bolbatoux Bolba Olivier

A guerreira Cíntia Andorinha decide de uma vez por todas enfrentar seu maior inimigo de todas as manhãs.


Conto Todo o público.

#fantasia #épico #cotidiano #Humor
Conto
0
2.2mil VISUALIZAÇÕES
Completa
tempo de leitura
AA Compartilhar

A Guerreira E As Águas Ferventes

⠀⠀⠀⠀No auge de seu heroísmo, Cíntia Andorinha era uma guerreira crescida e independente, dona de seu próprio reino de cinquenta metros qua­drados e domadora de duas feras brutais de dois e quatro quilos respectivamente.

⠀⠀⠀⠀Diariamente travava combates e quase nunca os perdia. Bestas de metal engolidoras de gente, insignificantes criaturas pouco civilizadas que berravam como crianças em seus ouvidos, e o pior de todos: O demônio ganancioso que tinha posse de sua alma. Lidava com todos sempre com muita resiliência, porém sempre era derrotada pelo mesmo ini­migo: As águas negras ferventes, de sabor amargo como a morte.

⠀⠀⠀⠀A poção básica de estamina tinha a mais simples das confecções, mas a guerreira jamais pôde a dominar.

⠀⠀⠀⠀Todos os dias, antes de partir para suas aventuras matinais, colocava a poção no fogo, passavam-se alguns minutos e tudo transbor­dava. Obrigava à Guerreira Andorinha a usar um artefato mágico: O papel toalha.

⠀⠀⠀⠀Quando voltava para o reino durante a noite, novamente colocava a poção no fogo, distraía-se com a caixa mágica e tudo transbordava. Papel toalha de novo.

⠀⠀⠀⠀Foi em uma manhã de um fim de semana qualquer que Cíntia Andorinha começou a preparar sua poção, virou-se de costas e uma súbita chama queimou em seu peito. Havia decidido algo que mudaria sua vida para sempre.

⠀⠀⠀⠀— Hoje não haverá papel toalha! — senten­ciou, erguendo sua fina arma cilíndrica, repleta de cerdas de um material maleável em uma das extremidades.

⠀⠀⠀⠀Agora era guerra. A guerreira doméstica An­dorinha contra suas próprias distrações.

⠀⠀⠀⠀Marchou em direção à sua sala.

⠀⠀⠀⠀Sua audição se apurou para que fosse capaz de ouvir o som da ebulição iminente.

⠀⠀⠀⠀Com toda brutalidade, passou a manusear a vassoura nas áreas mais abertas do cômodo, juntando os pequenos montes de poeira, de uma forma um tanto destrambelhada, mas chegando aos cantos, sentia toda a traição de sua arma a qual um dia acreditou ser tão fiel.

⠀⠀⠀⠀Os barulhos do objeto batendo contra a parede quando Cíntia tentava alcançar as pequenas crostas que se acumulavam naqueles locais tão estreitos, tornava-se mais alto que os sons que vinham da cozinha.

⠀⠀⠀⠀Vamos, sua vassoura estúpida, pensou em todo seu ódio. A vassoura sucumbiria se continu­asse daquela forma tão desesperada.

⠀⠀⠀⠀Os cantos e áreas abaixo dos móveis haviam sido bem varridos. A água ainda tinha um som baixo, mas já preocupante e a pobre vassoura possuía novas feridas da batalha que travou con­tra aqueles inimigos.

⠀⠀⠀⠀Agora só quem faltava era o chefão da sala: O grande sofá laranja.

⠀⠀⠀⠀Levantar tal inimigo era a mais complicada tarefa para a guerreira solitária. Teria que usar de toda a sua força ali, e sua recompensa seria justamente aquela poção de estamina, preparada sem o derramamento de uma gota sequer.

⠀⠀⠀⠀Então ali respirou fundo. Uniu a sua força e sua pressa, ao desespero da pressão do som da água borbulhante se tornando cada vez mais alto. Tensionando totalmente o seu braço esquerdo, levantou o grande móvel laranja o mais alto que pôde.

⠀⠀⠀⠀Novamente, já prejudicada, vassoura entrou em ação, puxando o máximo que podia dali de baixo. Po­eira, pequenos restos de embrulhos, os artefatos tilintantes utilizados para o entreteni­mento das duas bestas. Havia outro mundo de baixo daquele sofá.

⠀⠀⠀⠀O perigo se aproximou ao escutar um borbu­lhar mais intenso e o tilintar do artefato. Ao pre­senciar o rugido de uma das feras, os olhos de Cíntia se arregalaram:

⠀⠀⠀⠀— Miau.

­ ⠀⠀⠀⠀Largou o grande móvel ao presenciar a magnificência do grande Tom se aproximando dos pequenos montes cinzentos de sujeira.

⠀⠀⠀⠀De um lado estava um felino selvagem prestes a arruinar seu trabalho, do outro lado, a histeria da leiteira que tinha o líquido quase chegando em sua borda.

⠀⠀⠀⠀O tempo parou.

⠀⠀⠀⠀Era o momento da guerreira decidir suas prioridades. Um fogão sujo, ou um gato empoei­rado?

⠀⠀⠀⠀A derrota de todos os dias se tornou menos preocupante do que um felino encardido subindo em sua cama e cutucando a sua maior fraqueza, bem conhecida como rinite.

⠀⠀⠀⠀A guerreira se agitou em direção ao bichano e com uma forte pisada no chão, o expulsou, mas também dispersou os pequenos montes que haviam ali, a fazendo se arrepender instantanea­mente pelo ato. E ao olhar para a cozinha, vendo seu fogão aos poucos sendo inundando pela bebida escura, a guerreira percebeu que naquele momento havia perdido duas batalhas em seu próprio reino.

⠀⠀⠀⠀Respirou fundo, baixou os ombros e foi até a cozinha.

⠀⠀⠀⠀Ela precisaria de papel toalha.

22 de Outubro de 2021 às 02:47 0 Denunciar Insira Seguir história
0
Fim

Conheça o autor

Comente algo

Publique!
Nenhum comentário ainda. Seja o primeiro a dizer alguma coisa!
~

Histórias relacionadas