pablomedinaviana Pablo Medina

Sinopse:  A história relata a caminhada de um jovem céptico de 22 anos viciado em drogas com inúmeras  dúvidas a respeito de sua espiritualidade e dilemas  Moraes, e sua busca por um entendimento de seu  propósito  em um mundo deturpado e caótico.


#6 em Drama Impróprio para crianças menores de 13 anos.

#Ocanticodobaldo
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● CAPÍTULO 1- Um Dia Normal.

“No princípio criou Deus os céus e à terra.”

Ou no princípio uma explosão aleatória gerou tudo.


No que acreditar?


Ao menos é isto que é nos ensinados, e o que ensinamos aos nossos filhos, e eles no que lhe concerne ensinam aos seus. O mundo é moldado pelo que acreditamos, por exemplo, homens acreditando em paz, vivem em guerra consigo mesmo e com o próximo, homens que acreditam no amor, escrevem suas próprias tragédias românticas, lembram de Romeu e Julieta? Porém, todos os homens acreditam que as suas atitudes, escolhas e motivações, possuem um propósito, algo que justificará a sua breve vida, que garantirá a sua realização pessoal. Alguns acreditam que os seus propósitos, foram previamente determinados pelo destino, que nasceram para efetuar tal missão, em que muitos deles próprios não sabem qual é, há também os que recebem os seus propósitos da parte de Deus, um ser supremo que detém todo e total poder. O fato é que todo ser necessita de algo para fazer com sua vida, porque sem um significado, o que nos resta se não o vazio existencial de uma vida incompleta.





O dia parecia potencialmente bom para Dener Anthony, o céu claro com uma brisa agradável que entrava pela janela do quarto, os sons metropolitanos que se fundiam com o cantar dos pássaros, e o sibilar relaxante do vento suave nos ouvidos, era um dos poucos exemplos que ele tinha de como a harmonia entre natureza e homem poderia ser bela. Porém, ele sabia que esse pensamento era incrivelmente superficial e patético pois o homem era o pior inimigo da natureza e vice-versa. E que os sons que o agradavam tanto pela manhã, são gritos de socorro e clamores de guerra, lá fora, Dener sabia que o homem matava a natureza, e ela respondia de alguma forma não tão descarada quanto a humanidade.

Ele pensava muito sobre assuntos de relevâncias diminuídas pelo resto do mundo, tal como motivações fúteis, aquecimento global, fome, seca e essas coisas ignoradas até que batam a sua porta. Contudo, ele tão pouco se importava. Quando o assunto era fazer algo a respeito, sua mente pensava o seguinte:


"Se o mundo não está nem aí com tudo de errado, então não me devo importar, já que também faço parte do mundo. De qualquer forma vamos todos a merda juntos."



Ele nunca conseguia conter um sorriso quando esse pensamento o visitava, às vezes nem o próprio Dener sabia o que esse sorriso em particular significava.


7:15, ele olhou para sua cama que estava bastante convidativa a mais cinco minutos de sono. Entretanto, os deveres da vida adulta o fizeram descer as suas escadas que rangiam a cada degrau atormentado por seus pés, Dener morava sozinho, que fazia com que os más sutis dos sons emitidos por seus degraus rudimentares tornassem escandalosos.

O seu ritual matinal consistia num banho de dez minutos com a sua Seleção musical favorita tocando ao fundo, Dener possuía um gosto musical bastante eclético que variava de um excelente clássico, aos mais promíscuos gêneros musicais, em particular ele se sentia bem com o que a música o transmitia, era interessante para ele pensar o que as letras e principalmente o que os compositores sentiam e queriam que o público também sentisse com os seus versos.

Ao concluir os seus preparos para mais um dia de trabalho, trabalho esse qual Dener detestava por motivos diversos, o seu desgosto era manifestado sempre que ele colocava aquele uniforme cinzento da equipe de limpeza do Bastião Centro comercial, ele sonhava com o dia em que queimaria o cinzento uniforme até se tornar brasas no ar. A imagem do fogo consumindo por completo o maldito traje, trazia-lhe conforto. Outrora nunca soubesse quando esse dia chegaria, Dener desejava que uma hora, ou outra os seus dias como serviçal sem valor estavam contados, ele conhecia o seu potencial e sabia conseguir muito mais, e estava disposto a provar isso.

7:45. Ele acendeu o baseado de maconha previamente preparado no dia anterior, o aroma forte, e a fumaça que ele expelia de suas tragadas selvagens, formavam uma névoa entorpecente a sua volta que o permitia meditar em sua mente caótica e questionadora. A droga em seu corpo o provia sensações que modelizavam entre êxtase, confusão mental, prazer, completude seguida de um enorme vazio existencial. A maconha funcionava como algum portal dimensional para Dener, enquanto a onda e a marola o preenchia, ele podia acessar memórias e visitar o passado embora algumas vezes suas lembranças fossem despoticamente alteradas pela droga. Todavia, Dener gostava desses breves momentos em que ele se permitia viajar nas suas paranoias enquanto estava chapado, revisitando a sua infância, quando ele era apenas o pequeno Anthony, uma criança humilde outrora saudável do Rio de Janeiro. Nascido no dia 12 de maio de 1999, com três quilos e cem gramas, a sua mãe Moline, o batizou de Dener Anthony De Castro juntamente do seu pai Ricardo De castro. A mãe de Dener particularmente amava o significado, de ambos os nomes que o dera, em que ela escolherá com carinho. Ela dizia:

— "meu pequeno presente valioso, você crescerá e procurará a felicidade que merece, e a encontrará. E então vai entender o significado da vida."

Na sua infância nunca faltou afeto por parte da sua mãe que o tinha como a sua preciosidade mas valiosa, embora seu pai com o passar dos anos tornou-se conflituosamente ausente em sua vida, trabalhando longos períodos e dormindo sempre que estava em casa. Dener era infinitamente próximo da sua mãe, embora do seu pai as únicas palavras trocadas eram as bênçãos dadas e recebidas. Ele na sua pobre mente inocente de criança, não compreendia o motivo de tal desprezo que o acometia por parte de seu pai, e as coisas não melhoraram.

No seu aniversário de seis anos, a sua mãe o presenteou com a chegada de uma nova integrante na família, Angela De castro, embora o nascimento da sua irmã tenha resultado no falecimento de sua mãe por complicações, Dener de imediato criou um amor pela criança e um forte dever de proteção para com ela, mesmo com o luto e a dor de perder a sua progenitora muito cedo, Dener encontrava conforto em Angela, que para ele simbolizava o presente que a sua madre o deixou para cuidar. O seu pai Ricardo, por outro lado, se tornou leviano com a criação dos filhos, e um homem portador de uma moralidade depravada e corrompida de dar enjoo no garoto de sete anos, não levou muito tempo para Dener e Angela serem afetados pela displicência do pai, em que Dener gradativamente desenvolvia uma repulsa e ódio frívolo. Por inúmeras noites o seu pai o submetia a testemunhar cenas hediondas que cirandavam em torno de bebidas, drogas, e cenas de apetites sexuais excêntricos. Ele odiava o pai por inúmeros motivos, a vida de promiscuidade, a falta de amor e afeto, o fato dele com apenas sete anos já ter a responsabilidade do mundo nas costas, a desnutrição da sua irmã que chorava até desmaiar por conta da fome. Ele se perguntava se de fato o pai desejava a morte por inanição dos seus filhos.

Quatro anos infernais o acolheram, Dener não poderia ter sobrevivido, não teria como ele ter sobrevivido. Mas sobreviveu, e consigo a sua irmã Angela, a sua penitência ao lado de seu pai teve fim quando vizinhos denunciaram Ricardo por negligência, Dener lembra amargamente do olhar do seu pai quando levaram ele e a sua irmã de sua casa por agentes do conselho tutelar, as emoções captadas por Dener nesses breves segundos em que os seus olhos encontraram os de Ricardo ficaram marcadas na sua mente, e sempre que Dener se drogava às emoções eram revividas com o máximo de intensidade. O ódio, mas também o alívio de está se livrando de dois pesos mortos que Dener suspeitava que o seu pai jamais queria ter de carregar.

Dona Cecília, uma senhora de sessenta e um anos, foi quem acolheu os irmãos quando o seu pai fora preso, então eles poderam desfrutar de sossego e paz, algo que há anos não possuíam.


8:06.


— Desgraça! — Disse Dener olhando para o relógio empoeirado em cima da geladeira.

Ele estava atrasado. Sem demoras ele correu até o quarto ainda aéreo e tonto por conta da droga, tropeçando nos degraus e esbarrando em móveis. — Maldição! — Ele resmungou ao topar o dedo na quina da sua cômoda derrubando um copo de vidro que se estilhaçou no chão. Não havia tempo, ele apenas ignorou recolhendo-lhe a sua mochila e correndo novamente para saída.

De fato o dia estava sublime, o céu com um tom azulado vivido e rechonchudas nuvens aqui e ali espalhadas por ele. Embora fosse cedo, o sol já estava alto. A caminho do Trabalho Dener rememorou as lembranças que teve mas cedo, o que o fez criar coragem de ligar para Angela. Quando fez dezessete anos, Dener decidiu desbravar o mundo por conta própria, obviamente muitos fatores o motivara a tomar tal decisão. A verdade é que ele já possuía uma mente completamente madura devido às suas experiências, e o fato de ter se virado para manter sua irmã e a si mesmo vivos durante a infância, o regime debaixo do teto de Dona Cecília também o incomodava, por achar a mulher autoritária e exigente com alguns temas, e isso o fazia se sentir infinitamente ingrato, pois foi Dona Cecília que o salvou de uma vida solitária, e principalmente uma vida sem Angela ao seu lado, o corpo dele se arrepiava sempre que lembrava que essa possibilidade de uma vivência longe do único bem que sua mãe lhe deixara, poderia de fato ter acontecido se não fosse pela generosidade e benevolência de Dona Cecília. Dener arrumou um emprego determinado a morar sozinho num bairro bem afastado da sua antiga casa, para ele seria um recomeço, embora todos os fins de semana ele voltasse para a casa de Dona Cecília para visitá-la, e a sua irmã. De fato Dona Cecília e Dener possuíam discordâncias sólidas, mas a velha mulher verdadeiramente amava Dener e Angela, e ambos também a amavam


8:27



— alô?

A voz de Angela ao telefone criou uma aceleração no peito dele, ela insistiu mais algumas vezes, porém, ele não disse nada. Por esses breves segundos em que a sua irmã dizia "alô" no seu ouvido, Dener perdeu a capacidade de falar, junto com a capacidade de levar ar aos pulmões, somente quando Angela encerrou a ligação, todo o seu corpo recuperou as suas funções.

Droga. Dener pensou ao digitar o número novamente, mas sua coragem havia desaparecido.


8:42.

O seu ônibus estacionou na sua parada abruptamente, ao descer Dener pensou na possibilidade de comprar um carro por não suportar mais as conduções lotadas que tinha de encarar todo santo dia.


— Está atrasado o que houve com você?

— Perdi a hora Ester. — Dener disse a puxando pelo braço.


— Então... ligou para ela?— Perguntou Esther de forma curiosa.


— É claro que liguei, eu disse que iria ligar.— Ele respondeu sem muita convicção das suas palavras.


— Eu sabia que você não iria conseguir, que merda Dener, ela é sua irmã, a dois meses que você não dá notícias a ela, deixe de pensar só em você por um minuto.


As palavras de Ester o fez parar e refletir, será mesmo que ele era egoísta? De imediato ele soube que a resposta para essa pergunta era um sólido sim, faziam dois meses que Dener não entrava em contato com Angela e Dona Cecília, o trabalho certamente tinha a ver, pois, ele tinha exploratórios horários de treze horas diárias de domingo a domingo com apenas uma folga na semana. Mais desde que as drogas entraram em sua vida, ele tem se tornado surpreendentemente volúvel, consigo mesmo e as pessoas a quem ele ama, a culpa de está quase sempre drogado e encaminhando-se para um vício que potencialmente poderia destruir a sua vida o levando a morte, causavam-lhe um constrangimento tão sólido e torturante, que as suas visitas a sua família, reduziram-se a telefonemas rápidos, até a sua ausência total.


— Ah Ester, eu disse que ligaria e eu vou ligar, só estou esperando uma boa hora. — disse Dener incomodado com as palavras de Ester.

— Espero que quando ligar, seja do seu próprio celular e não de uma clínica de reabilitação. Acorda Dener.— disse Ester dando um tapinha na cabeça dele.


— Ester toma conta da sua vida Beleza?


— Escuta. Se quiser ser um drogado de merda, vai em frente, que seja. Mas não arrasta para o buraco quem se importa com você. — Encerra Ester o deixando sozinho em frente a grande e majestosa entrada do Bastião Centro comercial.


Ester era formosa, gentil, e incrivelmente simpática, embora as suas qualidades que a mas definam eram sua sinceridade ácida, e a falta de limites críticos, Dener odiava a autoridade que ela transparecia nas suas atitudes, porém, ele realmente gostava de Ester, e uma coisa que esses dois anos em que eles se conhecem mostraram a Dener, é que por trás de todas as palavras afiadas que eles lançavam um ao outro, é que ambos gostavam genuinamente um do outro. Enquanto a bela menina de arrebatadores olhos castanhos claros, e volumosos cabelos cacheados da mesma tonalidade de seus olhos, trançados nas suas costas, se afastava até sumir por completo na multidão no ‘centro comercial’, Dener saboreava o gosto amargo que a razão por trás das palavras de Ester causavam-lhe.


9:25.



O chão pegajoso e sujo de sorvete que um menino jogou no chão por birra, pois, a mãe recusou-se a dar algo que ele queria, irritou Dener. A sua vontade era de pegar a bola de sorvete de chocolate que derretia no piso pavimentado lentamente e passar na cara da mãe e do pivete malcriado. Porém, lá estava ele com a sua vassoura, panos e um carrinho com utensílios de limpeza, tendo de lembrar a si mesmo que precisava daquele emprego. O ambiente de trabalho de Dener, o Bastião Centro comercial, ficava localizado no centro do Rio de Janeiro, a amplitude do local era vasta, que tornava todo o trabalho ainda mais laborioso, a ponto de no fim do dia Dener ter febre de exaustão.


12:37.


No almoço, Dener reuniu toda a sua coragem e humildade, dispondo-se do seu orgulho, que naturalmente era uma das suas qualidades. O fato de saber e reconhecer os seus erros e não ter vergonha de assumi-los e corrigir o próprio. Então ele encaminhou-se ao jardim do centro comercial onde possuíam lindas roseiras podadas e cuidadas, as admirou enquanto aspirava as suas fragrâncias que para ele era bastante agradáveis e suave, mas que não chegavam nem perto do êxtase que a sua nuvem de maconha proporcionava-lhe. Dener avistou um botão em plena florescência, ele imaginou que poderia muito bem significar um recomeço, já que é isso que flores fazem, brotam morrem e recomeçam. Mirando a rosa no topo de um emaranhado de outras flores, ele facilmente partiu o talo recolhendo-lhe o botão róseo, com delicadeza e cuidado ele envolveu a jovem flor em um dos seus panos, porém, o mas limpo e branco deles, e dirigiu-se até a cafeteria Nespresso do outro lado do centro comercial, ao parar enfrente a loja, de primeiro momento ele apenas a observou trabalhar se perguntando se seria agora um bom momento para lhe abordar. Porém, essa dúvida não perdurou por muito tempo, ele foi até o balcão em que Ester anotava algo no seu bloco de notas.


— Desculpa. — Ele estendeu o talo e o botão da flor frente ao seu rosto de modo que ela conseguisse visualizar bem a flor


— O que está fazendo?— Questionou Ester. Porém, um sorriso lutava para não se formar no seu rosto.


— Reconhecendo que fui um otário hoje cedo.


— Foi mesmo. Mas eu não disse aquelas coisas para tentar te ofender, me importo com você Dener. Assim como a sua família. — Disse Ester pegando-lhe o talo da flor.


— Eu sei. Vou ligar amanhã eu te prometo isso.— Disse Dener buscando qualquer sinal de aprovação nos olhos de Ester, porém, só encontrou dúvidas.


— Que tal sairmos hoje? — Propôs ele.


— Hoje? Mais ainda é terça-feira.— Argumentou Ester.


— Não precisa ser algo agitado poderíamos apenas sair para comer algo o que acha?


Ester ponderou a pergunta por alguns segundos, então ela levou a flor ao nariz, e absorvendo o aroma ela disse.

— O meu expediente acaba as sete e meia. E só para constar, vai ser tudo na sua conta.— Disse ela dando uma piscadela e virando-se para o interior do Nespresso



14:49.

Era cedo, mais Dener já tinha de lidar com os sintomas da abstinência, embora tenha comido uma porção exageradamente grande de macarrão ao molho branco no almoço, o seu apetite parecia amplificado em uma ou até três vezes, ele também experimentava a irritabilidade, habituais de pessoas que lidam com os vícios, ele descontou a sua frustração no seu carrinho de limpeza o chutando inúmeras vezes. Ele chorava de puro ódio e de puro desejo em se drogar. Na sua mente tudo era novo. Não foi rápido, levou um ano e quatro meses até Dener se reconhecer como viciado, ele lembrava exatamente das suas primeiras tragadas, a euforia, prazer, a paz, e uma infinidade de outras sensações, extraordinariamente fantásticas para um rapaz de dezenove anos que se sentia capaz de conquistar o mundo se quisesse, foi inevitável, antes que se desse conta ele já tragava, aspirava, injetava de tudo no seu corpo. Maconha, cocaína, ‘ecstasy’, LSD, morfina, ópio. O seu falso moralismo impedia-lhe de começar uma empreitada na onda do craque, curiosamente Dener possuía o pensamento de que ser um lunático decrépito era humilhação demais até para ele, de alguma forma ele se sentia superior aos consumidores de tal veneno. Tomado pela insanidade ele rastejou até o seu carrinho de utensílios vasculhando cada um dos seus inúmeros compartimentos de produtos de limpeza, até que encontrou. Os seus olhos brilharam como se um diamante precioso o tivesse sido entregue naquele momento. Mas era apenas a ponta de um baseado que não deveria ter, mas que seis centímetros, mas era tudo que Dener precisava para aplacar o seu desejo por prejudicar ainda mais o seu corpo. Trancando a porta do depósito de produtos de limpeza, ele acendeu o seu miserável quase inexistente baseado, e deleitou-se com às duas únicas tragadas que conseguiu efetuar, ele sorriu em alívio como se uma dor insuportavelmente forte estivesse a ser diluída pela erva enrolada num pedaço sujo de seda, muitos tentam se livrar do vício e entendem o quão destrutivos eles podem ser, mas Dener não pensava assim, ele amava as drogas tanto quanto a si mesmo. E é aí que estava o perigo.



16:58

O badalar do enorme relógio de ponteiro na praça de alimentação do Bastião Centro comercial soava lentamente enquanto Dener passava pano no chão, ele mal terminava de concluir a limpeza de uma área, quando outra já estava amundiçada por lixos descartáveis, mas naquele momento em especial ele não se importava de ter que limpar cada canto do Centro comercial, Dener estava "alto" e passando o pano no chão com um sorriso vivido e iluminado no rosto. A sua simpatia com os clientes eram destacadas e elogiada, era como se as drogas despertassem a melhor versão de Dener, ele sentia que poderia ser alguém incrível enquanto a ilusão durasse.

— Dener? — Uma voz desagradável soou nos seus ouvidos. E Dener suspirou de frustração.

Ele virou-se apenas para encontrar Matias, que exceto pelos seus olhos verdes, o sujeito era completamente indecoroso com o seu corpo chupado e seco, canelas e pulsos cadavéricos, os seus dentes eram obscurecidos, e os seus olhos mesmo com a tonalidade atraente não possuíam luz, como se não houvessem vida neles.


— O que tá Fazendo aqui? — sussurrou Dener se contendo para não gritar com Matias.


— Não é esse tom de voz que usa quando quer ficar chapado. — disse Matias com tranquilidade.


— Está louco? aqui é o meu trabalho porra.— O seu punho apertado envolta do cabo da vassoura e a têmpora sobressaltada mostravam a tensão de Dener.


— Calma Dener… eu só vim comer algo e te vi, não pensei que seria um problema dar um olá ao meu melhor cliente. — A lábia serpentina de Matias o fez recuar.


— Matias aqui não por favor. — implorou Dener em sussurros entre os dentes.


— Dener? Realmente julga que eu quero te prejudicar?— Matias perguntou.

Dener não tinha uma resposta apropriada então optou pelo silêncio.

— Escuta. Só queria te passar a visão de que chegou um carregamento novo, como é um dos meus melhores clientes, e amigo é claro, tive que te dar a notícia em primeira mão. Como sabe estou a sua disposição. — A voz de Matias soou sem pretensão.


— tá! Legal qualquer coisa eu entro em contato com você.— disse Dener duramente.


— estarei aguardando, e para não dizer que de fato não vim com boas intenções.

Matias pegou um copo solitário com algo cremoso com aroma de morango pela metade e despejou o conteúdo aos pés de Dener, o líquido grosso ao colidir com o chão pré-esfregado por Dener espalhou-se em pequenos gotejos de creme de leite, sujando as botas e as calças de Dener no processo.


— agora tem mais trabalho para você… de nada. — disse Matias se virando e indo embora.

Em algum lugar da sua mente, Dener imaginou-se a dar diversos tiros na cabeça de Matias, mas ele conhecia a si mesmo e sabia que ele podia ser um drogado e um viciado egoísta, mas não era um assassino. E também ele conhecia Matias, quando saiu da casa de Dona Cecília na sua adolescência, Dener conheceu pessoas e uma delas foi Matias, ambos tinham inúmeras coisas em comum, o fato de crescerem sem pais e serem exemplos de sobreviventes nesse mundo onde mães boas morrem, e pais cruéis abusam dos seus filhos, Dener havia encontrado alguém que parecia entender o que ele sentia e que compartilhava de pensamentos similares, não levou muito tempo até ambos se admirarem como irmãos, e foi exatamente isso que se tornaram, irmãos. Ambos se apoiavam e aceitavam, porém, atritos imergiram entre os rapazes e dilemas, e moralidades foram postos em cheque. Após Matias receber uma proposta para se filiar ao tráfico local quando os garotos tinham 18 anos, Dener mesmo já sendo usuário de inúmeras substâncias não achou a proposta algo admirável e tentou resgatar um Matias já ludibriado com as falácias de quem, mas tarde seriam seus patrões. Porém, o resultado foi apenas o rompimento da amizade de ambos, suscetível a isso tempos depois Dener descobriu que o tráfico e principalmente os seus fornecedores estavam a comando da gerência de Matias que adotou o vulgo "perverso". Então fazendo de Dener de fato o que Matias dissera. O seu cliente.


— Filho da #¿$?%!¡. — pensou Dener enquanto se curvava para limpar a sujeira que Matias fez.



18:44.

Dener borrifou os últimos resquícios do seu perfume o espalhando de forma igualitária nos seus ombros e pescoço, ele olhou-se no espelho, e pensou o quão bonito estava. E de fato Dener se encaixava na categoria de jovens de vinte e dois anos bem-afeiçoados, o seu cabelo negro como carvão estavam uniformes e bem penteados, os seus olhos eram escuros, mas brilhantes, e mesmo com o consumo de tantas substâncias ele era de uma incrível boa aparência, com o seu corpo esguio, porém atlético, os seus sorrisos emitiam covinhas em ambos os lados das suas bochechas, ele queria possuir a pele morena como da sua mãe e a de Angela, mas foi a tonalidade Clara da pele do seu pai que predominou na sua genética. A sua barba estava rala e o seu bigode bem visível, o que o fez ter um pequeno vislumbre que causou desconforto nele, mesmo ele odiando, Dener era uma réplica do seu pai na juventude, ele tentava não pensar muito sobre isso, mas era um fato inalterado. Rapidamente com uma lâmina de barbear, ele livrou-se de cada mísero pelo facial até que a sensação de que o seu pai estava o encarando no seu reflexo desaparecesse por completo.


— Sim. Esse sou eu.— ele pensou ao lavar o rosto na pia.

O toalete dos funcionários estava vazio. Ele cogitou em arrumar algo para aliviar o ‘estresse’ e fazer o Dener extrovertido sair antes do seu encontro com Ester, mas desistiu rápido da ideia por nunca conseguir esconder dela quando estava chapado.


19:30.

Dener estava novamente no jardim a espera de Ester, ele não queria que ela o visse de mãos vazias, então do mesmo emaranhado de flores que ele roubará a rosa que entregou a Ester mais cedo, ele arranjou com flores multicoloridas e as enrolou com uma fita de tom alaranjado, ele tomou cuidado para cobrir delicadamente os espinhos, se perguntando a cada volta que ele efetuava em torno do talo do arranjo com a fita, se ela iria gostar ou achar bem desnecessário. Até porque eles não são namorados, ao menos Ester nunca deixou nenhuma centelha de que algum sentimento que não fosse o de amizade existisse entre eles. Essa dúvida o deixou intrigado, porém ele estava surpreso, como esse pensamento jamais lhe ocorreu? Será que Ester em algum momento lhe dera alguma dica de que a amizade dele não era seu único objetivo.

Ele resmungou um palavrão quando mordeu o seu próprio dedo enquanto devorava as unhas.


— Recomponha-se. — ele ordenou a si mesmo.

Ele levantou a cabeça ligeiramente quando percebeu a aproximação de alguém. E lá estava ela, simples com calças estilizadas, um tênis rasteiro preto, e uma camisa branca com revestimento cobrindo o busto, os seus cabelos estavam soltos e os seus cachos bailavam na brisa fresca daquela noite, os seus olhos esmeraldas brilhavam com intensidade com as luzes dos refletores noturnos do centro comercial, que estava lotado aquela noite.

Dener viu-se embasbacado com a beleza De Ester, obviamente eles já saíram juntos outras vezes, e ele já a viu tão linda quanto hoje, toda via o pensamento de mais cedo parece ter despertado algo dentro dele.

— Está atrasada. — brincou Dener relembrando o que ela disse para ele quando o dia começou.

Ester na sua fisionomia manifestou uma falsa raiva logo um sorriso indicando que ela se lembrava.

— Então estamos empatados?— perguntou ela.

— acredito que sim. — ele Respondeu com um sorriso.

Ambos começaram a caminhar lado a lado, ela envolveu o seu braço entornou os dele formando um elo de corrente. Andaram dessa forma até a saída do Centro comercial. Como o seu pagamento havia sido debitado há dois dias, ele prontificou a si mesmo a pagar por tudo, então chamou um táxi, e como um cavalheiro abriu a porta para ela entrar, ambos gargalharam com a cena.

Dener podia dizer ser verdadeiramente feliz ao lado de Ester, entre eles não havia tensão, ou qualquer desconforto, ou constrangimento, ambos conheciam os seus limites, porém, a sua liberdade um com o outro, era tão grande que eles se permitiam serem quem eles realmente eram.

Ester, por exemplo, era extremamente autêntica, altruísta, sensata e infinitamente irônica, porém com a maior capacidade de amar que Dener já pode testemunhar em alguém da sua idade, ele admirava-a por conta da gentileza e dedicação que ela tinha em tudo que se propõe a fazer.

Já ele próprio era o oposto, porém ela não ligava, pois Ester enxergava algo bem no interior de Dener, algo que ela sabia valer a pena.


20:31.


— É sério que ele lhe deu cem reais de gorjeta só por que elogiou o cabelo dele. — disse Dener dando risadas entre-cortadas.






— Para, era um corte de cabelo bastante exótico tá!— Esther ria radiante ao dizer.






— sabe Esther eu estava precisando mesmo disso, tá! Tudo tão difícil lá fora.






— eu sei Dener, imagino como as coisas estejam sendo para você, mas sabe eu acredito que vão melhorar. — disse ela com olhos repletos de ternura.






— vai às reuniões do N.A.?— ela perguntou.








Ele respondeu que sim, mas a verdade é que a meses ele não ia a uma reunião se quer. Esther sabia que ele mentia, mas o clima e o ambiente entre eles estava tão agradável que não seria ela a estragar.






— que bom. Estou orgulhosa de você, sei que vai conseguir a sua sobriedade de volta.






21:03.






O prato principal já havia sido servido e eles deliciaram-se, com costelas de carneiro assada e sopa de tomate italiano, partindo para a sobremesa ambos pediram bolo de chocolate com sorvete de baunilha flambado.






— Não, não é como se Jesus Cristo, ou o próprio Deus em pessoa se revelasse a mim, é como uma sensação. Algo sobrenatural e difícil de explicar, uma experiência única sabe? — disse Esther






Não ele não sabia, Dener em todos os seus vinte e dois anos sempre se sentiu tão próximo de Deus quanto o Brasil das Filipinas. Ele acreditava na existência desse ser que ele julgava indiferente com a sua dor e da sua irmã, não por fé ou religião, mas sim por que Deus foi seu principal alvo de culpa por conta de toda a infelicidade que o acometeu na sua vida.






— Na verdade, não, mas deve ser algo incrível. — disse ele tentando parecer fascinado com cada palavra de Esther.






— Acredita Nele?— perguntou Esther olhando nos olhos de Dener.






— Sinceramente? Acreditar talvez, ter fé definitivamente não.






A resposta de Dener pareceu a ter surpreendido mais os seus olhos fixaram-se nele com ainda mais intensidade.






— Ele acredita em você.— disse ela com a mesma ternura, porém transparentando uma certeza que o fez se perguntar se ela estava certa.






O resto da noite rodopiou em torno de conversas casuais e agradáveis entre os dois, ele colocou-a num táxi e despediu-se com um beijo na testa que era sua marca registrada para com ela, ela fez o mesmo gesto e foi-se.






A caminho de casa as perguntas de Esther a respeito de Deus, perduraram insistentemente nos seus pensamentos, ele perguntou-se como era possível ela amar e ter um relacionamento com alguém que ela não ver, não toca e não ouve, ele lembrou-se da palavra que tornava as afirmações dela possível. Fé, segundo Esther essa pequena palavra comportava a chave para acessar ao todo-poderoso e os seus insondáveis propósitos.






"Que se dane".






Ele balançou a cabeça expulsando todos os pensamentos em relação a Deus.






22:38.






Apenas quando chegou em casa Dener deu-se conta do quão exausto estava, o seu corpo clamava porá retornar para o leito, mas ele lançou-se no chuveiro quente. Enquanto o vapor o envolvia e água colidia com a sua pele, ele lembrava de cada sorriso que Esther lhe ofertou hoje, ele não sabia o que acontecia, talvez ele estivesse se apaixonando por ela, ou talvez a sua carência por alguém tenha chegado ao limite, pois Dener lembrava muito vagamente da última vez em que os seus lábios tocaram outro. Aleatoriamente a sua Seleção musical reproduziu "Preso Em Você" — Lionel Richie. E então ele dançou, Dener era um bom dançarino, ele enrolou-se na sua toalha e dançou pelo banheiro até a cozinha, na cozinha ele aspirou uma fileira de cocaína, que o fez se sentir insanamente vivo e ainda mais alegre, cantando 'Preso Em Você', alto, ele subiu as escadas performando alguma coreografia louca moldada por sua mente alucinada e eufórica, ele fumou um baseado e deixou outro preparado para o dia seguinte, ele subiu as escadas e andou até o seu quarto que estava exatamente como ele deixou pela manhã, ele pulou e cantou a usar o seu celular como microfone. Apenas a dor árdua e o sangue escorrendo na sola dos seus pés o fizeram parar, ele olhou para o chão e viu os cacos de vidro do copo que ele derrubou mais cedo, quando estava atrasado para o trabalho. Por não conseguir encostar o pé no chão ele lançou-se nu na cama, ainda entorpecido pelas drogas e o cansaço. Ele olhou novamente para o seu pé mirando os fragmentos de vidro ainda acoplado na sua pele, ele pensou no como a dor era infinitamente menor comparado a sensação do objetivo final. No caso dele era o êxtase de está drogado






Então ele ouviu como um Sussurro no seu ouvido a seguinte frase.






— pensei a mesma coisa quando morri na cruz por você.






Ele levantou assustado se perguntando de onde veio a voz e foi-se de fato, deitando novamente ele olhou para teto, respirou fundo e soltou todo o ar de uma só vez, e concluiu a supor que já passara dos limites nas drogas por um dia, por ouvir coisas. Concluindo ele disse.






— mais um dia normal.

19 de Maio de 2022 às 13:08 37 Denunciar Insira Seguir história
134
Leia o próximo capítulo ● CAPÍTULO 2- Dependências.

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Publique!
DA Denise Alcântara
Nossa! Quanto talento
November 28, 2023, 22:26
Sabrina Andrade Sabrina Andrade
Olá, sou a consultora Sabrina. E trabalho para uma plataforma de livros digitais. Gostei bastante da sua história. Se estiver interessada em saber mais. Entre em contato comigo através do WhatsApp: 92984759876
June 25, 2023, 20:53
CV Cristiane Vieira
Encontrei meu novo deleite literário.
September 05, 2022, 12:04
JO Jéssica Oliveira
Adorei!!!
September 02, 2022, 11:40
Pedro Lucas Pedro Lucas
Amei
July 31, 2022, 22:03
P Pabline
Arrasou irmão tá incrível
June 28, 2022, 21:18
SN Sandra Nosfero
Nota 7.4
June 22, 2022, 16:06
GS Greg Serafim
Show de bola!
June 14, 2022, 15:59
MS Marina Soares
Amei Ester !!!!!!!!
June 11, 2022, 01:42
MD Magno Dantas Bento
Quase uma hora de leitura pra algo genérico e sem enredo . Muito chato.
June 10, 2022, 16:07
ME Marcela EDITORA ROCCO
Intrigante e curioso , o detalhamento dos fato é a linha do tempo entre eventos e muito bem feita parabéns! , adorei o método de usar as horas para marca períodos.
June 09, 2022, 10:50
IC Isabel Cortez
Tem palavrão e drogas só falta sexo pra dar certo kkk, brincadeiras as parte muito interesse gostei parabéns pela escrita.
June 07, 2022, 15:28
CS Caio Senna
Já sou fã!
May 31, 2022, 17:19
Luis Felipe Luis Felipe
Boa escrita, gostei bastante.
May 25, 2022, 23:20
F Fabíola Matos
Que texto expressivo!, Ester é a própria sensatez em pessoa , estou apaixonada por ela .
May 25, 2022, 10:41
ED Elinelza Da Silva Monteiro
A falta de limitações no palavriado dos personagens talvez impessa que sua história seja verificada mas boa sorte goste muito desse capítulo.
May 23, 2022, 13:13
LL Luis LEITURA BR
O tema do capítulo com a sacada da última fala do protagonista foi bem legal.
May 23, 2022, 13:07
AS Ana Santana De Castro
28 minutos de leitura porém o único desenvolvimento interessante foi a voz que ele escutou no final. E o trecho não dura nem duas linhas, espero que seja melhor explicado no próximo capítulo.
May 23, 2022, 12:26
M Martha Munhoes
Já vi que vai ser aquela típica história clichê que amamos ler !
May 23, 2022, 12:16
FM Felipe Melo
O final deu até um arrepio kkk quando Jesus falou com ele (spoiler)
May 23, 2022, 10:52
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