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“Sinta duas vezes o sabor, não sinta nenhuma caloria.”


A frase brilhava em letras obscuras na tela anônima do computador. Por um momento, as unhas percorreram seus braços, deslizando fortemente sobre a derme amendoada. As lágrimas desciam silenciosamente por seu rosto, suas mãos tocavam a própria barriga, buscando encontrar todas as gorduras existentes.

Piscou, o choro deslizando rapidamente e caindo no moletom surrado. Os nomes “Pro Ana, Pro Mia” brilhavam no topo da sua tela de pesquisa. Os fóruns de dietas e fórmulas para perder peso lhe davam as mais diversificadas dicas.


Dieta da maçã.

Dieta do arco-íris.

Dieta do café.

Dieta dos laxantes.

Dieta do N.F. (no food).

Dieta do L.F. (low food).


Lia uma por uma, cuidadosamente, fotografando a tela com o celular, salvando cada truque para alcançar a perfeição. Deslizou as setas mais abaixo, os comentários dos diversos usuários eram lidos um a um por seus olhos curiosos.


ButerfflyAna; colocar perfume na mão facilita na hora de ‘miar’! Faço isso muitas vezes c;

Myperfectdiet; beba muita água se for ‘miar’, o vômito sai com mais facilidade.

Skinnyandmini158; faça a dieta da maçã e mie depois! As calorias são quase zero.


Buscou a balança escondida por de trás do guarda roupa, seus pés gelados tocando o vidro e a tela eletrônica se ascendendo, os números se contando lentamente, torturando sua cabeça. Pouco a pouco o resultado se definia. Os números 60.4 estancaram na tela, torturando lhe silenciosamente. Seus pés desceram, a esperança de que os números mudassem – ainda que seu corpo já não estivesse mais sobre a balança – era a única coisa a morar em seu peito.

Caiu na cama, os olhos lacrimejados e o rosto banhado pelo pranto silencioso. Odiava a si mesmo mais que qualquer coisa no mundo.

Por um momento, seu rosto virou-se para a tela do notebook que iluminava o quarto, os comentários e dicas realizando cruelmente a lavagem cerebral em sua cabeça.

Taehyung secou o rosto, o bolo preso a sua garganta lhe engordava, concluiu ao trancar-se no banheiro observando o reflexo destruído. Os cabelos ressecados, os olhos marcados por olheiras que o atormentavam, os lábios – antes tão vermelhos quanto o mais fresco e doce morango – agora eram banhados pela coloração pálida. Sua pele não era a mesma de antes, podia notar a fina camada descascando, o modo como ela se tornara áspera com o passar dos meses.

Você não precisa comer, Taehyung. Comida te engorda. Você me dá nojo. Repetia constantemente. Lembrou-se então do comentário que lera há pouco.


– Colocar perfume na mão ajuda na hora de vomitar.


Buscou o frasco de colônia que ganhou de uma tia distante em seu último aniversário.

Há semanas vomitar tornava-se cada vez mais difícil. Sua garganta parecia ter se acostumado ao trio de dedos que adentravam profundamente, ferindo a pele da úvula e da garganta, fazendo com que os alimentos retornassem, junto ao ácido de seu estômago.

Era normal sentir sua garganta irritada por vomitar demais após ter passado horas sem comer.

Sua concentração para com atividades que antes considerava suas favoritas atualmente era direcionada somente ao que comeria, o quanto comeria, se deveria comer. Não sentia fome, então não faria mal pular um dia completo de refeições, certo?

Sua insônia lhe mantinha diversas madrugadas acordado, os joelhos colados ao peito e a boca segurando os soluços que os choros diários causavam. Os antidepressivos que se automedicou eram escondidos na mochila da faculdade, ninguém tocava, ninguém sabia. Os laxantes ficavam entre os colchões e tinha de calcular corretamente o tempo para que os efeitos começassem no tempo e local certo.

Lembrava bem do dia em que sua mãe encontrou uma pequena cartela com alguns comprimidos sobrando e teve de pôr a culpa em Jeongguk, que havia ficado doente do estômago por comer demais e então, como o bom namorado que Taehyung era, comprou para o companheiro.

Dormia e acordava com o medo. Esse que se tornou seu mais presente companheiro, ainda que não o desejasse, e junto a ele a paranoia também lhe acompanhava. Parecia que todos desconfiavam, sabiam de seus mais sujos segredos.

Taehyung não era feliz, tinha depressão e pensava todos os dias qual o mal seria morrer, acabar com a tortura que vivia todos os dias de sua vida. Não era livre, via-se escravo de remédios para eliminar alguns pesos de seu corpo, preso a dietas absolutamente bem calculadas, preso ao medo de comer mais do que o permitido, medo de alguma grama a mais ser adicionada na balança, medo de que nenhum quilo sumisse de seu peso.

Ajoelhou-se em frente o assento sanitário. Os dedos perfumados pela colônia entraram em atrito primeiramente com sua língua, logo os deslizando até o fundo, tocando a pele fina e os deslizando brutalmente por lá.

O primeiro enjoou veio, pequenas lágrimas brotando no canto de seus olhos, os dedos ameaçando fugirem de dentro de lá. Agora não!

Mais uma vez eles se afundaram, seu corpo se inclinou para frente quando a água amarelada saiu, seus dedos retirando-se antes que fossem atingidos e o líquido espesso caindo dentro do sanitário.

Apoiou-se na cerâmica branca, sua visão embaçada e sua respiração pesada. Conseguiria mais uma vez.

Os dedos entraram novamente, o choro inconsciente se misturava ao vômito. Seus dedos forçaram ainda mais quando notou a não chegada do vomito, seu corpo inclinando-se brutamente e sua boca forçando-se a abrir ainda mais com a quantidade que saía.

Engasgou-se com a própria saliva ao tentar respirar. As pernas perderam a força quando provocara uma última vez, sentando ao lado do sanitário, suas pernas formigavam, sua garganta doía e seus olhos ardiam. Seu coração se quebrava.

Apoiou-se na pia, seus dedos firmando-se no granito esbranquiçado para, então, levantar. Sua pele estava avermelhada, a irritação pôs-vomito era algo que já havia se acostumado com o passar do tempo.

Abriu a janela do banheiro, o odor de podridão dominava o cômodo inteiro. No entanto, aquela situação no momento era a menor de suas preocupações. Correu até o quarto, a balança sendo novamente posta a sua frente.

Suas mãos se fecharam em punhos e seus olhos se comprimiram antes de encarar o resultado daquela madrugada.


59.8


~°~



Antes mesmo de entrar na universidade, Taehyung foi surpreendido por braços fortes e calorosos que o prenderam em um abraço apertado. Jeongguk carregava o costumeiro aroma de canela tostada e seus braços o deixavam mole, seguro, convencendo Taehyung cada vez mais que perto de Jeongguk era aonde deveria permanecer até o final de seus dias na Terra.

Tivera os lábios selados pelos semelhantes, deixando um singelo carinho em sua boca. Jeongguk não aprofundou, porém, não se distanciou quando os braços libertaram o tronco do namorado e as bocas se separaram.

O sorriso desprendeu facilmente de si ao ver Jeongguk. Era algo que já devia ter se acostumado, mas seu corpo e sua mente ainda faziam questão de demonstrar o quão frágil era Taehyung quando se tratava de Jeongguk.


– Dia. – Jeongguk sussurrou, os lábios esbarrando com os semelhantes antes de selar rapidamente. As mãos se entrelaçaram e os sorrisos se desprenderam por completo.


Taehyung disfarçou o desconforto que sentiu em seu estômago quando Jeongguk puxou-lhe pela mão para que andassem. Após a noite anterior, acordou de madrugada por conta do estômago vazio e virou uma madrugada inteira acordado, saindo pela manhã ainda sem comer uma mísera grama de comida. Precisou disfarçar as olheiras chamativas em seu rosto com um pouco de maquiagem e os lábios pálidos e ressecados foram fantasiados por tint’s avermelhados.

Sua pele suava frio, as pernas formigando e os braços amolecendo repentinamente. Sentia-se completamente fraco, no entanto, disfarçava para que Jeongguk não notasse. Odiar-se-ia ainda mais se caso decepcionasse Jeongguk.

Ele era a única parte boa que ainda lhe preenchia com um pouco de alegria. Taehyung cursava medicina, no entanto, odiava o curso. Quando criança sonhava em poder fazer teatro, dedicar-se a virar um ator profissional e reconhecido, mas as raízes de sua família o obrigaram a seguir o caminho que todos seus primos – os tão exemplares e polidos – seguiam, o caminho de um curso renomeado, carregando o sobrenome Kim.

Quando criança gastava boa parte do pouco dinheiro que lhe era dado com guloseimas, descontroladamente comendo tudo em demasia. Aos catorze anos, pesava setenta e nove quilos com míseros um metro e cinquenta e cinco. As dietas descontroladas e exercícios preocupantes começaram após um menino de sua classe cuspir em seu cabelo e o chamar de gordo. Sua sétima e oitava série foram baseadas no bullying sem fim e nos bilhetes de ódio gratuito que recebia secretamente.

Seu travesseiro passou a ser o diário que guardava seu choro e seu corpo o objeto que mais odiava no mundo. No começo da nona série, seus cafés das manhãs inundados por pães e doces foram substituídos por uma xícara de café amargo, seu almoço resumia-se a uma pequena maçã, que era mastigada e – depois de engolir o suco doce – era cuspida e jogada na privada, eliminando por completo as provas de que pulava refeições na maior parte dos dias.

Após três meses, oitenta quilos fechados de seu corpo se transformaram em míseros cinquenta e dois e uma anemia acompanhada por desnutrição. Ver sua mãe chorar ajoelhada a sua frente por temer perder o filho único e seu pai desejar fechar a empresa de hospitais por querer cuidar do filho, enquanto Taehyung permanecia deitado na cama hospitalar tomando o soro por não ter forças nos músculos sequer para mastigar, fez com que o Kim voltasse a comer, mastigar os alimentos lentamente. Em pouco menos de um mês conseguiu recuperar alguns quilos, seu corpo crescendo até que parasse nos sessenta e dois quilos, com uma altura de um metro e setenta e oito.

Era bonito, estava satisfeito e tudo parecia ainda melhor no dia em que recebeu alta. Sua vida voltou ao normal, suas refeições eram suficientes e saudáveis, alimentava-se com frequência e nunca engordava.

Porém, as compulsões surgiram em vésperas do resultado de um vestibular. O nervosismo que percorria suas veias lhe queimava, doía mais do que o próprio fogo do inferno. Então, enterrou-se com um imenso sanduiche e meio litro de refrigerante. O desespero o dominou quando a balança demonstrou os 65.3 e as ações futuras foram inevitáveis.

O primeiro vômito lhe feriu, deixou-lhe fraco e febril. No entanto, sentiu a maravilhosa sensação do vazio novamente. O estômago tremendo, implorando para que comesse algo, o corpo leve, os dedos mais finos, os ossos mais salientes.

Comprou dez cartelas de laxante escondido, deixando-os sempre próximos de si e tomando dez comprimidos de uma só vez, encantado como no dia seguinte perdia um ou até mesmo um quilo e meio somente com as pequenas pílulas.

A sensação de liberdade era maravilhosa. Quando saía, comia a vontade, sem medir o tanto que realmente precisava comer, sabia que ao chegar em casa todo aquele alimento sairia forçada e facilmente de seu corpo. A privada tornou-se sua melhor amiga após as saídas. Vomitava-se uma, duas, três, até mesmo quatro vezes por dia. Acordava e dormia com o estômago vazio.

65, 64, 63, 62, 61, 60. Retornar a pesos baixos o alegrou de forma que qualquer outra coisa jamais teria feito.

O bullying ainda continuava. Na nona séria, fora taxado como o ‘gordinho da turma’, no primeiro ano, Taehyung era conhecido como o ‘cadáver vivo’. Mexiam com seus cabelos que perderam a cor e maciez, com o fato de nunca lanchar devidamente na hora dos intervalos, até mesmo espalharam o boato de que era um bulimico desgraçado que vomitava pelos cantos da escola – um boato que não era de todo uma mentira, algo que Taehyung jamais confessaria.

Jeon Jeongguk surgiu no segundo semestre da primeira série do ensino médio. O novato de sorriso fácil e olhos brilhantes foi a esperança que surgiu no peito de Taehyung em meio a tempestade de solidão e desespero.

As conversas entre troca de aulas e intervalos monótonos, os abraços que cada vez mais ganhavam carinho ao final de um dia inteiro de aulas em uma despedida calorosa, as mãos que se entrelaçavam quando sentavam para atividades em dupla, as saídas para cinemas que se tornavam cada vez mais existentes em sua rotina.

Como o nascimento de um ramo que se transforma em uma majestosa roseira, a amizade de Taehyung e Jeongguk floresceu, dando vida a uma carga de sentimentos que passou do limite que uma amizade podia suportar.

Taehyung nunca revelou os problemas ao namorado. Após quatro anos, ainda escondia-se no banheiro e livrava-se de tudo que o fazia pesar. Inventava desculpas bobas para fugir quando os efeitos do laxante o atacavam e tinha que correr para que Jeongguk não suspeitasse de nada. Quando Jeongguk o levava a restaurantes bonitos, sempre recusava dormir no apartamento do namorado, pois ao final de cada noite precisava limpar-se para que aparecesse bem no dia seguinte.

Confiava no companheiro de olhos vendados, no entanto a confiança que depositava em si mesmo não era o suficiente para que se sentisse completamente seguro sobre suas decisões.


– Taetae. – A voz sussurrada despertou-lhe, Jeongguk tinha a beleza de um anjo com sua pele branca e cabelos negros. – Chegamos.

Assentiu, andando em passos lentos. Jeongguk deixou sua mochila na cadeira ao lado da qual se sentou, o casaco sendo posto ali também.

– Vou comprar algo para bebermos – Jeongguk anunciou baixo, as mãos tocando os ombros de Taehyung. – Volto já.

Quis dizer que não gostaria de tomar nada, não precisava. Entretanto, permaneceu quieto observando o namorado deslocar-se pela cafeteira. Sabia por que o Jeon marcou de se encontrarem antes do intervalo.

Surpreendeu-se quando Jeon retornou com as bebidas em mãos, pegando novamente a mochila sobre a mesa e lhe chamando com um acenar de cabeça.

Acompanhou o mais novo até que chegassem ao campus extenso da faculdade, ambos sentados no banco de madeira. Taehyung evitava demonstrar que sequer tomara um gole inteiro da bebida calórica em suas mãos, enquanto Jeongguk bebia um gole a cada minuto, as pernas se batendo eufóricas no gramado e os lábios sendo comprimidos.

Suas mãos deixaram o copo com chocolate quente de lado, buscando as mãos finas de Taehyung e entrelaçando os dedos. Seus olhos encontraram os do mais velho, a carga de sentimentos sendo trocada sem que palavras fossem necessárias.


– Taehyung – Pronunciou, adorava como o som do nome de Taehyung saía. – Sabe o quero falar, não sabe?


Assentiu. Tinha noção de que o assunto que a tanto fugia retornaria rapidamente. Jeongguk o olhava com tamanha expectativa há meses sempre que se viam. A pergunta que o mais novo lhe fez e que nunca conseguiu uma resposta exata perturbava lhe o sono e tirava a paz que sempre tinham quando estavam juntos.


– Ontem o sofá chegou ao apartamento – Jeongguk comentou subitamente, ainda que soubesse as reais intenções do namorado ao falar sobre aquilo. – Só falta uma coisa, melhor... Uma pessoa para que tudo esteja perfeito.

– Jeongguk...

– Me responda de uma vez, Taehyung. – Jeongguk sentou-se de frente para si, as mãos dele apertando as suas em puro sinal de nervosismo. – Cansei de imaginar você andando por aquele apartamento ou até mesmo se deitando ao meu lado sem saber sua real vontade. Se você quer isso ou não.

– Eu não sei – Taehyung confessou, os olhos se desviando. Seu coração gritava infinitos e altos ‘sim’, enquanto sua insegurança lhe chicoteava com um ‘não’ maior do que sua vontade.

– Quero saber o que você quer, Taetae. Não me importo se sua resposta é boa ou não, quero saber o que mora dentro de você. O que te fizer feliz, também me faz. – Jeongguk sorriu, os dedos brincando com o cabelo castanho de Taehyung. – Gostaria de morar comigo, sim ou não?

Suspirou. Tudo o que mais queria é que Jeongguk fosse a primeira pessoa que veria após acordar e a última em seu dia. Gostaria de acordar e preparar-lhe um café da manhã recheado dos morangos que o namorado tanta amava, que pudessem pintar o teto do quarto de casal deles juntos, madrugassem o quanto desejassem assistindo os animes.

Porém, sabia o quão era arriscado. Jeongguk não poderia saber do que somente o próprio Taehyung sabia, tinha medo de ser descoberto, de que Jeongguk sentisse nojo de si. Lembrava bem de quando mais novo – onde seu problema o fizera desmaiar dentro do próprio quarto – tentou comentar sobre as compulsões que possuía, e ouviu sair da boca de sua mãe o quanto vômitos eram nojentos e o quanto ela repugnava isso. Naquela noite, chorou por não saber em quem confiar e vomitou até que caísse de fraqueza, tentando limpar sua alma. Ainda que no fundo, desejasse matar a si próprio.


– Eu quero, é tudo o que eu mais quero. – Sua voz saía rouca, evitava encarar Jeongguk diretamente. – Mas eu...

– Você?

– Eu tenho medo, Jeongguk. – Buscou o chocolate abandonado, um gole grande descendo por sua garganta. O que está fazendo, idiota? Sabe quantas calorias isso possui?

Foi puxado até que sua cabeça estivesse sobre o peito de Jeongguk. Tentava não lembrar que estavam no campus, concentrando-se somente nos dedos que acariciavam seu cabelo e os lábios que selavam sua testa.


– Medo de que? – Jeongguk sussurrou, os lábios esbarrando. – Sabe que pode confiar em mim, qualquer coisa, pode me contar.

– Eu sei, eu só... – Tenho medo de você ter nojo de mim, Jeongguk. De saber que a única coisa que eu consigo pensar é em como vou vomitar, o que eu não posso comer, o quanto eu peso, como as pessoas veem meu corpo, o quanto eu amo ficar dias sem comer por ver meus ossos marcados, como eu tenho medo de ser descoberto. – É uma mudança grande.

– Confie em mim.

Sorriu minimamente, a mão de Jeongguk continuava a lhe afagar o cabelo quando se afastou. Os olhos negrumes lhe observavam tão esperançosos, tão alegres e... tão Jeongguk. Sua cabeça afirmou, um suspiro pesado saiu enquanto concordava.

O sorriso gigantesco fez com que os olhos do mais novo se comprimissem, puxando Taehyung novamente para seus braços, apertando o corpo magro com todo o amor que possuía.


– Eu aceito.


~°~


As últimas caixas foram postas por cima do sofá cinza, que já tinha o travesseiro estampado e duas mochilas de Taehyung.

Jeongguk secou o suor que caía por sua testa desviando sua atenção para Taehyung que entrava carregando uma pequena caixa. Uma careta franziu seu rosto, já tinha dito para que Taehyung não tentasse carregar mais nada. O namorado passara mal ao carregar algo mais pesado quando começaram a desocupar o carro do mais velho, e ao se preocupar, Taehyung lhe afirmou que suspeitava estar pegando um resfriado.

Em passos largos, roubou a caixa das mãos finas, depositando-a sobre outras várias.

Seu sorriso já era quase que uma parte permanente de seu rosto desde que Taehyung afirmou que iria sim se mudar para seu apartamento, agora o apartamento deles. Ver todas as caixas e as bugigangas de Taehyung espalhadas pelo local, que até horas atrás costumava ser vazio demais; organizado demais; solitário demais, sendo preenchido pelas cores de seu namorado era algo que ambicionava poder ter em seus dias.

Abraçou Taehyung, elevando o corpo e o girando no ar. Antes do namoro, Jeongguk julgava os clichês, não via necessidades em todos os abraços, beijos, ações, no entanto, Taehyung despertava seu lado mais romântico, apaixonado. Gostava de ver o sorriso no rosto do namorado quando o surpreendia com flores, passeios ao parque e beijos sem razões.

Surpreendeu-se com o quão leve Taehyung parecia. O namorado sempre fora magro, no entanto, o peso parecia ter diminuído pela metade.

Taehyung beijou os lábios com sabor de melancia. Ainda sentia-se inseguro, nervoso com a mudança, tentava esquecer a ansiedade com os beijos e abraços que Jeongguk lhe dava a cada minuto.


– Não tem noção do quanto eu ‘tô feliz. – Jeongguk sussurrou, o ar quente de sua boca esbarrando com a de Taehyung.

– Eu também, muito. – Taehyung sorriu.

– Vamos comer algo na cafeteria aqui perto? Eu meio que me esqueci de fazer as compras...

Taehyung riu, soltando-se dos braços firmes e entrelaçando seus dedos aos de Jeongguk. Andando pelas ruas frias, Taehyung não segurava os risos para com Jeon.

Jeongguk comentava sobre os trabalhos e as provas que seriam dobrados por conta do final do semestre, as bochechas infladas e os olhos expressando o descontentamento em ter que gastar boas noites de sono pondo a matéria em dia.

Passou pela porta após Jeongguk abri-la, encantado com os gestos tão animados do mais novo, sentou-se em uma das mesas ao canto e esperou que Jeongguk se sentasse a sua frente.

– Vou comprar algo para nós dois, volto já.

Quando pensou em contestar, Jeongguk já havia se afastado da mesa e corrido para o balcão. Sua barriga contraía pela fome que tinha. Já estava a quase vinte e quatro horas tomando somente água e seu corpo começava a dar indícios da saudade de comidas de verdades. Chá verdes e água não o manteriam em pé por muito tempo.

Jeongguk retornou segurando uma bandeja recheada de guloseimas. Dois copos de frappuccino de chocolate, duas fatias de bolo – tão grandes que Taehyung perder-se-ia contando as calorias existentes ali –, um pacote de salgadinhos e dois bolinhos de queijo.

Seus olhos se arregalaram diante a porção gigantesca. Sua boca salivou, a fome falando mais alto do que sua razão.


– Acabei de receber uma mensagem de Hoseok hyung. Ele disse que preciso ir à sala de pratica pegar os CD’s do próximo festival para fazer as cópias – Jeongguk explicou enquanto digitava no celular e bebeu um gole do café gelado, observando o namorado que ainda não se movera. – Não vai comer?

– Vou, eu só. – Deixou a frase morrer quando Jeongguk lhe entregou sua bebida. Não coma! – Nada.

– Tae, se importa em voltar para casa sozinho? Quando terminarmos aqui eu vou correndo na academia e depois podemos passar o dia inteiro juntos.

– Tudo bem. – Mastigou com velocidade os pedaços da fatia de bolo de chocolate, bebendo mais do frappuccino. – Posso ir organizando as coisas por enquanto.

– Certo, mas não se esforce, ok? Não quero que o resfriado piore.

Okay.

Comeram tudo com certa pressa. Taehyung sentia sua barriga alagar-se dolorosamente, a comida lhe deixando inchado e pesado. Não conseguia conter os próprios atos diante a refeição atraente que lhe foi dada. A compulsão o cegava.

Foi o primeiro a terminar, comprando uma garrafa de água antes de deixar o local na companhia de Jeongguk. Ao menos a água facilitaria tudo. Despediram-se com um beijo e Taehyung esperou que Jeongguk sumisse de sua vista para correr até o apartamento.

Jogou os tênis de qualquer forma quando destrancou a porta, a garrafa de água já vazia em suas mãos. Sentia-se sujo, podre.

Pegou um dos perfumes do namorado, espirrando no indicador e anelar, molhando a mão na pia. Levantou a tampa do sanitário, os dedos se infiltrando lentamente por dentro de si, alisando sua garganta.

Uma lágrima caiu sem notar, assim como o vômito que saiu. Tossiu, sentindo a consistência do perfume irritar a pele interna já fragilizada. Enfiou a dupla de dedos novamente, dessa vez enjoando ao invés de sair os alimentos. Tentou novamente.

Quase se engasgou com os próprios dedos ao ouvir o barulho da porta da sala. Seus olhos se arregalaram e levantou com pressa para lavar as mãos.


– Tae? – A voz de Jeon ecoou por todo o apartamento.

Sentia seu sangue congelar e seu coração se acelerar. Tropeçou nos próprios pés, causando um barulho mais alto que o desejado.

– Taehyung? – Jeongguk chamou mais uma vez.

Ouviu os passos apressados se aproximarem e antes mesmo de conseguir se levantar – algo que exigia uma força tremenda nas condições que estava –, o namorado entrou no cômodo. Os gentis olhos transbordavam preocupação ao se aproximar do mais velho.

– Tae... – Ajoelhou-se ao lado de Taehyung, os braços segurando o corpo frágil.

– Acho que a comida não me fez bem – mentiu, desviando os olhos para a cerâmica. – Fui desembalar algumas caixas e o enjoo veio.

Jeongguk aceitou a pouca explicação, no momento, importava-se mais em assegurar o bem estar de Taehyung. Firmou sua mão ao redor do tronco fino, erguendo-o com facilidade. Fez bem em esquecer as chaves do armário da academia.

Taehyung sentia a visão embaçar, tonturas eram completamente normais após miar de forma exagerada. No entanto, não pôde evitar se sentir aliviado, afinal, estava limpo novamente.

Foi deitado na cama de casal e coberto pelo edredom quente de Jeongguk. Encolheu-se por debaixo das cobertas, seus braços abraçando a barriga e suas pernas subindo. Sentia a súbita vontade de chorar, vendo Jeongguk retornar ao banheiro e ver o quão podre ele era – ainda que o menino de cabelos negros não soubesse a real razão para o vômito –, o quão repugnante era Kim Taehyung, o bulimico desgraçado.

As lágrimas saíam calmas, os lábios eram abafados por parte do tecido. Sentia sua pele seca, desidratada. Provavelmente tomar tantos laxantes em poucos dias e vomitar em demasia não era o melhor tipo de hidratação que sua pele precisava.

Sentiu quando o colchão afundou mais um pouco. Os braços de Jeongguk o abrigaram, apertando sua alma quebrada e deixando que chorasse baixinho em seu peito. Odiava ser um mentiroso.


– Tae...

– A comida realmente não me fez bem – Acrescentou, o choro sendo reprimido. – Minha barriga dói por causa dela.

– Durma um pouco, vai melhorar.

Jeongguk beijou sua testa, após assentir. Buscou novamente abraçar o namorado e deixar sua cabeça sobre o peito aquecido.


~°~


Taehyung despertou após o meio dia. Sua cabeça latejava, mas seu corpo parecia mais disposto, sabia que após o vômito algumas partículas dos alimentos ficavam ainda em seu interior, a energia que eles carregavam o mantendo de pé.

Sentiu o aroma de comida caseira, sua barriga dando sinais de vida novamente quando se trancou no banheiro. Encarando as olheiras e os lábios esbranquiçados, buscou a pequena bolsa que guardou no armário reservado para suas coisas, o amarelado de seus olhos cobertos com um pouco de corretivo e a palidez de sua boca disfarçada novamente pelo tint.

Uma rotina diária.

Penteou o cabelo com os próprios dedos, caminhando até a cozinha. Jeongguk ficava belo com as calças cinza de moletom, o tronco despido e os pés cobertos por meias e chinelos descontraídos. Era uma cena que com certeza poderia se acostumar.

Sorriu, sem um motivo aparente – mas com um enorme acima de tudo – surpreendendo Jeongguk ao abraça-lo de costas, suas mãos se entrelaçando na barriga do mais novo e seu rosto se afundando nas costas com cheiro de sabonete.

Fechou os olhos, suspirando quando Jeon se virou ainda entre seus braços, os lábios selando rapidamente sua testa e os rostos ficando na mesma altura. Pode ver todo o carinho concentrado nos olhos intensos que sorriam silenciosamente.


– Dormiu bem? – Jeongguk questionou simplesmente, ainda que o Kim pudesse notar a importância que aquela pergunta possuía naquele momento.

– Muito melhor do que dormia na minha antiga casa. – Cuidadosamente selecionou as palavras, o sorriso bobo crescendo no rosto de ambos.

– Você me pegou... – Confessou. – Me diga, ainda sente alguma dor ou enjoo? Posso te levar no hospital se quiser.

– Não! Eu... Eu ‘tô bem, de verdade, provavelmente eu comi demais. Foi temporário.

– Certo, mas vá se deitar, sim? Precisa descansar.

Ok, ok.

Jeongguk riu, empurrando o mais velho para fora da cozinha e observando se ele retornaria mesmo para o quarto. Correu para a panela com a sopa que preparou – após as instruções bem detalhadas que a senhora Jeon lhe deu, por duas horas inteiras –, servindo um prato com a porção quente, pondo alguns dos pedaços de frango que sabia que Taehyung gostava, e buscando uma bandeja para que o colocasse.

Deixou o copo de água ao lado e carregou tudo de volta para o quarto, encontrando o corpo folgado jogado sobre a cama e mexendo no celular.

Depositou a bandeja no criado mudo, sentando por cima do tronco fino e selando os lábios gentilmente, presenteado com o sorriso de Taehyung.


– Fiz algo para comer – Anunciou, levantando-se e pondo a bandeja sobre o colchão. – Eu vou terminar de guardar algumas coisas lá na cozinha e coma enquanto isso. Se quiser mais pode gritar.

– Tudo bem, mãe. Vou comer tudo.

Retornou a cozinha, suspirando. Ver todas as panelas e o balcão em uma completa zona era um tanto quanto deprimente após horas de trabalho duro para preparar uma boa refeição. Ensaboou louça por louça, e limpou cada centímetro da cozinha, suas mãos já doloridas por tanto esforço.

Jeongguk não estava acostumado a cozinhar, muito menos limpar. Quando se mudou para o apartamento, mal costumava ficar em casa, sempre gastando seu tempo na faculdade ou na casa de Taehyung, não via necessidade de dar espaço a solidão. Não quando tinha Taehyung lhe abrigando de braços abertos e sorriso no rosto.

Receber um ‘sim’ do namorado para que ele morasse consigo foi uma das melhores coisas que poderiam ter acontecido. Pensou sonhar quando acordou naquela manhã ao lado de Taehyung, vendo as tranqueiras do mais velho espalhadas por todos os cômodos, a bagunça que sempre quis ter se fazendo tão presente.

Após um tempo conseguiu limpar toda a bagunça, seus dedos enrugados por conta do contato prolongado com a água e seu rosto um tanto suado pelo esforço. Precisava de um banho.

Taehyung já se encontrava adormecido novamente, quando retornou ao quarto. O prato vazio estava ao lado da cama, a colher suja, e os pequenos restinhos de comida lhe deixando a certeza que Taehyung havia comido tudo.

Sorriu, depositando um selar sobre a bochecha um pouco mais corada que o comum, pegando roupas limpas e trancando-se no banheiro. Sentiu o aroma de seu perfume, franzindo o cenho. Não o tinha passado ainda.

Ao livrar-se das roupas sujas, Jeongguk levantou a tampa do sanitário, seus olhos arregalando-se um pouco com o que via.


Ali dentro, os pedaços de frango da sopa estavam.



~°~


Escorou na parede metálica do elevador, respirando fundo. Nunca tivera tanto dificuldade para se manter em pé. Agarrava-se a barra de metal em frente ao espelho, seu corpo inclinado e os olhos vedados, tentando poupar o máximo de energia o possível.

Taehyung andou em passos calmos pelo corredor vazio do nono andar, o vento que entrava pelas extensas janelas de vidro fazendo com que seus dentes doessem. Trêmulo, destrancou a porta, batendo a madeira com força ao entrar, atirando suas coisas na mesa de jantar.

O comprimido passou por sua garganta, a água facilitando com que ele fosse completamente engolido. Deixou o copo de água sobre a mesa de centro da sala, jogando-se no sofá. Começou a sentir a fraqueza no meio da aula de ‘Psicologia Médica’ e fingiu até os minutos finais, pedindo um táxi. Não tinha forças para andar.

Sua respiração era pesada, em todos os anos desde que aquilo tudo começara, nunca havia sentido tamanho mal estar. Seus lábios completamente ausentes de cores, seus olhos desfocados, sua pele suada, gelada e seca, o coração batia completamente rápido, frio dobrou de impacto, fazendo-o encolher dentro do moletom.

Taehyung levantou-se, buscando pelo celular dentro da mochila. Precisava chamar Jeongguk.

Sentiu o ácido subir por sua garganta, o vômito acompanhado de gotículas sangue saiu de sua boca. O fedor o deixava ainda mais desnorteado.

Antes mesmo de achar o contato do namorado, Taehyung apagou.



~°~



Tentou tocar os dedos na pele, sentindo a agulha que a perfurava dolorosamente e fazia seu pulso queimar. A primeira coisa que seus olhos fitaram foi a bolsa transparente ligada a seu pulso, as gotas caindo lentamente. Por um impulso, desejou arrancar a agulha de seus braços, seus dedos comprimindo o fio de plástico que permitia o remédio chegar até si.

– Não faça isso.


Encarou Jeongguk, assustado com a voz repentina, sequer notando que desde que despertou não estava sozinho naquele quarto. O aperto ao redor do braço foi afrouxando, seus braços pousando ao lado de seu corpo, a boca entreaberta, sem saber ao certo o que dizer, o que fazer.

Jeongguk sabia de tudo?

Engoliu em seco, sentindo o medo passar a percorrer por todo seu corpo. Jeongguk lhe deixaria? Ele seria mais um que o julgaria? Não, não acreditaria nisso. Jeon era diferente, ele sempre foi.

Só então notou as mudanças no namorado. Os olhos eram cercados por bolsas roxas, os cabelos despenteados, a face inteira lhe passava o quão exausto ele estava. Sem perceber, lágrimas desceram de seus olhos, correndo por seu rosto. Odiava estar passando por aquilo novamente, não era justo.

Foi abrigado pelos braços que sempre o acolhiam. Um peso saiu de cima de si quando Jeongguk selou sua testa, o abraçando com todo o carinho que podia transmitir, fingiu que não sentia as lágrimas quentes que caíam em cima de sua cabeça. Contaria nos dedos as vezes que já vira algum choro vindo do Jeon, o ódio por saber que era a causa do pranto magoado fazendo com que se odiasse ainda mais.

Estava magoando a única pessoa que o amava verdadeiramente.

Permaneceram ali, ambos não tinham palavras para iniciar a conversa que sabiam precisar ter. Jeongguk engoliu o choro durante os dois dias que Taehyung ficou no hospital, após retornar do treino e encontrar o vômito ensanguentado e o namorado no chão, não perdeu tempo em ligar para uma ambulância, o desespero fazendo com que desejasse morrer ao pensar na possibilidade de perder Taehyung.

Exames foram feitos com a maior pressa o possível. Seus pais não hesitaram em mandar o dinheiro no mesmo instante que os informou da situação, e ao descobrir que o esôfago do Kim estava completamente inflamado e suspeitavam de uma infecção por inalação de substâncias tóxicas – algo que suspeitou ter vindo do perfume que tanto sentia o cheiro –, não hesitou em contar aos médicos.

O resultado do exame de sangue foi o que recebeu por último. Taehyung estava com anemia, a vitamina D se fazia quase inexistente no corpo magro e o cálcio abaixo do recomendado pela quantidade excessiva de diuréticos ingeridos.


– Me desculpe. – Taehyung soluçou, a garganta falhando e doendo. – Por favor, me perdoa.

Shh... – Secou as lágrimas da pele pálida. Taehyung até mesmo perdeu o caramelo tão belo de sua pele, a cor dourada que tanto admirava agora era substituída por algo morto, uma palidez nada bela. No entanto, Taehyung continuava o ser humano mais bonito do mundo para si. – Não se desculpe por nada, eu... A culpa é minha, eu devia ter notado, Tae e...

– Não! – Saíra uma oitava mais alta. Os olhos se arregalaram e seu peito doeu. – Nada disso é culpa sua, Jeongguk, não diz isso, por favor. Não se culpe por isso.

– Desde quando? – Jeon perguntou, os dedos percorrendo o tronco desnutrido, sentindo as costelas marcadas. Taehyung negou, escondendo-se em seu peito novamente, naquele momento ele se assemelhava a uma pequena criança implorando pelo colo de uma mãe. –Tae...

– Nona série. – A voz falhou, as mãos agarrando o moletom de Jeongguk. – Eu passei a pular algumas refeições para que não mexessem mais com meu corpo. Um pouco depois de nos conhecermos, no terceiro ano, a ansiedade me atacou e vomi... Fazer isso me dava (um) certo alívio.

– Meu Deus...

Jeongguk afastou-se, os olhos arregalados e as mãos agarrando o próprio cabelo. Por um momento, somente o observou andar de um lado ao outro do quarto, os olhos inchados comprovavam que ele vinha chorando há um tempo, e as mãos trêmulas expressavam silenciosamente o medo que ele sentia.

Sentou-se ao lado de Taehyung, fitando os olhos castanhos. Sua mão tocou o rosto afilado, os dedos passeando pelo maxilar bem definido. Beijou os lábios ressecados, as testas de encostando ao final.


– Falei com o médico, vamos precisar te internar na clínica de tratamento do hospital.

Revelou sem olhar para Taehyung. Não tinha ideia de como revelar aquilo para o companheiro, viu como sendo a melhor opção conta-lo de uma só vez.

– O quê? Não, eu não quero! – As lágrimas voltaram. Lembrava-se das sessões que fizera quando mais novo. Não suportaria aquilo novamente. – Posso parar sozinho, eu consigo.

– Não. – Jeongguk deitou a cabeça no ombro de Taehyung, a respiração pesada mostrando o quão frágil ele também estava naquela situação. – Confie em mim, Taehyung, por favor. Eu não vou suportar te ver desacordado mais vezes, você não tem ideia do que eu pensei na hora e... Só, por favor.

Foram calados pelo homem de jaleco que entrou no quarto. O médico Park era um conhecido da família Kim, afinal, ele quem acompanhou Taehyung em seu período de internação quando mais novo.

O paciente engoliu em seco, sua mão apertando a de Jeongguk quando reconheceu a pasta nas mãos do mais velho ali, a pasta com todos os exames e terapias que realizaria. Desejava poder livrar-se de todas as agulhas que o conectavam as bolsas de soro e correr para longe do hospital.

Aquele local tinha dois dos andares reservados a pacientes com transtornos alimentares. Era uma clínica de recomendação, suspeitava que Jeongguk tivesse informado a seus pais sobre os recentes problemas – apesar de desejar o contrário.

Voltou a focar-se no doutor quando Jeongguk apertou sua mão, um pedido mudo para que se atentasse.


– Taehyung. – O Park iniciou, aproximando-se da maca. – Preciso que me mostre seus joelhos.

Afastando o coberto de suas pernas, notou já estar vestido com a bata hospitalar branca. Os roxos que tanto escondia ficavam visíveis para Jeongguk e o médico, um suspiro saindo de seus lábios.

– Quantos agachamentos você faz por dia?

– Não muitos.

– Mentir não adianta nada. – Tocou a pele arroxeada, vendo a expressão de dor no rosto do Kim. – Está inflamado. Fez algum recentemente?

– Sim.

– Mostre-me suas costas.

Jeongguk o ajudou a afastar mais a frente, a mão do mais novo nunca largava a sua. Desuniu os lacres da roupa hospitalar, abaixando até que o tronco de Taehyung estivesse descoberto por completo. A linha roxa se completava por quase toda a coluna vertebral, feridas encontradas no caminho.

– Você faz abdominal também. – Não respondeu, deixando que Jeongguk lhe deitasse novamente. – Deixe-me ver seus dedos.

Estendeu as mãos, deixando que elas fossem analisadas.

– Seus dedos estão enrugados sem que tenha passado muito tempo na água, o que me diz que você induz o vômito com frequência. Quantas vezes por dia?

Sua boca permaneceu calada, recusava-se a contar.

– Tae...

Jeongguk o olhava com dor. Via as lágrimas acumuladas nos cantos dos olhos negros, o modo como a mão livre se fechava em punho. Jeongguk estava tão abalado quanto ele. Encarou as mãos, os dedos finos tendo espaços entre uns e outros, enrugados e ressecados.

– Duas a quatro vezes por dia. – Confessou, o rosto camuflado pela franja. – Quando eu não consigo pular as refeições, vomito mais vezes.

– Olha para mim. – A pele de seu olho foi puxada para baixo, os olhos enrugados analisando cuidadosamente todas as suas fraquezas. Os dedos soltando sua pele e inclinando seus lábios para baixo. – Está pálido, vou precisar receitar complementos de vitaminas, sua alimentação vai ter que mudar também. – O estetoscópio foi posto em seu peito nu. – Respire fundo e solte, três vezes. – Fizera, tendo dificuldades. Os pelos de seus braços foram puxados, a raiz rapidamente se quebrando. – Tem o costume de raspar os pelos do braço?

– Sim.

– Quando o fez pela última vez?

– Há pouco tempo, faço com frequência.

– Seu corpo está fraco. O organismo não tem forças para manter tudo aquecido e aumentou a produção de pelos como uma forma de te proteger do frio, isso é lanugo. Seus lábios, sua boca e seus olhos perderam o sangue, está pálido, a anemia pode estar pior do que o esperado. Sua respiração está fraca, ainda que seus batimentos sejam acelerados, arritmia. – As informações foram jogadas. Pode ver o doutor Park respirar fundo, encostando-se à maca, de frente para si. – Vão ser necessários no mínimo quatro semanas de internação.

– Quatro?! – Jeon se pronunciou, os olhos arregalados.

– Vamos precisar analisar os joelhos. Viu os roxos? Pode ter causado o desgaste da cartilagem, se isso aconteceu, precisaremos incluir a fisioterapia e saches diários de colágeno. Os joelhos doem muito?

– Às vezes...

– Os laxantes que seu namorado encontrou em sua mochila, de quanto em quanto tempo você tomava e quantos comprimidos?

– Quatro em quatro dias. Quatro pílulas do amarelo e cinco do branco.

– Quando eles são tomados e não tem o que evacuar, eles causam o alisamento do estômago, qual a última vez que conseguiu ir ao banheiro sem eles? – Sem respostas. – Além disso, o nível de sódio e potássio é reduzido no corpo por causa dos comprimidos. Vamos precisar fazer alguns exames, no entanto, teremos que esperar dois dias para ter certeza que seu organismo vai estar limpo. Não pode vomitar e não pode tomar mais comprimidos. Vamos internar amanhã, hoje vá para casa, se não se alimentar pode desmaiar novamente. Não vou dizer que precisa comer, você sabe que precisa. A escolha é sua.

Foram deixados a sós no quarto.

Taehyung encarava as próprias mãos, os olhos embaçados pelas lágrimas que caíam em seu colo. Não se sentia mal por estar internado, muito menos por estar doente, sentia-se mal por Jeongguk estar sofrendo. Podia ouvir o choro abafado vindo de dentro do banheiro, os soluços que vezes ou outra escapavam da garganta do mais novo. Seu indicador e polegar se fecharam ao redor do braço, sentindo quando eles se encontraram. Era um truque aprendeu na internet, se os dedos se fechassem era por que estava bem, magro, o usava para espantar o nervosismo, a aflição.

Assustou-se quando ouviu a tranca abrir e Jeongguk saiu, os olhos camuflados pela touca negra que ele usava, as mãos enfiadas dentro do bolso da calça jeans negra, e a camiseta branca um pouco molhada, o sorriso forçado que tentava criar as barreiras para não mostrar suas fraquezas.


Não finja que está bem, Jeongguk.


– Vamos?

– Guk. – A voz saiu trêmula. As mãos finas agarraram a camiseta, puxando Jeongguk para perto. – Pode me abraçar, por favor?

Jeongguk concordou, os passos tremidos até que seu corpo estivesse colado ao de Taehyung, os braços circulando o namorado com tanto carinho que chegava a aliviar a dor de ambos. Os corações acelerados se acalmavam ao se encontrarem no aperto, os medos perdendo seus lugares pela confiança que depositavam um no outro.

Taehyung segurou o rosto entre suas mãos, um sorriso quebrado saindo de seus lábios ao beijar cada canto do belo rosto de Jeongguk. Sua boca encontrando a testa, as bochechas, o nariz, o queixo e, por fim, a boca.

Os lábios tocavam-se calidamente, a carga de sentimentos pesando a cada segundo, deixando ambos bobos com quaisquer sensações que o contato tão íntimo passava.

Jeongguk segurou sua mão, entregando a muda de roupas e abrindo a porta do banheiro para si. Taehyung gostaria de falar que não precisava de toda aquela ajuda, que ele podia fazer mínimas coisas por si só, no entanto, via no olhar aflito o quão tenso Jeongguk estava.

Retirou a bata, encarando o próprio corpo no espelho. Aos seus olhos, sua barriga sobressaia e sua gordura dominava sua imagem. Desejou esmurrar o próprio reflexo, gritar com o maldito que via ali, no entanto, somente lágrimas de ódio escaparam. Aproximou-se, tocando o próprio reflexo ao mesmo tempo em que sua mão livre esmurrava sua barriga.


– Eu te odeio.



~°~


Jeon abriu a porta para que Taehyung entrasse.

Encarando as costas cobertas pela fina regata, pode ver por completo os ossos marcados no ombro e nas costas do Kim. Agora entendia por que o namorado passara somente a usar moletons e calças folgadas nos últimos anos, evitava os banhos em conjunto, até mesmo as carícias mais íntimas dos dois sumiram com o tempo.

Após trancar a porta, seus braços circularam novamente os ombros, seus lábios encontrando os de Taehyung. Era apenar um selar, entretanto, sentia que o pequeno toque carregava palavras que não tinha confiança o suficiente para dizer em voz alta.

Taehyung esteve doente esse tempo todo. Ele gritava por ajuda, tomava remédios, fingia que estava tudo bem, nunca chorava na sua frente, como não havia notado antes? Que tipo de namorado ele era?


– Não pense isso, por favor. – o Kim sussurrou, seus lábios batendo aos de Jeongguk pela proximidade.

– Hum?

– Você não tem culpa de nada, Guk, nada mesmo.

– Não? – Riu desgostoso. – Taehyung, eu te conheço faz seis anos, namoramos a quatro e eu nunca suspeitei. Sabe o quão incapaz eu me sinto? Te ver sofrendo e não poder pegar sua dor para mim, sabe o quanto isso me fere?

– Mesmo sem saber, você quem mais me ajudou. – Beijou os olhos avermelhados, sorrindo. – Com você eu não me preocupo tanto, quando te conheci você quem afastou os bilhetes e os comentários. – Olhou por dentro dos negrumes que o fitavam atenciosos. – Mais que ninguém, você é minha maior cura, Jeongguk.

– Seu idiota, fique bem agora, entendeu? Não vou largar você um segundo sequer.

Riu ao ser abraçado novamente, Jeongguk os derrubando sobre o sofá, deixando que seu corpo ficasse sobre o dele. Os dedos brincavam com as mechas curtas de seu cabelo, as pernas entrelaçadas e os espíritos calmos. Gostaria de eternizar aquele momento até o final de sua vida.

Encolheu-se sobre o peito quente, seus olhos fechando-se lentamente, pouco a pouco o sono o dominando por completo. Sentiu os dedos acariciarem sua pele, percorrendo seus lábios e cílios.


– Não durma agora, Tae. Vou preparar algo para comermos. – Jeon disse ao tentar acorda-lo, o bico involuntário surgindo em seus lábios.

– Não ‘tô com fome.

– Não perguntei. – Respondeu no mesmo tom de descaso, levantando-se. – Espere, vou preparar algo.

Revirou os olhos, ainda incapaz de conter o medo que aflorava dentro de si. Quantas calorias possui uma sopa? Não era capaz de contar os próprios pensamentos. Seus dedos voltaram a circular o braço, a volta fechando completamente em seu braço, um suspiro de alívio escapando ao ver que continuava a fechar.

Observou Jeongguk que se atrapalhava entre todos os legumes e panelas na cozinha. Gargalhadas surgindo ao ver o namorado o encarar ao pôr uma folha de alface sobre o cabelo, piscando para si.

Distraiu-se no celular, fotos de modelos e alguns fóruns sendo secretamente vistos no anônimo do celular.

Sentiu o cheiro bom do tempero, vendo Jeongguk aproximar-se com dois pratos em mãos.

– O que está vendo? – Jeongguk questionou ao se sentar sobre o tapete, os pratos colocados na mesa de centro.

– Só algumas fotos, nada importante.

– Taehyung. – Chamou ao notar que o mais velho permanecia deitado. – Vem comer.

Revirou os olhos, o mau humor inconsciente o atacando sem que notasse, um dos efeitos colaterais da falta de alimentos. Sentou-se desleixadamente no chão, pegando a colher sem cuidado e encarando a sopa que brilhava para si.

Tomou um pouco do caldo, arregalando os olhos do quão gostoso aquilo estava. Deu colheradas pequenas, controlando-se ao máximo para não comer tudo. Se não poderia vomitar, recusava-se a comer.

Jeongguk observava o mais velho mexer na comida, brincando com ela, mas sem comê-la apropriadamente.


– Coma mais, Tae. – Interviu. Cuidadosamente, sorriu e pegou a colher de Taehyung colocando um pouco do arroz da sopa e a carne, mirando em direção à boca um pouco mais corada. – Abra a boca.

– Não enche, Jeongguk.


A mão bateu na colher, a sopa que ali residia se espalhando pelo piso de madeira enquanto Taehyung mantinha a expressão irritada no rosto. Não era uma criança para que precisasse que lhe alimentassem e muito menos iria aceitar que lhe forçassem a comer.

Jeongguk forçou um riso, levantando-se em busca de algo para limpar a sujeira. Quando voltou com um pano, pode ver Taehyung na mesma posição, os olhos mirando a colher atirada no chão. O mais novo ajoelhou-se, recolhendo os grãos e a colher, limpando cuidadosamente. Sentia o olhar fixo de Taehyung em si, sabendo que o namorado desejava falar-lhe algo, no entanto, optaria pelo silêncio naquele momento.

O médico o explicou das constantes mudanças de humor que uma pessoa pode apresentar ao sofrer dos transtornos. Não julgava Taehyung por sua grosseria de minutos atrás, deixaria até mesmo que Taehyung lhe xingasse se o pudesse ver bem.

Pegou uma nova colher, pondo sobre o prato de Taehyung e voltou a comer sua sopa em silêncio. Não gostaria de encarar Taehyung agora, não o queria fazer pensar que estava magoado – apesar de que era impossível não ser ao menos um pouco afetado pela grosseria repentina –, daria sorrisos e flores a Taehyung mesmo que tudo desmoronasse.

Pôde ouvir a movimentação a sua frente, Taehyung comia um pouco mais da sopa, sem olha-lo diretamente, e pouco a pouco todo o conteúdo do prato ia sumindo, dando espaço ao sorriso que brotou nos lábios do Jeon. Ainda que Taehyung não tivesse comido tudo, ao menos dar uma chance já o deixava um pouco aliviado.

Ao final, recolheu os pratos, parando ao lado de Taehyung antes de sair e deixou um beijo sobre os fios castanhos. Somente atirou os pratos na pia quando ouviu os passos do Kim, o acompanhando até o quarto dos dois.

Buscou por uma roupa e sua toalha, trancando-se no banheiro após ver Taehyung deitar na cama. Seu corpo amoleceu com a água morna, os músculos tensos relaxando um pouco e sua respiração se acalmando. Desde que Taehyung apagou, via-se pensando somente e unicamente na doença do namorado.

Vestiu a calça cinza e saiu do banheiro, encontrando o Kim encolhido na cama e de costas para si. Em silêncio, apagou a luz do quarto se deitando ao lado e virando-se de costas para Taehyung, não gostaria de acorda-lo por ficar o observando demais.

Sentiu uma mão circular sua cintura, Taehyung colando o corpo dele ao seu e beijando suas costas. Não segurou o risinho, Taehyung sabia o quão sensível ele era para cócegas e parecia se aproveitar do fato sempre que possível.


– Desculpe. – O Kim sussurrou. – Eu não queria ter batido na sua mão.

Virou de frente para o rosto que o olhava, Taehyung assemelhava-se a uma criança que estava arrependida de comer os doces antes do jantar, um pensamento que fez o Jeon rir baixinho. Seus dedos acariciavam as bochechas do Kim, observando o quão belo o rosto ficava iluminado pela luz lunar. Nem se tentasse conseguiria ficar bravo por muito tempo com Taehyung.


– Tá tudo bem, Tae. – Aproximou-se ao encostar as testas, depositando um selar rápido. – Fiquei feliz de te ver comendo.

Assentiu, aproveitando a carícia. Deveria considerar-se sortudo pelo mais novo em sua vida.

– Obrigado, Guk. Por tudo, obrigado.



~°~



Jeongguk sentou-se na cadeira do consultório frio com Taehyung ao seu lado enquanto ambos fitavam o doutor Park digitar algo no notebook. Suas mãos suavam frio, o nervosismo era quase palpável naquele cômodo.

Buscou a mão gelada, entrelaçando os dedos quando o médico os encarou.


– Taehyung ficará no segundo andar. Os pacientes da ala, todos ficam lá e cada um possui o quarto individual, com direito a um acompanhante. Você terá terapias individuais e em grupo, todos os pacientes devem ter uma sessão por semana e às vezes mais, quando necessário. Os acompanhantes não podem ficar quando elas acontecem, somente pacientes. Teremos uma revisão diária, todos os pacientes passam por isso. Peso, medir seu pulso, checamos seu quarto, seus dentes. Nada de internet, todas as vitaminas vão ser dadas pelo hospital, após as refeições não deixamos que vá ao banheiro por uma hora e sempre que for, será acompanhado por algum auxiliar. – Encarou os mais novos. – Pensei que seria bom Taehyung passar dois dias sozinho aqui, senhor Jeon. Eu sei que é difícil a ideia de deixar ele em um momento como esse, mas preciso que ele se acostume com o ambiente, com as pessoas, os métodos que usamos aqui. Tudo que vamos fazer ou falar será com a autorização de vocês, nenhuma das terapias, atividades ou qualquer coisa que vamos realizar futuramente será sem o consentimento de vocês.

Encarou os rostos assustados. Sabia que o primeiro contato deixava os pacientes afogados em medo. Suspirou, retirando os óculos de grau.

– Olhe, eu sei que não é fácil, muitas coisas na vida não são. Não vou mentir e dizer que não dói, eu só estaria enganando vocês, mas é necessário. Vamos fazer tudo que pudermos para ajudar, mas preciso que você, Taehyung, também faça.



~°~

Taehyung fechou o armário do quarto, deixando a mochila já vazia debaixo da cama.

Despedir-se de Jeon foi algo que não queria, no entanto, mesmo contestando o médico e não aceitando que Jeongguk ficasse fora por dois dias, o mais novo aceitou sem questionar, despedindo-se assim que saíram do consultório.

Taehyung não confiaria em ninguém que não fosse Jeongguk, aquelas pessoas não mereciam sua confiança. O que elas sabiam sobre si, afinal? Que ele pulava algumas refeições, só. Não devia nada a eles para que sorrisse de volta para algumas enfermeiras e muito menos cumprimentaria os pacientes na terapia em grupo.

Riu soprado.


– Com licença. – A senhora de branco entrou no quarto, carregando uma bandeja com o jantar. Taehyung a observou por sobre a mesa do quarto, dirigindo-se então para a porta do banheiro e a trancando.

Bufou, sentando em frente à bandeja com o prato cheio de macarrão, carne e ao lado um copo de suco. Revirou os olhos, rindo sarcasticamente, não comeria aquilo. Bebeu somente o suco, deixando o copo ao lado da comida e levantando-se, sabia que não iriam lhe obrigada a comer.

Voltou a deitar na cama, a enfermeira permanecia ali.


– Eu já terminei. – Anunciou. – Não vou mais comer nada.

– Muito bem. – Recolheu a bandeja. – O banheiro ficará trancado por algum tempo, após isso, volto para destranca-lo. A sessão em grupo começara em meia hora e após ela, teremos avaliação.

– Tudo bem, obrigado.

Buscou os livros que pegou de Jeongguk e um dos sketchbook que ele lhe dera. Seus lábios se curvaram alegres quando captou os desenhos que Jeon deixou para si, os dedos passando por cima dos traços bem definidos e cuidados. Taehyung nunca odiou ficar sozinho, gostava da companhia que ele fazia a si mesmo, porém, naquele momento, ficar com si mesmo era seu maior medo e por esse motivo ele sentia falta de Jeongguk.

Gostaria de poder dormir entre os braços do mais novo que o consolava e beijava-lhe os lábios até que adormecesse. Não queria aquele tratamento, em momento nenhum ele disse querer, estava convivendo bem com a bulimia nos últimos anos e então, decidiram que seria melhor parar.

E se ele não quisesse parar?

E se ver os ossos, o rosto fundo, sentir a barriga vazia, a visão embaçada fosse algo que lhe agradasse? Dizem que pessoas magras vivem mais tempo, não? Então, iria viver bastante. O que as pessoas sabiam sobre si? Absolutamente nada, eles não conheciam sua dor, eles não sabiam o motivo de suas lágrimas, muito menos já pensaram sobre o quanto já desejou morrer. Por que fingiam se importar, então?

Direcionou-se a sala da terapia em grupo. Uma das enfermeiras já havia o apresentado toda a ala antes mesmo de ser direcionado ao seu quarto. Pode ver alguns dos pacientes passeando pelos corredores, todos lhe encaravam com descaso. Não se impressionava. Quando foi internado mais novo, as pessoas sempre apresentavam o mesmo comportamento, somente se importavam consigo mesmas e com seu corpo, não que fosse diferente delas. Entendia o olhar frio e a expressão fechada de todos ali, eles se protegiam dos julgamentos, de palavras e piadas afiadas que magoavam, do medo de se relacionar com alguém, criar laços. O próprio Kim ficou assim no começo, no entanto, soube deixar sua tristeza de lado e ser gentil com as pessoas importantes a sua volta.

Pode ver quatro jovens sentados em cadeiras postas em círculos e uma senhora que lia um livro enquanto todos se ajustavam. Sentou-se na cadeira ao canto, dobrando suas pernas e as abraçando.

Um dos garotos tinha cabelos escuros, os olhos pequenos, o corpo extremamente definido e magro, extremamente magro. Ele não parecia ser alto, concluiu ao notar que o tamanho dele assemelhava-se ao do jovem loiro sentado ao lado dele, que era tão magro quanto, no entanto, nada musculoso, somente magro. Fora os dois jovens, tinham duas meninas sentadas lado a lado. Uma delas parecia alta, com cabelos longos e castanhos, pernas tão finas quanto seus braços, os ossos dos ombros se sobressaindo pela pele e os olhos fundos. Já a outra ao lado, tinha algumas mexas rosas no cabelo, parecia ser a mais baixa entre todos ali e notou o quanto ela gostava de circular a perna fina com os dedos, parecia se medir a cada instante que passava.

Escondeu as mãos por dentro da manga do moletom largo.


– Hoje, teremos um novo companheiro conosco, certo Taehyung? Bem, sou Sooyoung, pode me chamar por meu nome ou Soo. – A senhora iniciou todos os olhares direcionados para si. Sentia-se exposto, não gostava da sensação de julgamento que era quando todos o encaravam. – Em nossos encontros, não possuímos proibições Taehyung, entretanto preferimos evitar falar em números. Números não é nosso foco aqui. Falaremos sobre seus dias, suas superações, as coisas que lhe afligem.

Assentiu, encolhendo-se na poltrona.

– Quem quer começar hoje? – Silêncio. – Que tal você, Jimin?

O garoto de corpo definido e cabelos escuros encarou a todos. Seus dedos em cima de suas coxas torneadas, apertado em punhos envergonhados.

– Tive problemas hoje... Me entubaram novamente. – A voz baixa quebrou os segundos de silêncio. – Dói um pouco, o soro me deixa inchado e odeio a agulha. Mas, meu irmão me visitou hoje, então o tempo passou rápido e a dor diminuiu um pouco.

– E como se sente sobre precisar ser entubado?

– Eu... – Os olhos se abaixaram. – Acho que a culpa é minha? Eu não sei, Jihyun disse que eu não podia ficar mais de três dias sem comer.

– Acha que com seu irmão as chances de você se alimentar são maiores?

– Talvez. Eu só não queria decepciona-lo e... Jihyun disse que não vem se concentrando tanto na faculdade e penso que a culpa é minha e...

– Está tudo bem, Jimin. – Soo sorriu. – Já pensou que seu irmão pode não estar se concentrando por estar feliz em você ter saído da UTI? Talvez ele não se concentre por ver que você melhorou.

– Eu não sei, pode ser.

– Pense nisso. – Ela se focou na menina baixinha. – E você Seungwan? Quer nos contar como está indo?

Taehyung encarou a menina que estava cobrindo as pernas com uma manta. Aonde ela arranjou isso?

– Hoje consegui fazer duas refeições e não as provoquei, as enfermeiras até mesmo me fizeram companhia enquanto comia, conversaram comigo, isso me distraiu um pouco.

– Como é a sensação de se sentir bem novamente ao comer? Você gosta?

– Gosto, bastante. – Ela sorriu. – Ver os outros comerem me satisfazia, agora me dá vontade de comer.

– Fico muito feliz de ouvir isso, Seungwan. – Soo sorriu ao ouvir o riso contido da menina. – E você, Taehyung? Gostaria de conversar conosco?

Sua boca se fechou no mesmo instante. Não sabia o que os cinco pares de olhos atentos esperavam que saísse de sua boca e não se sentia confiante o suficiente para falar seus reais problemas. Deu de ombros, sem saber ao certo o que dizer.

– Eu... – Encolheu ainda mais as pernas. – Tive dificuldades de chegar aqui, aceitar que precisava vir. Ainda que me sinta mal por estar.

– Por que se sente mal?

– Eu não queria vir. – Confessou. – Mas uma pessoa importante me fez vir, então...

– E essa pessoa, como acha que ela se sente em te ver tentando aceitar o problema e tentando se livrar dele?

– Acho que bem. Por causa dessa pessoa consegui me alimentar ontem, foi bom ver o sorriso dele em me ver comendo.

– Gostaria de fazer essa pessoa sorrir mais vezes?

– Sim.

– Então seu problema foi aceitar vir para cá, no entanto, algo que te fez sentir vitorioso foi ver o alívio dessa pessoa ao te ver tentando. Podemos dizer assim?

– Acho que sim.

~°~

Jeongguk sentiu um bolo na garganta ao entrar no quarto de Taehyung. Era possível alguém emagrecer ainda mais em míseros dois dias? Taehyung parecia ainda mais leve quando o abraçou, e por impulso, apertou-o entre seus braços – ainda que temesse quebra-lo.

Fitou os olhos amendoados que o olhavam alegres, a saudade estava estampada no rosto do mais velho, assim como no do mais novo. O Jeon se perguntava durante todos os dois dias que ficou longe do Kim se ele estava se alimentando, se o quarto era um local confortável, se Taehyung estava bem.

Afundou o rosto no pescoço do outro, sentindo o cheiro único do Kim.

– Por que sinto que você emagreceu nos últimos dois dias? – Jeongguk falou baixo, os braços impedindo que Taehyung se afastasse.

– Jeongguk...

Não tinha desculpas. Era verdade que se recusava a comer, somente os grãos de sementes, suco e frutas era o que comia das refeições que traziam para si. Recusava-se a comer na maior parte do tempo e grande parte das refeições, na revisão diária, os pacientes deviam ficar de costas para a balança para não verem seu peso, se Taehyung não poderia ver, o próprio se recusava a comer.

Não deixaria que estragassem o esforço que fizera nos últimos anos entupindo-o de comida. Separou-se de Jeongguk quando a enfermeira entrou, carregando duas bandejas de comida daquela vez e trancou a porta do banheiro.

Engoliu em seco, Jeongguk não poderia querer fazer o mal que aquelas pessoas tentavam fazer consigo. Ele o compreenderia e não o obrigaria a comer nada, ele tinha que entender. Entretanto, suas expectativas foram quebradas quando foi chamado para comer.


Não faça isso comigo, Guk.


– Precisa comer, Tae. – Jeongguk sentou ao seu lado, a mão quente sobre a sua. – Por favor, sim?

– Eu não sinto fome.

– Mas precisa, você sabe disso.

– Sim... – Não...

Jeongguk sorriu, enchendo a própria boca com o frango e o arroz que lhe serviram, tentando incentivar Taehyung a comer. Observou o modo como o mais velho encarava a comida, claramente a renegando.

A comida desceu rasgando sua garganta, o desespero para que conseguisse fazer Taehyung comer era quase palpável.


– Por favor, Taehyung.

Enfiou colheradas gentis de comida em sua boca. Jeongguk o observava, o sorriso no canto de sua boca sendo segurado para que não assustasse Taehyung.

– Está bom?

– Sim.

– Fico feliz de te ver comendo. – Jeongguk beijou sua bochecha, bebendo um pouco do suco. – Como foi a terapia?

– Só conversamos, nada de demais.

– Entendo... E você? Como está se sentindo?

Agradeceu quando ouviu as batidas na porta e em seguida o doutor Park adentrou o quarto. Sentiu-se nervoso, esperançoso de que o Jeon não fizesse perguntas sobre os dias que ficara ali.

– Jeongguk, poderia nos deixar um pouco a sós?

– Claro, doutor. – Sorriu para Kim, beijando sua testa. – Volto já e não deixe de comer.

Sorriu, concordando ao mastigar um pouco da carne, sentia uma explosão de energia acontecendo internamente, ingerir algo verdadeiramente comível era algo memorável.

– Ele é sempre assim? – Park riu, sentando na cadeira de frente para a cama do Kim.

– A maior parte do tempo sim, principalmente nos últimos dias.

– Fico feliz de ver você sorrindo, nos últimos três dias não consegui ver isso acontecendo. – Cruzou as pernas observando Taehyung mastigar mais um pouco da refeição. – Isso também é algo novo.

– Isso... – Cuspiu o alimento no guardanapo, sorrindo para o médico. – Jeongguk consegue ser bem persistente às vezes e agradar ele é algo bom.

– Não parece gostar tanto dele o enganado e cuspindo toda a comida, não devia querer passar mais tempo ao lado da pessoa se gosta dela?

Fitou a expressão sorridente do senhor que o olhava. Não cairia naquele truque após tantos anos, não era mais a criança ingênua. As palavras que lhe eram lançadas como lâminas afiadas não o cortariam mais, conhecia bem a real intenção delas.

– Isso não vai funcionar. – Riu, afastando o prato. – Toda a conversa de ficar com quem amamos, comer para viver, isso não passa de uma grande merda.

– E não comer é o melhor?

– Talvez. – Limpou a boca, cruzando as pernas. – Eu não consigo, eu não sei por que, mas não consigo. Se eu comer, preciso vomitar, se não posso vomitar, não posso comer. Comer e engolir... Eu simplesmente não consigo.

– Isso é besteira. – Park interrompeu. – São desculpas, nada mais que isso.

Foda-se! – Gritou. Seu peito latejou, os batimentos acelerados lhe desestabilizando. – Besteira ou não, é a verdade. O que quer que eu diga? ‘Ei seu desgraçado, enfia a comida e para de vomitar’? Não é tão fácil, não fale como se soubesse quem eu sou.

– Talvez eu não saiba. – Levantou-se, saindo do quarto, olhando uma última vez para o Kim. – Mas você sabe quem você é, e como as coisas funcionam com você.

Atirou o prato no chão, as lágrimas quentes queimando sua pele e a dor de garganta entalando as palavras que queria gritar.

Parar não era tão simples.

Nunca foi.



~°~



Sentou-se na cadeira novamente, ao seu lado o garoto chamado Jimin e a sua frente a jovem Yoona. Seus dedos foram novamente em direção a seu braço, testando perfeitamente a grossura deles.

– Dizem que se o maior dedo de sua mão contorna mais da metade do seu pulso é por que está funcionando. – Jimin segredou baixo, mostrando o que falava e circulando o próprio pulso.

– Tanto faz.

– Muito bem. – Soo iniciou, fitando todos que a observavam silenciosamente. – Vamos começar? Que tal ouvirmos Yoona? Soube que notícias boas foram dadas hoje.

Yoona sorriu, assentindo lentamente.

– Estou quase no peso ideal para o IMC. – A voz fina ecoou baixa, no entanto, animada. – Mesmo que algumas crises ainda aconteçam, é uma boa notícia, afinal, isso já não acontecia há algum tempo.

– Parabéns. – Seungwan sorriu, tocando no ombro da outra.

– Obrigada, eu... – Sorriu. – Vou ser liberada na próxima semana.

– Isso é maravilhoso, Yoona. – Sooyoung se pronunciou, sorrindo. – Fico realmente feliz de ouvir notícias como essas. Tenho certeza que todos aqui ficam. E você Jungshin, o que aconteceu que gostaria de nos contar?

– Tive compulsões ontem, comi demais e... – Os olhos marejaram, as lágrimas se acumulando rapidamente. – Acabei vomitando no quarto mesmo, o banheiro estava trancado e...

– Está tudo bem, foi só um momento. Soube que não se recusou a comer hoje, certo? – O garoto assentiu. – Viu? Já temos um avanço. E você Taehyung?

Esperou a resposta, olhando para o olhar vago.

– Taehyung?

Nada.

O rosto cada fez mais fino estava imóvel.

– Taehyung?

– Hum.

– Estou lhe chamando há algum tempo. Então, tem algo que queira nos contar?

– Não.



~°~



Sorriu quando Jeongguk o puxou novamente, sentando no colo do namorado. Estava no quinto dia, contudo, nada havia mudado. Permanecia a engana-lo, fingia que se alimentava, que voltava das terapias bem. Também tinha consciência de que ele não acreditava, Jeongguk não sabia, mas ele conseguia ouvir o choro abafado que vinha do banheiro toda madrugada, ele notava os olhos inchados, a indisposição do namorado, o modo como a animação saía do olhar infantil pouco a pouco.

Na checagem do dia anterior, esperou que a enfermeira se distraísse e olhou o próprio peso.

55.3

Estava tão, tão perto. Por que ninguém além de si mesmo conseguia ficar feliz?

A enfermeira de sempre entrou – Baehyun, descobriu ser o nome da senhora de sorriso difícil – deixando seu almoço e o de Jeongguk próximos onde estavam. Jeongguk que agradeceu, deixando-o na cadeira enquanto organizava os talheres e a mesa do quarto para que comessem, algo que Taehyung não pretendia fazer.

Quando se sentou a mesa, somente encarava os apetitosos alimentos ali.

Suspirou, Jeongguk o suplicava com os olhares. Direcionou a colher, pegando-a com uma boa quantidade do arroz e um pouco do feijão, mastigando tudo com calma. A comida pesava a cada colherada, e tentava forra-la com o suco. Sentir-se cheio lhe dava náuseas, porém, a sensação de fazer Jeongguk sorrir era maravilhosa.

Pediu um suco a mais, as próprias enfermeiras parecendo surpresas ao vê-lo pedindo comida. Sentia sua barriga inchar a medida que comia.

Após comer, deitaram apertados na cama hospitalar. Jeongguk brincava com as mechas de Taehyung, um sorriso bobo morando em seu rosto. Realizara a terapia pela manhã, portanto, teria o restante da tarde livre e agora com Jeongguk.

Ouviu a enfermeira entrar no quarto, destrancando a porta do banheiro e fingiu estar dormindo. Jeongguk a sua frente já estava adormecido e, cuidadosamente, tirou as mãos de cima de si, entrando no banheiro.

Gargarejou água, molhando suas mãos e ajoelhando-se em frente ao sanitário. A sensação de ter seus dedos adentrando sua garganta após quatro dias ausentes era diferente, parecia mais fácil enjoar, provocar o vômito. Toda a refeição que fizera a pouco saiu com três vômitos, de repente, o quarto transformou-se em uma mistura avermelhada.


– Taehyung.

Não, não, não! Jeongguk o encarava aterrorizado. Levantou-se rapidamente, limpando as mãos e aproximando-se. A única pessoa que não deveria ver acabou de assistir a aberração que se transformou.

A lágrima solitária escapou de seus olhos, sua visão embaçando enquanto se aproximava de Jeongguk, no entanto, antes que conseguisse seu corpo encontrara o chão.

Assim como seu fim encontrava a permissão para seguir adiante.



~°~



Oxigênio novamente.

O soro estava ligado a seu pulso direito, a tela marcava seus batimentos e o aquecedor deixava seu corpo relaxado. Taehyung não tinha noção de quanto tempo tinha passado, porém, tinha absoluta certeza que horas eram poucas, pois já era manhã novamente.

Buscou o controle da cama eletrônica, pondo-se sentado para então ver o quarto vazio. Sua boca estava deveras seca, suas mãos ásperas e seu peito doía.

Jeongguk não estava ali. Buscou o telefone por todo o quarto, claro, haviam retirado até mesmo a única distração que realmente funcionava. Qual seria o próximo passo? Obriga-lo a dormir no chão caso recusasse comida?

Assustou-se com a porta, doutor Park entrando ao lhe cumprimentar silenciosamente. Não o respondeu, não sentia que devia.

– O que há de errado com você? – A voz grave quebrou a tensão, os óculos de grau foram tirados. Park se assemelhava ao mesmo homem de seis anos atrás, a diferença é que ele não iria brincar consigo e muito menos afagar seus cabelos quando comesse algo. – Pensei que estivesse fazendo um progresso, mas está a um passo de sair daqui sem vida.

– Não finja que se importa. – Mirou a porta, aguardando que ele entrasse. – Onde está Jeongguk?

– Fugir é bem mais fácil, certo?

Encarou a expressão neutra. Sabia que o choro preso deixava seus olhos avermelhados, se misturando ao roxo de suas olheiras, sua pele cada vez mais funda, entrando pelos buracos de seu crânio a medida que se tornava perfeito.


A questão não é ser magro. Nunca foi.

O objetivo é se tornar perfeito.


– Não existe motivo. – Sua voz falhou. As mãos se fecharam em punhos e as lágrimas caíram. – Isso tudo é perca de tempo. Posso morrer agora mesmo, isso não afetará sua vida.

– Talvez não, mas e quanto ao menino que chora por você lá fora? Ou então, seus pais que ligaram quando souberam do seu estado? Sentir pena de si mesmo é bem mais fácil, estou certo? Dói menos, não é difícil. Quando esquecemos a dor da pessoa ao nosso lado e focamos na nossa, as coisas se tornam fáceis.

– Você não está me ajudando.

– Eu deveria? Acabou de dizer que não precisa de minha ajuda. Quer ouvir mentiras, Taehyung? Você não tem mais treze anos para que eu diga que as coisas vão ser fáceis, que depois que sair daqui sua vida será fácil e acontecerão coisas boas. – Ia interromper, porém Park continuou. – Entretanto, se isolar assim te faz perder momentos. Ruins e bons, você sai sem nada.

– Acha que não sei? Acha que não dói ver pessoas queridas se magoarem? Eu não consigo, não entra. Pensa que nunca tentei? Você está enganado.

– Eu sei que tentou, mas também sei que não deu tudo de si.

Park Bogum encarou Taehyung aguardando alguma resposta. Contudo, entendeu que ele precisava de seu tempo. Aproximou-se do mais novo, sua mão bagunçando os fios secos e um sorriso fraco dominando seus lábios.


– Deixarei que Jeongguk entre. Volto em poucos minutos.

Taehyung assentiu, encolhendo-se na cama e abraçando as próprias pernas. A luz do quarto foi apagada por si quando Jeon entrou, não gostaria de mostrar a caos que se encontrava naquele momento. Jeongguk já sofreu demais por si, não suportaria fazê-lo ainda mais.

Fechou os olhos quando os dedos macios acariciaram seu cabelo, Jeongguk deixando que deitasse sua cabeça sobre as coxas torneadas. Encolheu-se ainda mais diante a situação. Não escondia suas lágrimas mais, tinha consciência que Jeongguk já sabia que chorava ainda que estivesse escuro.

Permaneceram ali, no escuro e em silêncio. No entanto, ao ouvirem as batidas na porta, Bogum entrou acompanhado de uma das enfermeiras.


– Preciso que participe da terapia de hoje, Jeongguk. – Voltou-se então para Taehyung. – Não vou lhe obrigar a mais nada, Taehyung. Entretanto, peço que veja o vídeo que mostramos nos primeiros encontros aos pacientes.

Atentou-se as cenas que se iniciavam na televisão do quarto, sequer notando quando a enfermeira já havia posto o DVD. Os ossos no ombro bem delineados de uma das jovens que foi mostrado era belo, sentia inveja, os seus nunca foram tão marcados assim. Lia as legendas cuidadosamente, ainda atento as imagens. Assustou-se com o menino que foi focado, as bochechas eram inexistentes no rosto cadavérico, somente apresentando a pele grudada aos ossos que lhe assustavam, junto a fraqueza, o documentário mostrava-lhe pessoas anoréxicas em seus mais decadentes estados.

Apertou a mão de Jeongguk, os olhos voltando a arder. A cena de alguém vomitando a próprio sangue foi mostrada, causando-lhe o pior enjoo que já chegou a sentir. Jeongguk parecia tão aterrorizado quando si próprio.

Voltou a assistir as imagens, arrependendo-se em seguida. No vídeo o próprio bulimico chorava preso a uma maca, sangue caindo do vômito que já não precisava mais ser provocado, o próprio corpo passava a expulsar tudo o que entrava.

Entalou-se com o soluço do choro, tossindo. Jeongguk então despertou, observando o namorado que não aguentava mais assistir a um segundo daquilo.


– Tirem isso. – A calma em sua voz lhe surpreendeu.

– Não podemos. – Bogum o fitou, nunca vira tanta seriedade em um único olhar. – Taehyung quer continuar, então deve prepara-lo para o que ele quer.

Apertou o corpo magro entre seus braços. Taehyung ainda assistia a tudo. Ele não queria tudo aquilo, jamais quis, ele só... Queria ser perfeito. Poder ver o nascimento da beleza em si, em seus ossos e seu corpo.

O paciente sofria de convulsões, após o vômito. As legendas explicavam que por conta da imunidade o paciente adquiriu virosa, com ela a febre e sem o sistema defensor forte, outras doenças atacaram. Apertou os dedos entre a blusa de Jeongguk, comprimindo os olhos.

Não aguentava mais.

– Tirem isso, agora. Não vê que não faz bem a ele? – Jeongguk perdeu o controle, seu grito assustando até mesmo o mais velho, que tratou de pausar o vídeo.

Park encarou uma última vez o casal antes de pedir que a enfermeira tirasse tudo, sentando na cadeira a frente dos mais novos.

– Não faço isso por desejar seu mal, Taehyung. Cabe a você decidir aceitar ou não nossa ajuda.

– Obrigado, doutor.

Jeongguk quem agradeceu, esperando que pudesse ficar a sós com o Kim.

Apertou Taehyung contra si, beijando a testa e esperando que o corpo parasse de tremer. Partia seu peito ver Taehyung daquela forma, no entanto, entendia sim que um choque era necessário, saber as consequências de nossas ações é uma dádiva que todos merecem ter o direito de receber.

– Tae... – Jeongguk gaguejou, as fraquezas sendo reveladas. Não aguentaria mais, não por muito tempo. – Eu entendo. Se você não quiser mais, eu vou aceitar, não quero mais brigar e nem te obrigar a nada, você quem escolhe, o que for sua vontade, te apoiarei.

Pela última vez, selou demoradamente a testa, respirando fundo antes de deitar o Kim na cama, apagando as luzes e deixando o abajur a iluminar o cômodo. Ao abrir a porta Jeongguk ouviu seu nome, encarando a figura mais velha que o olhava suplicante, o brilho de anos atrás retornando os orbes de Taehyung, assim como a vida retornava a seu coração.

As palavras que ouviu lhe fizeram mais que feliz do que qualquer dinheiro e conquista poderia lhe fazer.


– Jeongguk, por favor... Alimente-me.



~°~



Os lábios de Jeongguk tinham gosto de morango daquela vez.

Suspeitava ser a torta que ele comeu antes de saírem do hospital após receber alta. Não, o tratamento ainda não estava finalizado, entretanto, conseguiu chegar próximo ao peso que seu corpo pedia, ainda que fosse difícil encarar os números na balança.

Nos últimos três meses compulsões vieram, o ato de comer desesperadamente, escondido de qualquer um e após isso vomitar, os remédios para ansiedade foram precisos, confessar seus medos em voz alta, aceitar que ele precisava aceitar a ajuda de alguém. Bogum acompanhou todo o tratamento, e Taehyung era imensamente grato pelas palavras duras que recebeu nos primeiros dias.

Ainda doía. Se olhar no espelho e ver a massa retornando, seu corpo ganhando alguns quilos a mais, porém, Jeongguk sempre estava lá. Ele era a primeira pessoa a lhe abraçar após se pesar, era aquele que passava as madrugadas acordado em suas crises de insônia – ainda que ele caísse no sono de cinco em cinco minutos –, era aquele que não o julgava mesmo em seus momentos de surto, era a pessoa que fazia questão de dizer o quão bonito Taehyung era todos os dias, em todos os momentos.


– Melhor trancarmos a porta. – Sussurrou ao separarem os lábios, as respirações ofegantes e a temperatura dos corpos quentes. Tudo aquilo deixavam ambos ainda mais eufóricos. – Não queremos que a sua vizinha nos veja de novo.

Jeongguk riu, ainda com os corpos grudados, fechando a porta em um empurrão e girando a chave rapidamente. Voltou sua atenção para Taehyung, os lábios avermelhados e os cabelos bagunçados pelos puxões.

Guiava cegamente o Kim pelos corredores do apartamento, recusando-se a separar sua boca de Taehyung. Suas mãos percorriam as costas cobertas pelo moletom, livrando-se da peça ao entraram no quarto. Arriscava passear suas unhas pelas costas lisas, arranhando a pele morena, sentindo os poros se arrepiarem.

Jeongguk admirava-se de Taehyung não notar toda a beleza que possuía. Suspeitava de que até mesmo os defeitos do rapaz deitado a sua frente complementavam o quão ideal Kim Taehyung era.

Reconheceu os traços de insegurança que adornaram a expressão retraída de Taehyung após notar que o mais novo observava seu corpo. Entretanto, antes mesmo que Taehyung cobrisse o tronco com o lençol, seu pulso foi segurado com carinho pelas mãos geladas.

Sorriu, puxando Jeongguk para um novo beijo. Aquele tinha um sabor especial, diferente, os problemas não doíam, as lembranças não feriam, entretanto, os beijos renovavam, recomeçavam. Era uma nova fase, a fase em que amaria Jeongguk e este lhe ensinaria a amar a si mesmo, o mostraria que por mais que não existisse o motivo para tudo, eles poderiam achar um para eles próprios.

Suas mãos buscaram o fim da blusa de Jeongguk, puxando-a para fora do corpo definido, percorrendo a pele quente e macia, anistiado com as expressões de prazer do Jeon com seus mais simples toques. Sua boca deslizou pela derme pálida, mordidas depositadas de formas leves e beijos deixados de forma sedutora.

As calças se perderam em algum lugar do quarto, os sussurros e respirações presas sendo soltas em todos os momentos, os corpos tornando-se um em meio as declarações bobas e os toques que conseguiam falar mais do que mil palavras.

Os corpos se se juntaram na cama espaçosa, Jeongguk por cima de Taehyung trilhava as mãos que percorriam a pele quente, os corações seguindo o mesmo ritmo descompassado e agitado. Carinhos e elogios não eram poupados por Jeongguk, na verdade, aproveitava cada segundo para demonstrar o amor que sentia para e por Taehyung. Aparências não importavam, não quando o interno de Taehyung lhe conquistava a cada minuto que passava.

Entre beijos e provocações, Jeongguk adentrou o primeiro dedo em Taehyung. Sentia o interior comprimir-se em volta do digito, beijando cada canto do rosto contorcido em desconforto quando o segundo juntou-se.

Os gemidos de reprovação quando os dedos saíram arrancou risos provocantes de Jeongguk. O beijo seguinte era provocante, as línguas brincavam intimamente os cabelos eram usados para descontar o prazer, quando o membro de Jeongguk adentrou Taehyung, tomando cuidado com as expressões que arrancava do mais velho.

– Jeongguk... – Pronunciou ao suspirar, as bocas se separando.

Os movimentos eram lentos, fundos. Taehyung fechou os olhos quando Jeongguk afundou-se ainda mais, os corpos brilhando pelo suor. Jeongguk admirava as faces variadas do namorado com admiração, sentindo-o o interior o comprimir, excitando-o de formas desconhecidas.

Ia fundo, ambos anestesiados com os sons dos corpos chocando-se lentamente. A boca entreaberta com gemidos baixos, os cabelos grudados na testa pelo suor, o corpo apresentando marcas leves e os lábios inchados, era uma visão que Taehyung poderia aproveitar todos os dias. Jeongguk era lindo.

Suas mãos encontraram o membro abandonado, acariciando-o rapidamente quando os espasmos deram início, seu corpo arrepiando-se com o prazer que sentia. Deixou beijos por todo o corpo de Taehyung.

– Você é lindo.

Tornaram-se um novamente, juntos. O prazer se alongando até que se separassem, deitando lado a lado. Taehyung descansava a cabeça sobre o peito ofegante, as mãos entrelaçando-se e um beijo calmo sendo realizado.

Jeongguk tocou as laterais do corpo vívido, alisando a pele suada.

Taehyung sequer conseguiu fazer com que sua voz criasse forças para sair quando sentiu a boca quente encontrar suas pernas, um selar sendo depositado com tanto carinho que ao menos soube como reagir.

– Suas pernas são lindas, me deixa com inveja dos olhares que te lançam mesmo que não note. – Jeongguk percorreu a coxa, deixando beijos estalados por toda a pele quente, aproximando-se da barriga. – Sua barriga é sexy. – Brincou, selando demoradamente o meio do tronco. – Me faz ter vontade de sempre te abraçar e apertar sua cintura, mostrar que sou o cara mais sortudo do mundo por poder te tocar. – Os ombros foram selados, assim como os braços e o pescoço. – A cor da sua pele brilha, me atraí de tantas formas que poderia passar dias falando sobre a beleza dela. Ela é mágica, única, tão bela quando a pele de um anjo, Taehyung. – Mirou o rosto, seus lábios pousando na ponta do nariz afilado. – Seu rosto foi esculpido a mãos. Suspeito que alguém tenha te desenhado e dado vida, por que para mim, Tae. – Sorriu, fitando os olhos que seguravam as lágrimas. – Você é perfeito.


19 de Maio de 2021 às 22:32 4 Denunciar Insira Seguir história
3
Fim

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Lara T Expulsa a ponta pé de outro site e me abrigando por aqui :D

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ؘ ؘ
Ontem estava relembrando de todas (e poucas) fanfics excluídas que me marcaram profundamente. Não foi difícil me lembrar da sua, e então pela milésima vez, escrevi o nome dela no Google. Só tenho a agradecer por tê-la feito reviver, mesmo que em outro lugar. Obrigada por repostar, nem faz ideia do quanto lê-la de novo me deixou feliz.
December 18, 2022, 11:00

  • Lara T Lara T
    Tipo de comentário que aquecem nosso coração 🥹 Muito obrigada pelo carinho, essa história tem um local especial também no meu coração e fico muito feliz dela conseguir fazer isso com outras pessoas, deixei ela aqui justamente para caso alguém quisesse ter acesso a ela, pudesse December 18, 2022, 11:07
theo z theo z
obrigado por postar. essa história realmente é a minha favorita e a tempos eu procuro ela pra reler. lembrei dela recentemente e alguma coisa me mandou jogar o nome no twitter pra ver no que ia da, ainda bem que segui minha intuição e procurei. você escreve muito bem <3
June 26, 2022, 04:46

  • Lara T Lara T
    Poxa, vi esse comentário hoje e fiquei extremamente feliz :’) Muito obrigada pelo carinho com a história, fico muito feliz que ainda gostem dela depois de tanto tempo 🥹 December 18, 2022, 11:04
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