hydrohubris Júlia Silva

Um conto curto contando o relato pessoal de uma mulher Inglesa, paciente de uma instituição de medicina bioanormal.


Horror Impróprio para crianças menores de 13 anos.

#horror #terror #junji-ito #288 #weird #estranho
Conto
0
2.2mil VISUALIZAÇÕES
Completa
tempo de leitura
AA Compartilhar

Avaliação Psicológica

A chuva lá fora estava bem forte, mas eu não deveria ter ficado lá. Eu estava desempregada na época, e quando a oferta de dinheiro fácil trabalhando no turno noturno de uma loja de conveniência surgiu, bem, eu não pude recusar. O dono era um homem gordo, cheirava a licor de cereja e cigarro, e sua voz era carregada com um sotaque irlandês. Às vezes eu acho que ele era paranóico demais, trancava os banheiros da loja de noite e cobria os espelhos, mas eu dispensei os maneirismos de Bill Walsh como superstição.

Você provavelmente já sabe o que havia acontecido com ele naquela noite, então irei lhe dar uma descrição do que lembro. Eu estava encarregada mais uma vez do turno da noite. Era uma noite fria e chuvosa, e o vento assobiava lá fora, o relógio já apontava que era meia noite e nenhum cliente havia entrado até aquela hora. Pelo menos eu queria que ninguém tivesse aparecido. Por volta de meia noite e meia, um homem alto vestindo um sobretudo preto levemente ensanguentado e encharcado entrou na loja. Eu não conseguia ver o rosto dele, e nem deu tempo de perguntar o que queria, ele simplesmente me pediu balas de menta em uma voz agitada e preocupada. Eu podia sentir que algo não estava certo, e minha suspeita foi confirmada quando senti algo áspero e molhado tocando minha bochecha esquerda, junto com um cheiro de morte.

Eu estava virada para a parede, e rapidamente me virei, mas eu não esperava aquela cena nem em meus piores pesadelos. O rosto do homem não tinha pele, e sua mandíbula estava desconectada do resto de seu crânio. Sua língua tinha um comprimento incomum, não humano. Eu naturalmente gritei percebendo que tal língua tocava minha bochecha, nenhum treinamento de autodefesa poderia ter me preparado para isso. O homem se espantou e caiu para trás sobre uma estante de salgadinhos, que em volta caiu no chão. Ele gritou em um tom assustador que parecia um grito de dor, e então saiu correndo da loja.

Eu estava ofegante, e foi então que eu pude notar que um dos espelhos perto de mim estava descoberto, coberto por uma fina camada de saliva. Eu não ousaria tocar naquele espelho, mas eu deveria, pois ela já havia me visto.

Uma forte dor de cabeça surgiu das profundezas do meu corpo enquanto eu fitava o espelho. Meu reflexo estava olhando de volta para mim, mas ele estava diferente. Havia uma ferida em minha bochecha, mas quando eu a tocava eu não podia sentir nada lá, como se a ferida estivesse contida ao reflexo. Eu não me sentia eu mesma, algo tinha mudado, e quanto mais eu pensava, mais a dor de cabeça aumentava.

Eventualmente, o meu turno acabou, a chuva havia se reduzido a um mero chuvisco. Curiosamente, Walsh não chegou de manhã para cuidar da loja, óbvio que eu não tinha ideia do que havia acontecido, e eu nem poderia imaginar. Cheguei ao meu apartamento na área central de Millhurst às seis e meia da manhã, e fui direto de encontro com minha cama. Meu sono não foi tão profundo, acordei no meio do dia suando frio, e com uma sensação de algum verme rastejando dentro do meu céu da boca. Imediatamente me levantei e corri para o banheiro, me olhei no espelho e percebi que minha aparência havia se deteriorado. O ferimento havia se estendido para o meio de meu rosto e minha boca, ele pulsava de modo nojento, e dava para ver algo rastejando sob a pele. Mas quando toquei minha bochecha não havia nada, ela estava lisa como sempre.

A esse ponto, comecei a me convencer que estava ficando louca, a paranoia do gordo havia me contaminado também. Mas eu não tinha certeza se essa paranoia incluía dores de cabeça insuportáveis e a sensação de um ser vivo se arrastando sob a pele. Eu não consegui mais dormir no resto do dia, eu podia sentir as horas passarem, meus olhos e meu corpo estavam cansados. Às cinco da tarde eu pude ouvir alguém batendo em minha porta. Eram dois policiais, uma mulher e um homem, uma expressão perplexa tomou conta de seus rostos, e eles então me informaram da morte de Bill Walsh em um tom assustado.

Eu não pude acreditar, eu estava preparada para falar algo, mas eu não pude. Quando fui falar eu senti que havia algo preso na minha garganta, eu simplesmente não conseguia falar nada. Em um momento havia algo preso em minha goela, e no outro eu estava vomitando sangue no chão, fui levada às pressas para o hospital mais próximo.

Acabei passando uma tarde inteira naquele local, as piores seis horas da minha vida. Eu sei que Millhurst não é a cidade mais amigável da terra de vossa majestade, mas parecia que os enfermeiros estavam pregando uma peça de extremo mal gosto em mim. O quarto havia espelhos por todo lado, eu pude presenciar minha transformação em primeira mão, e eu não podia falar, pois minha língua estava travada. Eu não gostaria de falar de minha transformação, porém, o nobre doutor em minha frente insiste. Eu pude ver ao vivo como minha mandíbula se separou de meu rosto, minha pele caiu e se desintegrou, e meus olhos saltaram para fora. A dor foi excruciante, insuportável, eu preferiria ter morrido.

Mas obviamente, os médicos não perceberam isso. Eu escrevi minhas reclamações com sangue cortado de minhas próprias mãos na roupa de cama, tentando chamar a atenção de alguém, e deu certo. Dois dias depois, eu fui transferida para esta unidade de tratamento psiquiátrico bioanormal. Mas a dor ainda é insuportável, então com o fim deste relato, eu faço um pedido.

Por favor, tirem aquele espelho do meu quarto, ele consegue me ver. Ele fica observando minha transformação. Eu sinto que irei virar algo que não posso reconhecer a qualquer momento. Então, por favor, tirem aquela coisa do meu quarto. Eu juro que vou fazer tudo direito no treinamento. Por favor.


Paciente: Emily Webb

ID: 010-7654

Doutor-Supervisor: Daniel Lions

A paciente parece estar cada vez mais instável a cada dia que se passa. Recomendo remover o espelho da parede frontal do quarto até o dia 25 de Dezembro. Sedativos são recomendados de noite. Por mais que eu queira resolver o que está por trás de tudo isso. Sinto que não deveríamos, algumas coisas não são feitas para a mente humana.

18 de Dezembro de 2021 às 05:22 0 Denunciar Insira Seguir história
0
Fim

Conheça o autor

Júlia Silva Eu escrevo histórias curtas sobre horrores inexplicáveis e entidades anciãs. Eu sou iniciante ainda, mas espero que você goste do que eu escrevo. Muito obrigada por ler!

Comente algo

Publique!
Nenhum comentário ainda. Seja o primeiro a dizer alguma coisa!
~