Lidava com olhares, comentários, palavrões e uma gama de caretas. Estudava medicina com uma bolsa integral. Queria ser doutora desde moça. Seus 19 anos davam-lhe cara de 15, o que a aborrecia.
Era incômodo estar ali diante de tantas rostos não familiares. Sentia-se como um urubu grotesco em meio a uma aglomeração de cisnes brancos. Não fazia amigos, não falava, diante de qualquer pergunta se calava em um silêncio mudo. Sabia que sabia, havia estudado, mas temia a reação daqueles que não queriam que ela fosse ela.
Ela era preta, seria esse seu problema? Ou mulher...seria seu par de ovários que carregava, definitivo para que a censurassem? Seriam seus cabelos negros e crespos uma adição cômica? Seriam seus lábios? Investigava a motivação daquele isolamento, que castigava-a mais do que sua própria consciência.
Sábado de manhã passou no mercadinho de Dona Dandara e comprou um pó de arroz. Seria um apelo definitivo para que fosse notada. Pediu sua mãe para que lhe alisasse os cabelos e, ela apenas acreditava que a filha queria mudar de penteado.
Despertou segunda de manhã renovada, tomou um copo de leite puro sem achocolatado. Olhou-se no espelho sujo abrindo sua preciosa solução: o pó de arroz Coty. Cobriu-se toda com o produto dos pés a cabeça, mas decepcionou-se porque a palma das mãos e dos pés já eram claras. Vestiu-se com o novo Cardigan que titia havia dado de natal e colocou seus melhores sapatos. Não poderia esquecer seu tesouro na mesinha de cabeceira, colocou-o na mochila velha e saiu de casa rumo à faculdade. Dona Dandara lamentava ver a vizinha andando pela rua com aquela aparência, não entendia porque ela tinha de sair de casa com aquela pinta de europeia e com aquela cara branco-empoleirada.
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