nathymaki Nathy Maki

Por três dias inteiros Shouto procurou Midoriya incansavelmente. Em nenhum deles, porém, sua busca teve êxito. Com a ausência de notícias se tornando preocupante, uma questão passou a assolar seus pensamentos de forma perturbadora: o que fazer para localizar alguém que não queria ser encontrado? [Spoiler do mangá dos capítulos 306 e 317 em diante] Arte da capa por: @mudubu00


Fanfiction Anime/Mangá Impróprio para crianças menores de 13 anos.

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Capítulo Único

Notas da iniciais: Olááá! Aaa que saudade eu tava de postar fanfic T.T

(!) Um aviso importante: essa fanfic contém spoiler dos capítulos 306 e 317 em diante do mangá. Leia por sua conta e risco.

No mais, isso só existe porque eu fiquei arrasada com aquele arco do mangá e amo muito tododeku, então queria uma cena de reencontro particular entre eles e aqui estamos. Queria ter terminado de escrever isso logo depois que o capítulo 320 saiu, mas agosto, setembro e outubro foram meses de derrotas, estágios, tcc e semestres dobrados feitos em 3 meses, de modo que só consegui tempo agora.

Então apertem os cintos porque vai doer, mas vai compensar no final :,)

Boa leitura!

*

Querido Shouto,

Peço perdão pelo uso tão informal do seu nome em uma situação como essa. Sei agora que me arrependo por nunca tê-lo dito em voz alta como era o seu desejo, mas a mera imagem desse acontecimento bastava para me afogar em vergonha e uma completa falta de dicção. Essa carta que tem em mãos não é de longe o melhor ou mais justo meio de despedida, não quando você tomou e me deu algo tão precioso em igual intensidade, mas sinto em dizer que é o melhor que posso fazer para impedi-lo de pensar que não me importo, porque eu me importo. Muito. Tanto que a intensidade desse sentimento é o motivo da minha saída. Sei que permanecer ao seu lado - ao lado de todos - como o desejo egoísta que arde em meu coração significaria pôr em risco a vida de vocês. A sua vida. E eu nunca me perdoaria por tomar uma atitude dessas, não quando cada respiração que você exala significa tudo.

Existe algo mais pelo que devo implorar o seu perdão. No fim, você sempre esteve certo por mais loucas e ousadas que tenham sido as suas teorias. Você enxergou aquilo que eu tanto procurava esconder antes mesmo que qualquer um o fizesse. Peço seu perdão por todas as risadas e conversas falsas com as quais te fiz pensar que estava errado em suas afirmações. Portanto, deixe-me dizer agora: você não estava. Eu realmente sinto muito por nunca ter contado a verdade. E a verdade é a seguinte: minha individualidade me foi dada pelo All Might (mas não, ele não é meu pai, nessa parte em específico você se equivocou), e All for One está vindo atrás dela. Então eu sei o que tenho que fazer por mais que me doa: devo partir para proteger todos vocês. Preciso encarar essa luta como ela começou: All for One versus One for All. É como deve ser, é minha responsabilidade, e, se no caminho eu puder me assegurar ao máximo de manter aqueles que amo em segurança, eu o farei de bom grado. Fui muito abençoado por ter te conhecido e está na hora de retribuir essa gratidão.

Mas, antes de ir, sinto que há algo que preciso dizer a você: obrigado por ser meu amigo, obrigado por me ajudar tanto, obrigado por sempre me apoiar e permanecer ao meu lado por mais insanos e impensados os riscos, obrigado por ser essa pessoa boa e gentil que por muito tempo permaneceu oculta por camadas de gelo, mas que eu sempre acreditei estar lá. E obrigado pelo privilégio de me permitir ver o seu sorriso, é uma visão que sempre manterei comigo não importa o que aconteça daqui para frente.

Sentirei saudades suas, talvez mais do que possa imaginar.

Midoriya Izuku

*

Shouto amassou a carta entre os dedos, o coração retumbante no peito e a respiração engasgada entre os dentes cerrados. Seus olhos só podiam estar mentindo, cada palavra naquela página não podia ser verdadeira. Midoriya não poderia ter ido embora dessa forma. Não poderia fazer isso com todos. Com ele. Não!

— Onde ele está? — Foi tudo o que perguntou, a voz rouca e falha, sua garganta ainda se recuperando dos danos causados pela queimadura de Touya.

Todos os colegas devolveram o seu olhar com igual questionamento. Eles seguravam o mesmo pedaço de papel arrancado de um antigo caderno de notas preenchido com uma letra tremida e bagunçada e tinham no rosto o mesmo olhar perdido e incapaz de compreender que deveria estar estampado em sua face. Mágoa, inconformidade, medo, raiva, preocupação, impotência, os sentimentos atingiam um após o outro em uma sucessão que não abria espaço para pensamentos racionais. Os lábios de Bakugou estavam apertados em uma linha fina e rígida e, pela primeira vez, ele não estava gritando. O que era ainda mais intimidador que o normal. De todos ali, ele era o que melhor conhecia Midoriya e o fato de estar em silêncio só podia significar que aquela era uma atitude que ele já esperava acontecer. Ochako tinha as mãos trêmulas e os olhos castanhos ameaçando encher-se de lágrimas a qualquer instante. Ela sabia, assim como Todoroki, o que tomar essa decisão custaria. Se Midoriya estava partindo para protegê-los, então quem estaria lá para o proteger quando necessário?

Nenhum deles tinha uma resposta para a sua pergunta. Haviam sido deixados no escuro tanto quanto ele. A discussão prosseguiu, a voz dos colegas formando um ruído branco ao fundo enquanto seus pensamentos corriam em disparada. Shouto nunca havia se sentido tão enraizado em sua vida quanto agora, nem mesmo quando o pai tinha seus punhos de ferro cerrados sobre si e toda e qualquer esperança o abandonara, deixando apenas o ódio congelante para trás. Como se aquela carta amassada entre seus dedos tivesse tal poder de prendê-lo ali, inútil, fraco e desesperado. O pedacinho de seu coração que possuía o formato de Midoriya, conquistado a duros esforços e autoimposto quase sem perceber, ecoou entre suas costelas, uma voz abafada lhe dizendo: “É claro que ele se foi. Você falhou em ajudá-lo, em protegê-lo, falhou em tudo. Por que então ele ficaria?”

Shouto sentiu aquele pedacinho se descolar e então desaparecer em algum lugar fora dele, deixando para trás somente uma dor surda que o acompanhava a cada batimento.

Deixar para trás, ele sabia, sempre seria a escolha mais fácil.

Shouto só não esperava que fosse Midoriya a fazê-lo. Não, ele preferia não acreditar. Porque se ele não acreditasse, então não estaria acontecendo; e se não estivesse acontecendo, então ainda haveria uma chance de tudo aquilo ser um engano, um erro, um pensamento insólito em meio a um mundo feito em pedaços regado pelo caos e pela desesperança. Nesse caso, Shouto ainda teria uma chance. Ele poderia trazer Midoriya de volta. Tudo o que precisava fazer era agir rápido, não havia tempo a perder.

Não pela primeira vez, Shouto quebrou as regras: ele se aproveitou de seu retorno ao médico e saiu da U.A., partindo para as ruas à procura dele em meio à desordem resultante da soltura dos vilões e da destruição que manchava a cidade como uma pintura desgastada.

Ao seu favor, ele tinha o conhecimento obtido da crescente amizade não intencional nutrida desde o Festival de Esportes. Shouto conhecia Midoriya, lutara ao lado dele e contra ele, entendia como ninguém a força de sua determinação implacável e a total falta de consciência para com os próprios limites. Estava ao lado dele no acampamento, em Hosu e em Kamino, e, portanto, sabia o que iria acontecer: Midoriya partiria a si mesmo para ajudar os outros e não se importaria com as consequências.

A visão dele desacordado naquela cama de hospital tomou sua mente com total intensidade. Era uma cena que ele sempre tivera esperanças de não repetir, de fazer o seu melhor para evitar. E ainda assim, mesmo depois de todo o esforço, todo sangue, suor e lágrimas derramadas, as coisas tornavam a se repetir, dessa vez ainda piores.

Ele precisava encontrar Midoriya e garantir que ele não se machucasse, não exagerasse, não tomasse para si um fardo maior do que pudesse suportar. Acima de tudo, Shouto precisava garantir que ele não morresse porque, nesse caso, então não saberia como suportar tudo aquilo. Um mundo sem Izuku parecia um lugar frio e desolado do qual não desejava fazer parte. Sendo assim, ele não desistiria de encontrá-lo por mais que se mostrasse um desafio impossível.

E foi exatamente isso que aconteceu.

Por três dias inteiros Shouto procurou Midoriya incansavelmente.

Em nenhum deles, porém, sua busca teve êxito.

Com a ausência de notícias se tornando preocupante, uma questão passou a assolar seus pensamentos de forma perturbadora: o que fazer para localizar alguém que não queria ser encontrado?

Não havia pistas a seguir ou mesmo lugares específicos para ir. Toda a cidade estava tomada por pânico e caos, a natureza humana demonstrada em momentos de calamidade provava apenas o quanto eles sacrificavam ao lutar por aquelas pessoas. As mesmas que se recusaram a dar a ele uma informação, as mesmas que viraram o rosto ao vê-lo chegar e suspiraram aliviadas com a sua partida.

Três dias foram o máximo que Shouto conseguiu antes que um muito irritado Aizawa o arrastasse de volta para a barreira de segurança que era a U.A.

— Eu não vou perder outro aluno — foi tudo o que ele disse, apoiado em Mic com a expressão mais séria que já o vira demonstrar.

Shouto era grato por essa intensidade, por saber que, apesar de tudo, ainda existiam pessoas em sua vida que o consideravam importante. Porém, sem Izuku ali, todo o resto não parecia certo.

A mensagem que se forçou a enviar para Endeavor demonstrava a enormidade do medo que sentia. Em outra situação, Shouto continuaria satisfeito em seguir ignorando as mensagens que o pai enviava quase diariamente. Agora, com a vida e a segurança de Izuku em jogo além da sua, ele passaria por cima do orgulho e quebraria o gelo silencioso e proposital com uma única mensagem que resumia seu único desejo, a única coisa que pediria para ele e agradeceria caso conseguisse ter êxito:

Diga-me onde ele está.

Shouto não deveria estar surpreso por não obter resposta. Após o ressurgimento de Touya e a visita decisiva de sua mãe, por um brevíssimo período de tempo ele pensou que o pai finalmente compreendia o verdadeiro significado de ser um herói, que pedir e aceitar ajuda não o tornava mais fraco. Ele já devia saber que essa compreensão não iria resistir às dificuldades apresentadas, mas, ainda assim, ousara ter esperanças. Talvez por isso o silêncio o tenha magoado tanto. Endeavor sabia onde Midoriya se encontrava e não estava em seus planos revelar essa informação para o seu próprio filho.

O silêncio se tornou insuportável de lidar. Os pesadelos noturnos o mantinham acordado, revirando-se na cama a cada novo cenário pior que o anterior que surgia em sua mente. Sonhos com uma figura vestida de verde, envolta em raios de poder, que se afastava um passo de cada vez até estar completamente fora do seu alcance. Não importava o quanto Shouto chamasse, o quanto se arrastasse pelo chão, fincando as unhas no solo desgastado de modo a se impulsionar centímetro a centímetro para mais perto dele, a figura ainda assim se tornava cada vez menos nítida e mais distante de sua mão estendida.

Todas as vezes Shouto o seguia, não importava o quão distante estivesse.

Em momento algum, Midoriya olhou para trás.

Shouto sempre acordava desses sonhos com o coração saltando na garganta, os dedos firmemente enrolados nos cobertores, a respiração ofegante travada nos pulmões e o peso do fracasso pairando sobre os ombros, ameaçando esmagá-lo. Os olhos arregalados e úmidos no escuro buscavam a forma de alguém que ele sabia não estar lá. O saber, no entanto, não tornava tudo mais fácil. A ausência de Izuku era um vazio em seu peito que ecoava constantemente sua falta a cada dia que se acumulava sem notícia, a cada murmurar novo dos cidadãos que se refugiavam nas barreiras reforçadas da U.A. sobre a estranha e sombria figura que surgia da fumaça e nela tornava a desaparecer, a cada nova mensagem enviada e não respondida do pai, a frustração se acumulava em ondas sob seus ombros. Shouto não suportava a espera, não suportava saber que esta era a única coisa que podia fazer, o único meio de ajudar quando todo o seu corpo se encontrava tenso, ardendo com a necessidade de fazer algo, planejar e pôr em prática algum plano de ação, mas Midoriya não lhes deixou nada. Ele se certificou disso. E, por mais que eles fossem heróis, de algum jeito isso não parecia mais importar. Não havia mais nada a fazer a não ser sentar e aguardar notícias.

Até o dia em que ele finalmente não suportou mais e decidiu dar um basta naquilo.

Para a surpresa de Shouto, foi Bakugou quem se ofereceu para ajudar e acobertá-lo enquanto estivesse fora. Bakugou com seus olhos vermelhos selvagens e silêncios estranhos e assustadores desde a chegada das cartas. Para alguém que sempre foi muito direto em suas atitudes e palavras, Shouto sabia o quão inabitual era aquela quietude. E agora isso. Mas ele não comentou e Bakugou também não explicou, eles apenas juntaram as cabeças com a ajuda de Ochako (que pareceu farejar os seus planos secretos) e trabalharam com a maior discrição que conseguiram reunir para não chamarem a atenção dos professores ou do sistema de vigilância.

Quando a grande noite chegou, Bakugou agarrou o seu braço e o apertou com força antes de dizer, com a mandíbula cerrada e as sobrancelhas franzidas em um tom resoluto:

— Ele vai estar morto quando eu colocar minhas mãos nele.

Por algum motivo, isso deixou Shouto mais tranquilo. Parecia algo que o antigo Bakugou diria e, de algum modo, expressava a confiança que ele tinha em Todoroki de que, por algum motivo qualquer, somente ele conseguiria trazer Izuku de volta. Shouto assentiu, indicando que havia entendido, e gesticulou para Ochako que estava pronto.

Juntos, eles colocaram o plano de fuga em prática.

*

O plano funcionou por um triz.

Shouto pensava nisso e no possível castigo que os outros dois iriam receber quando fossem pegos enquanto corria pelas ruas com o rosto e os cabelos bem ocultos sob o capuz. Ele havia aprendido com os seus erros da primeira vez e estava mais bem preparado para essa segunda tentativa. Tinha os mapas de Ochako com os relatos dos avistamentos colhidos diretamente dos cidadãos em detalhes e, acima de tudo, estava determinado a não retornar até que o tivesse encontrado.

Com essa certeza enterrada fundo nos ossos e o coração retumbando no peito pela possibilidade de rever Midoriya, Shouto começou a sua busca.

E procurou.

E procurou.

E procurou.

Os minutos se tornaram horas.

As horas se tornaram dias.

E os dias se passaram sem que ele tivesse o menor sinal de vida de Izuku.

Parecia que uma força além de sua compreensão tramava contra sua vontade, afastando-os como dois pólos opostos, impedindo-os de coabitar o mesmo espaço. Ainda assim, Shouto se recusou a desistir. Ele perseguiu a sombra de Midoriya, a mesma que assolava seus sonhos e sempre o deixava para trás. Eu vou te encontrar, murmurava para si mesmo em meio ao sol escaldante da tarde, enquanto se escondia e monitorava um grupo de vilões reunidos ali perto e o esperava aparecer, a determinação tão resiliente quanto na primeira noite. Ele não apareceu, então Todoroki partiu para o próximo alvo, sempre buscando, nunca descansando, porque sabia que, em algum lugar da cidade, Izuku estaria fazendo o mesmo.

Quando o encontro finalmente ocorreu, foi por obra de um acaso.

A figura passou com a velocidade de um raio e a sutileza de uma sombra envolta em camadas de fumaça e desespero. Shouto o reconheceu no mesmo instante. Midoriya. Ele conhecia sua forma e trejeitos, tinha gravado na memória os movimentos ágeis e precisos, a inteligência oculta por trás de cada ação e o modo bobo como o seu uniforme sempre o lembrava de um coelho embora fosse uma clara referência à figura de All Might. Por mais desgastado e esfarrapado que estivesse, Shouto jamais poderia confundi-lo com outra pessoa.

Então ele correu. Lançou-se pelas ruas destruídas, perseguindo incansavelmente aquele que era o seu objetivo desde o princípio. Daquela vez, Midoriya não iria deixá-lo para trás, ele se asseguraria disso. Com uma respiração profunda, Shouto pisou com o pé direito no chão, evocando seu gelo do buraco frio e desolado que restava em seu coração onde toda a ausência de Izuku havia se concentrado e passou a deslizar pelo asfalto, ciente de que Izuku já o tinha notado e, ainda assim, não diminuíra em nada o ritmo. Bem, se era assim que ele desejava, assim Todoroki o faria.

Quando Shouto finalmente o alcançou, o fez sabendo que Midoriya o permitira se aproximar. Ambos pararam no alto de um edifício cuja lateral estava completamente destruída e exposta. Nos segundos que levaram para Midoriya desviar o olhar das ruas lá embaixo e o pousar em si, Shouto podia jurar que o mundo havia passado para um estado de suspensão permanente. Eles se encararam sob os raios de um sol poente e nenhum dos dois fez qualquer movimento. Shouto inspirou fundo, bebendo da imagem de Midoriya como um náufrago sedento por água doce bebe da fonte, e absorveu as diferenças.

Os olhos foram a primeira coisa que reparou, duros e frios. Shouto já havia se acostumado aos olhos de Izuku, eles eram sempre brilhantes e calorosos, como um abraço apertado ou o ar que foge de um suspiro preso de alívio, o verde clareando quando algo o deixava feliz e escurecendo em suas preocupações silenciosas. Vê-los assim agora lhe causava uma sensação extrema de estranheza e desconforto, era quase como se não o conhecesse mais. E esse pensamento o assustou mais do que tudo, mais do que qualquer vilão que pudesse vir a atacá-los agora, mais do que o medo gélido que um dia sentira do pai e de todo o seu futuro.

— Midoriya — foi tudo o que saiu de seus lábios, o coração batendo acelerado e dolorido no peito, a voz presa na garganta digladiando com as súbitas lágrimas que tentavam abrir caminho até seus olhos. Se eram de alívio ou pesar, Shouto não sabia dizer. Izuku continuou o encarando com aqueles olhos mortos, uma sombra do que um dia fora o seu primeiro amigo e farol em meio a escuridão. Aquela pessoa não estava mais aqui, podia ter o mesmo rosto e tom de voz, e ainda assim era como encarar um completo estranho. O Midoriya que conhecera estava morto e enterrado sob sombras pesadas e cicatrizes desfiguradas. — Finalmente te encontrei — disse, embora a voz persistente em sua cabeça lhe avisasse de que aquela criatura coberta de feridas, sangue e lama não podia ser a mesma pessoa que antes irradiava sorrisos, força e confiança inabalável na capacidade dos outros.

— O que está fazendo aqui, Shouto? — ele perguntou, a voz ríspida e inflexível, uma sombra de si mesmo.

Não havia sinal algum de acolhimento em seu rosto, as feições ocultas pela máscara do uniforme, nem mesmo sequer a menor demonstração na postura de contentamento ao vê-lo. Como se ele houvesse parado de se importar, como se nada mais pudesse atingi-lo novamente. Acima de tudo, a perda daquele sorriso luminoso e incentivador era o que mais lhe machucava. Sequer podia imaginar que esse dia chegaria. Um Izuku sem sorrir era como um mundo no qual o Sol não nascia, um mundo sem esperanças ou futuro o qual se esperar. Aquilo o magoou mais fundo do que gostaria de admitir, mas Shouto não tinha chegado até ali somente para desistir agora.

— Vim para levar você de volta para o lugar ao qual pertence.

Houve um milissegundo de hesitação, um tremor leve em seus dedos que o fez pensar que enfim pudesse tê-lo atingido de alguma forma, um instante em que cogitou que pudesse enfim ter êxito naquela missão e todos os seus instintos que gritavam o quanto aquilo seria difícil estavam errados. O momento passou e a postura de Midoriya tornou a enrijecer, dedos se encurvando como garras, ombros recuados e queixo ameaçador. Nenhum sinal da tranquilidade despreocupada e da proteção fervorosa que eram responsáveis pelo salto irregular em seus batimentos com a mesma intensidade dos sorrisos sinceros e confusão indisfarçada.

— Aquele lugar já não é mais o meu lar — ele disse e podia muito bem tê-lo estapeado. Para Shouto, a U.A. significava tudo: o primeiro lugar onde se sentiu seguro de verdade, o primeiro lugar onde conseguiu fazer amigos, o primeiro lugar em que conseguiu crescer e abandonar o rancor que se enroscava aos seus pés como uma âncora, atrasando-o mais do que ajudando-o. — Não significa mais nada.

Shouto uma vez ouviu falar da existência de um ditado alertando àqueles que encaram por muito tempo o abismo para ter cuidado, pois, em algum momento, o abismo irá encarar de volta e essa pode ser uma disputa para a qual não se esteja preparado.

Midoriya, ao que parecia, havia perdido a batalha para o abismo.

— Você não pode acreditar nisso — Todoroki disse, recusando-se a aceitar aquelas palavras.

Midoriya balançou a cabeça como se nada daquilo importasse.

— Mas você acredita, e isso é o suficiente para mim. Está tudo bem, Shouto. Eu estou bem. Você deveria voltar para a U.A. e manter todos em segurança. É o único em quem confio para protegê-los. Pensei que entenderia isso.

— E quanto a sua proteção? Quem vai cuidar de você quando estiver lá fora sozinho? — Ele apontou para a cidade vazia e sombria com a noite infiltrando-se por ela e tingindo tudo com seus tons de sombra e escuridão.

— Eu não preciso de proteção. — O tom dele era duro e ríspido, soava como se houvesse repetido aquelas palavras muitas vezes antes. Shouto se perguntou para quem. All Might teria tentado convencê-lo a voltar? Ou mais alguém estaria envolvido? Não houve tempo para mais perguntas, sequer para obter respostas. Midoriya virou-lhe as costas como se desejasse observar os últimos raios a desaparecerem no horizonte, a capa amarela esfiapada e desgastada ondulou com a brisa fraca as suas costas, um ode à memória de um outro herói que havia observado um horizonte similar às margens de um mundo diferente. — Talvez eu não tenha deixado isso claro na carta, mas o farei agora: por favor, não volte a me procurar. Eu não quero ver você novamente. — Os ombros dele se curvaram e o corpo tensionou como se estivesse pronto para saltar. Shouto percebeu que era isso o que ele estava prestes a fazer. Não, a voz em seu interior sussurrou, impeça-o. Ele queria, mas se sentia paralisado no mesmo lugar, preso no tempo e espaço pelo impacto destruidor daquela única frase. Havia um cansaço na voz dele que não estava lá antes, um peso devastador que parecia errado infiltrado em seu tom. Shouto se agarrou a essa sensação e decidiu que tudo aquilo só poderia ser mentira. Palavras jogadas ao vento com o estreito propósito de afastá-lo e magoá-lo o suficiente para fazê-lo retornar à U.A. sem resistência. Para o azar de Izuku, Todoroki não era alguém tão frágil. — Adeus, Shouto.

Volte, a voz interior implorou com mais intensidade, rompendo as raízes que o mantinham preso no mesmo lugar e impulsionando-o para a ação. Shouto não percebeu como, apenas que, no momento seguinte, ele havia se lançado contra Izuku, deslizando no gelo, e então eles estavam lutando, desviando no espaço destruído sob a luz das primeiras estrelas e a iluminação fraca dos poucos prédios adjacentes cujas lâmpadas ainda se encontravam funcionais, com a agilidade e força inerentes a um combate real. Os dias de treinos ocultos combinados em noites insones haviam ficado para trás, quando a agitação dos corpos em movimento era a calmaria necessária para suas mentes relaxarem. A perda desses momentos doeu em Shouto com quase tanta intensidade quanto o golpe que Izuku acertou em seu ombro. Ele desviou parte da força com uma parede de chamas, e, no mesmo instante, soube que Midoriya estava pegando leve consigo. Ele não queria machucá-lo tanto quanto Shouto não o queria fazer.

Eles dançaram em círculos em torno um do outro, os golpes de Shouto de alguma forma sendo desviados por ele segundos antes de atingirem o ponto pretendido. Os chutes de Midoriya tampouco tinham a capacidade de pegá-lo desprevenido, ele tivera um longo tempo para estudá-lo e conhecer os seus hábitos. Até o momento em que Midoriya saltou e pareceu flutuar no ar, caindo segundos depois com a velocidade multiplicada pela individualidade, envolto em faíscas verdes e fumaça esbranquiçada, meio parte sonho e pesadelo do jeito que temia. Shouto hesitou, a sensação ainda vívida em seu peito de acordar no mesmo quarto, sufocado e sozinho, incapaz de fazer algo para mudar aquela situação, com o peso do desaparecimento de Midoriya ainda uma verdade imutável em seus ombros.

O soco o atingiu no peito e ele voou vários metros para trás, aproximando-se perigosamente da beirada. Shouto ergueu uma barreira de gelo após a outra no intuito de desacelerar o impacto e seus pés rasparam o concreto a poucos centímetros de uma queda fatal. Ele ativou as chamas para equilibrar o gelo que cobria a metade direita do seu corpo e tornou a se levantar.

— Por que está fazendo isso? — perguntou. — Por que ir tão longe?

— É melhor assim, Todoroki — foi a resposta dele, baixa e sem emoção. — Acredite em mim quando digo que sei o que estou fazendo.

— É o que você pensa, não o que eu ou qualquer um de nós achamos. Se destruir desse jeito pelos outros não é a solução! Nos deixe ajudar! Me deixe te ajudar! Eu estou aqui por você, todos estamos.

— Você não pode. Nenhum de vocês pode. — Ele balançou a cabeça, resoluto. — Vão acabar mortos se tentarem. Como acha que eu me sentiria se isso acontecesse?

— E como acha que eu me sentiria? Acha que algum dia vou poder sorrir sabendo que você está morto em alguma vala esquecida por aí? Se pensa assim então significa que não me conhece de verdade, não conhece nenhum dos seus amigos.

— Você ao menos estará vivo para tentar, todos vocês estarão. O que quer que aconteça comigo é irrelevante. É a minha responsabilidade finalizar isso.

Shouto exalou, frustrado, avançando um passo para mais perto, as mãos abertas e estendidas para ele, enquanto todo o sentimento que vinha guardando nas últimas semanas por fim se derramava do seu peito:

— Você não vê o que se tornou? Não vê o quanto se perdeu no caminho que antes seguia com tanta segurança? Um caminho que salvou a mim, ao Kota, à Eri e a tantos outros, que ainda irá salvar muito mais. Não quero dizer que superar o All Might é uma coisa ruim, você conhece a minha história, sabe o que uma única obsessão mal direcionada pode causar. Então por que repetir o mesmo erro? Certos obstáculos são muito grandes até mesmo para o poderoso All Might. Ninguém espera que você salve o mundo, Midoriya. Por isso me deixe ajudar, me deixe segurar sua mão e lutar ao seu lado.

O silêncio se derramou entre eles e Shouto pensou que Midoriya estivesse considerando suas palavras, mas tudo o que ele disse foi:

— Eu não posso, Shouto. É o meu dever acabar com isso. Foi o One for All que começou essa disputa e é ele quem deve terminá-la. Vocês já não conseguem me acompanhar. Então, por favor, vá embora, me deixe fazer isso e não torne tudo pior.

Só então Shouto entendeu que não iria conseguir convencê-lo a voltar apenas dialogando. Ele devia ter imaginado. Estava falando do mesmo Midoriya que havia esfregado sua cara no chão da arena do Festival Esportivo apenas para ensiná-lo o valor do próprio poder, o mesmo Midoriya que quebrara todo os ossos dos braços para salvar uma criança da própria descrença e que se lançara a própria morte sem pensar duas vezes quando ainda era um garoto sem individualidade alguma para salvar um amigo. Palavras não seriam o bastante para fazê-lo compreender.

Então ele agiu.

Puxou de si o máximo de poder que conseguia convocar e criou sob os pés dele o mesmo iceberg de tamanho colossal que tomara metade do estádio da U.A. outrora e o prendeu em seu interior. Se Midoriya não fosse por bem, então Shouto o levaria à força. Não era o melhor método, nem o mais discreto, mas era funcional. E isso era tudo o que importava no momento.

— VOCÊ NÃO PODE CARREGAR O PESO DO MUNDO SOZINHO, IZUKU — Shouto gritou, a garganta arranhando enquanto a tom aumentava até o ponto de deixá-lo sufocado e a voz se partir ao mesmo tempo que o gelo o qual Midoriya estava preso se estilhaçava.

Por um milésimo de segundo, Shouto ainda chegou a pensar que havia conseguido. Mas é claro que Midoriya havia ficado mais forte. É claro que ele conseguiria escapar de seu grande trunfo e agora pararia ali, bem à sua frente, os olhos verdes sombrios e ressentidos, uma rachadura prestes a acontecer em um tear antes costurado à perfeição.

— Meu pai, Touya e os outros vilões, de todos eles eu nunca pensei que fosse você quem mais me magoaria. Então esse é o sorriso que você queria mostrar ao mundo, Deku? — Shouto nunca pensou que chamá-lo pelo nome de herói poderia ser tão doloroso. — Esse é o tipo de herói que sempre sonhou em ser?

Havia tanto a dizer, tanta mágoa, perda e confusão pairando em seu peito, embolando as palavras ao ponto de deixá-las irreconhecíveis em seus pensamentos. Mas. Sim, mas. Ele estava ali agora, bem diante dele, a pessoa que tinha buscado por todo esse tempo e precisava fazer algo antes que o último fio fosse partido e eles chegassem a um ponto irreversível. O impulso venceu e, quando deu por si, já havia dado um passo e então outro e mais outro até sentir a respiração dele pela máscara, até ver com perfeição as manchas escuras em seus olhos, o brilho perdido. Seus braços se ergueram e o puxaram contra si, as mãos afundando no tecido desgastado de seu uniforme, os nós dos dedos pressionando suas costas com mais e mais força. Shouto não lhe deu espaço, muito menos oportunidade para reagir. Com aquele abraço, ele desejava possuir a capacidade de fundi-lo a si, afastar o peso em seus ombros e o proteger de todos aqueles que tentavam o machucar. Midoriya não disse nada e seu corpo não se moveu, mas Shouto viu as mãos dele tremerem, como se aquela única parte sua fosse capaz de externar todos os sentimentos contidos cuidadosamente dentro de si. Ele ainda não havia desistido. Então Shouto também não desistiria.

Se havia algo que Izuku lhe ensinara bem, era a capacidade de não desistir.

— Por quê? Apenas por que você se importa tanto? Por que continuar tentando? Por que eu? — ele murmurou, tão baixo que Todoroki pensou ter imaginado as perguntas.

— Porque você é meu amigo — Shouto rebateu, a língua amargando com a insuficiência da palavra. Sim, aquilo era em parte verdade. Midoriya havia sido seu primeiro amigo, mas há algum tempo Shouto sabia que seus sentimentos por ele não se restringiam somente a isso. Naquele momento, com a visão daqueles olhos verdes que em um passado recente eram tão brilhantes e esperançosos, ele percebeu que isso não era o suficiente. Ele devia mais a Midoriya. Devia a verdade. — Quer saber o porquê? O verdadeiro motivo? Porque, de algum modo inesperado e impossível de ser descrito, eu gosto de você. Eu te amo, Midoriya Izuku. Então, por favor, não me peça para ir embora e dar as costas a você nesse momento. Eu posso te ajudar. Não está sozinho nessa batalha e eu nunca vou deixar que esteja.

E ali estava a verdade secreta, as palavras nunca ditas, a afeição nunca revelada, encoberta por camadas de gelo e ocultado por chamas embaraçadas que só a confusão de um primeiro amor pode gerar: Shouto o amava. O sentimento não havia mudado, apenas se intensificado em uma saudade dolorosa que o corroía todas as noites ao deitar no fuuton. Cerrou os dentes e apertou mais os punhos, sentindo a ardência das unhas fincando-se nas palmas. Ele precisava acreditar que o Izuku que conhecera e o salvara ainda continuava ali, vivo por baixo de todo o sofrimento e toda a responsabilidade que era um fardo pesado demais para ele carregar sozinho. Quase podia ouvir o grito por socorro que ecoava silenciosamente sob a pele dele. Então Shouto o salvaria, devolveria com todo o seu fervor as chamas de sua libertação e o traria de volta ao lugar ao sol ao qual Midoriya pertencia. Ele tinha que tentar.

Não, ele iria conseguir.

Devagar e com cuidado, Shouto retirou a máscara esfarrapada e expôs o rosto que conhecia tão bem. Por baixo dela, Izuku estava chorando. Lágrimas pesadas escorriam de seus olhos verdes em uma torrente que não dava sinais de acabar tão cedo. Então ele o beijou. Beijou as cicatrizes em sua pele, as sardas de seu rosto e as lágrimas que caíam de seus olhos enquanto o choro tomava o seu corpo inteiro em soluços engasgados.

— Izuku… — murmurou, os dedos estendidos delicadamente para acariciar a face dele, como se tivessem sido feitos para isso. Shouto envolveu as bochechas sardentas em suas palmas, os polegares limpando cada gota que escorria do canto de seus olhos. Midoriya havia emagrecido, seu rosto estava fino, os olhos afundados na face. Uma cicatriz nova se destacava em seu queixo e ele contornou sua forma antes de inclinar a cabeça e beijá-la com delicadeza. Ele a reivindicou não como se esta fosse uma imperfeição em sua pele, mas um uma prova de sua coragem, um registro de tudo o que já havia enfrentado e vencido. — Você continua a mesma pessoa incrível que sempre foi, com cicatrizes e tudo.

O rosto de Izuku se contorceu com uma dor profunda ao reconhecer as palavras familiares e logo ele tinha a cabeça enfiada em seu peito, todo o choro preso saindo com uma única nota de sofrimento que parecia se perpetuar em sua voz. Shouto nada disse, apenas o segurou mais firmemente contra o corpo e o deixou desabar, os dois deslizando um contra o outro até o chão de concreto manchado pelos resquícios agora esquecidos de sua batalha, assegurando-o de que estaria lá para segurá-lo. Os olhos de Shouto expressavam a dualidade que ardia em seu peito, nuvens cinzas em um céu azul de verão.

— Somos heróis — Shouto sussurrou com suavidade, dedos passando pelos fios esverdeados em uma carícia há muito sonhada e agora necessitada, sabendo que ele o estava ouvindo com atenção. —, se meter onde não somos chamados é parte do nosso trabalho. — Os ombros dele tremeram de leve com o despontar remoto de uma risada. Não era muito, mas era um começo. Era esperança. Shouto a sentiu preencher seu corpo e o formato de Izuku em seus braços pouco a pouco tomou conta do pedaço vago que pertencia a ele em seu coração. — Você não precisa lutar sozinho. Pode voltar comigo. Podemos reunir todos de novo. Se nós trabalharmos juntos, conseguiremos trazer tudo de volta. Então volte comigo… volte para a U.A.

E dessa vez, ele foi.

Naquele dia, Midoriya o seguiu.

Naquele momento, ele olhou para trás.

E Shouto não deixou essa chance passar em branco.

Ele segurou com firmeza os dedos calejados e machucados entre os seus e o guiou de volta para aquele que era o lugar ao qual ele pertencia. O lar que ambos haviam criado sem propósito a princípio, mas no qual não precisavam se esconder, ter medo ou fingir ser nada mais do que eram de verdade.

Eles voltaram para U.A.

E decidiram que, a partir de então, lutariam para sempre juntos.

24 de Outubro de 2021 às 12:55 0 Denunciar Insira Seguir história
4
Fim

Conheça o autor

Nathy Maki Fanfiqueira sem controle cujos plots sempre acabam maiores do que o planejado. De romances recheados de fofura a histórias repletas dor e sofrimento ou mesmo aventuras fantásticas, aqui temos um pouco de tudo. Sintam-se à vontade para ler! Eterna participante da Igreja do Sagrado Tododeku <3

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