diante de um Malfoy tão expressivo e inesperadamente preocupado. Nem todo mundo amadurecia, estava feliz em saber que eles não eram um exemplo disso.
― É estranho, sabe, conversar com você assim depois de tantos anos de implicância. Acabei de contar um momento constrangedor sem pensar duas vezes.
― Constrangedor? Hunf, tá mais pra trauma. E não se preocupa, não vou contar pra ninguém.
― Não é uma preocupação.
Levantou-se, com mais dificuldade dessa vez, e voltou a se aproximar do medibruxo, analisando-o com cuidado.
― Já começou a cicatrizar, bom. O nível de magia tá melhor, mas você ainda não tá pronto pra ir salvando vidas ou andar mais que o estrito necessário, sem efeitos visíveis do cruciatus, mesmo assim você pode ter reações tardias. Alguém pode vir te buscar?
― Moro sozinho, Potter ― Malfoy respondeu repentinamente inexpressivo.
Harry engoliu em seco, seu coração batendo mais rápido quando finalmente teve que olhá-lo nos olhos. Ficou um pouco mais difícil respirar. Provavelmente nunca saberia se aquele era o efeito natural do sonserino em seu corpo ou se era seu maldito veela que insistia em deseja-lo, mas seus olhos o procuravam sempre que visitava St. Mungus – mais vezes do que gostaria, seus dedos formigavam para tocá-lo e, antes que pudesse evitar, se aproximava mesmo sem quaisquer planos de conseguir algo a mais.
De novo, antes que pudesse evitar, tocou o pulso dele. Com uma rapidez milagrosa conseguiu pensar em olhar os ferimentos mais leves como desculpa. Pigarreou e se afastou.
― Potter.
― Vou te levar em casa, okay? Uma aparatação acompanha é o melhor por enquanto ― Harry se adiantou com pressa, fugindo do momento.
Malfoy segurou seu pulso e o trouxe para perto novamente.
― Potter, seus olhos estão dourados.
Harry arfou e se soltou nervoso, rapidamente se afastando alguns passos.
― Droga, me desculpa. Isso acontece as vezes, deve ser por causa dos ferimentos.
― Certeza que é isso? Precisa de alguma coisa?
― Tô bem, juro. Vamos logo, você ainda precisa descansar, minha magia não vai te manter acordado por muito tempo.
Mentiu sem pensar duas vezes. Não precisava saber que era o seu veela idiota reagindo a presença dele. Porém, se tivesse usado um pouco mais daquela milagrosa rapidez mental de antes, teria concluído que era perda de tempo pensar em uma desculpa tão boba quando, obviamente, o herdeiro de uma das famílias mais antigas e tradicionais do mundo bruxo, que teve aulas particulares por toda a infância e sempre soube de sua natureza veela sabia mais sobre o assunto do que ele.
Harry também não percebeu, enquanto pegava a bolsa e se preparava para aparatar, que, por alguns segundos, seus olhos não eram os únicos dourados.
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