Siga em frente, meu filho rebelde.
Haverá paz quando você tiver terminado.
Repouse sua cabeça cansada.
Não chore mais.
Eu gostaria de ouvir essas palavras do meu pai antes de morrer.
Essa era a única coisa que eu conseguia pensar enquanto olhava aquilo na minha frente.
Nunca achei que uma coisa poderia feder tanto. Que uma pessoa poderia feder tanto. Havia um nó no meu estômago, a sensação de náusea, que me deixava tonto. Eu queria fugir desse lugar, levar um choque, e esquecer de tudo isso. Esquecer dos buracos de onde deveriam estar os olhos e esquecer da imagem que se formava na minha mente que, se houvessem olhos, o quão amedrontados eles estariam.
O que será que ele gostaria de ouvir do próprio pai antes de morrer?
Pensar isso era terrivelmente fúnebre enquanto a cabeça cortada parecia se virar na minha direção. Ash ao meu lado não se importava com o cheiro, nem com o fato de não poder abraçar o corpo todo de uma vez. Ele agarrava um pouco de cada membro, mas não soltava o tronco, com o ouvido onde devia haver o coração, parecendo não acreditar que não existia batimento. Não aceitando que aquela pessoa estava morta. Eu escutava o barulho alto do choro dele, os gritos agoniados como se ele estivesse morrendo de dor.
Desespero que eu nunca ouvi na voz calma de Ash.
Meu coração pesava. Eu queria que ele parasse. O cheiro, as bordas da pele repicada como papel cortado por uma criança, os vermes amarelos comendo lentamente cada centímetro restante daquele pequeno corpo. Todos esses detalhes nunca sairiam da minha mente.
O fedor era demais pra mim. Eu conseguia ver a água que vazou do corpo no fundo do saco plástico que nós o encontramos. A luz não era muita, mas não era difícil imaginar alguns vermes que caíram da pele, boiando.
"Nós precisamos sair daqui." Eu sussurro. Minha voz não parece correta nesse ambiente. Eu quero ir embora, eu preciso ir embora, senão eu vou enlouquecer.
"Eu vou matar ele." Ash sussurrou. Meu corpo inteiro estremeceu. Aquilo era uma promessa feita para a pessoa agora cortada em vários pedaços, e não para mim.
Eu poderia repetir que precisávamos sair daqui, mas não repetiria, porque se fosse eu na situação dele — se fosse Ash quem estivesse morto e eu quem achasse seu corpo — eu rodaria o mundo para ir atrás de quem o matou.
Mesmo que isso signifique ir para prisão. Mesmo que isso signifique ir para o inferno.
E saber que ele faria tudo isso por aquela pessoa já falecida e apodrecida mexia com uma parte de mim que, embora eu tentasse ignorar, sempre resistia.
Mexia com meu ciúmes. Mexia com minha insegurança.
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