Certa vez, eu estava saindo de uma galeria de lojas, que ficava em São Caetano, - tomando um delicioso sorvete de casquinha - de chocolate. Era o meu favorito naquele dia. -, quando um guarda da galeria me chamou:
- Ei! Você pode ajudar este “Ceguinho” chegar até à
rua Baraldi?
Sem ter certeza se era comigo, indaguei
surpresa:
- Quem? Eu? – óbvio que era comigo, pois só eu que
passava por ali naquele momento. –
Ah, sim... Claro. – respondi prontamente.
O “Ceguinho” agarrou em meu braço - justo o que eu
segurava o sorvete, no outro braço eu segurava a minha bolsa, que pesava encima
do meu relógio, marcando meu pulso. -, e saímos andando pela calçada. Ofereci o sorvete a ele:
- Não, obrigado. – respondeu ele, educadamente.
Reparei que ele tinha traços orientais e, que ele
aparentava ter uns cinquenta e poucos anos. Ele tinha os pretos entremeados com alguns fios brancos.
Fazia calor naquele dia, eu estava tão concentrada -com
medo que o sorvete derretesse e sujasse a minha blusa branca -, que nem vi o
coitado do “Ceguinho” trombando com os carros que estavam estacionados no
estacionamento - em frente de uma conhecida papelaria.
Quando percebi pedi desculpas.
- Me desculpe. – eu disse envergonhada. – Sou uma
péssima guia.
- Não, não. Você está indo muito bem. – aquiesceu,
gentilmente.
“Como esses orientais são educados”,
pensei.
Atravessamos a rua, e enquanto caminhávamos na outra
calçada, ele me contou que perdera a visão no início da sua adolescência.
Ele parou de andar de repente.
- É aqui que vou ficar. – ele soltou meu braço.
Só aí vi que estávamos em frente à uma relojoaria.
“Como ele sabe que é exatamente aqui”?,
indaguei-me curiosa. Ainda duvidando se ele era cego mesmo.
- Muito obrigado. – agradeceu ele, já se afastando.
- De nada. – respondi, agora sem fitá-lo. O sorvete
havia derretido e sujado a minha blusa.
- Droga! Como sou desastrada
– falei, tentando limpar a mancha de sorvete de chocolate com o guardanapo, já ensopado.
Quando ergui a cabeça, vi o “Ceguinho” tropeçar no
degrau da entrada da loja, em seguida dar de cara com o banner e quase trombar
com a vitrine. Enquanto eu o observava da porta, sem reação.
Tudo parecia estar acontecendo em câmera lenta.
Quando minha alma voltou para meu corpo, fiquei dando
bronca em mim mesma por não ter acompanhado o pobre do “Ceguinho” até o balcão
da loja.
Quando me virei, uma mulher, com aspecto de moradora
de rua, surgiu do nada gritando:
- Ei! Tem um trocado para me dar?
- Não. – respondi no automático.
- Que horas você têm?
Franzi a testa sem entender.
- Oxe, agora tem horário pra dar esmola?
Ela ficou me olhando. Só aí percebi que ela estava se
referindo às horas, pois ela apontava para o meu relógio de pulso.
Comecei andar pela calçada novamente, rindo sozinha, feito uma louca. As pessoas
passavam por mim sem entender nada.
Para esquecer daquele momento cômico, voltei meus
pensamentos para o “Ceguinho” me perguntando como ele ia voltar.
Acho que talvez sozinho ele estará bem mais seguro do
que na minha companhia. Voltei
a rir.
Obrigado pela leitura!