luan_the_laun Luan Souza

2013. Meses após o falecimento da ex-ministra britânica Thatcher, Charles desencadeia uma série de comportamentos psicóticos relacionados ao caso. Em uma consulta com sua psiquiatra, mistérios de décadas atrás vêm à tona...


Conto Impróprio para crianças menores de 13 anos.

#politica #musica #historia #trauma #punk #passado #misterio #inglaterra
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Consultório, 2013

E... sobre seu pai? — A voz da psiquiatra encolheu-se conforme o questionamento, como se tal menção ao ‘’pai’’, fosse de certo minucioso teor.

Claro, iria falar dele, uma hora ou outra. — E respirou fundo. Estava claramente cansado das mesmas repetições. — Sempre, sempre trás ele de volta, o que acha que ainda vai tirar de mim assim?

Olha... Charles, eu preciso ser franca com você. Quero te ajudar, de verdade, mas... preciso entender exatamente o que está acontecendo com você. Eu li seu histórico, conversei diversas vezes com você, sei o que aconteceu na sua família, o que passou e, provavelmente herdou após o trauma. Mas... eu preciso que me conte... sobre... — O vácuo verbal foi preenchido por um recuo labial e uma corpulenta aspiração.

— ... Acha que sou o que sou por conta dele? — Charles fitou o colérico olhar à doutora, sentiu-se ofendido, mas também acreditava na hipótese. Respirou e, voltou o contemplo novamente ao verniz da mesa.

Acho que, se... eu puder entender melhor o que aconteceu naqueles três anos, posso te encaminhar para um tratamento mais específico, talvez alterar a composição e a dose dos antipsicóticos...

Tenho tomado toda a receita todos os dias, desde que entrei aqui, há quatro meses! — Inclinou-se para frente em instinto de ataque. Já não suportava os efeitos colaterais dos remédios receitados, não precisava de mais.

E desde abril não paro de receber queixas e relatos dos outros pacientes sobre ‘’o lunático que quebrou os três dentes postiços do Henry’’, ou do ‘’destrambelhado que tacou uma cadeira do refeitório nas costas da Sra. Grace’’! Você não era assim antes, Charles, quero entender... quando ‘’isso’’ aconteceu. — A doutora havia prometido à si mesma a compostura no tom de voz, antes de entrar no consultório. Havia falhado.

É... e até mesmo vocês ‘’profissionais da mente’’ têm emoções, é belo ver. — No fundo, sentia-se vitorioso por fazer uma psiquiatra alçar o tom de voz. — De... qualquer forma, aonde o meu pai entra nisso?

Bom, a primeira queixa, ainda em abril... um dos inspetores me informou sobre a ‘’discussão’’ — fez questão de sinalizar as aspas com os dedos — ter se iniciado após o comunicado televisivo do falecimento da ex-ministra... a Thatcher.

— Sim... a ‘’Dama de Ferro’’, o maior ícone feminino deste país... depois da Diana, é claro — Charles tentara acobertar o desconforto e nervosismo do simples ressoar de ‘’Thatcher’’ em seus ouvidos. Em outras ocasiões, o faria bem, sem a sísmica tremedeira nas mãos e o tórrido suor no colo. No entanto, aqui era diferente.

Em uma das últimas consultas, acabou tocando no assunto da sua infância de novo e... — preparou-se antes de anunciar — comentou brevemente sobre a ‘’relação’’ entre ela e seu pai. Mencionou um local... — Foi interrompida.

Tá, pode parar, acho que entendi. — Respirou fundo, sentia-se desconfortável na simples menção do assunto. — O que quer saber... exatamente?

Detalhes, sobre o que aconteceu na época, seu pai, a sua família por parte de mãe, Thatcher, a Frente Nacional... como começou, de verdade.

Charles permaneceu em silêncio, estava analisando as possibilidades, era claro o fato de não sentir-se disposto ou preparado para contar:

Olha, doutora... você e eu sabemos do renome deste hospital, não é como qualquer manicômio repleto de dementes e insensíveis, um buraco que qualquer miserável mendicante seria capaz de bancar. E... por isso, também sei da quantidade de tempo e recursos que precisou despender para trabalhar aqui, do reconhecimento que adquiriu... — Encarou-a hermeticamente, esperando por uma resposta, ela havia entendido a indireta.

Quer me fazer uma oferta, Charles? É isso? Em troca do seu passado? — Era simpática, mas respeitava os próprios princípios.

Quero que me tire daqui.

Sabe que não posso ou desejo fazer isso.

Você pode... e é somente assim... que vai tirar o que quer.

Não respondera de imediato, era tão e até mais perspicaz do que Charles. Tinha a certeza de que não o tiraria de lá, era a última coisa que desejara. De qualquer forma, sentia-se pressionada a responder o tão desejado ‘’sim’’:

Bom, embora eu não seja de admitir... de fato, o meu reconhecimento e aprovação seriam capazes de... tirar-lhe daqui. — Encarou-o firmemente de volta, odiava mentir, mas precisava disso.

Então... temos um trato? Uma promessa?

De acordo, Sr. Charles.

28 de Março de 2021 às 02:44 0 Denunciar Insira Seguir história
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