silva_verso Silva

Londres, 1912. Um jovem escritor decide embarcar numa viagem ao Atlântico buscando inspiração para escrever um novo romance. No entanto, segredos obscuros rondam a tripulação e as profundezas do oceano guardam um mistério que lhes pode ser fatal.


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#sereias #terror
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Aparição

Londres, 1912


Existe algo no mar que me perturba. Que faz-me estremecer todas as vezes que caminho pela praia durante a noite. Além da morte, minha plena certeza é que jamais tornarei a entrar naquelas águas. A razão de meu temor começou há pouco mais de trinta anos, quando era um jovem e ansiava por novas ideias após publicar meu primeiro romance. Entre minhas leituras usuais, Moby Dick me fazia saltar os olhos. A lendária baleia que causava aos leitores tanto o tenro encanto quanto um delicioso temor. Era isso, pensei comigo mesmo. Meu próximo escrito seria sobre as profundezas onde vivem tais criaturas.

E talvez com a história certa, poderia ter semelhante sucesso e consolidar a carreira como um autor de prestígio. Naquela época, Tom Barker tinha algum resquício de coragem e ambição. Numa singela manhã de abril, embarquei no Netuno a fim de documentar o percurso e demais pormenores duma tripulação de marinheiros ingleses. Era um barco de pesca, famoso por voltar de suas viagens triunfante e cheio de peixes. A frente da embarcação estava o capitão John Lewis, homem austero e um velho lobo do mar como poucos de sua época. Apesar das rugas na testa e dos cabelos brancos, mantinha no olhar severo a intrepidez de alguém que conhecia o mar como a palma da mão.

Confesso que não era dos mais atléticos, no máximo tinha boa saúde, embora fosse um rapaz franzino e dado aos livros cujos olhos precisavam de óculos redondos para ver com nitidez. Lembro que o dia começou ensolarado, com a brisa da manhã embalando meus cabelos castanhos. E parecia anunciar uma viagem de sucesso. Subi a bordo e apresentei-me ao capitão com a cordialidade de um aperto de mão. Ao contrário da minha, sua palma era áspera e calejada. Lhe falei que seria uma honra poder acompanhar a viagem.

― Tem mãos lisas meu jovem... Um privilégio vindo de sua boa educação! - Comentou com humor tirando o cachimbo da boca. - S.r. Barker, não me entenda mal. Mas a única razão pela qual está na minha preciosa embarcação é porque devo favores a seu estimado pai. - O capitão pós a mão sobre o meu ombro. Prosseguiu:

― Mas não se engane, não há inúteis neste barco. Não tolero preguiçosos. Então sugiro que ajude os imediatos no que for necessário e terá todo o tempo que desejar para escrever.

O dia seguiu-se sob ventos fortes e logo zarpamos, saindo do Tâmisa em direção ao Atlântico. Apesar do estranhamento dos tripulantes quanto ao hóspede inconveniente que lhe fazia perguntas durante o serviço, aos poucos as anotações iam tomando forma. Embora os doloridos calos e cortes ardentes surgissem em minhas mãos que acabavam por limpar redes e puxar cordas. De início era natural que fosse alvo de riso e anedotas um tanto maldosas, mas com o passar dos dias já estava mais familiarizado com a proa e as velas, o que ganhou um bom parágrafo e talvez servisse de prólogo.

Dentre os marinheiros, o único que tinha alguma paciência com este novato atrapalhado era o segundo imediato, Frank. Um garoto com pouco mais de 17 anos que almejava fazer nome e fortuna para pagar o dote duma moça em Londres. Em nossas conversas sempre mencionava sua Margareth como a coisa mais linda do mundo e o quanto desejava casar-se. Assim que chegassem ao porto com outra pesca farta, ele a teria nos braços. Joe era o primeiro imediato, altivo de semblante e forte. Ao contrário de Frank, este não falava muito, exceto para repassar as ordens do capitão com gritos pelo convés. Vez ou outra censurava-me com o olhar quando amarrava debilmente alguma corda ou não fazia algo que um marinheiro deveria saber. No máximo arrancava-lhe três ou quatro palavras, em geral sobre o ofício da navegação. O terceiro era Bill Simmons, marinheiro experiente, companheiro de longa data do capitão. Calvo e de barba grisalha, já beirava os cinquenta anos. Era um homem roliço e de pequena estatura, sempre que o via estava a comer e principalmente a beber, o próprio dizia amar mais o prazer do álcool que o das mulheres.

Dentre estes havia também o cozinheiro. Pierre era um francês de pele morena, o qual tratava pequena a cozinha como se fosse um templo. A arte de cozinhar era para ele mais importante que a própria pesca, mesmo um simples ensopado parecia ter mais sabor quando preparado por ele. Divertia-nos com suas histórias. Após o jantar, sentei-me no convés observando a lua cheia e as cintilantes constelações que ditavam a maré. Havia passado por cada parte do Netuno, exceto a cabine mais interior que era reservada ao capitão. Durante as noites ele passava a maior parte do tempo lá, o que não era questionado, afinal era seu tempo de descanso enquanto os homens se revezavam na vigia. No convés, Pierre começou a narrar uma de suas histórias:

― Eu era da idade do Frank quando isso aconteceu. Lá perto da costa em Paris... eu pesquei um peixe, mas não qualquer peixe messieurs, foi um feito magnifique.

― Deve ter pego uma lula gigante. ― Brincou Frank.

― Vai ver se agarrou com uma sereia! ― Pigarreou Bill, tendo a risada rouca interrompida por uma tosse.

― Non messieurs... ― Revelou o francês, aumentando-nos a curiosidade. ― Era uma noite tempestuosa e eu estava sóbrio. De repente, um peixe espada saltou das águas para me ferir! Peguei meu sabre e começamos a duelar num embate mortal! E ele saltava, rodopiava e saltava! Temi até mesmo ser morto por aquele tal peixe! ― Afirmou Pierre, gesticulando as espadas em combate, levando todos a rirem, e até mesmo Joe exibiu os dentes amarelos naquela ocasião. Tudo parecia correr tranquilamente na primeira semana, mas depois... as coisas começaram a mudar, coisas que mudariam minhas convicções sobre o real e a ficção. Era o meu turno na vigia noturna. Encarava com um hesitante candeeiro à óleo a imensidão escura do mar, ouvindo a melodia do vento e as ondas baterem no casco. Vezes ou outra tentava terminar o próximo parágrafo. Embora estivesse chegando perto de uma dúvida crucial... Qual a criatura do enredo? Que monstro iria aterrorizar valentes marinheiros durante a Guerra dos Cem Anos que apenas ansiavam voltar para suas famílias? Fechei o diário enquanto ponderava e voltei-me ao mar quando ouvi um barulho. Como se algo houvesse se chocado ao casco seguido de um grunhindo. Baixei o candeeiro, e ali abaixo nas águas negras, uma aparição. Pude jurar que vi uma mulher emergir e fitar-me, antes de desaparecer quando a próxima onda lhe chegou ao encontro.

14 de Outubro de 2021 às 19:47 2 Denunciar Insira Seguir história
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Hillary La Rocque Hillary La Rocque
Olá! Faço parte da Embaixada brasileira do Inkspired e estou aqui para lhe parabenizar pela Verificação da sua história. Eu simplesmente amei a sinopse! Tem aquele mistério gostosinho, de fazer os pelos do braço se arrepiarem! Só consegui pensar: "UUUaaauuuu". A história está apenas começando, mas as expectativas só crescem a cada parágrafo. Desde o primeiro, é possível sentir aquele clima sombrio e gélido que envolve uma boa trama cheia de mistérios relacionados ao mar, profundo, desconhecido, inexplorado. Até hoje sabemos pouco sobre tudo o que ocorre nas profundezas do oceano, o que o faz se tornar ainda mais fascinante. O que dirá as pessoas do início do século XX? Com seus demônios do mar e superstições? A imaginação viajava com as mais incríveis possibilidades, enchendo-os de temor e admiração. Logo conhecemos Tom Barker, nossos olhos e ouvidos, e narrador. Agora um homem maduro e feito, ele conta sobre uma de suas experiências mais alucinantes, que o faz se lembrar do porquê de não querer tornar ao mar. Quando era jovem, inocente e sonhador, embarcou em uma aventura marítima em busca de inspiração para seu próximo livro. O que deveria ser uma experiência enriquecedora e sem muitos tormentos, está fadada a se transformar em uma de suas piores decisões, quando, inacreditavelmente, vê seu companheiro de convés ser ferido e levado por uma sereia, no meio da noite. Com uma testemunha a mais do ocorrido para provar que não foram coisas de sua imaginação ou os efeitos de velejar. Toda a ambientação é muito bem descrita e rica em detalhes, de uma forma realmente prazerosa de se acompanhar, que tornam o cenário e personagens cada vez mais realistas. Cada um com sua alma e histórias próprias, sendo adicionados de forma cuidadosa e perfeitamente compreensível. Tudo se entrelaçando em um único enredo, de maneira harmônica. Sua escrita é simplesmente maravilhosa e, a única coisa que gostaria de apontar é este pequeno trecho, que acabou por ficar confuso: "[...]o qual tratava pequena a cozinha como se fosse um templo." Seria interessante dar uma atenção a ele. No mais, apenas tenho a te parabenizar pelo talento e cuidado com que escreve sua obra. Fez um trabalho excelente. Vou ficando por aqui. Desejo a você, sucesso, com essa e outras histórias. E que continue lapidando tão bem quanto já está, essa obra, que já se tornou tão boa, em apenas dois capítulos. Um beijo no coração e, até mais!
December 10, 2021, 17:24
Felipe Hasashi Felipe Hasashi
O que mais me encantou neste começo foi esta narrativa bem trabalhada, misteriosa que beirava ao ar inocente do nosso escritor marinheiro e suas primeiras impressões à tripulação, vezes ao bom humor e peculiaridades de cada personagem e por fim o fascinante enigma marinho, todos os elementos contribuem de forma harmônica para construir uma atmosfera densa de espera pelo sobrenatural e desconhecido, pesquei boas referências e lembrei com carinho do capitão do barco lá do Tubarão do Spielberg (desculpe, esqueci o nome do personagem kk) bem como o jovem escritor de King Kong a bordo para novas inspirações. O final foi excelente em todos os quesitos, sucinto, sem grandes revelações que entregue logo de cara o ouro, coerente e nublado, como um bom mistério deve ser. Mais uma ótima obra sua está pra iniciar! :)
October 17, 2021, 05:09
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