vulgostelfs Stefany. Vulgo, Stelfs.

Madeleine se mudou para Abadia de Monte Verde disposta a esquecer e consertar o seu passado, buscando um futuro feliz morando com sua tia Agnes. Mas nem tudo é o que ela esperava. Ter seu segredo descoberto por uma das colegas de classe, colocou a estabilidade da garota em cheque. Junto à paixão que começou a nutrir por Lourenço, o vizinho do apartamento ao lado.


Ficção adolescente Impróprio para crianças menores de 13 anos.

#Escola #Romance #adolescentes #rivais #amizade #albinismo #teatro
0
1.2mil VISUALIZAÇÕES
Em progresso - Novo capítulo Todos os Domingos
tempo de leitura
AA Compartilhar

Tia e mudança


Toda mudança é uma descida na montanha russa, pensava Madeleine.

Causa estranheza, te desestabiliza e você nunca sabe como pode sair daquela aventura depois de tudo. Mas claro, no exato momento em que seu corpo desfruta dessa queda livre generalizada, seus pensamentos se anestesiam, seja pelo medo, ou pela adrenalina, e tudo que consegue pensar é no como essa descida é emocionante.

Assim concluía Mad, enquanto segurava a pilha de documentos que precisava entregar na secretaria da escola amanhã de manhã. Na nova escola, para ser mais exata.

A garota soltou o ar pela boca em um sopro, voltando a folhear todas as páginas que tinha em mãos, se certificando de que nenhuma documentação estivesse faltando. Entretanto, se viu obrigada a parar quando, em um limiar de segundo, o laudo médico apareceu à sua frente.

Encarou aquele exame, relendo, por, não sei qual milésima vez, suas letras. O diagnóstico era muito claro, não tinha como haver enganos. E mesmo que ela desejasse ardentemente que aquele veredicto cruel e vívido não passasse de uma peripécia do destino, seu próprio corpo não o desmentiria.

Logo tratou de virar a próxima página, tentando não mergulhar demais nas lembranças que tentavam atormentá-la. E, em uma tentativa, talvez furtiva e vã, ergueu a cabeça, vasculhando o quarto com os olhos. O antigo tom de bege que cobria as paredes desse pequeno recôndito, lhe dava náuseas. Junto, claro, ao cheiro forte da tinta azul celeste que tomou parte nelas.

Seu estômago se contorceu novamente, trazendo junto com ele, um enjoo que a obrigou a deixar a pilha de folhas que tinha em mãos sobre a cama para amparar os lábios com a mão, enquanto analisava se necessitaria correr até o banheiro ou não. Respirou fundo, erguendo a cabeça, como se o simples movimento fizesse voltar o que entalava sua garganta e fechou os olhos por alguns segundos, no extremo segundo em que ouviu passos atravessarem o beiral da porta:

— Mad? — Escutou quando a voz de Agnes alcançou sua audição e abriu os olhos, voltando o rosto na direção de sua tia, que caminhava até ela, um tanto apreensiva. — Está se sentindo mal? — A mulher, que aparentava seus trinta e poucos anos e dona de uma expressão geralmente alegre, tocou seu ombro com apreensão.

Mas ela negou com a cabeça, tendo coragem o suficiente para tirar os dedos dos lábios, inspirando profundamente, para expirar instantes depois, devagar, sentindo o mal estar se dissipar.

— Foi só um enjoo, tia. — Explicou, comprimindo os lábios um no outro e tentou se recompor.

— Deve ser o cheiro de tinta. — Comentou rapidamente, olhando ao redor delas, como se todas as paredes parecessem animais peçonhentos abomináveis.

A atitude da mais velha, fez Madeleine abrir um leve sorriso.

— Está tudo bem. — Comentou complacente. — Isso é mais que normal, não? — Fez uma pergunta estritamente retórica, erguendo os ombros junto com a fala, encarando a tia com um olhar conformista.

Agnes sorriu, apologética e deslizou os dedos de seus ombros para o pescoço, fazendo um pequeno carinho em seu rosto.

— Qualquer coisa que precisar, não tenha medo ou vergonha de me dizer, tudo bem? — Perguntou à sobrinha, recebendo um aceno como resposta. — Você sabe que eu amo você, não é? — Sentiu quando ela lhe beijou a fronte rapidamente, gerando um pequeno sorriso em seus lábios.

— Sim, eu sei. — E responder, ostentando o riso pequeno e praticamente morto que exibia em seus lábios. — Obrigada por me receber aqui. — Disse, praticamente emocionada, levando a tia à abraçá-la.

— Nunca te abandonaria em um momento como esse. — Simplesmente comentou, aconchegando a mais nova em seus braços, encostando o nariz no alto de seus cabelos castanhos.

— Mas meus pais foram capazes de fazer isso.

Agnes ouviu quando essas palavras saíram dos lábios da mais nova e o suspiro que deu sobre os fios da mais nova, foi quase instantâneo.

— Dê tempo a eles. — Foi apenas o que pode dizer.

Além de acolher, com toda força que possuía, o corpo da sobrinha, inerte e desamparado.

Mudança. Alteração ou modificação do estado normal de algo. Deslocamento. Movimento que nos tira a comodidade e o conformismo. Agnes bem compreendia dos sentimentos inquietantes que esse momento era capaz de criar. Havia saído de casa antes dos dezoito. Viveu na busca daquilo que lhe completava como profissão e havia se encontrado na Gastronomia, mesmo que seus pais não pudessem compreender sua escolha.

Mas, para Madeleine, não era assim. Não se tratava de escolhas ou decisões; nem pequenos “caprichos”, como algum dia disseram a ela. Sua sobrinha havia sido vítima, golpeada pelas mãos ardilosas do destino. E da má sorte.

Ouviu quando um suspiro quebrou aquele carinho que trocavam e quando sua sobrinha se afastou de seus braços, erguendo os olhos esverdeados, os mesmos que havia herdado de sua irmã Elisabeth, lhe oferecendo um segundo sorriso, agora, um tanto mais vívido, se não, pelo menos, mais corado pelos tons de alegria.

— Sabe, você está certa. — Assentiu, soltando um novo suspiro, menos pesaroso. — Não preciso me preocupar com isso agora. — Simplesmente disse, puxando o ar rápido, fechando os olhos por alguns segundos, voltando a abri-los depois.

— Isso me faz pensar… — Agnes retomou a conversa, em um tom teatralmente instigativo. — Que esse quarto ainda precisa terminar de ser arrumado. — Ela colocou as mãos na cintura, correndo os olhos pelas pilhas de caixas espalhadas pelo chão, os móveis tampados por diversos panos e lençóis e a pintura recém feita em suas paredes.

Mad não pode deixar de rir com a pose da mais velha.

— É... — Estendeu a vogal, deixando transparecer a diversão em suas palavras. — Acho que sim, não é? — Se colocou ao lado da tia para observar o ambiente desorganizado que existia.

Agnes concordou com um riso.

— E por onde começamos aqui?

— Talvez pelo papel de parede e as coisas da decoração que deixamos na recepção do prédio. — Madeleine comentou, torcendo a boca em uma expressão engraçada.

— Socorrinho! — A tia se espantou, desfazendo a própria pose que mantinha. — É verdade! Eu já tinha me esquecido! — Olhou para a sobrinha. — Eu vou lá buscar agora! — Já se colocava a andar pelo quarto, quando Mad foi atrás dela.

— Eu vou, pode deixar. — Alcançou Agnes, caminhando junto com ela pelo corredor, parando no primeiro degrau das escadas.

— Tem certeza? — A sobrinha fez que “sim” com a cabeça. — Vai conseguir carregar todas as sacolas? — Mais uma concordância com um balançar de cabeça. — Não vai te fazer mal, Mad?

— Não, está tudo certo. — Sorriu confiante, dando as costas à tia para descer as escadas. — As sacolas estão leves, eu dou conta.

— Qualquer coisa, interfone, viu? – Agnes viu quando Mad ergueu uma das mãos com um sinal de “joinha” e sorriu.

Era muita pretensão sua querer esquecer as circunstâncias, se as consequências continuavam a castigá-la com sua presença.

O elevador chegou, fazendo com que ela abrisse a porta de segurança e entrasse nele, apertando o botão do solo.

Mesmo assim, quanto menos considerasse toda a situação, como estava fazendo nas últimas semanas, melhor. Tinha decidido se mudar justamente para poder dar a si mesma uma nova oportunidade.

Se virou, se encontrando no reflexo do fundo espelhado. Seus olhos esverdeados pareciam mais escuros agora do que antes, revelando o cansaço da viagem, que o corpo já dava sinais há horas. Mas os lábios, pequenos e bem feitos, tinham um sorriso entre eles. Mexeu nos próprios fios castanhos aloirados nas pontas, colocando-os no lugar, ao perceber o quanto estavam desgrenhados. E viu o quanto suas bochechas, naturalmente destacáveis, estavam ainda mais salientes. Havia engordado.

Mas agora tudo isso havia ficado para trás.

E suspirou, sentindo o impacto da parada do elevador, se virando defronte à porta, esperando que ela se abrisse. E assim que fez, empurrou a de emergência, saindo no saguão de entrada, caminhando até o recepcionista do prédio, que a acompanhou com o olhar.

— Veio buscar suas sacolas, senhorita Madeleine? — Disse de maneira educada e ela assentiu, indo em direção ao amontoado ao lado do balcão, o incentivando a ajudá-la.

Ela começou a colocá-las no braço, à medida que ele as tirava do chão. E, por último, pegou o grande bastão com o papel de parede. Terminou de ajeitar todas as coisas nos braços e começou a andar pela recepção, levando o porteiro a correr e abrir a porta do elevador com cavalheirismo, lhe dando o acesso devido a ele.

— Obrigada. — Agradeceu com graça, entrando, quando uma voz entrou no cenário junto deles.

— Será que poderia segurar o elevador, por favor?

Ambos olharam para o saguão de entrada, encarando o dono da voz, que vinha correndo. O rapaz passou pelo porteiro, agradecendo pela gentileza, enquanto era seguido pelo olhar curioso de Madeleine.

Ela sabia que precisava ser discreta, mas era a primeira vez que via um albino pessoalmente e, por mais que tentasse desviar o olhar dele, não conseguia.

Os cabelos esbranquiçados, tão claros quanto sua pele, chamavam tanto a atenção quanto os olhos heterocromáticos. Sim, pois possuía um de coloração verde e o outro do tom de azul. Poderia ser uma peça rara de algum museu de Abadia de Monte Verde, ela pensou consigo mesma. Mas não. Era só um garoto. Bonito, ela precisou admitir para si mesma, mesmo que possuísse tantos adjetivos excêntricos e, aparentemente, irreconciliáveis. Porém, bonito.

Não uma beleza animalesca. Sim, aquele tipo de beleza que extrai de dentro de você o instinto da reprodução, o desejo nu e cru do sexo, aquele aroma que te leva instantaneamente para o acasalamento. Não, não foi assim que Madeleine o viu. Foi uma beleza sutil, como as belezas das cúpulas das capelas, dos quadros de artes, das esculturas de Michelangelo. Assim, ele o era.

O porteiro o viu passar pela porta e o cumprimentou com um aceno de cabeça, a soltando, e fazendo com que o elevador se fechasse automaticamente.

Os olhos dela saíram do rapaz ao seu lado, voltando a encarar a porta, sentindo sua respiração dar uma leve acelerada, quando percebeu que ele havia sentido sua curiosidade e que ambos estavam sozinhos dentro daquele espaço reduzido.

Apesar disso, ele se inclinou e apertou o botão do décimo andar, fazendo com que Madeleine se lembrasse de que, em toda essa inquietação com esse rapaz, não havia feito isso.

— Para qual andar? — Ela o escutou perguntar e virou o rosto na direção dele, encontrando-o olhando para ela com um sorriso discreto e cordial.

Ela ficou um tempo processando aquela pergunta, quando, finalmente, pareceu cair em si:

— Oh, sim. — Disse com um sorriso encabulado e divertido ao mesmo tempo. — Também estou indo para o décimo. — Contou, fazendo com que o outro também sorrisse. — Obrigada.

— Disponha. — Respondeu ao seu agradecimento, direcionando os olhos díspares para ela, junto ao sorriso gentil que estava em seu rosto desde que iniciaram essa conversa.

E ela sorriu em resposta, tentando ignorar a apreensão que sentia na boca de seu estômago e o desejo que possuía de sair correndo desse elevador. Agora que tentava colocar suas emoções no lugar, conseguia perceber que o sotaque do albino tinha um toque diferente. Se pudesse dar alguma opinião, se é que necessitava disso, era que ele vinha de algum interior.

Respirou fundo, erguendo a cabeça automaticamente e fechou os olhos, da maneira como sempre fazia quando se sentia incomodada e soltou o ar com calma, despertando a atenção do rapaz ao seu lado.

— Necessita de ajuda com suas sacolas? — Ela abriu os olhos, primeiro, encarando o rapaz ao seu lado, para depois encarar as sacolas que tinha em mãos, assimilando o enunciado do outro.

— Ah, não. — Respondeu, após um instante de reflexão, balançando a cabeça em negação. — Eu estou bem. — Tentou passar alguma veracidade, mesmo que sentisse seus braços fraquejarem à medida em que sustentava as alças daqueles pesos.

— Me parece sobrecarregada. — Ele pontuou.

— E-Eu estou bem. — Respondeu em um pequeno atropelo, sentindo que sua apreensão começava a se tornar aparente, tanto, ao ponto de vê-lo reparar em sua parcial agonia. Viu, de canto de olho, que se aproximavam do andar de ambos. — Bom, você mora aqui? — E resolveu iniciar um novo assunto, a fim de dissipar a aflição que esse momento parecia lhe causar.

— Sim. — O ouviu responder. — E você? Se não me engano, não lembro de te ver aqui antes. — Mad percebeu a maneira como ele ergueu uma das sobrancelhas, fazendo uma cara intrigada e pensativa, como se estivesse se esforçando para se recordar de algo.

E isso foi o suficiente para que ela achasse engraçado.

— Madeleine. — Se apresentou primeiro. — Me mudei antes de ontem, na verdade. — Disse, um tanto acanhada, apesar de começar a se sentir à vontade na conversa.

— Claro... claro. — Viu quando seus lábios se abriram em um sorriso acolhedor. — Seja bem-vinda. — Desejou, fazendo-a sorrir novamente em agradecimento. — Me chamo Lourenço.

— Lourenço…? — Ela fez um tanto pensativa. — Como naquele filme de Miller? — Comentou de uma maneira quase introspectiva.

— Tal qual o personagem. — Ele assentiu em um tom brando. — Confesso se tratar de uma das minhas histórias preferidas. — Comentou, lançando um olhar de relance para os botões do elevador, que sinalizava o andar de ambos.

— É? — Ela retrucou um tanto contrariada, gerando um sorriso nele.

— Seríssimo. — Respondeu, enfiando as mãos no jeans que usava.

— É uma história motivadora. — Explanou, encarando, agora, o teto do elevador, meditando sobre suas próprias palavras.

— Esta é a questão. — Ela o ouviu e desceu o rosto nesse instante, o encontrando caminhando na direção da porta, a olhando com um meio sorriso no rosto.

Houve um pequeno silêncio entre eles. À primeira vista, a quem o visse, pudesse pensar que se tratasse de assunto acabado e que não se desejasse ser retomado, entretanto, Madeleine pareceu sentir que não era isso. Era como se Lourenço a deixasse pensar sobre aquilo, lhe desse espaço para que pensasse sobre a pequena conversa que tiveram. Como se lhe concedesse a escolha de prosseguir ou não com ela. E lhe dava a chave para abrir ou trancar aquele pequeno momento entre eles.

Mas antes que ela pudesse tomar a sua decisão, o elevador abriu e ele empurrou a outra porta com o corpo, indicando a passagem para ela, a tirando daquele transe momentâneo em que parecia estar e se mover, alcançando o outro lado junto a ele.

— Obrigada. — Agradeceu, parada no hall, o vendo parar à sua frente.

— Por nada. — Ele lhe sorriu, amigável.

— Certo, — Ele tomou a dianteira naquele momento quase constrangedor de despedidas imediatas. — Acredito que vamos acabar nos esbarrando qualquer dia desses de novo, então, até mais, Madeleine. — Falou com um sorriso adorável, caminhando até o próprio apartamento.

— Ah, sim, claro. — Ela respondeu, sem perceber que abria um pequeno sorriso. — Nos vemos por aqui, então. — Comentou, parando na frente de sua porta, enquanto ainda olhava o albino por cima do ombro.

— Assim espero. — Ele a cumprimentou, abrindo sua porta com a chave tirada dos bolsos. — Boa tarde, Madeleine. — E entrou por ela, a encostando instantes depois, não sem antes lhe ofertar um sorriso como cumprimento.

— Boa tarde, — A garota o viu desaparecer por aquele beiral, o encarando com um rosto suspenso e aparentemente surpreso. — Lourenço.

Toda mudança era uma descida de montanha russa, pensava Madeleine. Mas isso não queria necessariamente dizer que quedas livres generalizadas são de tudo ruins.

E com esse pensamento em mente, entrou em casa.



16 de Janeiro de 2022 às 21:00 0 Denunciar Insira Seguir história
0
Leia o próximo capítulo Formulários e esquisitices

Comente algo

Publique!
Nenhum comentário ainda. Seja o primeiro a dizer alguma coisa!
~

Você está gostando da leitura?

Ei! Ainda faltam 3 capítulos restantes nesta história.
Para continuar lendo, por favor, faça login ou cadastre-se. É grátis!

Histórias relacionadas